A Órfã

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Não sou do tipo que procura metáfora em tudo, mas A Órfã é um caso especial. Um casal, que já tem dois filhos, quer adotar um terceiro na esperança de que isso diminua uma dor do passado ocasionada por um parto mal sucedido. Mas dizer que o casal quer adotar é bondade minha. Quem faz questão é a mulher, interpretada pela Vera Farmiga. Ela vem tratando uma depressão horrível desde que perdeu o bebê, e claramente se sente solitária e incompreendida pelo marido, que é daquele tipo que até finge querer se envolver com as coisas da casa e tudo, mas faz tudo meio que com preguiça e de má vontade. Daí ela sente que precisa preencher aquele espaço com alguém que precise muito de amor, ou seja: uma criança sem família, sem futuro.

Mal sabem o que os aguarda

Mal sabem o que os aguarda

A atitude é muito bonita, como todos sabemos. Todo mundo louva a Angelina Jolie, e com razão. Não parece fácil trazer para casa uma criança grande, alguém que já tem uma vida e teve uma história – na maior parte das vezes, uma história que não é bonita e que deixa cicatrizes.

Mas isso é um dos grandes motivadores do cinema de suspense e de terror, não é? Tudo aquilo que é bonito e que traz bons sentimentos pode ser virado do avesso e se transformar num pesadelo.

Eu vou soltar o spoiler agora. E é O spoiler. Não diga que eu não avisei. Claro que ela encontra uma criança, claro que a criança é esquisita e bizarrinha, claro que essa boa ação acaba virando uma tortura. Mas o que eu não previ, e o que é a coisa mais legal do filme inteiro, e também a mais bizarra, é a seguinte: a órfã de nove anos, que a Vera Farmiga colocou para dentro de casa, tratou como criança, conversou, colocou para dormir, matriculou na escola, deixou brincar com os filhos, era na verdade uma anã louca com problemas hormonais, de 33 anos, nascida no leste europeu, e que tinha uma obsessão, que a fazia cometer o mesmo crime várias vezes e com famílias diferentes: ela se apaixonava pelos pais de família, aqueles mesmos que a tinham posto para dentro de casa, e tentava tomar o lugar das mães. Quando isso não era possível, ela matava todo mundo, começava um incêndio e partia para a próxima.

Horrível ou não? Agoniante, angustiante. Colocar uma estranha adulta e louca dentro da sua casa, tratá-la como uma filha e depois descobrir que ela só queria o seu marido. Quando essa máscara cai, no momento da revelação, a cena é de cair o queixo. Aquele rostinho infantil vira uma carranca. É possível ver ali o peso de todos os anos que a anã louca já passou fazendo justo o que está fazendo agora.

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E ela toca o terror com a Vera Farmiga, que passa as piores coisas que uma mulher, enquanto mãe e esposa, pode passar. É aí que surge a tal metáfora de que eu falei no começo do texto. Quando o marido não acredita nela, quando ele escolhe ficar do lado da filha adotiva – que a essas alturas ainda não tinha sido desmascarada e estava bancando a vítima – é aí que a gente percebe o verdadeiro problema dessa mulher. O fato de uma “novinha” aparecer entre o casal e conseguir dividi-lo quer mostrar não só que toda mulher pode se sentir ameaçada com a presença de outra, mais nova e menos cansada da vida, mas também (e acho que principalmente) que o problema emocional da personagem da Vera Farmiga não poderia ser resolvido com uma outra filha, mas sim comum outro começo.

Aquele cara não era merecedor do amor dela, e nem se empenhava o suficiente para que eles caminhassem numa direção só. Tanto é que ele teve o que mereceu. Foi um daqueles personagens irritantes que nunca acreditam nas evidências, e morreu com umas 10 facadas depois de ter rejeitado as investidas amorosas da filha adotiva, depois de ter descoberto a verdade.

Daí essa é a metáfora: pode ser que uma mulher (ou um homem, se for o caso) se sinta intimidada por outra, mais bonita ou mais nova ou mais inteligente, mas  ela não está num relacionamento com essa mulher. Quer dizer: quem tem a responsabilidade de não trair a confiança, de enfrentar o mundo inteiro, é ele, o parceiro, aquele que ela ama. Se uma “novinha” consegue quebrar esse pacto, é porque o pacto já não andava lá essas coisas e nem merecia ser mantido em pé.

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