Dirigido pela francesa Eva Husson, “Filhas do Sol” conta a história de uma unidade de combate feminina contra o grupo terrorista estado islâmico. A diretora se baseou em relatos reais de mulheres yazidi, uma minoria religiosa que reside no Curdistão iraquiano. Em 2014, os yazidi foram massacrados pelo grupo e tiveram suas mulheres e crianças capturadas para virarem escravas sexuais e soldados mirins.
A vida real vira filme
Algumas poucas mulheres que conseguiram escapar formaram uma unidade de combate para tomar de volta territórios ocupados pelos terroristas. Baseada nesses eventos, Eva Husson nos apresenta a história ficcional de Bahar (Golshifteh Farahani), a comandante da unidade no filme.
Conhecemos Bahar através de Mathilde (Emmanuelle Bercot), uma jornalista francesa correspondente de guerra, que chega para acompanhar os passos do conflito. Porém, a diretora confessou que inserir uma personagem francesa foi apenas uma forma de garantir o financiamento do filme. E isso é notável, visto que Mathilde aparece mais como uma personagem adicional, e o foco narrativo está todo em Bahar, que inclusive estampa o pôster.
O desenvolvimento de “Filhas do Sol”
O cotidiano das guerrilheiras é apresentado de forma bastante realista em “Filhas do Sol“. O começo do filme se encarrega de mostrar as instalações, os ritos de guerra como entoamento de canções, e a preparação de estratégias de ataque.
O verdadeiro arco dramático, entretanto, acontece num grande flashback, que mostra Bahar capturada pelo estado islâmico, sua família destruída, e a vida em cativeiro. O grande foco de interesse narrativo passa a ser então como ela fez para escapar, trajetória que envolve muita ajuda feminina, e algo que transparece na atitude de Bahar mais tarde, como uma comandante compreensiva e cuidadosa com suas companheiras de batalha, fechando o ciclo.
O filme, como praticamente qualquer outro que fale de guerra, é difícil de ver. Porém, Eva Husson tem o cuidado de não espetacularizar as tragédias ou se alongar nelas demais, e também não mostra alguns dos horrores explicitamente. A bela fotografia, um dos pontos altos do filme, ajuda a nos envolver nos momentos de clímax, inclusive utilizando muito bem a câmera lenta de modo a realçar momentos emocionais, mas sem cair no melodrama.
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A experiência feminina em foco
Um dos melhores momentos, e que destaca a perspectiva feminina dos eventos, é quando uma das mulheres prisioneiras entra em trabalho de parto no meio de uma fuga, e o homem que está junto sugere que ela espere até o dia seguinte para dar a luz, como se isso fosse possível. O homem demonstra saber nada sobre esse aspecto da vida feminina, e tampouco se importa.
A luta dessas mulheres em “Filhas do Sol” é também contra o patriarcado, afinal, as antes escravas sexuais voltaram para retomar o que lhes foi retirado: suas vilas, seus direitos, seus filhos. O machismo é tamanho que os radicais acreditam que não irão para o paraíso se forem mortos por uma mulher. Já que é assim, esse gostinho Bahar tem prazer em lhes dar.
Por outro lado, “Filhas do Sol” mostra como a ajuda entre mulheres fortalece a vida de todas, já que é através de outra mulher que Bahar consegue se libertar. Sua libertação do confinamento é um dos ápices narrativos do filme. E segue rumo à segunda libertação, que é recuperar seu filho junto às crianças capturadas pelos terroristas, tomando a cidade de seu controle na ofensiva militar que planejam.
A atuação de Golshifteh Farahani é excelente, demonstrando a força mas também a vulnerabilidade de Bahar, apenas com o olhar. Mesmo quando está sendo dura, é possível ver seus conflitos internos em sua expressão facial, mas sem que isso diminua a força que passa para suas companheiras, nem sua estratégia de luta.
“Filhas do Sol” é um ótimo filme sobre terríveis tragédias recentes, sobre as violências que mulheres estão sujeitas em tempos de guerra, e sobre um grupo que ousou contrariar sua tradição patriarcal para retomar tudo que lhes foi tirado. Estreia nesta quinta-feira, 26 de setembro.
Edição realizada por Isabelle Simões.