Marido planeja matar a esposa pra viver na cidade com a amante e no meio disso não consegue, magoa ainda mais a esposa - uma espécie de santa, que está sempre à espera do marido - e a partir daí o filme se faz presente, apresentando variadas situações na cidade, situações que vão reforçando o estado de espírito do marido arrependido e da frágil e magoada esposa (imagem bastante potencializada pela feição inocente de Janet Gaynor). Imagens e emoções que falam por si, dos momentos mais tristes aos mais felizes, sempre "carregados" por uma trilha muito bem nivelada, muito condizente com o ritmo e tensão das cenas, com certa imponência, trazendo ainda mais dramaticidade a trama mas bem longe de exagerar ou destoar em algum sentido.
Gostei muito do filme e achei muito bem equilibrado no desenrolar e carga dramática. São muitos os eventos que me fizeram brilhar o olho de encantamento, belíssimas cenas, muito poderosas e muita harmonia no geral. Muito melhor que o açucarado City Girl.
Um "exercício" de contemplação incrível. Roma foi uma experiência bastante limpa pra mim, com sensações diversas. Tive alguma apatia de início, me senti um pouco "morno" em alguns pontos, mas desde sempre dentro daquela atmosfera, abduzido, me deixando guiar com facilidade. Situações cotidianas que me aproximaram, por mais que em certos momentos eu pensasse "será que vai dar em algum lugar?". E deu, foi muito, foi incrível acompanhar o aparente endurecimento de Cleo, suas experiências que geram angústia até desembocar em grito, para quem sabe renascer.
Quando o Amor é Mentira é o primeiro longa dirigido pelo cineasta italiano Valerio Zurlini e de maneira bem fresca desenvolve a história de um mulherengo conhecido como Bob, um jovem mecânico que vive dando em cima de todas as moças pela vizinhança e consequentemente se envolvendo em problemas com as mesmas e as pessoas próximas a essas moças, quando não esbarra na própria insensibilidade e indecisão. Bob é aquele rapaz que quanto mais contatinhos tem, melhor, mas encavala muitas situações por dia, levando atraso e frustrações aos encontros que planeja. Há um progresso emocional em Bob, mas vazio, coisas de momento, umas situações dizem que ele está aprendendo a respeitar as mulheres ao mesmo ponto que outras reforçam que ele não vai mudar e é nessa gangorra que Bob arrasa os corações pela cidade. Antonio Cifariello está muito bem como Bob e todas as moças com quem se envolve estão muito bem apesar de dividir o espaço umas com a outras e não estarem tão presentes. Cinema bem leve e muito diferente do que viria a ser os filmes de Zurlini, diretor que chegou a ser chamado de "poeta da melancolia" por suas tramas e personagens perdidos.
Sinestésico acho que seria a palavra que mais se aproxima desse filme difícil de classificar. Larvas que compõe uma "droga" que (em pequena dosagem) em garotos causa um efeito que aprimora seus reflexos e quando feito em pessoas mais adultas e em dose bruta como é feito com Kris (Amy Seimetz), a coloca em estado de zeramento, passando a ser ensinada e controlada por quem lhe deu a droga.
De início, um compilado de cenas aparentemente dissonantes umas das outras, mas todas as cenas, em si, apresentam um grau de sinergia impressionante, no seu leve movimentar de câmera, imagens de visual bem suave e o som, minuciosamente condensado. E talvez seja isso que me aproximou mais, mesmo com os supostos desníveis de cena a cena. As ações de Kris são de começo muito cortadas na narrativa, difícil detecção de personalidade após ela tomar a tal "droga", mas o que transforma a pontinha de cansaço em renovação é a entrada de Jeff (Shane Carruth) na história e com isso elementos de romance, mas em sutileza, sem perder o elemento misterioso já estabelecido.
Chegando ao fim, o que tive de mais claro a respeito de Cores do Destino foi a respeito de conexões, uma conexão entre personagens e um cuidado diferente com a proximidade de quem assiste, tenho a impressão de que houve essa preocupação por parte do Shane Carruth, e achei ainda mais incisiva e aproximada que a forma "Malickiana", por exemplo. Existe uma semelhança entre eles, em principal na filmagem, mas acho que Carruth introduz com mais eficiência e se reforça mais organicamente dentro da narrativa. É um filme especial.
Contos da Era Dourada é um daqueles filmes episódicos, que contam "lendas urbanas" e neste fala dos tempos comunistas da Romênia, de forma bem humorada, com situações que chegam a ser o cúmulo mas o tratamento desses absurdos vem de forma bem equilibrada e conforme vão mudando os contos as coisas vão se renovando, não dando muito tempo pra enjoar/cansar de um conto..
Os contos não tem muita discrepância entre si. Estilo de filmagem, fotografia e a secura dos diálogos e resoluções são bem parelhas, impactos de nível semelhante nos desfechos das histórias. Se tratando do principal assunto, ele vai bem em diversos níveis, apesar de grosseiro e engraçado e ao mesmo tempo estar tirando um sarro, transmite com clareza o que julga ser os problemas do regime, tanto coisas imediatas quanto situações que formaram raízes dentro do sistema comunista.
