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Cinéfilo amador e crítico que finge entender do que fala.

Tantos filmes, tão pouco tempo...

Últimas opiniões enviadas

  • T. L. Mota

    Depois que a história em si do filme já havia terminado e na tela se desenrolava apenas o epílogo com os destinos finais dos personagens, fiquei ali, com lágrimas escorrendo pelo rosto, enquanto remoía e repassava a beleza e a pungência do que acabara de assistir. Lágrimas de ódio, revolta e tristeza por ter acompanhado a forma como tantas vidas — em especial, a dos protagonistas — foram esmagadas e destruídas pelos crimes inenarráveis cometidos por um governo monstruoso e covarde. Crimes cometidos não apenas contra Fred Hampton ou Bill O’Neal, mas contra todos os panteras negras, contra toda uma raça, contra toda uma geração e um país.

    Embora a trama do filme gire em torno da relação que lhe dá título, entre o "Judas" O’Neal e o "Messias Negro" Hampton, brilhantemente vividos por Kaluuya e LaKeith, me parece que aquilo que o longa busca retratar de fato não é exatamente essa relação, nem mesmo a tragédia bíblica em que ela desemboca, mas a forma obsessiva e perversa como o governo dos eua e a "América branca" se esforçaram por aniquilar não apenas os panteras negras, mas toda e qualquer forma legítima de organização e de luta - seja contra o racismo, a violência policial ou as brutais injustiças do sistema capitalista. É nesse sentido que digo que os crimes foram cometidos também contra Bill O’Neal: porque, apesar de sua atitude terrível e repugnante, no fim das contas, como Hampton, também ele foi apenas mais uma vítima do governo estadunidense. Assim como uns morrem asfixiados por um joelho no pescoço e outros são covardemente executados em sua própria casa, outros ainda têm as vidas destruídas para sempre ao serem usados como delatores de seus próprios irmãos.

    Como já mencionado, LaKeith Stanfield brilha explorando a tragédia da situação de O’Neal, numa atuação tocante, e é cortante ver como seu personagem, aos poucos, vai se tornando consciente do horror de sua posição e de suas ações. Daniel Kaluuya, por sua vez, também não brilha menos, e na verdade o seu Hampton é o próprio coração do filme. Sua presença é magnética sempre que está em cena, em especial durante os vigorosos e apaixonados discursos, mas também nas cenas mais intimistas com sua companheira Deborah Johnson, vivida por Dominique Fishback. Aliás, os dois juntos protagonizam talvez a cena mais bonita do filme, em que Deborah lê a Hampton um poema que compôs sobre a situação de estar grávida no auge da luta (e mesmo agora ainda me emociono com o verso: "Talvez estejamos aqui para mais do que apenas guerra com estes corpos"). Fishback, que eu não conhecia, foi uma das surpresas mais agradáveis do filme, e sem dúvida merece no mínimo uma indicação à melhor atriz coadjuvante. Sua atuação sensível consegue ser uma contrapartida interessante ao "fogo" de Hampton.

    Esse é um filme poderoso, sem medo de ser político e revolucionário, sem medo de desmascarar um establishment hipócrita e enganador, que esconde seus crimes e mentiras por trás de uma ideologia que inverte a realidade. Como mostra o filme, os verdadeiros terroristas não são os panteras negras ou aqueles que lutam por uma sociedade mais justa e igualitária; os verdadeiros terroristas são os governos racistas e canalhas, que cometem os crimes mais abjetos e desprezíveis pra manter a injustiça e a desigualdade em nossas sociedades.

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  • T. L. Mota

    Se você já assistiu a 'Cidadão Kane', me parece quase impossível não ver 'Mank' como o filme incrível e grandioso que é. A começar pelo mais óbvio: as atuações são fenomenais, de todo o elenco, e é fácil ver por que Gary Oldman e Amanda Seyfried estão colecionando indicações a prêmios. Além disso, o roteiro, meu amigo, é coisa de gênio, com diálogos nada menos que sensacionais, e é difícil crer que esse foi o primeiro e único roteiro escrito pelo pai do Fincher. De toda forma, nada mais justo que um roteiro genial pra contar a história de um roteirista genial. Por fim, mas não menos importante, a direção é brilhante, e não só pela belíssima filmagem em preto e branco, mas pela própria estrutura do filme, espelhando a narrativa não-linear de 'Kane', cheia de flashbacks que vão se sobrepondo a fim de esboçar uma ideia sobre quem foi a peculiar figura de Herman J. Mankiewicz. Aliás, pra mim, essa é uma das sacadas mais bacanas do filme: a maneira como ele foi conduzido e montado faz de 'Mank' uma espécie de 'Cidadão Kane' sobre o cara que ESCREVEU 'Cidadão Kane'. Que phoda.

