Joy (2018)

País: Áustria

Duração: 1 h e 39 min

Gênero: Drama

Elenco Principal: Anwulika Alphonsus, Mariam Sanusi, Angela Ekeleme

Diretora: Sudabeh Mortezai

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt8917752/


Citação: “Eu lhe comprei da África para você ter uma vida boa.”


Opinião: “Filme conveniente pelo cotidiano desumano que persiste com o passar do tempo.”


Há um adjetivo que pode ser atribuído perfeitamente ao filme em tela: forte. Forte por sua temática, forte por suas protagonistas – por motivos óbvios advindos da “profissão” que exercem -, forte pela capacidade de retirar o espectador de sua zona de conforto, etc. “Joy” é um representante do chamado cine-denúncia, que desnuda uma situação conhecida por todos, o tráfico de mulheres para abastecer o negócio da prostituição na Europa, entretanto, aprofunda a discussão através da revelação de detalhes sórdidos sobre o recrutamento de suas vítimas – principalmente em países pobres e subdesenvolvidos – que utiliza como subterfúgios até mesmo argumentos ou engodos sobrenaturais; e, também, sobre a vida difícil das mulheres inseridas nesse contexto nefasto, que pode até ser imaginada, mas nada mais pertinente do que conhecer de perto a realidade nua e crua dessas pessoas exploradas em sua intimidade, num dos mais perversos exemplos de desumanidade.

Eis a sinopse: “Joy é uma jovem nigeriana que caiu nas garras do tráfico de mulheres e foi parar em Viena, capital da Áustria. Impiedosamente explorada por sua Madame, diga-se, cafetina, ela tenta pagar sua dívida e sustentar a família que deixou para trás em seu país, bem como a sua filha, que mora numa creche na cidade. Ao mesmo tempo, ela recebe a tarefa de supervisionar Precious, uma adolescente, também nigeriana, recém cooptada para o trabalho e que não está pronta para aceitar seu destino.”

Eis uma temática já abordada inúmeras vezes em produções para o cinema e para TV, principalmente em documentários, entretanto, não há uma obra que venha automaticamente à mente sobre ela, ou seja, não há um filme de incontestável sucesso e relevância. “Joy” poderia perfeitamente preencher essa lacuna, no entanto, há uma predisposição de se tornar cansativo e deveras angustiante ao longo de sua exibição, pelo desconforto que gera em seu público através da recorrência de cenas absolutamente inquietantes. Nota-se que a temática proposta, em qualquer caso, possui o poder de gerar sentimentos ruins. Filmes com tamanha densidade narrativa às vezes repelem seus espectadores, principalmente os mais sensíveis, todavia, considero que tais temáticas são incômodos necessários, para que as sociedades nunca fechem os olhos para os problemas sociais desnudados pela obra.

O filme utiliza um artifício comum para amplificar seus temas de interesse: apesar de o título já mostrar quem é a protagonista, o foco parece inicialmente recair sobre Precious, em nome da oportunidade de trabalhar mais nuances dentro da temática. Nesse contexto, com o protagonismo compartilhado, pode-se gerar um maior número de situações a serem desenvolvidas dentro do roteiro. Joy é uma personagem mais rica, por possuir uma filha e por ser a paciente da maioria dos acontecimentos dentro da vida de uma hipotética mulher cooptada pelo tráfico sexual: violência, estupros, dívidas impagáveis, etc. Precious, por sua vez, tem uma importante função dentro da história, que é mostrar o braço do tráfico na origem e, após isso, junta-se à conjuntura geral das outras prostitutas, no entanto, é responsável pela novidade dentro da temática: o chamado Juju – ou ju-ju -, que é um sistema de crenças espirituais que incorpora objetos, como amuletos e feitiços usados ​​na prática religiosa, como parte da bruxaria na África Ocidental. Percebe-se que há uma organização para o recrutamento das mulheres, que, inclusive, utiliza crenças locais dos países fornecedores de “mão-de-obra”, entre outras estratégias, para escravizar com base no medo – há passagens oportunas nas quais Joy exemplifica perfeitamente seu terror pelo Juju.

Deve-se destacar que não há nudez ou sexo explícito num filme que teria toda a oportunidade de comportar tais cenas – talvez, porque a diretora é iraniana -, e, também, o viés irônico concedido ao título do filme, que é o nome da protagonista, e, traduzindo, significa alegria, felicidade, regozijo, prazer, etc. Em um filme sobre a exploração sexual de mulheres, alegria é último sentimento que pode aparecer na narrativa e, quando aparece – após o pagamento de todas as dívidas, por exemplo, ou seja, após a carta de alforria ter sido assinada -, a necessidade faz com que o ciclo de dependência em relação à exploração não se encerre nunca, pelos graves problemas sociais existentes no mundo como um todo. O filme deixa uma mensagem importante, apesar de recorrente, contudo, nunca é demais reforçar, como uma súplica, que tais situações devem ser reprimidas a todo custo pelos governos e pelas sociedades em geral. Eis uma das funções mais importantes do cinema: denunciar. Essa tarefa “Joy” realiza com tanta excelência que incomoda!

O trailer, com legendas em português, segue abaixo.

Adriano Zumba


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