Não é o stranger things paraibano nem o brazilian Lynch, é na verdade o melhor da tradição khouri e Garrett. Suspense nos trópicos, com todo calor daquelas noites embriagadas.
Manoel de Oliveira com seu "cinema palavra", estático e falado sempre me aborreceu. Nunca entendi como alguém que foi pilo automobilístico, apaixonado por velocidade, podia fazer filmes tão lentos. Isso começou a mudar quando vi "Non ou a Vã Glória de Mandar (1990)", um verdadeiro “anti-lusiadas”, retomando a historia nacional portuguesa através de derrotas, antítese para um povo que esta acostumada a olhar com orgulho para o próprio passado. E se tratando de derrotas, não há uma maior no imaginário português que Alcácer-Quibir, a batalha que marcou não apenas o declínio do império com a morte de D. Sebastião, mas também a necessidade de se reacender, uma brasa de grandeza que já não podiam mais. No final da batalha, a cena mais bonita do filme, um soldado moribundo se levanta pra recitar um trecho do sermão do Padre Antônio Vieira, proferido pela primeira vez quase 100 anos depois, mas aqui, passado, presente e futuro se confundem no triste epilogo sobre a derrota de um povo. “Terrível palavra é um non” ele diz, na derradeira insurreição antes de aceitar o próprio destino, manchando com uma beleza triste aquela epopeia de desgraças. A lentidão e sutileza dos movimentos aqui são de uma natureza bem diferente de boa parte do cinema contemporâneo, talvez por Oliveira ser um veterano (seu primeiro filme é de 32), as trepidações e o olhar desatento, ate vacilantes, marcas da produção de estúdio atual, dão lugar ao olhar firme e atento, necessários para capturar a grandeza de cada gesto humano. Se antes seu “quadro parado” e sua “lentidão” pareciam, na minha ingenuidade, um menosprezo ao movimento, hoje eu sei que são na verdade um entusiasmado manifesto em sua defesa.
Quando o primeiro star wars foi lançado em 1977 o próprio George Lucas havia se “escondido” temendo pelo fracasso do filme. E reza a lenda que para muitos dos envolvidos na produção o sentimento era de que estavam trabalhando em uma peça “infantil”. O sucesso imediato do filme dissipou qualquer temor, e possíveis constrangimentos com aquela pedaço extravagante de opera espacial. O que ficou na historia foi impacto cultural causado, não apenas por ter alterado dramaticamente business dos grandes estúdios de Hollywood, mas principalmente por ter deslumbrado uma geração inteira de futuros realizadores. James Cameron o mais visionário dos realizadores industriais conta que na época era motorista de caminhão, e que largou o emprego para se dedicar ao ramo cinematográfico depois de ver o filme, Ridely Scoot foi empurrado para Alien e Blade Runner , Luc Besson, Peter Jackson, além do próprio JJ Abrams, responsável por trazer a franquia de volta em 2015 tiveram a experiência do primeiro filme como influencia para suas carreiras. Ao se debater Se o adjetivo “infantil” procede ou não, o fato é que a medida que a saga avançou cresceram as brigas internas pelos caminhos da trama, e os responsáveis pela aumento de substancia em Império Contra Ataca, como o produtor Gary Kurtz, claramente perderam terreno para a guinada de pro- merchandising imposta por Lucas, o que culminou em Retorno de Jedi como uma conclusão que dava marcha ré a densidade narrativa da trama, resumindo tudo a um exercício de pirotecnia. O que havia nascido como um filme (no sentido mais nobre da definição) parece ter se desfigurado em propaganda. O lançamento da nova trilogia com Ameaça Fantasma em 1999 só aprofundou o quadro, era apenas Lucas reciclando o próprio lixo. Despertar da Força chega aos cinemas depois de 38 anos do filme original, tempo suficiente para