De outros filmes romenos que vi, as personagens muitas vezes são ácidas e desbocadas, me agrada muito, inclusive a direção debochada que tem em alguns. Ótima pedida pra quem gosta dessas características.
La Danseuse explora a vida de Loïe Fuller (Marie-Louise Fuller, 1862-1928), atriz/dançarina de sucesso e inventora da dança serpentina. No filme, Loie, já com seus vinte e poucos anos e mora com o pai, até que um importante acontecimento a faz ir morar com a mãe, e logo em seguida tentar a sorte na cidade, em pequenos trabalhos como atriz. Soko atua muito bem, interpretando uma Loie bem desconfiada e insegura a ponto de sempre deixar um revólver debaixo do travesseiro, mas persistente na busca de seu sucesso.
Há um certo picoteamento nas ações do filme, mas sempre mostrando bem o sentimento e condição de Loie. Uma certa pressa nas cenas em si e um considerável escape do fio narrativo entre uma cena e outra. Em respeito a filmagem, tem um padrão mais conservador, câmera estática e muitos cortes, dando uma dinâmica e ligeireza ao mesmo ponto que traz uma certa artificialidade. O visual é bem limpo, fotograficamente bem expressivo, bem iluminado, figurino muito bonito, maquiagem, enfim tudo isso dá um destaque e charme para os atores, que atuam muito bem. Todos os principais atores e alguns secundários tem presença marcante. O progresso de desgaste de Loie é muito bem trabalhado, mas o que traz mesmo um grau de veracidade é a performance de Soko.
Não tinha conhecimento que Loie e Isadora Duncan se conheceram, até engraçado isso por que não faz muito tempo que assisti uma cinebiografia da Isadora e nela não diz nada a respeito de Loie, nem mesmo um rápido encontro porém em La Danseuse já mostra um envolvimento maior e um interessante contraste das duas, em personalidade e pensamentos distintos sobre a dança.
“Beat é uma revolução cultural ... O fato de não termos satisfação é totalmente culpa daqueles que querem nos dizer que a vida consiste em nada além de submissão e progresso pessoal, respeito e carreira, aprendizado e notas, trabalho e dia de pagamento, diligência e poupança, paz e ordem, lei e decência...”
Uma frase tipicamente rebelde, libertadora. Essa efervescência é um dos pontos-chave na direção de Alain Tanner, mas longe do discurso, ele gosta mesmo é de questionar, e o faz de maneira bastante perspicaz, uma construção bastante compacta de seus personagens, entregando sua direção que passa por três noções muito bem desenvolvidas e que tem tudo a ver com a frase acima: Liberdade, questionamento e conservadorismo.
A primeira noção se mostra primordial se for pegar o filme como um todo. Personagens libertos, em linguajar e movimentação, isso por si (sem precisar saber o que estão dizendo) já levanta a condição de liberdade a altos níveis, transmitindo com grande frescor e leveza uma situação que tem tudo pra ser burocrática, que é escrever o tal roteiro, procurar os envolvidos, fazer perguntas etc. O questionamento vem de forma sutil, em pequenas e satíricas passagens, se aproveitando deliciosamente dos excelentes Jean-Luc Bideau, Jacques Denis e Bulle Ogier. Por último, mas não menos importante, o conservadorismo, por ser talvez o grande impulsionador na filmografia de Tanner, ao menos o motivo de A Salamandra e O Útimo a Rir (os que pude ver até aqui).
Agora me sinto amargurado de ter dado só 4 estrelas pra este filme rs.
O peso da fé e as decisões que fazem a amargura de um pastor. Como de costume em filmes do diretor Carl Theodor Dreyer, a teatralidade está presente neste tenso desdobrar de ações, envolvendo o pastor Absalon (Thorkild Roose), seu filho Martin (Preben Lerdorff Rye), que acaba de chegar após um longo período fora e sua segunda esposa, a jovem Anne (Lisbeth Movin). A turbulência se inicia dentro de casa, com o fato de a mãe do pastor não aprovar muito a esposa do filho. No entanto, o que impulsiona a tensão é um acontecimento à parte: Herlofs Marte (em atuação marcante de Anna Svierkier), uma senhora já de idade, é acusada de fazer bruxaria. Desesperada e em fuga, Marte invade a casa onde mora a família do pastor e dá de cara com Anne, que a esconde num cômodo da casa. Harlofs é encontrada e julgada por um grupo encabeçado pelo próprio Absalon. Nesse tempo Martin fica ao lado de Anne, que se mostra frágil e abalada pela decisão tomada em relação a Harlofs.
