Quatro estrelas pela fotografia genial do Hoyte van Hoytema e pela atuação esforçada do Brad Pitt, mas o filme passaria muito bem sem essa narração chata de um personagem mal desenvolvido pelo roteiro.
Existem muitas razões para não gostar desse filme:
1. Não conhecer a lenda que baseou inúmeras obras, de Hamlet ao Rei Leão. 2. Não estar acostumado à linguagem simples e teatral dos contos medievais. 3. Não manjar nada da mitologia e da arte escandinava ou eslava. 4. Estar na expectativa de um épico e guerra convencional. 5. Estar com prisão de ventre ou fadiga ocular.
Todas as razões são legítimas, mas, caso elas não existam, o filme se torna uma obra estupenda. A cavalgada da Valquíria é uma das coisas mais embasbacantes que o cinema produziu recentemente, e a cena da iniciação é poderosa num sentido mítico, primitivo e espiritual. Eggers continua sem errar, mal posso esperar por seu Nosferatu!
A gargalhada do público e a reação do Louie logo na abertura, após ele dizer "my favorite sex position", dá uma ideia do quanto esse cara é amado e do quanto as pessoas antecipam os seus shows e suas piadas. Louis CK é certeza de sair exausto de tanto rir e a cada especial fica mais claro: não há cancelamento que o cale nem patrulha que o consiga censurar. Para mim, é o maior comediante de stand-up da história, saltando dos ombros do mestre Carlin e indo muito além.
Nomadland é mesmo um desses filmes milagrosos. É um poema sobre o luto e sobre a condição passageira da nossa vida.
Num ano como este, em que choramos a partida de tanta gente, é ainda um filme de cura, um filme-vacina.
A forma como a diretora, roteirista e editora Chloé Zhao aborda essa efemeridade através de coisas que parecem eternas, ou talvez atemporais, como as andorinhas que sempre estiveram voando sobre o lago do Alaska, ou a descoberta de que existem resquícios de estrelas em nossas mãos, é muito tocante.
A câmera de Joshua James Richards, namorado de Zhao, mantém-se num estado de profunda contemplação semelhante aos melhores trabalhos de Emmanuel Lubezki e Roger Deakins.
Nomadland é ainda um filme sobre a melancolia de um império em decadência. Talvez não seja mero acaso fato da cidade abandonada se chamar "Empire", e não menos evocativo é o fato de Chloé ser chinesa e natural de Beijing, capital deste império antigo que agora retoma seu posto central.
O nome do filme, Terra Nômade, é mais do que uma referência ao modo de vida dos personagens. È também sobre a terra (land) num sentido metafísico, de um "aqui" que é ao mesmo tempo um "acolá", e que vai sendo descoberto na medida em que é deixado pra trás.
A doce e brava Fern é alguém que habita esse devir e que, segundo a visão generosa de sua irmã, retorna ao modo de vida dos "pioneiros", pessoas igualmente desterradas e sempre em busca de trabalho, outrora tão romantizadas pelo mito colonialista.
Fern é, de certo modo, um cowboy dessa tal pós-modernidade, conduzindo sua diligência sem paragem certa e escapando dos escombros desse mundo que faliu. A cena em que reconstrói o prato de que seu pai lhe deu representa a possibilidade de encontrar beleza nesses escombros e de, enfim, se reconstruir.
Filme bonito e esperançoso, cinema em seu estado mais elevado.
Hoje entendi porque Bacurau não foi escolhido para representar o Brasil no Oscar. É porque trata-se de um filme anti-imperialista até a alma! KMF zomba tanto do subimperialismo praticado pelos vira-latas do Sudeste quanto da exploração imperialista da nossa memória, dos nossos homens, mulheres, crianças... do nosso futuro, da nossa liberdade. Bacurau é um grito seco rasgando a escuridão em que temos vivido e um estampido de bacamarte nas costelas estadunidenses (o que, particularmente, acho lindo demais da conta).
Muito bom, mas se eu fosse esse povo pendurava uns sinos la fora (de preferência bem longe) e amarrava uma cordinhas de varal em cada um. Daí quando os bichos viessem, era só puxar a cordinha e tava tudo resolvido.