Lucas transformar seu universo em “terra arrasada”, achar que alguma coisa poderia crescer ali não deixava de ser um exercício de fé. Mas Ironicamente o filme é realmente um "despertar" para a franquia. Alguns poderiam apontar a ausência de Lucas, outros a presença de JJ Abrams, confirmando seu talento (ou sorte) para ressuscitar franquias. Ele vinha acumulando vitorias com seus títulos de estúdio, e parece ter como maior virtude justamente por em pratica ideias simples que funcionam. Reciclando os conceitos do primeiro episodio o que torna seu filme quase um remake, mas Justiça seja feita, ele merece alguns elogios, como o de ter repovoado aquele universo com personagens capazes cativar. O piloto carismático, o stormtrooper com consciência, a valente catadora de sucata, o que temos é um painel humanidade que a muito havia deixado aquele mundo. O Vilão, Kylo ren, é um caso aparte, sendo concebido claramente como um emulação de Darth Vader mas que sabiamente os roteiristas trouxeram essa característica como conflito psicológico do personagem, uma vez que ele é um fanboy do vilão original. Tanto que uma das sequencias mais interessantes do filme é a de kylo, rezando para o capacete deteriorado de Vader,claramente um símbolo vazio e desvirtuado por seu próprio fanatismo,ironicamente a cena é a metáfora perfeita para o que aconteceu aos filmes e seus seguidores, uma vigor fervor em nome de uma causa morta. Também O Despertar da Força também poderia ter se revelado um ato vazio de veneração por parte de JJ Abram à peça obsoleta que a franquia havia se tornado, mas alguns acertos o salvaram disso, o maior deles, foi sem duvidas fazer o caminho inverso de Lucas, ter pego uma peça publicitaria e a transformado em Filme novamente. E esse é o maior elogio que ele poderia receber no momento. Dividido entre um olhar saudosista para o passado e um vislumbre esperançoso para o futuro da própria saga, o novo titulo parece resgatar uma fração da magia proporcionada pela experiência de escapismo do primeiro filme em 77. Ver as salas lotadas com o publico reagindo enfurecido a cada movimento na tela me faz acreditar que a experiência de sonhar em coletivo, como só o cinema pode proporcionar, ainda tem espaço nesse mundo em ebulição. E ao que parece são filmes como este que mantem essa romântica causa viva.
Paul W.S. Anderson não é o mais virtuoso dos diretores, mas nesse pequeno experimento de verão "catástrofe-espadas-e-romance" ele entrega um pequeno diamante bruto, uma obra que ainda brilha em meio a sua imperfeição. A metalinguagem da ultima cena é um verdadeiro síntese do que significa fazer cinema: O poder de cristalizar no tempo um olhar, um sorriso, um beijo... legar à eternidade a força de um gesto, por mais rápido que ele seja. bonito demais...
Depois de uma década lutando pela realização do novo Mad Max, George Miller entrega um obra-prima de ação pura, mas seu principal mérito não é pelo acido comentário sobre estrutura social que ele imprime no longa ou por trazer de volta o cinemão blockbuster, mas sim por seu olhar para o cinema como um esforço imagético. O nosso pioneiro, Humberto Mauro, disse uma vez :“Cinema é cachoeira”, é fácil entender ao que Mauro se referia: o movimento. O espantar do movimento, essa é a essência do cinema, tudo que vier para alem disso não passa de uma bandeira politica sobre o que alguns supõe que ele seja e não sobre o que ele realmente é. Exatamente por isso que Miller deve ser saudado, por nos espantar com o movimento das engrenagens, dos corpos humanos e de suas maquinas durante os 120 minutos de sua opera insana em poeira, ferro, suor e sangue. Hoje no Cinema mainstream, Miller é um dos poucos a entender o coração de sua maquina.
