Noite e neblina (1955)

Título original: Nuit et brouillard

Título em inglês: Night and fog

País: França

Duração: 32 min

Gêneros: Curta-metragem, documentário, guerra, história

Narrador: Michel Bouquet

Diretor: Alain Resnair

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt0048434/


Noite e neblina“: Uma obscura poesia audiovisual alicerçada na essencialidade.”


Enquadro-me do rol de pessoas que consideram “Noite e neblina” como um melhores documentários da história. Na verdade, acho que apenas o adjetivo “melhor” não consegue refletir a magnitude deste trabalho. Acrescento à lista de atributos da obra mais dois adjetivos impactantes que concedem completude às suas características: fundamental, para que a maior materialização da maldade dos seres humanos em todos os tempos, o Holocausto, não fique restrita às frias páginas dos livros de história, e para que a memória daquele período esteja sempre viva, como um tipo de freio contra qualquer possibilidade de exteriorização do pior que homem possui em seu âmago; e engenhoso, pela elegância das palavras de seu narrador, pelo “modo francês” de fazer cinema e pela concessão de significância apenas pelo estilo apresentado.

Antes de entrar na discussão sobre o filme, é importante comentar sobre alguns aspectos da pré-produção. O trabalho de Alain Resnais, um dos mais talentosos cineastas franceses, que posteriormente viria a produzir “Hiroshima, meu amor” (1959) e “Ano passado em Marienbad” (1961), surgiu de um convite do Comitê da História da Segunda Guerra Mundial e contou com o apoio de várias entidades em prol dos direitos humanos, no entanto, ele se sentiu incapaz de transmitir uma mensagem completa e coerente a seus espectadores, por não ter sentido na pele os horrores daquele período. Deste sentimento de impotência, veio a parceria com o escritor e poeta Jean Cayrol, que havia sido prisioneiro do Campo de Mauthausen. Todo o poético texto do documentário é de autoria de Cayrol e enriqueceu sobremaneira a produção. Ademais, a trilha sonora do filme ficou a cargo de Hanns Eisler, judeu alemão e músico, que fugiu da Alemanha no ano de 1933. Percebe-se, então, pelas pessoas envolvidas, o grau de realidade e excelência que a obra adquiriu. A motivação maior de Resnair ao aceitar o desafio foi criticar a Guerra da Argélia, que estava em curso à época, mas acabou se tornando um registro documental imprescindível  e atemporal para toda a humanidade.

O filme foi realizado 10 anos após o fechamento dos campos de concentração e, portanto, conseguiu mostrar imagens “atuais”  e preservadas daqueles locais satânicos. A estratégia utilizada foi alternar entre o passado – o período da guerra -, com medonhas imagens em preto e branco, e o presente narrativo – o ano de 1955 -, com tranquilas imagens coloridas dos ambientes desocupados, que denotam até uma certa paz contrastando com as instalações mortais lá instaladas e os atos lá realizados, ou seja, as cores transmitem significado. Nesse contexto, o documentário descreve a ascensão da ideologia nazista, detalhes da construção dos campos de concentração e seus “compartimentos” e a vida de horrores das pessoas lá confinadas, incluindo o tratamento sádico infligido a elas. O terço final de exibição é o mais chocante, pois simplesmente mostra a morte, que não é ficcional como em obras cinematográficas comuns, e encerra com um questionamento reflexivo: “então, quem é o responsável?”

A origem do nome deste documentário está relacionada a um decreto nazista, que permitia aos oficiais possuir poder absoluto para prender e deportar pessoas que representavam um suposto risco à segurança. As pessoas poderiam simplesmente sumir no meio da noite e da neblina sem deixar rastros – para bom entendedor, meia palavra basta. Detalhando mais ainda a gênese do título, o decreto alemão se originou da obra do compositor clássico Richard Wagner, “O Anel de Nibelungo“. “Noite e neblina” era o nome de um feitiço existente na obra – na ópera – de Wagner.

Torna-se até fácil a tarefa de descrever em palavras o conteúdo de um filme como este. A palavra horror já representa uma síntese bem completa. O grande diferencial de “Noite e neblina” em relação a outras obras que tentaram retratar a realidade dos campos de concentração é justamente o estilo de seu discurso, provido por um poeta que um dia vivenciou aquela situação. Poesia é um texto lírico, que não necessariamente deve possuir rimas, como no caso do filme em tela. Palavras poéticas estarrecidas, mas descritivas e reveladoras, reinserem Jean Cayrol naquele ambiente maligno e “preparam o terreno” para as cenas perturbadoras que são mostradas. É uma harmonia entre texto, estilo e imagens que, sinceramente, não vi igual em nenhuma outra obra cinematográfica.

Ao fim, conhecemos várias nuances revoltantes sobre o nazismo, com o foco maior no funcionamento dos campos de concentração e a maneira de agir dos oficiais, que muitos de nós não sabíamos. Sempre é bom lembrar que todas as imagens foram filmadas e fotografadas pelos nazistas ou pelos aliados, ou seja, não são atores e atrizes, são vítimas do mal! É tudo chocante! Trata-se de dor e o horror revestidos de sua mais pura realidade! O nazismo foi mais perverso do que imaginávamos, por isso recomendo parcimônia ao assistir a essa obra. Apesar de ser fundamental e conter palavras bem concatenadas, causa desconforto extremo. Para encerrar, o então crítico de cinema, François Truffaut, uma das lendas do cinema francês como diretor, considerou “Noite e neblina” como o melhor filme já produzido até aquele momento temporal da história. Talvez, ele realmente tivesse razão!

O trailer segue abaixo.

Adriano Zumba


 

 

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