    Agora, o ponto mais alto do longa pra mim, sem dúvida, é sua riqueza temática. O filme toca em tantas questões, e de maneira tão significativa, que é até difícil enumerá-las, que dirá comentá-las todas. A partir das relações afetivas, empregatícias e aristocráticas de Mankiewicz, Fincher traça um retrato não só do espírito de seu protagonista, mas de sua própria época, passando pela situação política, o universo de esbanjamento e futilidade da alta sociedade e pelos bastidores mais podres de Hollywood. Em particular, esse aspecto foi o que mais me impressionou no longa, o da desconstrução do mito hollywoodiano. As pessoas dizendo que esse filme é uma homenagem a Hollywood, a meu ver, não entenderam nada. Pelo contrário, 'Mank' ataca em cheio essa visão idílica de Hollywood, repleta de mesquinharias e jogos políticos, mostrando como cinema e poder estiveram intrinsecamente entrelaçados desde o início - invariavelmente, como sempre, a favor dos interesses das elites. Fincher nos mostra quão facilmente a "fábrica de sonhos" se transforma em fábrica de mentiras, a serviço dos poderosos - não muito diferente do que fazem as fake news nos dias de hoje. É nesse cenário de desconstrução hollywoodiana que passeia Mankiewicz, apresentado como uma alma torturada, mas nunca vendida, um brilhante e mordaz escritor incapaz de se adequar a esse ambiente injusto, elitista e tóxico de Hollywood, e que vê na escrita do roteiro de 'Cidadão Kane' uma maneira de lidar com todos os demônios da sua vida frutos dessa inadequação. Em especial, uma maneira de lidar com sua relação assimétrica e contraditória com o poderoso William Randolph Hearst, o verdadeiro cidadão Kane - e que, embora tenha beneficiado Mank por algum tempo, tratava-o como um reles bobo-da-corte.

    'Mank' é vários filmes em um. É tanto uma biografia quanto um drama de época, como também é um filme que usa o passado pra discutir questões atualíssimas do presente. No entanto, no fundo, talvez o âmago do filme seja esse duelo de davi e golias entre um cidadão comum e imperfeito, embora genial, esmagado pela realidade e pela estrutura de classes, e um dos homens mais poderosos de seu tempo. De certo modo, até pela fama e impacto de 'Cidadão Kane', parece que, nesse caso, Davi venceu Golias mais uma vez. Mas a que preço? Essa é a pergunta que 'Mank', com maestria e grandiosidade, nos provoca a responder.

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  • T. L. Mota

    Palm Springs é um filme perfeito naquilo que se propõe: uma comédia divertida e descompromissada, sem nenhuma pretensão além de fazer rir e proporcionar um saudável momento de descontração e desligamento da caótica realidade. Se você está procurando um filme cabeça ou com alguma crítica profunda da realidade, passe longe daqui; mas se você busca apenas uma pipoca honesta e 2h de diversão, então Palm Springs é a pedida certa.

    Mesmo que a fórmula do loop temporal (que adoro desde que vi O Feitiço do Tempo pela primeira vez) já esteja ficando um pouco batida, esse filme conseguiu se sobressair e ser bastante interessante. Um dos fatores, claro, é a química entre o casal de protagonistas, absolutamente deliciosa, ambos tendo um carisma e simpatia incríveis, e que funciona ainda melhor quando estão juntos em cena (sem contar que foi bacana me dar conta, lá pelo meio do filme, de que "nossa, mas a Sarah é a Mãe de HIMYM!"). No entanto, a meu ver, o fator principal foi que esse filme conseguiu trazer um elemento novo em histórias desse tipo: em vez de apenas um personagem revivendo o mesmo dia, que é a praxe nesses filmes, dessa vez temos mais de um personagem preso no loop, e que interagem se lembrando dos acontecimentos passados. Essa pra mim foi uma sacada muito boa e muito original, definitivamente pondo Palm Springs como um dos melhores do gênero.

    No mais, embora piegas e nem muito profunda ou elaborada, também achei bem bonitinha a mensagem final do filme, de que o amor ainda pode ser uma resposta ao niilismo. De fato, nesse mundo que não raro parece tão sem sentido, e que muitas vezes, presos que estamos na rotina e em empregos mecânicos e enfadonhos, parece tão repetitivo quanto num loop temporal, não é tão difícil assim cair num niilismo semelhante ao do Nyles. Pra ele, ao menos no começo do filme, absolutamente nada tem valor e somente a busca desenfreada por prazer pode trazer um pouco de paz enquanto aguardamos o fim. Contudo, ao longo do filme, tanto ele quanto a Sarah vão percebendo que, sim, talvez nada faça sentido mesmo - mas compartilhar o vazio de sentido do mundo com outra pessoa, que sente esse vazio tão opressivamente quanto nós, paradoxalmente, pode preencher os corações com algum significado. E essa ideia, mesmo pra nossa geração tão cínica, ainda tem um apelo bastante tocante.

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