Isso que as pessoas andam dizendo sobre não conseguir se importar muito com os personagens diz mais sobre as pessoas do que sobre o filme. E acredito que por dois motivos:
Um é por estarmos tão acostumados com o storytelling vindo das convenções literárias (uma jornada, três atos etc) que acabamos ficando viciados e não conseguimos aproveitar outras propostas tanto quanto poderíamos.
E dois é que o filme se trata de um experimento narrativo no qual o Tempo é o personagem principal e senhor do destino de todos ali. Se houvesse um protagonista humano, isso demandaria mais tempo de filme para focar nos seus dilemas e acabaria quebrando a lógica tríptica da narrativa. Desse modo, a única forma do experimento dar certo era não privilegiar ninguém na tela e não ser o próprio Tempo, algo que a trilha sonora mostra de modo praticamente literal.
Em outras palavras, Nolan não focou num arco porque quis mostrar que o coletivo e sua cooperação é mais importante do que as questões individuais de quem quer que seja.
É por isso que na minha opinião Dunkirk pode ser considerado um filme profundamente humanista: enquanto o inimigo não tem rosto, o herói tem muitos.
A estrutura narrativa de Dunkirk é muito engenhosa. A lógica "semana / dia / hora", alternadas nesta precisa ordem, encaixam o filme numa espécie de looping piramidal: a primeira cena, na praia, é mais longa. A segunda, no mar, é média. E a última, no ar, é sempre mais rápida. Juntas, formam um triângulo de tensão ascendente, o que contribui tanto para a construção de diversos pequenos clímaces quanto para a manutenção da presencialidade da história.
E para além da lógica triangular, há também uma lógica cíclica embutida na noção de que as linhas temporais eventualmente se cruzam, nos levando de volta ao mesmo lugar sob outro ponto de vista (e tempo). No final, quando as três linhas se chocam na mesma sequência, toda a arquitetura do filme é desvelada de modo inteligentíssimo.
De uma vez só, Nolan remete à várias de suas experiências anteriores com a distorção temporal. Os três níveis de sonho em Inception, em que cada cena se passa num tempo mais lento que a anterior mas todas se passam ao mesmo tempo, são ensaios do que será feito em Dunkirk. Ou quando o final de cada cena em Memento inaugura o que já ocorreu na anterior: mesmo ali já se ensaiava esses momentos de Dunkirk em que só compreendemos o que houve após completar uma viagem pelos três pontos de vista.
A sensação de relatividade provocada por Dunkirk é, no entanto, ainda mais palpável do que qualquer uma de suas obras: o quanto o piloto viveu em apenas uma hora? Ou o capitão em um dia no barco? E quanto tempo da semana inteira na praia se traduzirá em memórias? O que, afinal de contas, é o tempo para a memória - e vice-versa?
O tempo em Dunkirk está pautado por um relógio cujos ponteiros marcam três velocidades diferentes. Se vocês repararam, o filme abre com uma trilha sonora mecânica, uma espécie de tic tac sublinhado por aquele ruído que Zimmer inventou pro Joker. Na medida em que o perigo se aproxima o tic tac é acelerado e interrompido por pequenas disritmias e outros tic tacs entrelaçados. Quando isto acontece, Zimmer aproveita para introduzir as primeiras notas da música propriamente orquestrada. Assim, a cada novo pequeno momento de heroísmo, o tic tac vai sendo timidamente encoberto pela melodia. Só no final é que a música de fato toma de conta da trilha sonora, e depois que isto acontece chega a ser chocante quando o tic tac finalmente para e percebemos que a semana, o dia e a hora chegaram ao fim. É, portanto, brilhante que o filme encerre a linha temporal de terra, água e ar ao mesmo tempo, com um último tic.
Hans Zimmer é um matemático e um poeta. Talvez por isso ele e Nolan deem tão certo juntos. A estrutura narrativa de Dunkirk e sua trilha sonora são dois elementos que merecem ser estudados cientificamente.