Filme com um desenrolar bem fluído, poucos mas bem utilizados cenários dentro da narrativa, as mulheres muito expressivas, de acordo com suas personalidades e estado de espírito. Uma sempre com expressão fechada, a outra em desespero e Anne, com mais espaço, mostrando ótima desenvoltura, em cenas de alegria e de tristeza, sempre carregando uma certa fragilidade. Absalon também tem destaque em sua feição que no começo parece tranquila e aos poucos tomando ares de preocupação e pesar. Pra quem já vem de outros filmes vistos do diretor, pode trazer uma sensação de previsibilidade em certos momentos, mas seguramente uma experiência válida.
Os filmes de György Pálfi costumam ser de caráter peculiar, sempre com um teor um tanto folclórico. Seus personagens são quase sempre marcantes, seja no aspecto físico ou personalidade, contido ou espalhafatoso. Em Não Somos Amigos essa forma mais ácida de desenvolvimento fica pra trás e dá lugar pra um formato diferente na filmografia do diretor, mas conhecida da galera: um filme com muitos personagens e uma divisão equilibrada de presença, trazendo situações que vão ligando um personagem a outro, no melhor estilo "cidade pequena" que vemos as vezes. Uma teia que vai se formando, entregando a condição, personalidade e desejos de seus personagens, malandros, sujos, carentes e o que for. Câmera aproximada, muito foco nos rostos perdidos de Budapeste num filme que se for ver bem, não foge tanto assim da filmografia de Pálfi em termos de direção, sempre apontando a contradição humana e seus trambiques, nesse aproximando mais das relações afetivas.
"Vocês atropelaram minha dignidade e a rasgaram em pedaços. Então Ajudem a si mesmos e andem logo, ponham-me na cadeia. Pelo menos em um buraco, não vou ter que ver ninguém."
Kader além do ótimo desenvolvimento narrativo ainda mostra extremo capricho cinematográfico, ainda maior que em Confissão, sem falar nas fortes atuações, uma marca do Zeki. Ta aí um grande cineasta, ainda um tanto escondido.
Um filme que se você descartar a ideia "redonda" de narrativa convencional cheia do passo a passo e focar no lirismo dos movimentos e cores, vai absorver uma das mais marcantes obras do cinema, o filme é tão vivo que ao encerrar você enxerga com mais vivacidade a sua volta. Bárbaro, único.
Um filme que a princípio não tem nada de mais mas que aos poucos vai deixando um gosto de "quero mais" por suas sugestões, símbolos, insinuações. Eis algumas ligações interessantes de se analisar:
Primeiro, a fixação pelas mãos bonitas e limpas do cardiologista, isso aliado ao segredo contado pro filho mais o suposto assassinato denotam o medo do médico derivado desse episódio com o pai, do jeito que é frisado isso pode ser caracterizado um trauma da vida desse homem e pegando um gancho nisso tem a parte onde a esposa já tem um hábito de se posicionar feito morta na hora do sexo, isso é mais um indício importante de como ele carrega toda essa "aura" de morte.
Outra situação envolve o filho, uma pequena fala que acaba se tornando um anúncio, de que ele quer ser um oftalmo e logo depois Martin conta sobre o olho que sangra num dos processos que finaliza em morte. Mais pro final o menino sangra pelo olho e diz pro pai que queria ser cardiologista, só dizia oftalmologista pra agradar a mãe. Em respeito da filha fica um pouco apressado, espremido no desenrolar mas, meio que forçado, Steven aparece na escola perguntando dos filhos e o diretor fala sobre eles e lembra de uma citação da história grega de Ifigênia, e mais pra frente Kim encarna a mesma Ifigênia se oferecendo pro sacrifício. Anna, a mais desprendida em aparência, mas não menos preocupada. Mais um anúncio do que viria, ela masturba um colega de Steven pra obter informações sobre o caso do suposto assassinato, e chegando no final sugere ao marido o sacrifício de um dos filhos com o argumento de que podem ter outro filho depois, dizendo inclusive que se não conseguir por método tradicional, que fosse via inseminação ou algo do tipo. Ainda tudo muito desajeitado na minha cabeça, mas é um filme que martela e com certeza há bem mais coisas a se encaixar.
De começo imagino que está tudo ligado à psique de Steven, mas ao mesmo tempo vejo que está tudo tão bem amarrado que pode ser uma estrutura onde todos são fundamentais mesmo com suas poucas externações. É um filme de primeira, to dando essa nota mediana mas acho que isso vai mudar e acho que Yorgos firmou ainda mais seu nome no cinema após esse filme, se não tem o frescor e contundência de outros filmes, supera e muito em profundidade.
Kiyoshi Kurosawa deve estar orgulhoso desse filme e mais ainda do Martin, típico personagem dos filmes dele rs, mais precisamente no filme A Cura.
