Crítica | Locke

Trama simples se sustenta com uma direção bastante criativa

Felipe Storino
Cinema & Outras Drogas

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Locke é uma dessas produções que provam que nem sempre um filme precisa ter um roteiro extraordinário para ser interessante, às vezes a forma como é contada a história é que atrai o público. A trama começa com um pequeno mistério: Ivan Locke é um dos melhores quando se trata da construção de prédios e está indo embora para casa após o fim de mais um dia de trabalho, quando recebe um misterioso telefonema. Após pensar durante algum tempo no trânsito, Locke resolve desistir de ir para casa e segue em outra direção. Não demora para que seja revelado o motivo que levou o personagem a fazer isso, mas é interessante acompanhar como a coisa é contada.

Nesta cena inicial, por exemplo, percebemos que Locke mudou de ideia simplesmente ao observarmos que ele muda o lado para onde ligou a seta do carro. Além disso, ficamos sabendo do tal telefonema misterioso quando ele liga de volta para a pessoa dizendo que recebeu o recado e que está a caminho. A partir daí, acompanhamos Ivan Locke em sua viagem de cerca de 90 minutos rumo ao seu destino, enquanto ele tenta resolver diversos problemas com sua família e seus empregadores via telefone. Sim, o filme inteiro se passa dentro do carro e o único personagem que vemos na tela é Locke.

A princípio, a ideia de um filme inteiro passado dentro de um carro pode parecer algo maçante, mas o filme passa longe disso. Todos os personagens com quem o protagonista conversa ao telefone são interessantes e possuem características próprias, fazendo com que o espectador se apegue (ou odeie) cada um deles. Além disso, as conversas são sempre em tom de urgência, o que, somado ao fato de que o cara está dirigindo em uma estrada, faz com que o espectador fique tenso com a possibilidade de acontecer um acidente a qualquer minuto. O diretor Steven Knight também é hábil ao criar esta tensão, com ângulos de câmera que fazem os caminhões na estrada parecerem assustadores, barulhos altos de sirenes tocando de repente e carros ultrapassando em alta velocidade.

O fato de nunca vermos os outros personagens acaba também aguçando a imaginação do espectador, algo que raramente é exigido no cinema, já que este trata-se de uma arte audiovisual. Com certeza é mais divertido assistir ao filme sem saber quem faz parte do elenco, já que a cada característica revelada sobre algum personagem podemos mudar a imagem mental que temos dele. Sem contar os cenários que, assim como em um bom livro, acabam sendo diferentes para cada pessoa que assistir ao filme. E parabéns ao elenco, que consegue transmitir várias emoções diferentes a cada telefonema sem aparecer um minuto sequer na tela.

Claro que nada disso funcionaria se o protagonista fosse interpretado por um ator de segunda categoria, já que é dele a missão de mostrar a cara durante toda a projeção. Felizmente, no papel de Ivan Locke temos Tom Hardy, que entrega uma interpretação com a sua habitual competência e faz com que o espectador nem sinta falta de outros atores em tela. Falando sempre de forma tranquila com quem está do outro lado da linha, é através de pequenos gestos e trejeitos que o espectador consegue perceber que determinada situação é pior do que Locke quer deixar transparecer. Enquanto todos os outros atores do filme dependem exclusivamente da voz, Tom Hardy utiliza principalmente da linguagem corporal para mostrar ao espectador o quanto aquela situação toda é estressante e que Ivan Locke pode estar à beira de um colapso.

Nestes tempos em que os efeitos especiais são a principal atração de um filme, é interessante dar uma respirada e assistir uma produção mais criativa, que está mais preocupada em contar uma história simples de uma maneira diferente. Afinal, nem só de explosões (sejam de carros ou de cabeças, com roteiros mirabolantes) vive o espectador de cinema.

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Felipe Storino
Cinema & Outras Drogas

Redator de cinema, gibis e games na Mob Ground. Quando não está jogando, está assistindo filmes, séries ou lendo gibizinhos.