Loveless (2017)

Título original: Nelyubov

Países: Rússia, França, Alemanha, Bélgica

Duração: 2 h e 07 min

Gêneros: Drama

Diretor: Andrey Zvyagintsev

IMDB: http://www.imdb.com/title/tt6304162/


O representante da Rússia na disputa pelo Oscar de melhor filme estrangeiro em 2018 é simplesmente agoniante, duro, pesado. A linha de pensamento principal que o espectador é instado a seguir pelas circunstâncias que a história desenha é, na verdade, uma linha secundária, pois o contexto em que os fatos se desenvolvem acaba sendo mais importante e revela uma realidade cruel do mundo desenvolvido – e não apenas da Rússia, que o diretor insiste em focar, mostrando logo no início do filme uma bandeira de seu país. A tragédia familiar, na verdade, é deveras influenciada pelo cotidiano das pessoas. Vou discorrer melhor sobre esse tema mais abaixo. O certo é que Andrey Zvyagintsev, um diretor com um futuro brilhante – e já mostrou isso em Leviatã (2014) -, desviou a atenção do público com um drama envolvente, mas contou a história atual do mundo. Apenas um toque de inteligência e sagacidade!

O filme narra a separação de Boris e Zhenya, que não se suportam mais. Entre eles, um garoto introvertido chamado Alyosha – filho do casal. Ao ouvir uma discussão de seus pais, através da qual ele fica sabendo da possibilidade de ir parar num orfanato, pois nem seu pai nem sua mãe querem sua guarda, Alyosha decide fugir de casa, e então o drama, que já era enorme, ganha dimensões de tragédia.

Viver no mundo de hoje está cada vez mais difícil, e o roteiro cria um ambiente muito familiar a todos nós, baseado no comportamento das pessoas. Segundo o filme, vivemos num mundo de relações virtuais e voláteis; das facilidades e futilidades, em virtude da tecnologia que invade cada vez mais as nossas vidas; das “selfies“, que mascaram a alma das pessoas e mostram a mentira na face de uma sociedade hipócrita. Vivemos num mundo com pessoas egoístas e individualistas, com muito querer, pouco a oferecer e totalmente desprovidas de valores humanos realmente importantes. Vivemos num mundo, como está estampado no título do filme, sem amor, em desamor, no qual as pessoas estão tão próximas e, ao mesmo tempo, tão distantes uma das outras. Um mundo em que as pessoas não se “olham nos olhos”, não se falam, apenas se enxergam e interagem através de seus smartphones de última geração. É nesse contexto que se passa a história, e o cuidado com a nocividade do cotidiano acaba sendo a principal mensagem da narrativa.

Parece surreal, mas é a mais triste realidade: há pais que não dão importância a seus filhos. Em relação ao caso em tela, temos Zhenya, uma mãe indiferente, uma mãe fútil, que enxerga no novo companheiro uma possibilidade de ascensão social, uma “mãe tecnológica”, que não desgruda os olhos de seu telefone e das redes sociais. Uma mulher que levou adiante uma gravidez indesejada e, por conseguinte, acabou casando por conveniência, ou seja, sem amor. Uma mulher com sentimentos negativos desde o início, sem amor de sua própria mãe, que lhe negou um afago até na hora mais difícil de sua vida e preferiu recomendar a interrupção de sua gestação. Temos Boris, um pai ausente e impaciente, que parece querer manter seu relacionamento sem amor para não perder seu emprego – de acordo com as regras da empresa na qual trabalha. Ele se prepara para ser pai novamente, já que sua atual companheira está grávida há uns 6 meses. Notem que Boris e Zhenya já têm outras pessoas em sua vidas e ainda não se separaram, o que sugere que se trata de um processo arrastado e doloroso, que já perdura há algum tempo. Nesse fogo cruzado, há uma desafortunada criança, que só quer amor, mas a vida sem filhos é muito mais fácil e interessante para ambos – o egoísmo lateja incessantemente.

Para exemplificar mais ainda a dificuldade da vida e o mundo marcado pela irrelevância, o filme mostra a situação da polícia, que, no primeiro momento, tenta inibir a investigação e coloca uma série de entraves para iniciar seus trabalhos. Prefere contar com as estatísticas, pois crianças que fogem, voltam para suas casas em poucos dias. Prefere aconselhar as pessoas a buscarem um grupo de voluntários que procuram pessoas desaparecidas. É um tratamento banal para algo tão desesperador. É uma total falta de interesse por algo que causa tanta dor. É uma falta de amor com o próximo. É uma falta de humanidade. São, segundo o diretor, a burocracia e o desinteresse entranhados no serviço público do país.

Há duas frases que achei muito importantes ao longo do filme. A primeira foi dita por Zhenya quando discutia com Boris: “você precisava de uma família, eu não” – uma afirmação no mínimo infeliz, por ter vindo de uma mãe, presumidamente, em desespero, para justificar o erro de um casamento malsucedido. A segunda foi dita pelo namorado de Zhenya, após uma relação sexual com ela: “não se pode viver em desamor”, como se duvidasse do próprio sentimento da mulher para com todos. Cada um que busque sua própria explicação para essa situação tão difícil. O certo é que a tensão se instala, e, a todo momento, a cada pequena evidência, ansiamos por uma notícia do inocente da história, Alyosha – provavelmente, o único personagem que tinha amor em seu coração, mas ninguém gostaria de recebê-lo. Ao fim, infelizmente, constatamos que nada mudou; o amor continua distante, e, então, terminamos tensos e reflexivos, mas, felizmente, é apenas um filme. Qualquer semelhança com a realidade é apenas uma mera coincidência.

Tem cara e jeito de Oscar. É meu favorito! Agora é só aguardar.

O trailer, com legendas em inglês, segue abaixo.

Adriano Zumba


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