Poucos superam a decadência. Chin está a mercê de uma pessoa que se posta de maneira completamente inerte, aparentemente indiferente aos acontecimentos ao seu redor, mas Lung está mesmo é temeroso, decepcionado, depressivo por estar numa posição que contrasta com seus momentos de glória e nisso ha muito mérito da direção de Yang, com sua ostensiva mostragem da cidade, do movimento e por consequência sua artificialidade, onde tudo e todos são iguais e já não tenho nenhum destaque pelo que faço, pelo que fiz, enfim, tudo é uma corrida que já não me interessa. Esse é o pensamento de Lung, o vazio de Lung, enquanto Chin recém desempregada tenta se unir a Lung, gosta dele e mal percebe que está insistindo em algo sem futuro. Meu segundo filme do Edward Yang e vejo que o estilo de narrativa de tons corriqueiros, cortes de clima, transições e linearidade "dispersas" são algumas de suas características, assim como o bom aproveitamento das locações, ótimas tomadas e um trabalho maravilhoso com as cores e luz. É muito caprichoso com a parte técnica, e apesar da aparente desconexão de cena após cena (pelo menos nesses filmes que vi), tem uma direção firme, que vai se estabelecendo aos poucos a quem vê, uma direção que envolve o individual por diversos meios.
O filme é fabuloso, muito intimista e isso é potencializado já que é filmado durante o processo de divórcio entre o Vincent Lindon e a bela Sandrine Kiberlain. Acabo de ver os extras do dvd e nas cenas excluídas - que poderiam manter tranquilamente (ao menos duas delas) - nos dá uma melhor dimensão da situação, com pontos de vista diferentes, dando mais significado pra algumas emoções e ações, enfim, uma amplitude maior.
Essa é uma bela construção de personagem e o que muitos entendem como "chocar por chocar" vejo como algo totalmente conciso dentro da lógica do filme, dentro dessa proposta de metáfora que por sinal é bem clara desde o pôster, fora que se enquadra totalmente nas características do diretor, sempre seca e com mais ação do que pausas de explicação.
Jay recusa trabalhos há 8 meses, mas se vê apertado pra tirar o sustento da família, logo, se entende que o dinheiro pouco importa pra ele. Jay se mostra atormentado quando toca no assunto Kiev, acredito que o vídeo que ele vê na tv é o dele mesmo cometendo atrocidades (apesar de o ter feito com as próprias mãos, assistir você mesmo fazendo deve ser bem perturbador), que o deixou ainda mais transtornado e doido pra apagar os responsáveis. Pra religião já se vê que ele não liga (Gal é o contraste que quando a coisa aperta sempre solta um "Jesus Cristo", e dando evidências de que ainda tem certo apego com religião). Por fim, a família, a única coisa que restava como motivo de vida pro Jay e o último percalço pra que a limpeza total fosse feita na vida dele, pra se iniciar como mais um adepto da tal seita.
Excepcional trabalho. Vincent Cassel um verdadeiro cínico, manipulador, um verdadeiro devorador de almas disfarçado de homem desprendido que está revendo conceitos. Tony não percebe os sinais de Georgio, completamente envolvida e apaixonada ao ponto de arrancar o próprio coração por esse amor, está cega, mas quem nunca esteve? Essas são as vítimas perfeitas dos Georgios espalhados por aí. Os últimos olhares dele e dela no filme dizem tudo sobre a obra, atuações fantásticas.
Uma sujeirada tão belamente filmada em uma produção extremamente minuciosa com os detalhes, sem dúvida muito aberta às improvisações, coisa rara se tratando de planos sequenciais tão longos, que já é raro nesse século. A parte sonora é simplesmente absurda, o trabalho deve ter sido muito árduo pra condensar o áudio da movimentação do pessoal+movimento colidindo com os objetos barulhentos suspensos que estão presente no filme todo+conversas paralelas+o som repentino da chuva, ou de fogo, e ainda das violentas batidas. Uma técnica especial foi utilizada nessa filmagem, impressiona a câmera se movimentar por terrenos tão irregulares e com tanta lama, sempre suave e sutilmente, fazendo o espectador contemplar cada frame e sentir-se estupefato com tudo. Agora fico pensando como seria especial ver uma obra dessa numa tela de cinema, seria no mínimo delirante. Com um efeito imersivo dos mais eficazes, somos jogados na visão de Dom Rumata tanto quanto na perspectiva de um figurante e, melhor que isso, é se sentir naquele contexto grotesco e medieval, mas que remete nossos dias de impotência perante aos mais altos escalões de governança. Um povo à espera de um sol inexistente, cada vez mais condenado pela própria ignorância, num redemoinho onde almas são lavadas com chuva e saliva.
Aurora
4.4 204 Assista AgoraMarido planeja matar a esposa pra viver na cidade com a amante e no meio disso não consegue, magoa ainda mais a esposa - uma espécie de santa, que está sempre à espera do marido - e a partir daí o filme se faz presente, apresentando variadas situações na cidade, situações que vão reforçando o estado de espírito do marido arrependido e da frágil e magoada esposa (imagem bastante potencializada pela feição inocente de Janet Gaynor). Imagens e emoções que falam por si, dos momentos mais tristes aos mais felizes, sempre "carregados" por uma trilha muito bem nivelada, muito condizente com o ritmo e tensão das cenas, com certa imponência, trazendo ainda mais dramaticidade a trama mas bem longe de exagerar ou destoar em algum sentido.