Ao se pesquisar um pouco logo se descobre que o rascunho do roteiro data dos anos 60, quando Aleksei German já pensava em adaptar o livro de ficção cientifica dos irmãos Arkady e Boris Strugatsky, mas a produção do filme só começou de fato apenas em 2000, para 13 anos depois ser entregue como uma obra póstuma. São basicamente 170 min de lama, fezes e sangue, num preto e branco luminoso e bonito como poucos. Espaços húmidos onde luz e sombra se enfrentam, através duma câmera incansável na tarefa de capturar detalhes, num apego à geografia do rosto humano, a força dos gestos, a guiar o olhar em meio ao pesadelo histórico da Idade Media. “Hard to be a God” é sobre um “homem do futuro” e sua visão apática sobre seus semelhantes “historicamente atrasados” em meio ao genocídio que eles próprios insistem em perpetuar, mas também poderia ser sobre cada individuo contemporâneo que se apercebe da crueldade, mesmo que incapaz de combatê-la, na triste certeza de sua permanência. Ao fim sobra uma pesada certeza, a da fragilidade humana frente a sua própria crueldade, numa imposição de corpos e almas que a historia nos narra e o presente insiste em nos faz testemunha. O russo Aleksei German dedicou sua vida a realização desse filme, que com justiça deve ser lembrado como “filme de sua vida”. Um retrato eterno de nossa humanidade, beleza e horror.
Alemão abre com as imagens mais naturalistas possíveis, partindo do alto duma comunidade para mergulhar no seu cotidiano mais individual, pessoas andam entre vielas, lavam roupas, cortam o cabelo, ate que um grupo armado desce o morro enquanto trocam diálogos com a comunidade, num cena aparentemente tão banal quanto qualquer uma das anteriores, alerta para a condição uma sociedade que aprendeu a conviver em constante contexto de guerra. Conflito é a a palavra motriz da trama, claramente exposto na relação entre os próprios policiais infiltrados, que desde o inicio mantem um relação de desconfiança que tende a explodir em violência, mesmo que estejam ali lutando lado a lado pelo mesmo objetivo. Apesar dos discursos esquizofrênicos aos quais o filme tem sido associado, talvez por ele não se eximir da responsabilidade de tomar lado, contornando o processo de ocupação das favelas com um certo tom de vitória, ainda que que abrindo os olhos para as contradições e consequências do processo. Estamos diante dum filme dotado de urgência e que abraça a necessidade do conflito ideológico enquanto ferramenta para construção do futuro, um feito em busca de respostas e ainda mais pelo debate sobre nova realidade da politica do país e em particular do programa segurança publica para a cidade do Rio de Janeiro. Ao alinhar um instigante enredo de ação com um forte debate para além-tela, Alemão já é uma grande empreitada do cinema Brasileiro. Obrigado Belmonte e aqueles ousem seguir pelo mesmo caminho. “Agora é Guerra”.
Em Vampyr, primeira experiência de Carl Theodor Dreyer no cinema falado, quase não há diálogos, as imagens continuam a dizer mais que as palavras. Delineadas por uma sinistra trilha sonora, com o delírio e a loucura flertando com a trama a todo o momento, numa clara sugestão para o limiar que situa o espectador: algo entre o real e o sonhar. Poucos filmes são chamados de obra-prima, mas menos ainda são aqueles que passados décadas mantem um vigor próprio em sua essência...
É com toda a brutalidade dum cinema em formação que o experimentalismo de Mario Peixoto surge na tela. Com sua câmera livre e transgressora na composição de violentas imagens, no apego aos detalhes, buscando em seus enquadramentos intimistas a matéria-prima para a construção dum discurso que parece capturar o “todo”. É quase inevitável não se traçar um paralelo entre o titulo “LIMITE”, em referencia a condição extrema dos seus personagens e a questão da própria fronteira cinematográfica, em jogo naquele inicio de século. A Incipiente cristalização duma forma que enraizaria a experiência cinematográfica como conhecida hoje. Limite é antes de tudo um outro caminhar para o cinema, uma obra seminal que abraçava a inovação como motor. A obra prima dum cinema que poderia ter sido.
