O desprezo (1963)

Título original: Lé mépris

Título em inglês: Contempt

Países: França

Duração: 1 h e 43 min

Gênero: Drama

Elenco Principal: Brigitte Bardot, Jack Palance, Michel Piccoli

Diretor:  Jean-Luc Godard

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt0057345/


  1. Em fevereiro deste ano de 2018 publiquei um artigo aqui no blog que versava sobre o declínio intelectual do cinema americano, o qual pode ser lido clicando-se aqui.
  2. O filme em destaque é francês e foi produzido em 1963.

Então, que relação existe entre estas duas frases iniciais do corrente texto?

A resposta é simples: o célebre cineasta Jean-Luc Godard, através do filme em destaque, já enxergava o mesmo que eu há 55 anos – e percebam que a cultura dos blockbusters ainda não tinha chegado. Através de seu cinema dito experimental, em boa parte de sua carreira, Godard produziu obras com estilo inconfundível que, diga-se de passagem, beiram à inacessibilidade, pela maneira como as mensagens são transmitidas. Há em “O desprezo” uma crítica explícita ao “capitalismo cinematográfico”, bem característico dos Estados Unidos – e representado na narrativa por um produtor americano -, em detrimento do valor artístico das obras. Pelo visto, o desprezo visto no título não se resume apenas à situação ficcional do casal de protagonistas que é retratada no filme em tela. Uma maneira inteligente de introduzir uma discussão tão pertinente, afinal o cinema é considerado uma arte – a sétima arte -, é, sem dúvida, colocá-la dentro do roteiro de um filme de uma forma pouco explícita – para que os espectadores tirem as suas conclusões, ou seja, para induzir as pessoas a pensar.

Segundo Andre Bazin, um dos mais importantes pensadores da teoria fílmica, o cinema substitui nossa visão por um mundo mais em harmonia com os nossos desejos. “O desprezo” é a história desse mundo. Menos subjetivamente, “O desprezo” é a história de um casal, Paul e Camille, que vê seu relacionamento desmoronar, à medida que Paul vai escrevendo o roteiro do filme “A Odisseia“, baseado no poema de Homero e dirigido na ficção por Fritz Lang – que representa a ele mesmo no filme -, as filmagens vão acontecendo e Camille se aproxima do produtor da obra, Mr. Prokosch.

Como é de se esperar de uma obra produzida por Godard, que é um diretor peculiar em seu ofício, e em pleno boom da Nouvelle Vague francesa, os espectadores são presenteados com um tema que é retratado de forma artística, ou seja, temos uma relação conjugal que se deteriora de forma poética: uma triste poesia chamada desprezo. Há uma função metalinguística explícita na história, que é utilizada como uma jogada de mestre, pois Godard associa a história de Ulisses e Penélope, os protagonistas de “A Odisseia“, com a de Paul e Camille, os protagonistas de “O desprezo“, entretanto não há essa percepção pelos personagens, só pelos espectadores mais atentos. O próprio Paul, em uma conversa com Lang, diz que a Odisseia é a história de um homem, cuja mulher já não lhe quer mais. Ademais, da mitologia grega, Penélope representa o amor que não se cansa de esperar. Em um contexto de divergências, há a necessidade de busca de respostas, que nem sempre são fáceis. Esse é um dos desafios da narrativa, pela forma como as cenas são construídas: pouco objetivas e muito metafóricas. Saliento que esse é um dos filmes menos metafóricos do diretor e talvez por isso ele diminua a relevância dessa obra em sua filmografia. Godard é literalmente um artista, pois gosta de mostrar arte em seus filmes, entretanto, nem sempre é bem compreendido.

No filme, o desprezo decorre em virtude do descaso; da falta de cuidado de Paul em relação à Camille. Não foi por falta de insinuações emocionais e físicas da bela protagonista interpretada por Brigitte Bardot, que, por vezes, através de frases que apresentavam até um certo cinismo e pelo desnudamento de seu belo corpo -acompanhado de uma iluminação que denotava seu estado de espírito e uma trilha sonora bela e melancólica que acompanhava seus passos -, ela deu sinais a seu marido de sua insegurança. Notem que Brigitte Bardot era o principal símbolo sexual feminino da da França naquela época, mas mesmo assim sua personagem era rejeitada, e, voltando à crítica aludida anteriormente, Fritz Lang já era considerado uma das lendas da sétima arte, mas mesmo assim um financiador contratou um roteirista para deixar seu filme mais comercial e menos artístico. Duas situações estranhas para dar mais ênfase às críticas e mensagens transmitidas pelo cineasta.

O cinema dito intelectual ou “de arte” não deve denotar menosprezo, e sim desafio. Uma excelente oportunidade de sair da zona de conforto mental. Que todos descubram em “O desprezo” o mundo vislumbrado por Andre Bazin, para uma inesquecível experiência cinematográfica.

Termino com a complexidade de uma frase de Camille para Paul: “costumávamos viver numa nuvem de inconsciência em deliciosa cumplicidade”.

O trailer, que, por sinal, é bastante artístico, segue abaixo.

Adriano Zumba

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