Gostei muito do filme e achei muito bem equilibrado no desenrolar e carga dramática. São muitos os eventos que me fizeram brilhar o olho de encantamento, belíssimas cenas, muito poderosas e muita harmonia no geral. Muito melhor que o açucarado City Girl.
Roma
4.1 1,4K Assista AgoraUm "exercício" de contemplação incrível. Roma foi uma experiência bastante limpa pra mim, com sensações diversas. Tive alguma apatia de início, me senti um pouco "morno" em alguns pontos, mas desde sempre dentro daquela atmosfera, abduzido, me deixando guiar com facilidade. Situações cotidianas que me aproximaram, por mais que em certos momentos eu pensasse "será que vai dar em algum lugar?". E deu, foi muito, foi incrível acompanhar o aparente endurecimento de Cleo, suas experiências que geram angústia até desembocar em grito, para quem sabe renascer.
Quando o Amor é Mentira
3.5 3Quando o Amor é Mentira é o primeiro longa dirigido pelo cineasta italiano Valerio Zurlini e de maneira bem fresca desenvolve a história de um mulherengo conhecido como Bob, um jovem mecânico que vive dando em cima de todas as moças pela vizinhança e consequentemente se envolvendo em problemas com as mesmas e as pessoas próximas a essas moças, quando não esbarra na própria insensibilidade e indecisão.
Bob é aquele rapaz que quanto mais contatinhos tem, melhor, mas encavala muitas situações por dia, levando atraso e frustrações aos encontros que planeja. Há um progresso emocional em Bob, mas vazio, coisas de momento, umas situações dizem que ele está aprendendo a respeitar as mulheres ao mesmo ponto que outras reforçam que ele não vai mudar e é nessa gangorra que Bob arrasa os corações pela cidade. Antonio Cifariello está muito bem como Bob e todas as moças com quem se envolve estão muito bem apesar de dividir o espaço umas com a outras e não estarem tão presentes. Cinema bem leve e muito diferente do que viria a ser os filmes de Zurlini, diretor que chegou a ser chamado de "poeta da melancolia" por suas tramas e personagens perdidos.
Cores do Destino
3.5 196 Assista AgoraSinestésico acho que seria a palavra que mais se aproxima desse filme difícil de classificar. Larvas que compõe uma "droga" que (em pequena dosagem) em garotos causa um efeito que aprimora seus reflexos e quando feito em pessoas mais adultas e em dose bruta como é feito com Kris (Amy Seimetz), a coloca em estado de zeramento, passando a ser ensinada e controlada por quem lhe deu a droga.
De início, um compilado de cenas aparentemente dissonantes umas das outras, mas todas as cenas, em si, apresentam um grau de sinergia impressionante, no seu leve movimentar de câmera, imagens de visual bem suave e o som, minuciosamente condensado. E talvez seja isso que me aproximou mais, mesmo com os supostos desníveis de cena a cena.
As ações de Kris são de começo muito cortadas na narrativa, difícil detecção de personalidade após ela tomar a tal "droga", mas o que transforma a pontinha de cansaço em renovação é a entrada de Jeff (Shane Carruth) na história e com isso elementos de romance, mas em sutileza, sem perder o elemento misterioso já estabelecido.
Chegando ao fim, o que tive de mais claro a respeito de Cores do Destino foi a respeito de conexões, uma conexão entre personagens e um cuidado diferente com a proximidade de quem assiste, tenho a impressão de que houve essa preocupação por parte do Shane Carruth, e achei ainda mais incisiva e aproximada que a forma "Malickiana", por exemplo. Existe uma semelhança entre eles, em principal na filmagem, mas acho que Carruth introduz com mais eficiência e se reforça mais organicamente dentro da narrativa. É um filme especial.
Contos da Era Dourada
3.9 30Contos da Era Dourada é um daqueles filmes episódicos, que contam "lendas urbanas" e neste fala dos tempos comunistas da Romênia, de forma bem humorada, com situações que chegam a ser o cúmulo mas o tratamento desses absurdos vem de forma bem equilibrada e conforme vão mudando os contos as coisas vão se renovando, não dando muito tempo pra enjoar/cansar de um conto..
Os contos não tem muita discrepância entre si. Estilo de filmagem, fotografia e a secura dos diálogos e resoluções são bem parelhas, impactos de nível semelhante nos desfechos das histórias. Se tratando do principal assunto, ele vai bem em diversos níveis, apesar de grosseiro e engraçado e ao mesmo tempo estar tirando um sarro, transmite com clareza o que julga ser os problemas do regime, tanto coisas imediatas quanto situações que formaram raízes dentro do sistema comunista.
De outros filmes romenos que vi, as personagens muitas vezes são ácidas e desbocadas, me agrada muito, inclusive a direção debochada que tem em alguns. Ótima pedida pra quem gosta dessas características.