. “O Brasil não é um país sério”. Essa curiosa frase, atribuída popularmente a Charles de Gaulle, teria sido proferida após um cômico episodio de disputa entre Brasil e a França, quando se debatia a legalidade ou não, da pesca de lagostas por navios Franceses em águas Brasileiras. Ao contrario do episodio pouco lembrado, a frase foi assimilada quase que folcloricamente pelo imaginário popular e costuma retornar em muitas ocasiões para explicar cruciais momentos de nossa historia, e sempre acreditei que por trás dessa piada existisse uma verdade fundamental sobre o lugar onde nasci. Por isso, a primeira vez que li algo sobre Amor e Fúria, longo pensei: lá vem mais uma iniciativa de se retomar a historia do Brasil com patéticos “eventos épicos” e “heróis nacionais”, dando eco a quixotesca luta para inserir algum vestígio de dignidade na “cômica tragédia histórica” que deu origem ao nosso pais. Para meu espanto, o filme repudia estereótipos e o senso comum que permeiam nosso imaginário enquanto povo. Retomando momentos nacionais através duma perspectiva nem um pouco ortodoxa. Focando sempre o conflito em vários contextos históricos, e respondendo as varias anedotas com que tentaram nos formar: “O Povo Brasileiro é pacifico”, “na historia nacional não houveram grandes conflitos armados”, “o povo sempre se manteve alheio aos eventos políticos” tudo isso parece ser parece ser expelido violentamente durante o longa, como um vomito, sujo e feio mas carregado de significado. Sempre acreditei no cinema como algo mais que o puro entretenimento ou a enfadonha dialética sobre problemas sociais. Fico feliz quando vejo produções que parecem seguir essa ideia. Assim é “Amor e Fúria”, uma pujante historia que não subestima nossa inteligência e nem deixa de entreter. O curioso é que o ensino de historia no Brasil esteve na maior parte do século XXI sobre influencia de regimes ditatoriais, sendo geralmente distorcida em prol duma versão mais “patriota” dos fatos, no filme existe uma visão distanciada da “história oficial”, dando voz aqueles que foram calados. Por isso, ao meu ver, ao menos num momento desse ano, o cinema nos entrega uma aula de historia muito mais humana e verdadeira do que aquelas impressas em livros didáticos.
Dirigido por Rogério Sqanzerla,”A mulher de todos” é uma exemplar do vanguardista cinema nacional dos anos 60/70, quando um grupo de entusiastas decidiram tomar a frente da arte cinematográfica no cenário nacional, dando inicio ao uma explosão artística que independente dos vários rótulos e adjetivos adquiridos com tempo buscava essencialmente a insurgência artística em relação as estruturas clássicas. A mulher de todos, pode não ter deixado um legado ao cinema contemporâneo, ou muito menos recebido o rotulo de “obra-prima”, ainda assim não se pode negar sua importância histórica, social e artística no cenário nacional, onde a arte sempre atribui-o a si uma função politica. Aparte possíveis criticas e opiniõs, estamos de frente para um legitimo representante da arte politica.
Na tentativa de entender quem foi Santiago, João Moreira Salles envereda numa jornada que busca decifrar tanto o homem estudado quanto a linguagem que o faz. Quem é Santiago? O que é cinema? Essas são as questões fundamentais ao longa. Curioso é que Moreira Salles nos põe em meio a um jogo de espelhos, encontrando as respostas para entender Santiago dentro do estudo da arte cinematográfica, ao mesmo tempo que elucida questões do cinema a partir da vida de Santiago. Ao final do longa talvez você não saberá dizer quem foi o mordomo Chileno que trabalhou para a família Moreira Salles durante décadas ou muito menos compreender o aspecto fundamental da arte de fixar e de reproduzir imagens que suscitam impressão de movimento. Mas certamente saberá de uma coisa: Entender o humano também é entender cinema.
Comprar Ingressos
Este site usa cookies para oferecer a melhor experiência possível. Ao navegar em nosso site, você concorda com o uso de cookies.
Se você precisar de mais informações e / ou não quiser que os cookies sejam colocados ao usar o site, visite a página da Política de Privacidade.
A Noite Amarela
2.7 51Não é o stranger things paraibano nem o brazilian Lynch, é na verdade o melhor da tradição khouri e Garrett. Suspense nos trópicos, com todo calor daquelas noites embriagadas.
