O Irlandês (2019)

Título original: The Irishman

País: Estados Unidos

Duração: 3 h e 29 min

Gêneros: Biografia, crime, drama

Elenco Principal: Robert De Niro, Al Pacino, Joe Pesci, Anna Paquin

Diretor: Martin Scorsese

IMDB: https://www.imdb.com/title/tt1302006/


Citações:

Hoffa: “Ouvi dizer que você pinta casas.”
Frank: “Sim, senhor. Pinto, sim. E eu também faço carpintaria.”


Opinião: “Scorsese, máfia e sucesso são ideias indissociáveis.”


Segundo o dicionário online Michaelis, obra-prima é uma obra de qualidade extraordinária, especialmente a mais bela obra de um artista. Apesar de a definição sugerir a concessão de tal atributo a apenas uma obra de um artista hipotético, na seara cinematográfica, há diretores que, dada a excelência de sua filmografia, merecem a indicação de vários de seus filmes como obras-primas. Um desses produtores de obras-primas se chama Martin Scorsese, que, desde a década de 70, presenteia seu público e o mundo da sétima arte com filmes inesquecíveis como “Taxi Driver” (1976), “Touro indomável” (1980), “Os bons companheiros” (1990), “Os infiltrados”(2006), o qual ganhou o Oscar de melhor filme, etc. “O Irlandês“, seu novo trabalho, já nasce como candidato à nova obra-prima do cineasta americano. Atributos positivos o filme tem em abundância para que alcance sucesso absoluto e incontestável. Seguem abaixo as minhas impressões sobre ele.

Eis a sinopse: “Conhecido como “O Irlandês”, Frank Sheeran é um veterano de guerra cheio de condecorações que concilia a vida de caminhoneiro com a de assassino de aluguel favorito da máfia americana. Promovido a líder sindical, ele se torna o principal suspeito quando o mais famoso ex-presidente do Sindicato dos Caminhoneiros dos Estados Unidos, Jimmie Hoffa, desaparece misteriosamente sem deixar vestígios.”

A história real é controversa! O livro no qual o filme foi baseado, “O Irlandês“, de Charles Brandt, aumenta a controvérsia por tenta elucidar os fatos através de revelações de Frank Sheeran antes de seu falecimento. No entanto, o desaparecimento – e presumida morte – de Jimmie Hoffa até hoje soa como mistério em terras americanas. O filme de Scorsese segue a narrativa de Brandt e, através da força do cinema, quem sabe consolide uma verdade definitiva sobre o caso – ou coloque uma pulga ainda maior na orelha das pessoas. Independentemente de a história dramatizada ser verdadeira ou não, o certo é que Scorsese produziu um filme que reúne algumas das melhores características identificadas em sua filmografia ao longo de sua extensa carreira aliadas a recursos tecnológicos modernos em nome da qualidade de sua obra. Trata-se de um chamado filme-testamento que o velho Scorsese, já próximo dos 80 anos, deixa para a cinematografia mundial. Se é obra-prima ou não, o futuro vai decidir.

