Antes de tudo, é necessário dizer que Dark não é uma série suave de acompanhar. Também não é complexa ao ponto de precisar de um tutorial (mentira, precisa sim). O confuso do enredo está nas inúmeras e constantes repetições em looping de determinadas situações, outras inúmeras linhas temporais que nessa temporada também ganham novas versões de outra dimensão, mas aqui digo que a quantidade de nomes (em alemão), rostos e na necessidade de colocá-los todos em uma concatenação genealógica é onde mora a maior dificuldade. Geralmente, enredos de viagem no tempo são centralizados em uma pessoa apenas, ou no máximo um grupo restrito de pessoas, cercando os nós e ramificações dos possíveis paradoxos temporais dentro de segmentos acompanháveis.
Isso gera algumas dificuldades, não é raro assistir o seriado com uma colinha de quem é quem nas 5 linhas temporais existentes, para não se perder em meio ao mar de rostos e nomes. Mas é aqui que o núcleo criativo de Dark faz jus aos títulos e elogios que a série vem recebendo, pois os showrunners conseguem gerir todos esses elementos e de uma forma coesa, assim como encerrar tais elementos de forma coesa e satisfatória.
O gênero de “viagens temporais” é recheado de conflitos não propositais, erros não planejados que retiram toda a sequência lógica da história. Não digo somente as produções de menor escalão, que não necessariamente deram uma atenção imensa aos efeitos de espaço tempo na linearidade dos acontecimentos quando uma ação que seja é mudada no passado/presente/futuro. Grandes nomes do gênero caem em falhas desse tipo, e nem por isso deixam de ser grandiosos.
Baran bo Odar e Jantse Friese, nesse ponto, são quase mutantes de quadrinhos. Como showrunners, e consequentemente cabeças da equipe de roteiristas da série, é de se espantar o domínio que possuem sobre o roteiro. Temos a todo momento a prova de que eles sabem o que estão fazendo, sabem os caminhos e destinos de todos os personagens com uma clareza espantosa, mesmo ainda que nós, os telespectadores, estejamos simplesmente perdidos no enredo. Quando achamos que a coisa está desandando, eles provam que tudo não passava, mais uma vez, de um planejamento a longo prazo. Maior prova disso é a forma como todos os pontos da série, todos os loopings e paradoxos, são dispostos e sequenciados em uma forma organizada e concatenada no plot twist final.
É perceptível que Friese e Odar sabem da complexidade do que estão fazendo e trabalhando, então sempre buscam maneiras, mesmo que singelas, de possibilitar a diferenciação dos personagens em suas mais diferentes versões; através de uma cicatriz, um membro perdido, estilos de cabelo, vestimentas, ou mesmo o já meme “estado de necessitar banho” de Jonas. Somado a isso, são mais do que recorrentes os momentos em que os personagens literalmente param para explicar o que está acontecendo (ou mesmo a narração voice over, que inicia e termina os episódios, parando para explicar algo enquanto imagens vão passando e se conectando com o discurso). Isso é um famoso recurso, carinhosamente apelidado na internet de “palestrinha”, massivamente utilizado em diversas obras, não somente do gênero de ficção científica. Em muitos casos, talvez a maioria, não há necessidade, às vezes até beira a ser um insulto à capacidade intelectual do telespectador (eu mesmo não sou muito fã). É preferível, em alguns casos, que aqueles que assistem devam fazer suas próprias conexões entre as imagens, suas próprias interpretações.
O acompanhamento de atuação é condizente com a necessidade do roteiro. O elenco não necessariamente dá um show de atuação, o que em alguns momentos até não deixa elevar a empatia para com os personagens.
Talvez seja um problema que nos empurre diretamente de volta ao roteiro, que na preocupação de tecer uma estrutura espaço temporal fidedigna e verossímil, acabe por deixar de lado a construção de diálogos. Talvez ainda o problema esteja na forma como percebemos a atuação alemã. Há diferentes formas de captar o drama, isso pode variar de cada país, de cada região, continente e afins. Nesse sentido, da mesma forma que algumas atuações podem ser naturalmente “exageradas” (o que não é o sinônimo de ruim), as atuações presentes em Dark podem ser naturalmente secas, mais sérias (o que também não é sinônimo de ruim).
O que de fato é ruim dentro da temporada final é o excesso de diálogos repetitivos. A dualidade maniqueísta dente Adam e Eva é uma boa girada no enredo, mas fica relativamente cansativo a recorrente exposição de como um é o lado oposto do outro, ou como um é a luz, e o outro as trevas; um é o bem, o outro é o mal; um quer salvar os mundos, o outro quer destruir… Enfim, alguns momentos é até possível de completar a fala do personagem quando estão falando sobre Adam e Eva.
Dark encerra sua trajetória com a certeza de que é uma das melhores produções da Netflix. Um respiro de qualidade dentre as recentes, trágicas e pífias produções da empresa. Termina de uma forma incrível, tão boa como a forma que se desenvolveu, tão boa quanto a forma que começou.
Direção: Jantse Friese e Baran bo Odar
Episódios: 8
Duração: 60 minutos
Elenco: Louis Hofmann, Lisa Vicari, Karoline Eichhorn, Julika Jenkins e Oliver Masucci.
o ano de 2019, um mundo estranho e ao
mesmo tempo familiar: é a cidade de Winden, ainda em choque com o
desaparecimento de um jovem chamado Erik Obendorf.
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