Godzilla: O Rei dos Monstros; Fascinante e Entediante - Crítica


É sensato e seguro afirmar que Godzilla é um ícone da cultura pop. O personagem, a bestialidade, o titã, como preferir chamá-lo, transcendeu a própria origem, e carrega uma significação no consciente coletivo que dispensa o país em que fora imaginado ou as razões. Supera qualquer contexto. Zilla é Zilla e pronto. Um imponente bichão, parecido com um dinossauro, escuro, com escamas e que solta laser - ou algo parecido. É difícil achar alguém que não saiba quem é, ou nunca tenha sequer ouvido falar no nome do lagartão.

Tal é a força do nome, aliás, que esse Rei dos Monstros é a 35º película cinematográfica que figura a fera, sendo o primeiro oriundo de 1954, marco inaugural do frutífero subgênero dos Kaijus. Já são sessenta e cinco anos, englobando sete décadas diferentes, com histórias carregas pelo poder destrutivo do Deus dos Monstros, em que ele já foi herói, anti-herói, um quase-mocinho, metáfora ambiental e bélica ou um simples réptil radioativo, irracional e destrutivo. Fato é que, hoje, a Legendary aposta em seu infindável culto popular não para aprofundar reflexões, e sim uma franquia bilionária rendida ao entretenimento e ao lucro, contribuindo ainda mais para a adoração ao Godzilla, ainda que narrativamente, nenhum filme tenha de fato feito jus à criatura, tendo em Zilla, novamente, o único motivo para se sustentar uma nova e falida fita sem muita ideia de como introduzir estes monstros de modo coerente no cinema mainstream - sim, pois as fitas japonesas são, na maioria das vezes, bem sem-vergonha e destinadas a um nicho fiel e muito específico, assim como os consumidores de Tokusatsu e fora, antigamente, com os heróis, maior rentabilidade da sétima arte no presente. 


Li por aí um texto que resumiu este novo filme como um "vale-tudo entre titãs gigantescos". Apesar da redundância, é uma opinião honesta, mas também ridicularizada nos comentários. Todos diziam, e eu concordava silenciosamente, que era isso mesmo que se esperava de uma obra assim. E está aí o problema: Godzilla II não é, infelizmente, somente um vale-tudo de titãs. Ele tenta ser, mas parece sentir uma grande culpa em se assumir como uma produção de duzentos milhões de dólares oca e que não se esforça muito nas explicações para, de fato, só nos brindar com duas horas de lutas desses monstros maravilhosos, luminosos e brutais. Sabe qual filme fez isso? Círculo de Fogo. É uma história rasa, mas que pouco almeja o contrário. Del Toro, um diretor criativo e vencedor do Oscar, assume seu lado "fã" e abraça o guilty pleasure, se divertindo e nos divertindo num roteiro que pouco quer fazer além de colocar robôs e kaijus de frente para se arrebentarem. Se Godzilla II se assumisse como tal, mais ou menos como foi o Kong: Ilha da Caveira, provavelmente sairíamos sorrindo do cinema. Porém, tal qual seu enfadonho antecessor, temos aqui boas-intenções vazias e que seriam melhor utilizadas se somente descartadas. A produtora trocou todo o time criativo, até ouviu as críticas de que o primeiro filme teve pouco Godzilla, mas de fato, não entendeu bem o que o público queria.

Num filme do Godzilla, o protagonista tem de ser o Godzilla. O melhor diálogo tem de ser seu berro intimidador; e o clímax quando suas escamas começam a brilhar num azul cerúleo incandescente que progride até explodir através de seus maxilares, em busca de um pobre alvo. É nobre a tentativa dos roteiristas em acrescentar comentários sociais para justificar a existência das criaturas, incutindo o heroísmo de Zilla e Mothra a uma sabedoria primitiva que não está presente nem nos próprios humanos, dotados de tanto conhecimento, mas responsáveis pela própria destruição. Godzilla só existe e ressurge por nossa causa. Cartilha comum dos filmes e séries de monstro atuais, como The Walking Dead, Labirinto do Fauno, a franquia Alien e Planeta dos Macacos, que discutem isto desde que o ser humano adquiriu alguma consciência. Porém, entre abordar isto, e saber como o fazer, há a distinção. Del Toro, quando o quis, o fez no Fauno, brilhantemente. Quando somente quis brincar, também o fez com maestria, no supracitado Círculo de Fogo. Godzilla II fica num limbo da incompetência mista para os dois. Sua temática social é preguiçosa, didática e apática. Infantil, até. E quando busca entreter, até consegue, mas se esforça ao máximo para frustrar até mesmo seus melhores momentos, ao interromper os colossos com dramas familiares e reviravoltas mequetrefes.


Aliás, o desserviço é mútuo. Pois se de um lado os monstros são subutilizados, o elenco humano é sabotado. Afinal, Vera Farmiga, Millie Bobby Brown, Kyle Chandler e Ken Watanabe são excelentes profissionais e se esforçam ao máximo, utilizando sua própria carga dramática, para nos fazer sentir empatia e identificação com seus personagens e tramas, mas com exceção de poucas passagens, principalmente no núcleo de Watanabe, são cenas que geram impaciência.

Godzilla pode ser o magnânimo cultural que é. Chamativo por si só. Mas encarregar um diretor como Michael Dougherty, sem qualquer personalidade e com uma filmografia bem questionável e distante de qualquer experiência no porte de algo como Godzilla II, é uma utilização bem ingênua não somente de centenas de milhões de dólares, mas de toda uma saga planejada, com sequência já para 2020, no embate entre Oriente x Ocidente, de Godzilla x Kong. 


O Rei dos Monstros, então, é uma frustração do tamanho de seus seres. É tecnicamente muito bem feito, e cheio de recortes que, posteriormente, renderão excelentes clipes compilados no Youtube. O problema é que entre estes clipes, há cerca de uma hora e meia de material que soa como um chato comercial.

Nota 5.

2 comentários:

  1. É difícil eu avaliar um filme do Godzilla. Particularmente gostei bastante do resultado, embora sentisse que o filme pudesse ter sido melhor na parte humana. Toda essa questão da trama de fundo é problemática, mas a verdade é que a franquia sempre sofreu disso. O Rei dos Monstros chega a ser melhor inclusive que alguns dos filmes japoneses, algo que seu anterior e o antecessor de ambos dificilmente conseguiram.

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    1. Olha, eu adoro, mas a maioria dos japoneses é uma merda, então não é lá um elogio haha.

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