La Danseuse
4.0 19 Assista AgoraLa Danseuse explora a vida de Loïe Fuller (Marie-Louise Fuller, 1862-1928), atriz/dançarina de sucesso e inventora da dança serpentina. No filme, Loie, já com seus vinte e poucos anos e mora com o pai, até que um importante acontecimento a faz ir morar com a mãe, e logo em seguida tentar a sorte na cidade, em pequenos trabalhos como atriz. Soko atua muito bem, interpretando uma Loie bem desconfiada e insegura a ponto de sempre deixar um revólver debaixo do travesseiro, mas persistente na busca de seu sucesso.
Há um certo picoteamento nas ações do filme, mas sempre mostrando bem o sentimento e condição de Loie. Uma certa pressa nas cenas em si e um considerável escape do fio narrativo entre uma cena e outra. Em respeito a filmagem, tem um padrão mais conservador, câmera estática e muitos cortes, dando uma dinâmica e ligeireza ao mesmo ponto que traz uma certa artificialidade. O visual é bem limpo, fotograficamente bem expressivo, bem iluminado, figurino muito bonito, maquiagem, enfim tudo isso dá um destaque e charme para os atores, que atuam muito bem. Todos os principais atores e alguns secundários tem presença marcante. O progresso de desgaste de Loie é muito bem trabalhado, mas o que traz mesmo um grau de veracidade é a performance de Soko.
Não tinha conhecimento que Loie e Isadora Duncan se conheceram, até engraçado isso por que não faz muito tempo que assisti uma cinebiografia da Isadora e nela não diz nada a respeito de Loie, nem mesmo um rápido encontro porém em La Danseuse já mostra um envolvimento maior e um interessante contraste das duas, em personalidade e pensamentos distintos sobre a dança.
A Salamandra
3.9 6“Beat é uma revolução cultural ... O fato de não termos satisfação é totalmente culpa daqueles que querem nos dizer que a vida consiste em nada além de submissão e progresso pessoal, respeito e carreira, aprendizado e notas, trabalho e dia de pagamento, diligência e poupança, paz e ordem, lei e decência...”
Uma frase tipicamente rebelde, libertadora. Essa efervescência é um dos pontos-chave na direção de Alain Tanner, mas longe do discurso, ele gosta mesmo é de questionar, e o faz de maneira bastante perspicaz, uma construção bastante compacta de seus personagens, entregando sua direção que passa por três noções muito bem desenvolvidas e que tem tudo a ver com a frase acima: Liberdade, questionamento e conservadorismo.
A primeira noção se mostra primordial se for pegar o filme como um todo. Personagens libertos, em linguajar e movimentação, isso por si (sem precisar saber o que estão dizendo) já levanta a condição de liberdade a altos níveis, transmitindo com grande frescor e leveza uma situação que tem tudo pra ser burocrática, que é escrever o tal roteiro, procurar os envolvidos, fazer perguntas etc. O questionamento vem de forma sutil, em pequenas e satíricas passagens, se aproveitando deliciosamente dos excelentes Jean-Luc Bideau, Jacques Denis e Bulle Ogier. Por último, mas não menos importante, o conservadorismo, por ser talvez o grande impulsionador na filmografia de Tanner, ao menos o motivo de A Salamandra e O Útimo a Rir (os que pude ver até aqui).
Agora me sinto amargurado de ter dado só 4 estrelas pra este filme rs.
Dias de Ira
4.3 37O peso da fé e as decisões que fazem a amargura de um pastor. Como de costume em filmes do diretor Carl Theodor Dreyer, a teatralidade está presente neste tenso desdobrar de ações, envolvendo o pastor Absalon (Thorkild Roose), seu filho Martin (Preben Lerdorff Rye), que acaba de chegar após um longo período fora e sua segunda esposa, a jovem Anne (Lisbeth Movin).
A turbulência se inicia dentro de casa, com o fato de a mãe do pastor não aprovar muito a esposa do filho. No entanto, o que impulsiona a tensão é um acontecimento à parte: Herlofs Marte (em atuação marcante de Anna Svierkier), uma senhora já de idade, é acusada de fazer bruxaria. Desesperada e em fuga, Marte invade a casa onde mora a família do pastor e dá de cara com Anne, que a esconde num cômodo da casa. Harlofs é encontrada e julgada por um grupo encabeçado pelo próprio Absalon. Nesse tempo Martin fica ao lado de Anne, que se mostra frágil e abalada pela decisão tomada em relação a Harlofs.
Filme com um desenrolar bem fluído, poucos mas bem utilizados cenários dentro da narrativa, as mulheres muito expressivas, de acordo com suas personalidades e estado de espírito. Uma sempre com expressão fechada, a outra em desespero e Anne, com mais espaço, mostrando ótima desenvoltura, em cenas de alegria e de tristeza, sempre carregando uma certa fragilidade. Absalon também tem destaque em sua feição que no começo parece tranquila e aos poucos tomando ares de preocupação e pesar. Pra quem já vem de outros filmes vistos do diretor, pode trazer uma sensação de previsibilidade em certos momentos, mas seguramente uma experiência válida.
