Beleza oculta (2016)

Por André Dick

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Depois de dois sucessos de bilheteria, O diabo veste prada e Marley e eu, o diretor David Frankel se tornou uma espécie de representante daquele nicho que mistura drama e comédia, potencializando essas características em Um divã para dois, com Meryl Streep, Tommy Lee Jones e Steve Carell em ótimas atuações. Talvez por isso ele tenha desapontado tanto a crítica em geral quando resolveu ingressar no drama em Beleza oculta, visto em geral como um filme que desperdiça seu grande elenco.
A história de Beleza oculta apresenta um publicitário, Howard Inlet (Will Smith), em dificuldades pessoais depois de perder a sua filha ainda criança. Seus parceiros Whit Yardshaw (Edward Norton), Claire Wilson (Kate Winslet) e Simon Scott (Michael Peña) não se preocupam apenas com Howard, mas com o destino da agência onde trabalham, na qual ele só aparece para montar dominós em escala gigante. Os três decidem contratar uma detetive particular, Sally Price (Ann Dowd), para colher provas de que Howard está mentalmente desequilibrado.
A investigadora descobre que ele escreve cartas para o Amor, o Tempo e a Morte, conceitos com que lidava na agência durante seu período mais tranquilo. Então, seus colegas contratam três atores – Raffi (Jacob Latimore), Brigitte (Helen Mirren) e Amy (Keira Knightley) – para atuarem como Tempo, Morte e Amor, respectivamente. Amy está especialmente em dúvida se seguirá o que estão solicitando, mas é Brigitte que toma a dianteira para tentar provar que, além do dinheiro a ser recebido, este pode ser um real trabalho de interpretação.

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Whit, Claire e Simon também enfrentam seus problemas pessoais: Whit quer estabelecer uma ligação com sua filha Allison Yardshaw (Kylie Rogers), Simon tem um segredo sobre sua vida; e Claire está atrás de doadores para que possa engravidar. Enquanto isso, Howard não sabe se frequenta um grupo de apoio, em que Madeleine (Naomie Harris) é a organizadora. Ele simplesmente não consegue dizer o nome da filha nem elaborar o que aconteceu a ela com os amigos. Frankel coloca os três colegas de Howard dando conselhos aos atores para que possam interpretar seus papéis de maneira convincente. Mais do que Howard, é eles, por outro lado, que necessitam dos conselhos do Tempo, do Amor e da Morte – e nisso o filme se justifica, colocando-os em diferentes situações.
São justamente esses personagens que gostariam que sua vida fosse transportada para o teatro, a fim de que não precisassem enfrentar a realidade, que inclui a depressão de Howard. Todos, de certa maneira, enfrentam o luto em suas vidas de algum sonho não realizado, e a agência de publicidade se projeta como o símbolo disso. Você vai ver Kenneth Lonergan trabalhar isso de maneira crua em Manchester à beira-mar; aqui, o tratamento é claramente apelando para a fuga da realidade.

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Esta é uma história claramente implausível, feita em cima de conceitos sobre a vida, mas Frankel não deixa de colocar um interesse em cada ação dos personagens e faz atingir um sentido de grandeza em muitos momentos. Assim como em seus outros filmes, ele sabe construir uma atmosfera, e em Beleza oculta o pano de fundo é a época natalina, uma época justamente em que vêm à tona lembranças familiares mais do que em outros períodos. Os seus personagens interagem com esse ambiente: por exemplo, mesmo enfrentando essa fase difícil em sua vida, Howard tenta se reanimar pedalando por Nova York, na contramão de carros ou sobre pontes. Registrada pela fotografia excelente de Maryse Alberti (responsável por dois ótimos trabalhos, em Creed e A visita), a atmosfera contrasta com os sentimentos dele, que não consegue nunca ser colocados à prova. Pode-se dizer, por um lado, que ele é discreto ao revelar sentimentos dos personagens, mas, ao mesmo tempo, contundente: sobretudo quando coloca Helen Mirren na figura da Morte.
De qualquer modo, é Will Smith, do elenco, que apresenta a melhor atuação, como em Esquadrão suicida: apesar de seu personagem ter alguns comportamentos estranhos, o ator estabelece um padrão interpretativo que lembra seus melhores momentos em Ali. Pode-se sentir a angústia de Howard por causa de Smith, mas num nível mais extremo daquele que vemos em À procura da felicidade e mais efetivo do que em Um homem entre gigantes, quando tentava emular um sotaque etíope e muitas vezes não dava certo. Ele não seria também individualista e egoísta vendo seus amigos numa situação complicada? Smith trabalha essa faceta muito bem. Não muito longe, fica Naomie Harris, de Moonlight, no papel da delicada Madeleine.

