Uma mulher alta (2019)

Título original: Dylda

Título em inglês: Beanpole

País: Rússia

Duração: 2 h e 10 min

Gênero: Drama

Elenco Principal: Viktoria Miroshnichenko, Vasilisa Perelygina, Konstantin Balakirev

Diretor: Kantemir Balagov

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt10199640/


Opinião: “Retrato brutal e perturbador de almas devastadas pela guerra.”


É de se esperar que as consequências de uma guerra sejam duradouras, e não apenas pela destruição de vidas e edificações que ela acarreta. Além de todas as perdas materiais e humanas, quem consegue sobreviver carregará consigo lembranças trágicas que nunca mais sairão da memória e influenciarão cada dia do restante da existência nesse plano terreno. Nesse sentido, ao contrário do que o cinema comumente já exibiu sobre o pós-guerra, principalmente através do movimento cinematográfico chamado Neorrealismo Italiano – um dos mais importante da história -, quando aspectos sociais mais abrangentes foram abordados no contexto de destruição proporcionado pela Segunda Guerra Mundial, o filme em tela disseca o interior de duas personagens através de um olhar deveras psicológico, que revela, passo a passo, a tentativa de prosseguimento da vida à luz dos traumas sofridos após a barbárie. “Uma mulher alta” é um filme de guerra sem batalhas externas que proporcionam cenas chocantes e sangrentas, mas com batalhas íntimas, nas quais as maiores dores são emocionais e onipresentes.

Eis a sinopse: “Na Leningrado de 1945, Iya e Masha são duas jovens mulheres em busca de esperança e significado em meios aos destroços deixados na Rússia após a Segunda Guerra Mundial. O Cerco de Leningrado, um dos eventos mais brutais da história, chegou ao fim, mas reconstruir suas vidas permanece uma situação cercada de morte e traumas.”

Uma mulher alta” é um primor estilístico aliado a um roteiro perturbador e, ao mesmo tempo, atrativo, que definitivamente gera sentimentos e admiração em seu público. É imperioso destacar que tamanha competência em todos os aspectos advém da direção de um jovem de apenas 27 anos, Kantemir Balagov, o qual aprendeu por 3 anos a arte de fazer cinema com o excelente Alexander Sokurov, diretor de “Fausto” (2011) – ganhador do Leão de Ouro em Veneza – e “A arca russa” (2002) – sua obra-prima. Por sinal, nota-se claras semelhanças, sobretudo estéticas, entre as obras do “criador” e da “criatura”. Percebe-se que Balagov, em seu segundo longa-metragem, já conseguiu alcançar um nível superior, mesmo estando em processo de formação de seu estilo como cineasta. Segundo suas próprias palavras, apenas seguiu um conselho de Sokurov para se apoiar, sempre que possível, na literatura durante a atividade de construção de suas obras cinematográficas. Por sinal, “Uma mulher alta” foi inspirada no livro “A guerra não tem rosto de mulher” da escritora bielorrussa Svetlana Alexijevich, cujo título já dá fortes indícios do caminho que a narrativa de Balagov seguirá ao longo de sua exibição: a guerra à luz da natureza feminina.

A palavra guerra automaticamente se relaciona a ideias de morte e destruição. Por sua vez, a palavra mulher traz à baila ideias de amor e maternidade. Assim, o roteiro trata de colocar no mesmo plano tais simbolismos e cria um ambiente sombrio, repleto de dúvidas, medos e incertezas, gerador de instabilidade emocional extrema e deturpador de percepções e atitudes. O precário equilíbrio e o julgamento em potencial para recuperar a estabilidade se tornam a principal preocupação do filme, que trabalha no sentido de desnudar de forma impiedosa as fraquezas humanas através de uma tentativa de “cura” surreal, sacrificante e desesperada que envolve as duas protagonistas, as quais sofrem durante toda a exibição consequências físicas e psicológicas de suas experiências. Somadas ao fio condutor da história, há, também, outras temáticas pertinentes que são muito bem conduzidas e atuam como potencializadoras das emoções dentro da narrativa, como, por exemplo, o homossexualismo, que pode ser até sugerido ou inexistente para uns, mas explícito para outros. Enfim, o diretor criou uma conjuntura obscuramente emocional digna de elogios, em meio à alegria do final da guerra e a esperança de melhores dias, entretanto, os personagens em estado de choque se alimentam do passado em todas as suas passagens e moldam suas ações baseando-se na dor. Realmente um trabalho excepcional de roteiristas e direção, mesmo contando com algumas cenas se alongando demais, causando redundância e perdendo utilidade dentro da narrativa.

Deve-se dar grande destaque aos aspectos visuais do filme em destaque. A paleta de cores, indicada pelo diretor como ferrugem, presta um serviço à narrativa, denotando, como esperado, tempos pretéritos e, ao mesmo tempo, representando a ferrugem da própria vida em um sentido amplo, ou seja, o caráter moribundo de existências em ruínas. Em meio aos tons pasteis exibidos nas cenas lindamente fotografadas, o verde se destaca em quase todos os planos, como um belo simbolismo para uma esperança tão próxima, mas, ao mesmo tempo, tão longínqua. Ainda que tanta competência tenha sido demonstrada em todo o filme, tanto em relação aos aspectos técnicos, quanto às atuações, principalmente das protagonistas, o principal objetivo, no meu entender, foi alcançado com maestria – e diferencia a obra em tela de outros filmes que abordam nuances da Segunda Guerra Mundial: mostrar as consequências da guerra nos olhares, nos semblantes e nos âmagos das pessoas, esquecendo os rastros de destruição visíveis aos olhos. A destruição é íntima, é na alma – e atinge diretamente a do espectador.

Obra primorosa! Só tenho elogios! 5 estrelas com muito mérito e propriedade!

O trailer segue abaixo.

Adriano Zumba


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