Não Somos Amigos
3.4 8Os filmes de György Pálfi costumam ser de caráter peculiar, sempre com um teor um tanto folclórico. Seus personagens são quase sempre marcantes, seja no aspecto físico ou personalidade, contido ou espalhafatoso. Em Não Somos Amigos essa forma mais ácida de desenvolvimento fica pra trás e dá lugar pra um formato diferente na filmografia do diretor, mas conhecida da galera: um filme com muitos personagens e uma divisão equilibrada de presença, trazendo situações que vão ligando um personagem a outro, no melhor estilo "cidade pequena" que vemos as vezes.
Uma teia que vai se formando, entregando a condição, personalidade e desejos de seus personagens, malandros, sujos, carentes e o que for. Câmera aproximada, muito foco nos rostos perdidos de Budapeste num filme que se for ver bem, não foge tanto assim da filmografia de Pálfi em termos de direção, sempre apontando a contradição humana e seus trambiques, nesse aproximando mais das relações afetivas.
Guerra Fria
3.8 326 Assista AgoraOioioi
A Bela e os Cães
4.0 32"Vocês atropelaram minha dignidade e a rasgaram em pedaços. Então Ajudem a si mesmos e andem logo, ponham-me na cadeia. Pelo menos em um buraco, não vou ter que ver ninguém."
O Idiota
3.9 18E ainda apanha.
Destino
3.6 5Kader além do ótimo desenvolvimento narrativo ainda mostra extremo capricho cinematográfico, ainda maior que em Confissão, sem falar nas fortes atuações, uma marca do Zeki. Ta aí um grande cineasta, ainda um tanto escondido.
Os Cavalos de Fogo
4.1 36 Assista AgoraUm filme que se você descartar a ideia "redonda" de narrativa convencional cheia do passo a passo e focar no lirismo dos movimentos e cores, vai absorver uma das mais marcantes obras do cinema, o filme é tão vivo que ao encerrar você enxerga com mais vivacidade a sua volta. Bárbaro, único.
O Sacrifício do Cervo Sagrado
3.7 1,2K Assista AgoraUm filme que a princípio não tem nada de mais mas que aos poucos vai deixando um gosto de "quero mais" por suas sugestões, símbolos, insinuações. Eis algumas ligações interessantes de se analisar:
Primeiro, a fixação pelas mãos bonitas e limpas do cardiologista, isso aliado ao segredo contado pro filho mais o suposto assassinato denotam o medo do médico derivado desse episódio com o pai, do jeito que é frisado isso pode ser caracterizado um trauma da vida desse homem e pegando um gancho nisso tem a parte onde a esposa já tem um hábito de se posicionar feito morta na hora do sexo, isso é mais um indício importante de como ele carrega toda essa "aura" de morte.
Outra situação envolve o filho, uma pequena fala que acaba se tornando um anúncio, de que ele quer ser um oftalmo e logo depois Martin conta sobre o olho que sangra num dos processos que finaliza em morte. Mais pro final o menino sangra pelo olho e diz pro pai que queria ser cardiologista, só dizia oftalmologista pra agradar a mãe. Em respeito da filha fica um pouco apressado, espremido no desenrolar mas, meio que forçado, Steven aparece na escola perguntando dos filhos e o diretor fala sobre eles e lembra de uma citação da história grega de Ifigênia, e mais pra frente Kim encarna a mesma Ifigênia se oferecendo pro sacrifício. Anna, a mais desprendida em aparência, mas não menos preocupada. Mais um anúncio do que viria, ela masturba um colega de Steven pra obter informações sobre o caso do suposto assassinato, e chegando no final sugere ao marido o sacrifício de um dos filhos com o argumento de que podem ter outro filho depois, dizendo inclusive que se não conseguir por método tradicional, que fosse via inseminação ou algo do tipo. Ainda tudo muito desajeitado na minha cabeça, mas é um filme que martela e com certeza há bem mais coisas a se encaixar.
De começo imagino que está tudo ligado à psique de Steven, mas ao mesmo tempo vejo que está tudo tão bem amarrado que pode ser uma estrutura onde todos são fundamentais mesmo com suas poucas externações. É um filme de primeira, to dando essa nota mediana mas acho que isso vai mudar e acho que Yorgos firmou ainda mais seu nome no cinema após esse filme, se não tem o frescor e contundência de outros filmes, supera e muito em profundidade.
Kiyoshi Kurosawa deve estar orgulhoso desse filme e mais ainda do Martin, típico personagem dos filmes dele rs, mais precisamente no filme A Cura.
História de Taipei
4.0 21 Assista AgoraPoucos superam a decadência. Chin está a mercê de uma pessoa que se posta de maneira completamente inerte, aparentemente indiferente aos acontecimentos ao seu redor, mas Lung está mesmo é temeroso, decepcionado, depressivo por estar numa posição que contrasta com seus momentos de glória e nisso ha muito mérito da direção de Yang, com sua ostensiva mostragem da cidade, do movimento e por consequência sua artificialidade, onde tudo e todos são iguais e já não tenho nenhum destaque pelo que faço, pelo que fiz, enfim, tudo é uma corrida que já não me interessa. Esse é o pensamento de Lung, o vazio de Lung, enquanto Chin recém desempregada tenta se unir a Lung, gosta dele e mal percebe que está insistindo em algo sem futuro.