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Apesar do tom francamente dramático, não escapa à narrativa certo senso de humor, por exemplo na conversa de elevador que Whit procura ter com ele ou naquele momento em que Howard quer desvencilhar do Tempo, e Jacob Latimore aparece para importuná-lo. Helen Mirren tem uma atuação também comovente como a atriz que interpreta a Morte, embora Knightley e Norton sejam especialmente subaproveitados numa ligação cuja intensidade fica subentendida e logo é deixada de lado por Frankel e pelo roteiro.
Em alguns momentos, Beleza oculta evoca Simplesmente amor, pela ligação entre os personagens, mas sua proximidade é maior de filmes de James L. Brooks, principalmente Como você sabe, principalmente pelos cenários nova-iorquinos. E, claro, não é isento de falhas: em algumas resoluções simplistas, na tendência, algumas vezes, a querer que o espectador se comova, independente do que está assistindo. Ainda assim, ele possui uma humanidade interessante e particularmente tocante, mais do que outros projetos que se alimentam dessa ideia. Não é mais tão comum mais obras que tratam da sensibilidade em relação aos outros e das oportunidades que surgem e devem ser seguidas: Beleza oculta é uma delas.

Collateral beauty, EUA, 2016 Diretor: David Frankel Elenco: Will Smith, Edward Norton, Helen Mirren, Keira Knightley, Michael Peña, Naomie Harris, Kate Winslet, Jacob Latimore, Ann Dowd Roteiro: Allan Loeb Fotografia: Maryse Alberti Trilha Sonora: Theodore Shapiro Produção: Allan Loeb, Anthony Bregman, Bard Dorros, Kevin Scott Frakes Duração: 97 min. Distribuidora: Warner Bros. Estúdio: Anonymous Content / Likely Story / Overbrook Entertainment / PalmStar Media / Village Roadshow Pictures

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4 Comentários

  1. Julieta Souza

     /  10 de novembro de 2017

    André, eu adorei sua reflexão sobre o filme. Eu acho que a mensagem que nos deixa é muito boa, e por esse motivo vale a pena. Tem uma boa trama, leve, bom ritmo e as atuações transmitem emoções e provocam reflexões profundas sobre a vida. Adorei a história, e os personagens fazem uma química maravilhosa, você pode sentir os sentimentos deles.

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    • André Dick

       /  16 de novembro de 2017

      Prezada Julieta,

      agradeço por seu comentário generoso. Concordo com suas palavras a respeito deste belo filme, subestimado. Espero que as pessoas descubram esse filme, principalmente devido à má recepção injusta que teve. Apesar de alguns problemas narrativos, acho que os personagens e algumas nuances do roteiro compensam. E provocam reflexões, sobre eles e os nossos sentimentos.

      Volte sempre!

      Um abraço,
      André

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  2. Paulina Martinez

     /  13 de novembro de 2017

    Obrigado pelo post, é muito bom. Sempre achei o seu trabalho excepcional. Will Smith também sempre demonstrou por que é considerado um grande ator, desfruto do seu talento. Eu adoro esse filme e ele faz uma grande química com todo o elenco, vai além dos seus limites e se entrega ao personagem.

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    • André Dick

       /  13 de novembro de 2017

      Prezada Paulina,

      agradeço por seu comentário generoso. Também aprecio este filme subestimado com Will Smith, em que ele tem grande química com todo o elenco, como você comenta.

      Volte sempre!

      Um abraço,
      André

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