Na ventania (2014)

Título original: Risttuules

Título em inglês: In the crosswind

País: Estônia

Duração: 1 h e 30 min

Gêneros: Drama, história

Elenco Principal: Laura Peterson, Tarmo Song, Mirt Preegel

Diretor: Martti Helde

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt2534660/


Com as informações abaixo, o filme se inicia:

“Na noite de 14 de junho de 1941, mais de 40 mil inocentes foram deportados da Estônia, Letônia e Lituânia. O objetivo da operação secreta ordenada por Stalin era a limpeza étnica dos povos nativos nos países bálticos. Entre os milhares, estava Erna Tamm, cujas cartas da Sibéria inspiraram esta história.”

Um termo utilizado para denominar essas operações de deportações em massa é o expurgo, que era um artifício bastante comum durante a ditadura de Stalin na URSS para aniquilar cidadãos com algum suposto poder de crítica à política do país ou que pudessem criar um grupo alternativo de oposição. Esses expurgos em série mataram milhões de pessoas! Trata-se de algo similar ao holocausto nazista, que é comumente chamado de holocausto soviético ou comunista.

Um ótimo resumo da passagem histórica aludida no filme, chamada de Operação Priboi, pode ser visto clicando-se aqui.

Após esse breve prefácio histórico, para situar o leitor no contexto, vou deixar minhas impressões sobre a obra cinematográfica em destaque. Assim como, através de nossas palavras, podemos discorrer sobre um tema de diversas formas, o cinema, através de sua linguagem própria, também consegue fazer o mesmo. Para isso, cineastas de todo o mundo – e ao longo da história – desenvolveram técnicas e estilos de comunicação variados, que os caracterizam e promovem diferenciações entre eles. Em “Na ventania“, o novato diretor Martti Helde lançou mão de um recurso originado no século XIX com o advento da fotografia, chamado tableau vivant, no qual um grupo de pessoas fica estático em um determinado cenário como se fosse posar para uma pintura. Tal recurso também é chamado de pintura viva. Sinceramente, no cinema só me lembro de ter visto esse artifício – e apenas durante alguns segundos – em “Viridiana” (1961) de Luis Buñuel, na famosa cena da ceia dos pobres.

Em uma “ousadia cinematográfica”, o diretor utiliza tableaux vivants – plural de tableau vivant – em 90% do filme – o que pode trazer à tona diversas reações dos espectadores. Pode realmente causar tédio, pela forma bastante poética como as cenas são retratadas, contudo, saliento que minha experiência foi a mais gratificante possível, pois o recurso gera impacto ao evidenciar as feições estáticas das pessoas, muitas vezes de dor, angústia, tristeza ou sofrimento, que são intrínsecas da situação de desespero em que se encontravam, além de gestos que caracterizam determinadas ações. É como se andássemos lentamente em meio a um grande museu de cera que descrevesse, passo a passo, através de vários ambientes, diga-se, várias cenas, todos as etapas daquele processo de expurgo e o exaustivo cotidiano das pessoas que conseguiram sobreviver às intempéries da natureza, à fome e à exaustão. É uma jornada peculiar e silenciosa que atinge a alma do espectador, na qual, além de sons da natureza e do ambiente, só é ouvida a voz de Erna, em uma narração em off, que lê as várias missivas escritas para o seu amado, contando as dificuldades e tragédias daquela situação mortal e transparecendo uma melancólica esperança de um reencontro familiar e regresso ao lar.

Em tempo, a sinopse é a seguinte: “A história gira em torno de um casal, Erna e Heldur, que são separados pelo regime stalinista e enviados para lugares inóspitos por motivos duvidosos. Erna segue para a Sibéria com a filha do casal, Eliide, e Heldur vai sozinho para uma localização desconhecida, pois pertencia à Liga Armada da URSS, e, portanto, não imaginava que ele e sua família tivessem o destino dos ditos inimigos do Estado. Como sobreviver à fome, ao frio, às humilhações, perdendo amigos e liberdade, mas ainda continuar a viver, quando quase toda a esperança está perdida?”

Na ventania” é um filme que, além de recuperar as memórias das vítimas, utiliza uma subjetividade pungente para “fotografar” sentimentos e estados de espírito. É um filme sobre medo, solidão, impotência, desespero e, mais objetivamente, sobre morte. Entre a imobilidade das expressões faciais congeladas e dos gestos parados no ar, há, de vez em quando, um piscar de olhos, como uma lembrança de que, apesar de tudo, ali ainda existe vida, apesar de não existir humanidade, e uma ventania que sopra migalhas de esperança para o aconchego dos braços de uma selvagem macieira, tantas vezes referenciada por Erna em suas cartas, como um refúgio emocional e um possível ponto de encontro para o renascimento de uma vida conjugal e familiar.

Essa pedra preciosa cinematográfica chamada de “Na ventania” possui um valor artístico imensurável. Trata-se de uma obra de arte pitoresca vestida com a roupagem do cinema e dedicada às vítimas do holocausto soviético. Bem vindos à ilustração poética de palavras realistas advindas de uma sobrevivente da falta de amor da raça humana. É uma experiência que você nunca irá esquecer. É pura arte!

“Um regime não pode roubar de milhares de pessoas tudo que elas acreditam e amam.”

Apenas para deixar as palavras de Erna Tamm mais precisas, seguem as últimas informações do filme: “Na Estônia, Letônia e Lituânia, houve mais de 590.000 vítimas da repressão em massa durante a ocupação soviética. Morreram muitas mulheres e crianças deportadas. Poucas voltaram ao seu país.”

O trailer, com legendas em inglês, segue abaixo.

Adriano Zumba

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