Meu segundo filme do Edward Yang e vejo que o estilo de narrativa de tons corriqueiros, cortes de clima, transições e linearidade "dispersas" são algumas de suas características, assim como o bom aproveitamento das locações, ótimas tomadas e um trabalho maravilhoso com as cores e luz. É muito caprichoso com a parte técnica, e apesar da aparente desconexão de cena após cena (pelo menos nesses filmes que vi), tem uma direção firme, que vai se estabelecendo aos poucos a quem vê, uma direção que envolve o individual por diversos meios.
O Homem da Capa Preta
3.6 59 Assista AgoraDepois de uma dessa é impossível não dizer: José Wilker faz uma falta danada!!
Longa Jornada Noite Adentro
4.3 45"Balbuciar é a eloquência das pessoas da neblina."
Mademoiselle Chambon
3.5 27 Assista AgoraO filme é fabuloso, muito intimista e isso é potencializado já que é filmado durante o processo de divórcio entre o Vincent Lindon e a bela Sandrine Kiberlain. Acabo de ver os extras do dvd e nas cenas excluídas - que poderiam manter tranquilamente (ao menos duas delas) - nos dá uma melhor dimensão da situação, com pontos de vista diferentes, dando mais significado pra algumas emoções e ações, enfim, uma amplitude maior.
O Melhor Verão de Nossas Vidas
3.1 14Elizabeth Perkins, que mulher!
Kill List
3.3 199Essa é uma bela construção de personagem e o que muitos entendem como "chocar por chocar" vejo como algo totalmente conciso dentro da lógica do filme, dentro dessa proposta de metáfora que por sinal é bem clara desde o pôster, fora que se enquadra totalmente nas características do diretor, sempre seca e com mais ação do que pausas de explicação.
Jay recusa trabalhos há 8 meses, mas se vê apertado pra tirar o sustento da família, logo, se entende que o dinheiro pouco importa pra ele. Jay se mostra atormentado quando toca no assunto Kiev, acredito que o vídeo que ele vê na tv é o dele mesmo cometendo atrocidades (apesar de o ter feito com as próprias mãos, assistir você mesmo fazendo deve ser bem perturbador), que o deixou ainda mais transtornado e doido pra apagar os responsáveis. Pra religião já se vê que ele não liga (Gal é o contraste que quando a coisa aperta sempre solta um "Jesus Cristo", e dando evidências de que ainda tem certo apego com religião). Por fim, a família, a única coisa que restava como motivo de vida pro Jay e o último percalço pra que a limpeza total fosse feita na vida dele,
pra se iniciar como mais um adepto da tal seita.
O Mais Querido
4.2 13"Não dê pêssegos a ele. Ele é alérgico."
Meu Rei
3.9 137 Assista AgoraExcepcional trabalho. Vincent Cassel um verdadeiro cínico, manipulador, um verdadeiro devorador de almas disfarçado de homem desprendido que está revendo conceitos. Tony não percebe os sinais de Georgio, completamente envolvida e apaixonada ao ponto de arrancar o próprio coração por esse amor, está cega, mas quem nunca esteve? Essas são as vítimas perfeitas dos Georgios espalhados por aí. Os últimos olhares dele e dela no filme dizem tudo sobre a obra, atuações fantásticas.
É Difícil Ser Um Deus
3.8 24Uma sujeirada tão belamente filmada em uma produção extremamente minuciosa com os detalhes, sem dúvida muito aberta às improvisações, coisa rara se tratando de planos sequenciais tão longos, que já é raro nesse século. A parte sonora é simplesmente absurda, o trabalho deve ter sido muito árduo pra condensar o áudio da movimentação do pessoal+movimento colidindo com os objetos barulhentos suspensos que estão presente no filme todo+conversas paralelas+o som repentino da chuva, ou de fogo, e ainda das violentas batidas. Uma técnica especial foi utilizada nessa filmagem, impressiona a câmera se movimentar por terrenos tão irregulares e com tanta lama, sempre suave e sutilmente, fazendo o espectador contemplar cada frame e sentir-se estupefato com tudo. Agora fico pensando como seria especial ver uma obra dessa numa tela de cinema, seria no mínimo delirante.
Com um efeito imersivo dos mais eficazes, somos jogados na visão de Dom Rumata tanto quanto na perspectiva de um figurante e, melhor que isso, é se sentir naquele contexto grotesco e medieval, mas que remete nossos dias de impotência perante aos mais altos escalões de governança. Um povo à espera de um sol inexistente, cada vez mais condenado pela própria ignorância, num redemoinho onde almas são lavadas com chuva e saliva.