On the rocks (2020)

Por André Dick

Depois de sua versão de O estranho que nós amamos, Sofia Coppola teve um hiato de três anos até este On the rocks, em que Bill Murray interpreta Felix, dono de uma galeria de arte em Manhattan, que tenta estabelecer uma ligação com a filha, Laura, interpretada por Rashida Jones, por conta de uma suspeita de traição do marido dela, Dean (Marlon Wayans). Ele tenta servir como um conselheiro – e também detetive, se surgir a oportunidade – para o que pode estar acontecendo, visto que o marido age de maneira suspeita depois de começar a trabalhar com Fiona (Jessica Henwick) numa empresa dedicada às mídias e sempre envolvida com viagens e festas nas quais Laura se sente deslocada.

De modo geral, este filme reúne imagens que remetem a Encontros e desencontros, sobretudo pela presença de Bill Murray, assim como sua temática: a de uma mulher que se sente sozinha em seu casamento. Sofia também capta imagens de um certo tédio existencial de Nova York que remetem a um Um lugar qualquer, seu ótimo filme sobre a Hollywood que só existe nos sonhos. A ligação que o pai vai tendo com a filha, com recordações da família, é tratada com caminhos emotivos e bastante básicos por Sofia, mas nunca reduz o seu olhar sobre a paternidade. Sofia costura uma relação em que o pai tenta fazer com que a filha seja menos introvertida, seja fazendo com que ela assobie, o que parece não conseguir, ou se divirta mais quando vai ao restaurante. Não se trata de uma concepção distanciada do mundo real de Sofia, e sim uma espécie de transição para um mundo à parte, em que o pai parece saído de uma película de Fellini e, depois de dirigir um carro esporte vermelho à noite em alta velocidade, consegue fazer amizade instantânea com o policial que o para.

Sob determinado ponto de vista, esta é uma obra que certamente traz elementos biográficos da ligação de Sofia com seu pai, Francis, com um olhar otimista, melancólico e por vezes divertido. Trata das relações entre casamentos passados e casamentos presentes, do que se espera para justificar algo que aconteceu e não foi bem resolvido. É difícil negar que o filme extrai complexidade de um assunto até simples e breve – a visão que o homem tem de si mesmo, dos seus desejos e da mulher. Felix tem uma visão da mulher que pertence a seus relacionamentos e parece querer expandi-la para onde consegue reduzir tudo a seu olhar. Sua filha acaba sendo incluída nesta mesma interpretação do estado de coisas. A mulher, no casamento, se vê, no caso de Laura, entre o sonho – a escrita de um romance – e a criação de duas filhas pequenas, enquanto nas idas ao colégio precisa ouvir da amiga Vanessa (Jenny Slate) divagações sobre o sexo com o parceiro. Os momentos de lazer parecem ser aqueles representados pelo design de produção cuidadoso de restaurantes, assim como era em outra parceria exitosa de Sofia com Murray, em A very Murray Christmas, um especial natalino no qual se fazia uma intersecção entre a festividade e a melancolia, em ritmo musical, numa prévia clara de La La Land. Nesses pontos, Sofia tem uma influência direta do cinema italiano do qual descende sua família, e desta vez com uma fotografia sensível e atmosférica de Philippe Le Sourd, que remete aos trabalhos de Paolo Sorrentino, como A juventude. Em igual escala, a trilha sonora de Phoenix, também familiar a Sofia, captura o espírito contemporâneo.

Na década passada, Sofia esteve muito interessada em mostrar certo vazio tanto na vida de um artista (Um lugar qualquer) quanto na vida de adolescentes capturados pelas imagens de ídolos superficiais (The Bling Ring). Aqui ela parece querer uma volta à solidão feminina, que evocou em O estranho que nós amamos e no início de sua carreira, mais destacadamente Maria Antonieta. Difícil imaginar que ela não se sai bem, com cenas lentas, um roteiro até certo ponto básico e atuações excepcionais de Rashida e Murray, este no seu momento mais contido desde Flores partidas. Rashida já se mostrou grande atriz ao lado de Andy Semberg em Celeste e Jesse para sempre, um filme delicado sobre o divórcio conturbado de dois jovens, e aqui está especialmente bem, enquanto Wayans, como seu marido, foge ao padrão das comédias pastelão que faz com seu irmão, a exemplo de As branquelas, ou os dois primeiros Todo mundo em pânico, para desenhar uma figura em relação à qual o espectador fica indefinido. É exatamente na falta de definição desses personagens que se baseia Sofia para mostrar se trabalho talvez mais intimista desde Encontros e desencontros, um retrato decisivamente elaborado sobre o casamento e seus efeitos na vida de cada um.

On the rocks, EUA, 2020 Diretor: Sofia Coppola Elenco: Bill Murray, Rashida Jones, Marlon Wayans Roteiro: Sofia Coppola Fotografia: Philippe Le Sourd Trilha Sonora: Phoenix Produção: Sofia Coppola, Youree Henley Duração: 96 min. Estúdio: American Zoetrope Distribuidora: A24 e Apple TV+

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