O que mais me admira em John Wick 1 e 2 é esse senso de humor meio estranho embutido na ação. É como se o filme estivesse ao mesmo tempo fazendo uma sátira e uma homenagem ao gênero. Todas as cenas e falas são ao mesmo tempo sérias e caricatas. John Wick me lembra ao mesmo tempo Rambo e Machete, e isso é ótimo.
Edifício Aquarius é Estelita, Vila Autódromo, Parque do Cocó, Cidade Educandário, e tantos, tantos outros lugares esmagados pela indústria imobiliária... Que bom que pelo menos na arte o final pode ser mais feliz. E que bom que existe o cinema pernambucano pra manter a nossa fé na arte.
Uma cirurgião-patela com perda de memória recente, um peixinho-palhaço com uma barbatana curta, um polvo com um tentáculo a menos, uma tubarão-baleia com problemas de visão, um baleia-branca cujo sonar não funciona, uma mobelha-grande hiperativa, um leão-marinho oligofrênico... Procurando Dory é cheio de personagens especiais! <3
Gostaria de perguntar a estas pessoas reclamando da duração do filme: qual parte vocês removeriam para torná-lo mais curto?
Pergunto isso porque, depois de ver o filme duas vezes, tenho a impressão de que mesmo as cenas mais bobas estavam ali com um propósito maior, e que, caso cortadas, mais tarde apareceriam furos no roteiro.
Me desculpem, mas não consigo deixar de pensar que essa pressa de vocês é somente isso, pressa, falta de paciência. Aliás, me parece ser este um problema tipico dessa geração que já nasceu com internet: se vocês mal tem saco para ouvir uma música até o final, imagina então para um filme de quase três horas. Dá sono, né?
Na minha humilde opinião isto é um pouco trágico, porque algumas das maiores obras da história do Cinema são bem longas e exigem bastante atenção.
Honestamente, tive a impressão de que o grande sniper do filme foi o atleta olímpico sírio, e não o americano. Poucas vezes, na verdade, o grande "talento" de Kyle é bem explorado no filme, até porque fora isso o sujeito não é muito interessante. Além disso, os personagens secundários não se desenvolvem o suficiente para que sintamos suas dores, criando uma sensação de drama gratuito em algumas partes. As melhores cenas do filme são aquelas ligadas aos dilemas da hora de atirar, mas no geral é mais uma peça da velha guarda republicana dirigida por Eastwood. Chega a ser bizarro a quantidade de vezes que os iraquianos são chamados de selvagens e que alguem diz que aquele lugar "tem cheiro de merda de cachorro" e coisas do tipo. Com esse péssimo timing histórico, o filme acaba soando como uma bela propaganda de uma guerra injustificada, sendo por isso de certo modo anacrônico. Talvez dez anos atrás as 9 indicações ao Oscar fossem justas, mas hoje acho que a única indicação que "American Sniper" merecia era a de "bebê falso mais falso da história do cinema".
É chato quando o filme precisa se valer de sustos artificiais para manter a tensão da história. Especialmente quando a história já é tensa por natureza, como neste caso. Um ótimo conto, mas dirigido por uma mão insegura que desconhece a sutil diferença entre dar susto e causar medo. Gostei no entanto na direção de arte. O visual do filme é incrível e a ambientação perfeita, suficiente inclusive pra que fossem dispensados os agudos exagerados da trilha sonora e os barulhos repentinos em geral.
Esta é uma das grandes questões da humanidade. Praticamente todos os grandes filósofos da história se debruçaram sobre essa questão alguma vez e no entanto a discussão permanece.
Se eu, reles ser humano, conseguisse escapar dessa prisão tempo-espacial em que estamos e fosse parar num hipercubo onde tempo e espaço são apenas pequenos pontos de vista, eu me tonraria uma espécie de Deus, certo?
Imagine então que esse Deus é também um ser humano que foi ao espaço tentar salvar seus filhos e todos os seres humanos, teria ele embarcado nessa viagem por amor?
Se, ao chegar no hipercubo, ele estivesse desesperado por ter se perdido, por não mais conseguir voltar (como, para os espíritas, a alma se desesperaria ao desencarnar), e se no meio desse desespero este Deus ainda humano se deparasse com o poder de invadir e constranger as dimensões de tempo e espaço, para onde você acha que ele olharia?
