Kate interpreta Christine

Alguns filmes transitam pela linha tênue que separa a ficção do documental. Kate interpreta Christine ultrapassa essa linha tantas vezes que o processo de Kate Lyn Sheil no descobrimento da personalidade e das motivações que levaram a apresentadora de tv Christine Chubbuck ao suicídio em seu programa ao vivo se torna quase esquizofrênico.

Um dos maiores desafios que Kate enfrenta para conhecer Christine é a falta de material gravado dela apresentando seu programa na televisão e informações sobre sua vida pessoal. Kate encontra dificuldades para entender os motivos que levaram a apresentadora a tomar uma atitude tão drástica e transmiti-la ao vivo. Aos poucos, Kate conversa com conhecidos de Christine, ex-funcionários da emissora de tv em que trabalhava e descobre mais sobre sua vida pessoal. Eu utilizei a palavra “conhecidos” propositalmente, pois um dos motivos que levou Christine a optar pelo suicídio foi justamente a falta de amigos. Uma das poucas pessoas que ela considerava sua amiga a engana e fica com o homem que ela tinha interesse romântico. O fato dela ter 29 anos e ainda ser virgem também a incomodava, e depois de passar por um procedimento médico que retirou um de seus ovários, ela sentia a pressão aumentar ainda mais, pois, além de não ter um parceiro, ela teria apenas mais dois anos para ter a chance de ser mãe.

Todos esses fatores sociais, emocionais, e a falta de apoio que Christine tanto necessitava levaram-na a depressão. É interessante notar como Kate, ao descobrir todas essas informações, desenvolve uma crescente afeição por Christine e encontra dificuldades em recriar os momentos vividos pela apresentadora. Kate passa por um processo de transformação não apenas exterior ao trocar a cor das lentes de contato, bronzear o corpo artificialmente, comprar uma peruca com o mesmo corte de cabelo de Christine, ou vestir as mesmas roupas que a apresentadora costumava usar, mas passa principalmente por uma transformação interior. As cenas que reconstituem alguns momentos importantes da trajetória de Christine se tornam cada vez mais perturbadoras e Kate demonstra isso, como, por exemplo, quando conta a um amigo de trabalho ter comprado um revólver. “Por quê?”, ele pergunta. “Estou pensando em estourar meus miolos ao vivo.”, ela responde.

A atriz diz em alguns momentos que não quer romantizar ou tornar ainda mais sensacionalista a história de Christine. Essa abordagem que o diretor Robert Greene dá a seu filme serve de crítica à mídia que tira proveito de qualquer situação trágica em troca de audiência. A história de Christine é um exemplo desse tipo de exploração barata e desumana. Em diversas ocasiões Kate recita trechos de Network - rede de intrigas, filme de Sidney Lumet, que foi inspirado na história da apresentadora e, dois anos após o suicídio de Christine, foi lançado e criticava fortemente esse jornalismo sensacionalista. Correndo o risco de cair na própria armadilha que levou o caso de Christine a ficar conhecido mundialmente, Kate interpreta Christine não é sensacionalista e não é outro caça-níquel cinematográfico que revive um evento doloroso como esse para tirar vantagem. A dificuldade de Kate ao interpretar Christine dá ao filme o tom humano e a devida importância que ela tanto precisava. 

Com o desenvolvimento do arco dramático que Robert Greene dá a seu filme, o espectador não consegue escapar da crítica ao jornalismo e o modo inteligente como ele resolve o clímax nos coloca em uma posição de reflexão sobre as motivações mórbidas de ver uma pessoa tirando a própria vida na televisão.

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