Non, ou a Vã Glória de Mandar
4.0 8Manoel de Oliveira com seu "cinema palavra", estático e falado sempre me aborreceu. Nunca entendi como alguém que foi pilo automobilístico, apaixonado por velocidade, podia fazer filmes tão lentos. Isso começou a mudar quando vi "Non ou a Vã Glória de Mandar (1990)", um verdadeiro “anti-lusiadas”, retomando a historia nacional portuguesa através de derrotas, antítese para um povo que esta acostumada a olhar com orgulho para o próprio passado. E se tratando de derrotas, não há uma maior no imaginário português que Alcácer-Quibir, a batalha que marcou não apenas o declínio do império com a morte de D. Sebastião, mas também a necessidade de se reacender, uma brasa de grandeza que já não podiam mais. No final da batalha, a cena mais bonita do filme, um soldado moribundo se levanta pra recitar um trecho do sermão do Padre Antônio Vieira, proferido pela primeira vez quase 100 anos depois, mas aqui, passado, presente e futuro se confundem no triste epilogo sobre a derrota de um povo. “Terrível palavra é um non” ele diz, na derradeira insurreição antes de aceitar o próprio destino, manchando com uma beleza triste aquela epopeia de desgraças. A lentidão e sutileza dos movimentos aqui são de uma natureza bem diferente de boa parte do cinema contemporâneo, talvez por Oliveira ser um veterano (seu primeiro filme é de 32), as trepidações e o olhar desatento, ate vacilantes, marcas da produção de estúdio atual, dão lugar ao olhar firme e atento, necessários para capturar a grandeza de cada gesto humano. Se antes seu “quadro parado” e sua “lentidão” pareciam, na minha ingenuidade, um menosprezo ao movimento, hoje eu sei que são na verdade um entusiasmado manifesto em sua defesa.
Star Wars, Episódio VII: O Despertar da Força
4.3 3,1K Assista AgoraQuando o primeiro star wars foi lançado em 1977 o próprio George Lucas havia se “escondido” temendo pelo fracasso do filme. E reza a lenda que para muitos dos envolvidos na produção o sentimento era de que estavam trabalhando em uma peça “infantil”. O sucesso imediato do filme dissipou qualquer temor, e possíveis constrangimentos com aquela pedaço extravagante de opera espacial. O que ficou na historia foi impacto cultural causado, não apenas por ter alterado dramaticamente business dos grandes estúdios de Hollywood, mas principalmente por ter deslumbrado uma geração inteira de futuros realizadores. James Cameron o mais visionário dos realizadores industriais conta que na época era motorista de caminhão, e que largou o emprego para se dedicar ao ramo cinematográfico depois de ver o filme, Ridely Scoot foi empurrado para Alien e Blade Runner , Luc Besson, Peter Jackson, além do próprio JJ Abrams, responsável por trazer a franquia de volta em 2015 tiveram a experiência do primeiro filme como influencia para suas carreiras.
Ao se debater Se o adjetivo “infantil” procede ou não, o fato é que a medida que a saga avançou cresceram as brigas internas pelos caminhos da trama, e os responsáveis pela aumento de substancia em Império Contra Ataca, como o produtor Gary Kurtz, claramente perderam terreno para a guinada de pro- merchandising imposta por Lucas, o que culminou em Retorno de Jedi como uma conclusão que dava marcha ré a densidade narrativa da trama, resumindo tudo a um exercício de pirotecnia. O que havia nascido como um filme (no sentido mais nobre da definição) parece ter se desfigurado em propaganda. O lançamento da nova trilogia com Ameaça Fantasma em 1999 só aprofundou o quadro, era apenas Lucas reciclando o próprio lixo.