Para a filha.
Ainda sem compeender-se como um Deus, o homem tem como única conexão com seu passado humano recente o amor. E nesta dimensão onde todas as dimensões se encontram, o amor daquele homem-Deus pode ser compreendido como saudade.
Para Nolan, os homens tornaram-se deuses e na tentativa de retornarem à condição de humanos, nos mandaram sinais sobrenaturais (porque já não mais poderiam mandar sinais naturais). É uma histórica arquetípica, messiânica. A menina acha que é um fantasma, mas num momento de conexão profunda com o seu Deus (e pai), compreende sua missão na terra e interpreta aqueles sinais na fórmula que fará, um dia, seu pai (ou Deus) conseguir retornar.
Talvez muita gente passe por esse planeta sem compreender essas questões. Não que sejam questões fundamentais, afinal para alguns a simplicidade se apresenta muito complexa, enquanto para outras o trivial explica tudo. Para alguns, o "amor" será uma falha de roteiro. Na minha opinião Nolan fez uma obra-prima.
Talvez o tempo vá reconhecer isso, "quando deixarmos de pensar como indivíduos e passarmos a pensar como uma espécie".
To com medo de discorrer sobre esse filme, porquê ele me parece muito mais simples do que tem se pregado fóruns e sites afora. Apesar de nunca apelar para a didática, a poética é clara e direta: um ser veste-se de humano, tenta agir como tal e enfreta os prós e contras dessa atitude. Este ser pode ser a representação de qualquer ideal de pureza moral, para o bem ou não, que possamos imaginar, mas produz através do discurso imagético ao mesmo tempo uma sensação de frieza e inocência, o que o talento da Scarlett explora lindamente. Particularmente fiquei muitíssimo impressionado com este filme, a ponto de reassisti-lo quase todo logo após o final. De todo modo, espero que os críticos estejam certos e eu não tenha captado essa complexidade temática, é mais um motivo pra voltar a esse filme e conversar sobre ele em rodas de cinéfilos por aí.
Assisti ontem à estréia de "Noah" e gostei bastante, mas tenho algumas ressalvas. Primeiro, ao contrário do que deram a entender os trailers, o filme não é uma mera remontagem do livro bíblico, mas uma inteira reinterpretação do mesmo. Para ser mais exato, as únicas coisas bíblicas no fime são o plot e o personagem principal, o resto é uma ficção de propósito claramente ambientalista, o que deve agradar inclusive aos cristãos e judeus (não contando com os fanáticos, claro). Vegetarianos gostarão, mas vegetarianos políticamente bem orientados o acharão meio superficial. De todo modo, o panfletarismo de "Noah" é humilde se comparado à sua beleza visual. A inserção de animais já extintos e seres sobrenaturais originam algumas cenas de beleza quase absurda; é o tipo de filme que você vai querer pausar algumas vezes só pra apreciar o quadro. Fiquei realmente surpreso com algumas tomadas, mas nem tanto depois de lembrar quem dirije/roteiriza o filme. Aliás, Aronofsky deixa-se imprimir em vários momentos com sua direção nervosa, cheia de cortes e tensão ascendente. Exceto por Matusalém (Anthony Hopkins), os personagens secundários não fazem jus à força da narrativa e tiram um pouco do seu peso, o que não deve incomodar às platéias menos críticas (afinal o foco do filme é mesmo Noé). Russell Crowe, por sinal, emula força e bondade do profeta bíblico, mas sob qualquer perspectiva humanista moderna sua bondade passaria facilmente por misantropia (ou por simples loucura). E embora seu carisma vá se perdendo depois da metade do filme, a grandiosidade de seu sacrifício ainda vale uns suspiros. Sem jamais pecar pela grandiloquência, a parte épica do filme é de encher os olhos (e os ouvidos: santo deus, que trilha sonora foda), mas é na parte dramática que a história se compromete um pouco. Não há cena dignas de nota no último ato, onde o filme quase se afunda no melodrama. Para isto haverá, claro, a justificativa válida de que "as falas são bobas graças à inocência e pureza das personagens", tudo bem, de fato não se pode esperar um show de dialética de uma família bíblica, mas isto causa um incômodo quando a discussão visual lhe parece tão mais profunda. De todo modo, este é provavelmente um julgamento pessoal. O que vale ser dito é que "Noah" merece ser assistido, especialmente pela sua qualidade temática e por ser talvez o filme menos bíblico já feito sobre uma história bíblica. Destaco sobretudo as sequências que ligam a ciência moderna àqueles escritos sagrados para tanta gente, são cenas de verdadeira beleza. 8/10
Homem-Aranha: Através do Aranhaverso
4.3 520 Assista AgoraMeu Deus, que trabalho majestoso esse filme. Absolutamente brilhante.
