Rainha de Katwe (2016), de Mira Nair

Letícia Magalhães
Cine Suffragette
Published in
3 min readSep 12, 2017

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(Imagem: reprodução)

Mira Nair é uma das mais celebradas diretoras do mundo. Ela obteve destaque com seu filme “Salaam Bombay!”, feito em 1988, e desde então dirigiu diversos filmes. Sua mais recente incursão no cinema foi “Rainha de Katwe”, filme com selo Disney que conta a história real de uma jovem campeã de xadrez.

Phiona Mutesi (Madina Nalwanga) é a segunda filha de Nakku Harriet (Lupita Nyong’o), uma jovem viúva vivendo em uma comunidade paupérrima de Uganda. Um dia, Phiona entra em um abrigo improvisado por pura curiosidade, recebe um pouco de comida e descobre que lá o treinador Robert Katende (David Oyelowo) está ensinando xadrez para as crianças carentes de Katwe.

“Carente” é uma palavra fraca demais para definir o nível de pobreza de Phiona e sua família. Logo no início do filme, uma vizinha comenta com a mãe de Phiona que a raiz do problema deles está na falta de um homem na casa, para sustentar a todos — Harriet e os quatro filhos. Uma ideia antiquada, mas que faz sentido para aqueles na comunidade que não tiveram qualquer estudo, como a própria Harriet — mas ela não é como todos. Harriet é uma guerreira. Assim como Phiona.

Luita e Madina (Imagem: reprodução)

Phiona não sabe ler, mas tem habilidades incríveis de raciocínio. O que o treinador Katende descobre com o tempo é que Phiona é um prodígio do xadrez. E ela pode se tornar campeã local, nacional, mundial até. Mas não sem superar muitas dificuldades.

Estamos acostumados a ver o choque entre o branco e o negro, o “civilizado” e o “selvagem”, o “desenvolvido” e o “carente”. No filme, temos algo raro e verdadeiro: o preconceito dentro de um mesmo país. Quando Phiona e as outras crianças carentes vão participar do primeiro torneio em uma escola de elite, eles são recebidos com desdém pelos outros alunos. É um preconceito que dificilmente consideramos quando pensamos na África como um todo, mas totalmente plausível considerando as diferenças sociais dentro de qualquer país.

Lupita Nyong’o tem a oportunidade de brilhar neste filme. Apesar de ter ganhado o Oscar por “12 Anos de Escravidão” (2012), o papel coadjuvante na ocasião era breve e marcante. Agora, como uma mãe zelosa e forte, ela mostra todo o seu talento. E é louvável o fato de ser destacado dentro do filme que a força de Phiona vem de sua mãe — duas mulheres fortes, cada uma a seu modo.

Lupita Nyong’O (Imagem: reprodução)

Na temática e especialmente no visual, “Rainha de Katwe” lembra “Salaam Bombay!” — que, aliás, é um filme que para mim funciona perfeitamente como prequel de “Quem quer ser um milionário?” (2009). A favela de Katwe é mostrada sem rodeios, sem maquiagem, e ao mesmo tempo sem transformar os moradores e personagens em coitadinhos. Mira Nair nunca fez exploitation da pobreza — e não iria cometer este erro a esta altura da carreira

Não há nada de novo na história de Phiona que já não tenha sido contado no cinema — e, sim, podemos ver quase todos os passos da jornada do herói no roteiro. Entretanto, é uma história real, inspiradora, transformada em um verdadeiro “filme para a família”, como a Disney gosta de chamar. Quem diria que xadrez poderia ser tão tenso e tão emocionante?

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