Despertar da Força chega aos cinemas depois de 38 anos do filme original, tempo suficiente para Lucas transformar seu universo em “terra arrasada”, achar que alguma coisa poderia crescer ali não deixava de ser um exercício de fé. Mas Ironicamente o filme é realmente um "despertar" para a franquia. Alguns poderiam apontar a ausência de Lucas, outros a presença de JJ Abrams, confirmando seu talento (ou sorte) para ressuscitar franquias. Ele vinha acumulando vitorias com seus títulos de estúdio, e parece ter como maior virtude justamente por em pratica ideias simples que funcionam. Reciclando os conceitos do primeiro episodio o que torna seu filme quase um remake, mas Justiça seja feita, ele merece alguns elogios, como o de ter repovoado aquele universo com personagens capazes cativar. O piloto carismático, o stormtrooper com consciência, a valente catadora de sucata, o que temos é um painel humanidade que a muito havia deixado aquele mundo. O Vilão, Kylo ren, é um caso aparte, sendo concebido claramente como um emulação de Darth Vader mas que sabiamente os roteiristas trouxeram essa característica como conflito psicológico do personagem, uma vez que ele é um fanboy do vilão original. Tanto que uma das sequencias mais interessantes do filme é a de kylo, rezando para o capacete deteriorado de Vader,claramente um símbolo vazio e desvirtuado por seu próprio fanatismo,ironicamente a cena é a metáfora perfeita para o que aconteceu aos filmes e seus seguidores, uma vigor fervor em nome de uma causa morta. Também O Despertar da Força também poderia ter se revelado um ato vazio de veneração por parte de JJ Abram à peça obsoleta que a franquia havia se tornado, mas alguns acertos o salvaram disso, o maior deles, foi sem duvidas fazer o caminho inverso de Lucas, ter pego uma peça publicitaria e a transformado em Filme novamente. E esse é o maior elogio que ele poderia receber no momento.
Dividido entre um olhar saudosista para o passado e um vislumbre esperançoso para o futuro da própria saga, o novo titulo parece resgatar uma fração da magia proporcionada pela experiência de escapismo do primeiro filme em 77. Ver as salas lotadas com o publico reagindo enfurecido a cada movimento na tela me faz acreditar que a experiência de sonhar em coletivo, como só o cinema pode proporcionar, ainda tem espaço nesse mundo em ebulição. E ao que parece são filmes como este que mantem essa romântica causa viva.
Pompeia
2.7 871 Assista AgoraPaul W.S. Anderson não é o mais virtuoso dos diretores, mas nesse pequeno experimento de verão "catástrofe-espadas-e-romance" ele entrega um pequeno diamante bruto, uma obra que ainda brilha em meio a sua imperfeição. A metalinguagem da ultima cena é um verdadeiro síntese do que significa fazer cinema: O poder de cristalizar no tempo um olhar, um sorriso, um beijo... legar à eternidade a força de um gesto, por mais rápido que ele seja. bonito demais...
Mad Max: Estrada da Fúria
4.2 4,7K Assista AgoraDepois de uma década lutando pela realização do novo Mad Max, George Miller entrega um obra-prima de ação pura, mas seu principal mérito não é pelo acido comentário sobre estrutura social que ele imprime no longa ou por trazer de volta o cinemão blockbuster, mas sim por seu olhar para o cinema como um esforço imagético. O nosso pioneiro, Humberto Mauro, disse uma vez :“Cinema é cachoeira”, é fácil entender ao que Mauro se referia: o movimento. O espantar do movimento, essa é a essência do cinema, tudo que vier para alem disso não passa de uma bandeira politica sobre o que alguns supõe que ele seja e não sobre o que ele realmente é. Exatamente por isso que Miller deve ser saudado, por nos espantar com o movimento das engrenagens, dos corpos humanos e de suas maquinas durante os 120 minutos de sua opera insana em poeira, ferro, suor e sangue. Hoje no Cinema mainstream, Miller é um dos poucos a entender o coração de sua maquina.
É Difícil Ser Um Deus
3.8 24Ao se pesquisar um pouco logo se descobre que o rascunho do roteiro data dos anos 60, quando Aleksei German já pensava em adaptar o livro de ficção cientifica dos irmãos Arkady e Boris Strugatsky, mas a produção do filme só começou de fato apenas em 2000, para 13 anos depois ser entregue como uma obra póstuma.
