As herdeiras (2018)

Título original: Las herederas

Título em inglês: The heiresses

Países: Paraguai, Alemanha, Uruguai, Brasil, Noruega, França

Duração: 1 h e 38 min

Gênero: Drama

Elenco Principal: Ana Brun, Margarita Irun, Ana Ivanova

Diretor: Marcelo Martinessi

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt7875464/


Considero “As herdeiras” como um dos filmes mais corajosos a que já tive a oportunidade de assistir, por tratar, entre outros temas, de um que é considerado tabu, que se consubstancia em elementos intocáveis para muitos e é objeto de um certo constrangimento e preconceito até numa conversa informal entre amigos: a sexualidade na terceira idade. Imaginem que tudo isso é potencializado, pois a dramatização dessa volúpia leva ao amor entre duas senhoras sexagenárias, ou seja, uma relação homossexual. Uma temática muito espinhosa, cujo desenvolvimento é só a ponta do iceberg de uma narrativa aparentemente simples, mas que, através de muita sensibilidade por parte do espectador, revela outros pontos de interesse deveras humanos, retirados do fundo da alma das protagonistas. É um trabalho primoroso, mas com um grau de complexidade intrínseco que o afasta do grande público. Apesar de ser um tanto inacessível, não perde o seu valor como uma obra de grande valor artístico.

Eis a sinopse: “Chela e Chiquita, advindas de ricas famílias, são companheiras há mais de 30 anos e assistem à dilapidação paulatina de suas heranças, uma vez que a venda dos bens é a única fonte de renda de ambas. Após a prisão de Chiquita por problemas com o fisco, Chela, acostumada a ser servida e cuidada, precisa passar por um processo de reinvenção e redescoberta de si mesma, ante a ausência de sua companheira e os problemas financeiros que vivencia.”

Chela é introspectiva, carrega consigo um semblante triste e leva uma vida reclusa. Chiquita é exatamente o contrário: extrovertida, alegre e ávida por diversão, apesar de todos os problemas. Nesse choque de intimidades, há amor, respeito e um certo grau de dependência afetiva, desenvolvidos ao longo de décadas. Ao trabalhar a imprevisibilidade da vida através do descenso financeiro da família e a prisão de Chiquita, o diretor impõe uma automática urgência de resiliência à personagem “que sobrou”, Chela. A partir daí, a narrativa passa a ficar interessante, pois há também a necessidade de identificação e aceitação da efemeridade presente em vários aspectos da vida da protagonista. O tempo passou, a beleza se esvaiu, a força física rareou, a sociedade a enxerga com outros olhos e ela se encontra solitária em um “mundo novo”, no qual deve prover sozinha a sua subsistência, num contexto de saúde financeira deficiente. Drama a drama, a história se delineia através de ações do cotidiano, aparentemente sem importância, que funcionam como desafios diários e persistentes para a idosa, para que ela dê a volta por cima e supere seus obstáculos. O espectador deve se ater bastante aos pequenos detalhes, pois eles escondem revelações importantes.

A trama literalmente esquenta após a inserção de uma nova personagem, Angy, uma mulher jovem, bonita, independente e libertina, que começa a interagir com Chela. Neste contexto, a narrativa mergulha profundamente no íntimo da sexagenária, para descortinar – com bastante parcimônia – suas carências, seus desejos e contrapor as considerações usuais, ficcionais e não ficcionais, quanto à sexualidade na terceira idade. Muito comum atribuir um caráter assexual às pessoas nessa faixa etária. A existência de uma intimista batalha entre o coração e o corpo, mostrada com muita delicadeza, impõe dois caminhos distintos: o perigoso, cheio de surpresas e prazeres e marcado pela incerteza, e o porto seguro já habitual e consolidado. Saliento que o desfecho é interessantíssimo e faz analogia à imprevisibilidade da vida alhures referenciada. A mente de uma pessoa é um dínamo, mesmo parecendo o contrário.

Esse filme lento e interpretativo leva a várias reflexões e transmite várias mensagens, que confluem para o desconhecimento alheio quanto às questões íntimas de cada um. O ser humano é capaz de ações inimagináveis, basta estar inserido em um contexto desfavorável. “As herdeiras” é um filme sobre ações e reações; descobertas e redescobertas; afirmações, anseios e dúvidas; isto é, um filme sobre a vida normal, cheia de percalços e imprecisões, intensificadas pela idade das protagonistas. Uma pérola do cinema paraguaio, que está indicada como submissão do país ao Oscar 2019. Trata-se de arte extraída de experiências das pessoas – e que experiências!

O trailer, com legendas em português, segue abaixo.

Adriano Zumba


https://m.youtube.com/watch?v=J3OP1Wd1-2s

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