Blade Runner, O Caçador de Andróides (Blade Runner, 1982)

Li em algum lugar que o cinema ‘cai de amores por Philip K. Dick’. Não é pra menos, suas obras já foram levadas às telonas várias vezes, com diversas visões, direções, atuações e até mesmo gêneros. No entanto, de todas elas a que mais logrou êxito foi, de longe, a versão de Ridley Scott para O Caçador de Andróides. Talvez o sucesso deste tenha sido o pontapé inicial para as outras tentativas de lucrar com os textos do escritor norte-americano, que hoje é considerado um dos maiores nomes da ficção-científica do século XX. Contudo, lêem-se muitas críticas negativas para as outras adaptações, sendo essa ainda a mais aclamada.

Ora, mas o que tem de mais na obra deste fulano? Eu diria que tem tudo, mas o que cativa é que esse tudo não é dado de maneira gratuita, é sublime, sutil. Philip K. Dick sabia como ninguém os desesperos do ser humano, suas dúvidas, questionamentos, emoções. E é tudo isso que vemos em seus textos, mas não como em romances de auto-ajuda, para ele é tudo alegórico, onírico e a ficção-científica está aí para isso, não apenas para tentar prever o futuro.

Ridley Scott consegue transpor em cenas o sentido que Philip expressa com as palavras. Os elementos tão explorados pelo escritor estão presentes no filme: o uso excessivo de tecnologias pelo homem e a revolta da mesma, a substituição do orgânico pelo mecânico, a fuga da realidade e o onirismo, o desespero humano por não controlar sua criação, e de forma bem sutil como isso pode ser comparado com preceitos religiosos. Algumas cenas do filme sugerem isso, a chuva mais parece um dilúvio tentando varrer a criação revoltosa da terra, poupando apenas um exemplar (Rachel) para uma futura propagação, enfim. Está tudo ali, com direito a pombinha e tudo.

Não é a primeira vez que vemos a espiritualidade e religiosidade na obra de Philip (e sim, falo dele com intimidade). Basta dá uma olhada em Ubik (Editora Aleph, 240 pág.) onde a vida após a morte é tratada de forma tão magistral e peculiar. Podemos aguardar isso para o cinema também, pois há um filme sendo produzido com base nesse livro. Ou então, que tal Os Três Estigmas de Palmer Eldritch (Editora Aleph, 248 pág.)? Nesse vemos a vida eterna como ponto chave da busca pelos personagens, um reflexo nosso.

Voltando à Blade Runner, o que temos nessa temática é a busca pela longevidade, uma fuga do pós-morte, ainda que inevitável. Frases como “É uma pena que ela não vá viver! Mas quem vive?” mostram bem isso. No entanto, há muito mais do que o desespero espiritual nesse filme. Há um resquício de poesia num ambiente hostil, sujo. Há beleza e até mesmo amor. É tudo isso e mais um pouco que fazem desse filme um cult movie.

Não só Ridley Scott se consagrou nesse filme, foi aqui que o talento de atores como Harrison Ford, Daryl Hannah e Rutger Hauer se revelou promissor. Tanto é que parece que Harrison quer voltar à sua mina de ouro. O fato é que há especulação de uma sequência para o filme e parece que o Ford estará na pele de Deckard mais uma vez.

Para os que não conhecem a obra/filme eis a situação: por volta de 2019 (2021 no livro) os humanos já colonizaram outros planetas e criaram andróides idênticos a eles, os replicantes, seres fortes, inteligentes e atualmente revoltados. Deckard (Harrison Ford) é um caçador desses andróides, no entanto se encanta por uma delas, a replicante Rachel (Sean Young), tendo que mudar um pouco o curso das coisas por causa dela. É basicamente isso, qualquer coisa a mais poderia ser um spoiller.

Não vejo muitos pecados cometidos pelo filme. A direção é boa, as atuações são vibrantes – ainda que alguns digam que o filme é um pouco parado –, a fotografia é excentricamente bela e a trilha sonora casa perfeitamente com as cenas bem orquestradas. Ainda assim o filme possui três versões, com uma ou outra cena a mais ou a menos. Recomendo a versão original do diretor. Philip K. Dick chegou perto de ver sua obra-prima na telona, no entanto, morreu cerca de três meses antes do lançamento do filme.

O livro O Caçador de Andróides (Do Androids Dream of Electric Sheep?, Editora Rocco, 256 pág.) é também indispensável para quem quer conhecer de fato as nuances do autor que não foram passadas para a telona, e são muitas. Já para os que já o conhecem, o amam e querem ver mais obras adaptadas devo dizer que 2012 será um ano prolífico para este fim. Anota aí o que sai este ano de inspiração no autor: os longas Ubik (de Michel Gondry), Total recall (de Len Wiseman) e Nebulus (de Brandon Slagle); e os curtas Beyond the door (de Mathew Mandarano) e  Blade Runner: Done in 60 seconds (de Richard Cosgrove).

Depois disso tenho que concordar com quem disse que o cinema de fato cai de amores pelo K. Dick.

Título / Título original: Blade Runner, O Caçador de Andróides / Blade Runner
Direção: Ridley Scott
Roteiro: Hampton Fancher, David Peoples e Philip K. Dick
Gênero: Ação, Drama, Ficção Científica , Suspense
País: Estados Unidos da América
Ano: 1982
Duração: 116 min.

6 comentários

  1. Excelente suas reflexões sobre Blade Runner e o autor do livro que deu origem ao filme de Ridley Scott. Gostaria de dizer que Blade Runner foi um dos melhores filmes que assisti. Tive o privilégio de vê-lo no cinema em minha cidade no início dos anos 1980. Hoje, considerado um cult indiscutível, é filme que merece e deve ser visto por todo aquele que se diz amante da sétima arte. Vi e revi o filme diversas vezes e não me canso de, a cada revisão, encontrar novas nuances, novos elementos. Isso sem mencionar os atores, não apenas Harrison Ford, excelente, mas o grande Hutger Hauer, numa interpretação magistral. A sequencia de sua “morte” é de arrepiar e de fazer com que a gente vá às lágrimas, de tão tocante e sensível. Um filme inesquecível. Uma obra-prima do cinema. Parabéns, Ademar!

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