Demônio de Neon

Demônio de Neon é mais um filme de Nicolas Winding Refn que centra sua história em um protagonista que é consumido por seu sonho. A narrativa de Jesse (Elle Fanning) é baseada na perda de sua inocência e a afirmação de sua personalidade tímida, mas perigosa, como ela diz. O mundo da moda, fotografia e passarelas é o palco onde vemos Jesse desabrochar e onde Refn explora a história de mais uma modelo devorada pela indústria fashion. No entanto, o diretor não consegue dosar seus anseios criativos ao desenvolver a história, caminha na direção oposta do apresentado nos dois primeiros atos do filme e se rende a fetiches visuais e temáticos desnecessários e desagradáveis.

Com apenas 16 anos, Jesse chega a Los Angeles para tentar uma carreira como modelo. Sem família na cidade e sem os pais, ela faz amizade com Ruby (Jena Malone), uma maquiadora que a apresenta a outras modelos e demonstra, desde o início, um interesse maior do que uma simples amizade. A inocência de Jesse é percebida pelo modo como ela fala, sua linguagem corporal e, claro, sua experiência de vida. Ela confessa a Dean (Klaus Glusman), que tem um interesse romântico por ela, que terá de mentir sobre sua idade, pois Jan (Christina Hendricks), que a contratou como modelo, exigiu que ela usasse uma idade maior do que ela possui para evitar problemas. Uma simples mentira como essa parece incomodar profundamente a garota, o que aumenta a sua áurea de ingenuidade. Todos que ficam ao redor de Jesse conseguem perceber aquela “coisa” que a diferencia das outras modelos. A beleza natural, sem plásticas, a inocência, uma pureza que poucas pessoas possuem, fazem dela um “sol no inverno”, como uma modelo diz para ela.

Refn estabelece o tema principal em volta da inocência de Jesse, questionando as intenções daqueles que a cercam e flerta em alguns momentos com a banalização e supervalorização da beleza. Os temas levantados por ele são relevantes, mas a sutileza com que são abordados é quase inexistente. Todos olham para Jesse com inveja e ela é jogada em um grupo de mulheres falsas que emanam hostilidade. Os diálogos entre elas – a maioria deles expositivos e fracos – tratam de suas cirurgias plásticas, suas carreiras e nunca possuem relevância. Outro problema que Demônio de Neon enfrenta é a falta de desenvolvimento dos personagens, que resulta em atuações horizontais e que dependem muito do visual do longa para terem um pouco de profundidade. Nem Fanning é munida de informações suficientes para dar mais vida e construir um personagem que apresente uma narrativa completa e com desenvolvimento interessante.

O filme se perde por completo quando salta do drama pessoal de Jesse para o thriller psicológico e acaba no gore absurdo que fecha o longa. As cenas que misturam realidade e sonho são claramente inspiradas em diretores como David Lynch e Stanley Kubrick, mas sem o mesmo impacto ou relevância que estes aplicam em seus filmes. Refn tem o talento para filmar essas sequências e deixá-las bonitas, mas os fundos pretos, as luzes estroboscópicas, os triângulos em neon vermelho, os enormes fundos brancos, as boates escuras e modernas que constroem a fotografia interessante de Natasha Braier perdem força pela falta de foco que a trama possui.

Uma característica dos filmes de David Lynch é o momento em que a trama sofre alguma ruptura e tudo se transforma, a linha que distingue o sonho da realidade fica opaca. Em Demônio de Neon, Refn tenta algo parecido na sequência em que um animal selvagem entra no quarto de Jesse, e Hank (Keanu Reeves) é chamado para tirá-lo de lá. A partir deste ponto da história, toda inocência e pureza que Jesse apresentou dá lugar a uma postura mais sexual, confiante e que se assemelha a das outras modelos. Na sequência seguinte, ela faz um ensaio fotográfico nua e se desprende totalmente de suas inseguranças. Este artifício funciona com Lynch pois ele distorce a narrativa e provoca o espectador a duvidar se o que está acontecendo se passa no mundo real ou no mundo dos sonhos. Aqui, não temos dúvida que tudo se passa no plano real, com algumas sequências que têm um apelo visual que se assemelham a de um sonho. Essa mudança repentina na personalidade de Jesse não tem qualquer construção ou motivação suficiente que fosse justificável e se ligasse à cena do animal, além de tornar o uso desse artifício óbvio.

Nicolas Winding Refn conseguiu estabelecer um visual próprio em Drive Só Deus perdoa, mas se apaixonou demais pelo próprio estilo. Após essa mudança na personalidade de Jesse, o filme se torna um conjunto de fetiches de mau gosto, resoluções fracas para uma trama que não vai a lugar algum e uma conclusão grotesca, literalmente.

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