São basicamente 170 min de lama, fezes e sangue, num preto e branco luminoso e bonito como poucos. Espaços húmidos onde luz e sombra se enfrentam, através duma câmera incansável na tarefa de capturar detalhes, num apego à geografia do rosto humano, a força dos gestos, a guiar o olhar em meio ao pesadelo histórico da Idade Media.
“Hard to be a God” é sobre um “homem do futuro” e sua visão apática sobre seus semelhantes “historicamente atrasados” em meio ao genocídio que eles próprios insistem em perpetuar, mas também poderia ser sobre cada individuo contemporâneo que se apercebe da crueldade, mesmo que incapaz de combatê-la, na triste certeza de sua permanência. Ao fim sobra uma pesada certeza, a da fragilidade humana frente a sua própria crueldade, numa imposição de corpos e almas que a historia nos narra e o presente insiste em nos faz testemunha.
O russo Aleksei German dedicou sua vida a realização desse filme, que com justiça deve ser lembrado como “filme de sua vida”. Um retrato eterno de nossa humanidade, beleza e horror.
Alemão
2.8 380Alemão abre com as imagens mais naturalistas possíveis, partindo do alto duma comunidade para mergulhar no seu cotidiano mais individual, pessoas andam entre vielas, lavam roupas, cortam o cabelo, ate que um grupo armado desce o morro enquanto trocam diálogos com a comunidade, num cena aparentemente tão banal quanto qualquer uma das anteriores, alerta para a condição uma sociedade que aprendeu a conviver em constante contexto de guerra.
Conflito é a a palavra motriz da trama, claramente exposto na relação entre os próprios policiais infiltrados, que desde o inicio mantem um relação de desconfiança que tende a explodir em violência, mesmo que estejam ali lutando lado a lado pelo mesmo objetivo. Apesar dos discursos esquizofrênicos aos quais o filme tem sido associado, talvez por ele não se eximir da responsabilidade de tomar lado, contornando o processo de ocupação das favelas com um certo tom de vitória, ainda que que abrindo os olhos para as contradições e consequências do processo. Estamos diante dum filme dotado de urgência e que abraça a necessidade do conflito ideológico enquanto ferramenta para construção do futuro, um feito em busca de respostas e ainda mais pelo debate sobre nova realidade da politica do país e em particular do programa segurança publica para a cidade do Rio de Janeiro.
Ao alinhar um instigante enredo de ação com um forte debate para além-tela, Alemão já é uma grande empreitada do cinema Brasileiro. Obrigado Belmonte e aqueles ousem seguir pelo mesmo caminho. “Agora é Guerra”.
O Vampiro
4.0 77Em Vampyr, primeira experiência de Carl Theodor Dreyer no cinema falado, quase não há diálogos, as imagens continuam a dizer mais que as palavras. Delineadas por uma sinistra trilha sonora, com o delírio e a loucura flertando com a trama a todo o momento, numa clara sugestão para o limiar que situa o espectador: algo entre o real e o sonhar.
Poucos filmes são chamados de obra-prima, mas menos ainda são aqueles que passados décadas mantem um vigor próprio em sua essência...
Limite
4.0 167 Assista AgoraÉ com toda a brutalidade dum cinema em formação que o experimentalismo de Mario Peixoto surge na tela. Com sua câmera livre e transgressora na composição de violentas imagens, no apego aos detalhes, buscando em seus enquadramentos intimistas a matéria-prima para a construção dum discurso que parece capturar o “todo”.
É quase inevitável não se traçar um paralelo entre o titulo “LIMITE”, em referencia a condição extrema dos seus personagens e a questão da própria fronteira cinematográfica, em jogo naquele inicio de século. A Incipiente cristalização duma forma que enraizaria a experiência cinematográfica como conhecida hoje. Limite é antes de tudo um outro caminhar para o cinema, uma obra seminal que abraçava a inovação como motor. A obra prima dum cinema que poderia ter sido.