O roteiro constrói uma teia de tramas que se relacionam para culminar no fio condutor da história: o fim de Hoffa. Três linhas de interesse se entrelaçam: a máfia, representada principalmente por Russel Bufallino – interpretado pelo ex-aposentado e excepcional Joe Pesci -, entre outros; o contexto sindical, representado por Jimmie Hoffa – interpretado pela lenda Al Pacino -, entre outros; e o âmbito político americano das décadas de 60 e 70 do século passado, principalmente nas passagens que fazem alusão à família Keneddy e a Richard Nixon. Até Sinatra é relacionado. Passeando por essas estradas narrativas, com ares despretensiosos, está o discreto Frank, interpretado por outra lenda, Robert De Niro, que é o personagem-chave do filme, por isso que seu apelido intitula ambas as obras, a literária e a cinematográfica. Scorsese opta por um primeiro ato lento para uma apresentação detalhada dos protagonistas e a construção de relações importantes, diga-se Frank e Russell ou matador e máfia, que nortearão o restante do filme. Nota-se rapidamente que se trata de um “filme de máfia” que trabalha mais a política dos fatos, com ação reduzida, ou seja, poucos, mas marcantes, assassinatos, e muitos diálogos, longos diálogos, que são um dos principais pontos de interesse pela profundidade apresentada. Nada que interesse em “O Irlandês” é superficial. A partir da entrada de Hoffa em cena, pouco antes da primeira hora de exibição, com um diálogo memorável por telefone, na apresentação entre ele e seu futuro amigo, Frank, que está transcito na citação mais acima, a narrativa se torna mais frenética, pela intensidade habitual que Al Pacino impõe a seus personagens – uma atuação digna de Oscar, diga-se de passagem. Entra em cena a principal temática do filme na minha opinião: a lealdade, que é uma qualidade tão importante quando se fala de máfia. Nesse contexto, Frank prestava serviços para a máfia e para Hoffa e, a partir do momento que há algum imbróglio entre as duas partes, um consequente teste para a lealdade de Frank se instala. Essa é a linha de raciocínio principal da narrativa. Além disso, a solidão é uma temática bastante pertinente que está fortemente presente e é trabalhada com bastante ênfase, principalmente no terceito ato, trazendo melancolia ao filme em alguns momentos. Realmente, quanto ao roteiro, é difícil criticar algo, pois ele é deveras envolvente ao relacionar o suposto impreciso com fatos históricos relevantes da história americana. Quanto ao elenco principal, não há a mínima necessidade de apresentações, só reverências. Joe Pesci se destaca pela serenidade aplicada a seu personagem mafioso, ao contrário dos personagens explosivos, que costumeiramente interpretou ao longo de sua carreira. De Niro tem uma atuação competente, como sempre, mas sem apresentar um maior brilho, e Al Pacino é simplesmente avassalador, dada a energia e o vigor proporcionados por sua interpretação. Ademais, deve-se destacar a preciosa montagem de Thelma Schoonmaker, uma habitual colaboradora de Scorsese, que, durante as mais de três horas de exibição, dita o ritmo narrativo com seus cortes precisos e de acordo com necessidade, e não deixa a experiência do espectador ficar enfadonha – o que é natural em um filme tão longo.

Há um emaranhado de personagens, pois a história envolve vários âmbitos e percorre uma linha temporal de várias décadas. Uma gama de personagens secundários são apresentados, juntamente com a ideia genial de mostrar as respectivas causas e datas de suas mortes. Realmente, o crime não compensa! Pela narrativa bastante concatenada ou coesa, e a existência de muitos personagens, há uma grande facilidade de o espectador perder o rumo durante a exibição, que é longa e requer bastante atenção. No meu entender, é imperioso haver a menor quantidade de pausas possíveis para que o foco e/ou o entendimento não seja também perdido. Só salientei esse fato, pela polêmica levantada na internet sobre como assistir a “O Irlandês“. Na verdade, meu conselho se aplica a qualquer filme. Quanto menos a atenção do espectador for desviada – com pausas no filme, por exemplo -, melhor será a experiência proporcionada.

Um último tópico a que se deve aludir em qualquer análise do filme, é a tecnologia de rejuvenescimento digital aplicada aos personagens para que os mesmos atores interpretem os mesmos personagens ao longo de várias fases de suas vidas. O usual em cinema é o envelhecimento dos personagens. Algo que, diga-se de passagem, ainda é encarado como um desafio em algumas indústrias cinematográficas em todo o mundo – vide a rica indústria indiana, por exemplo -, e a excelência nesse aspecto abrilhanta sobremaneira a obra. Rejuvenescer pode ser considerado um processo ousado, pelo grau de dificuldade requerido, pois o tal processo não deve se ater apenas ao rosto e ao cabelo. A mecânica dos movimentos humanos se deteriora com o tempo. É nesse ponto que acontece o maior pecado de “O Irlandês“, principalmente em relação ao personagem de De Niro, que é rejuvenescido em mais fases do que os outros e participa das cenas de ação. Um bom exemplo das falhas pode ser visto claramente na cena na qual Frank dá uma surra no homem da mercearia. Nessa cena, Frank dá chutes, socos e pisa a mão da vítima com toda a sua força. É absolutamente evidente que Frank não tem os movimentos de um homem de cerca de 40 anos. Não tem força, não tem vigor, não tem agilidade, não tem velocidade. Estamos diante de Robert De Niro, um idoso de mais de 70 anos e não de um jovem adulto. Entretanto, por se tratar de uma nova e inovadora tecnologia e o filme possuir uma narrativa que literalmente engole eventuais defeitos técnicos, é um crime levar isso em consideração. Sinceramente, não deve prejudicar a experiência do público, contudo, tal tecnologia ainda precisa evoluir muito para que fique aceitável. O rejuvenescimento tem que ser total. Criticar esse aspecto é puro preciosismo.

O trailer, com legendas em português, segue abaixo.

Adriano Zumba


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