Uma História de Amor e Fúria
4.0 657. “O Brasil não é um país sério”. Essa curiosa frase, atribuída popularmente a Charles de Gaulle, teria sido proferida após um cômico episodio de disputa entre Brasil e a França, quando se debatia a legalidade ou não, da pesca de lagostas por navios Franceses em águas Brasileiras. Ao contrario do episodio pouco lembrado, a frase foi assimilada quase que folcloricamente pelo imaginário popular e costuma retornar em muitas ocasiões para explicar cruciais momentos de nossa historia, e sempre acreditei que por trás dessa piada existisse uma verdade fundamental sobre o lugar onde nasci. Por isso, a primeira vez que li algo sobre Amor e Fúria, longo pensei: lá vem mais uma iniciativa de se retomar a historia do Brasil com patéticos “eventos épicos” e “heróis nacionais”, dando eco a quixotesca luta para inserir algum vestígio de dignidade na “cômica tragédia histórica” que deu origem ao nosso pais.
Para meu espanto, o filme repudia estereótipos e o senso comum que permeiam nosso imaginário enquanto povo. Retomando momentos nacionais através duma perspectiva nem um pouco ortodoxa. Focando sempre o conflito em vários contextos históricos, e respondendo as varias anedotas com que tentaram nos formar: “O Povo Brasileiro é pacifico”, “na historia nacional não houveram grandes conflitos armados”, “o povo sempre se manteve alheio aos eventos políticos” tudo isso parece ser parece ser expelido violentamente durante o longa, como um vomito, sujo e feio mas carregado de significado.
Sempre acreditei no cinema como algo mais que o puro entretenimento ou a enfadonha dialética sobre problemas sociais. Fico feliz quando vejo produções que parecem seguir essa ideia. Assim é “Amor e Fúria”, uma pujante historia que não subestima nossa inteligência e nem deixa de entreter. O curioso é que o ensino de historia no Brasil esteve na maior parte do século XXI sobre influencia de regimes ditatoriais, sendo geralmente distorcida em prol duma versão mais “patriota” dos fatos, no filme existe uma visão distanciada da “história oficial”, dando voz aqueles que foram calados. Por isso, ao meu ver, ao menos num momento desse ano, o cinema nos entrega uma aula de historia muito mais humana e verdadeira do que aquelas impressas em livros didáticos.
A Mulher de Todos
3.9 68Dirigido por Rogério Sqanzerla,”A mulher de todos” é uma exemplar do vanguardista cinema nacional dos anos 60/70, quando um grupo de entusiastas decidiram tomar a frente da arte cinematográfica no cenário nacional, dando inicio ao uma explosão artística que independente dos vários rótulos e adjetivos adquiridos com tempo buscava essencialmente a insurgência artística em relação as estruturas clássicas. A mulher de todos, pode não ter deixado um legado ao cinema contemporâneo, ou muito menos recebido o rotulo de “obra-prima”, ainda assim não se pode negar sua importância histórica, social e artística no cenário nacional, onde a arte sempre atribui-o a si uma função politica. Aparte possíveis criticas e opiniõs, estamos de frente para um legitimo representante da arte politica.
Santiago
4.1 134Na tentativa de entender quem foi Santiago, João Moreira Salles envereda numa jornada que busca decifrar tanto o homem estudado quanto a linguagem que o faz. Quem é Santiago? O que é cinema? Essas são as questões fundamentais ao longa. Curioso é que Moreira Salles nos põe em meio a um jogo de espelhos, encontrando as respostas para entender Santiago dentro do estudo da arte cinematográfica, ao mesmo tempo que elucida questões do cinema a partir da vida de Santiago. Ao final do longa talvez você não saberá dizer quem foi o mordomo Chileno que trabalhou para a família Moreira Salles durante décadas ou muito menos compreender o aspecto fundamental da arte de fixar e de reproduzir imagens que suscitam impressão de movimento. Mas certamente saberá de uma coisa: Entender o humano também é entender cinema.