Ad Astra: Rumo às Estrelas
3.3 850 Assista AgoraQuatro estrelas pela fotografia genial do Hoyte van Hoytema e pela atuação esforçada do Brad Pitt, mas o filme passaria muito bem sem essa narração chata de um personagem mal desenvolvido pelo roteiro.
Oppenheimer
4.0 1,1KCara, que ansiedade.
Emergência
3.5 128 Assista AgoraFilmão! Mais uma indicação certeira da Isabela Boscov.
O Homem do Norte
3.7 945 Assista AgoraExistem muitas razões para não gostar desse filme:
1. Não conhecer a lenda que baseou inúmeras obras, de Hamlet ao Rei Leão.
2. Não estar acostumado à linguagem simples e teatral dos contos medievais.
3. Não manjar nada da mitologia e da arte escandinava ou eslava.
4. Estar na expectativa de um épico e guerra convencional.
5. Estar com prisão de ventre ou fadiga ocular.
Todas as razões são legítimas, mas, caso elas não existam, o filme se torna uma obra estupenda. A cavalgada da Valquíria é uma das coisas mais embasbacantes que o cinema produziu recentemente, e a cena da iniciação é poderosa num sentido mítico, primitivo e espiritual. Eggers continua sem errar, mal posso esperar por seu Nosferatu!
Sorry
4.3 6A gargalhada do público e a reação do Louie logo na abertura, após ele dizer "my favorite sex position", dá uma ideia do quanto esse cara é amado e do quanto as pessoas antecipam os seus shows e suas piadas. Louis CK é certeza de sair exausto de tanto rir e a cada especial fica mais claro: não há cancelamento que o cale nem patrulha que o consiga censurar. Para mim, é o maior comediante de stand-up da história, saltando dos ombros do mestre Carlin e indo muito além.
Dave Chappelle: Encerramento
3.6 24 Assista AgoraDois dias e ainda não superei o ato final, com a história da Dafne. Chappelle sempre faz isso, te mata de rir e te deixa uma semana pensando.
Nomadland
3.9 896 Assista AgoraNomadland é mesmo um desses filmes milagrosos. É um poema sobre o luto e sobre a condição passageira da nossa vida.
Num ano como este, em que choramos a partida de tanta gente, é ainda um filme de cura, um filme-vacina.
A forma como a diretora, roteirista e editora Chloé Zhao aborda essa efemeridade através de coisas que parecem eternas, ou talvez atemporais, como as andorinhas que sempre estiveram voando sobre o lago do Alaska, ou a descoberta de que existem resquícios de estrelas em nossas mãos, é muito tocante.
A câmera de Joshua James Richards, namorado de Zhao, mantém-se num estado de profunda contemplação semelhante aos melhores trabalhos de Emmanuel Lubezki e Roger Deakins.
Nomadland é ainda um filme sobre a melancolia de um império em decadência. Talvez não seja mero acaso fato da cidade abandonada se chamar "Empire", e não menos evocativo é o fato de Chloé ser chinesa e natural de Beijing, capital deste império antigo que agora retoma seu posto central.
O nome do filme, Terra Nômade, é mais do que uma referência ao modo de vida dos personagens. È também sobre a terra (land) num sentido metafísico, de um "aqui" que é ao mesmo tempo um "acolá", e que vai sendo descoberto na medida em que é deixado pra trás.
A doce e brava Fern é alguém que habita esse devir e que, segundo a visão generosa de sua irmã, retorna ao modo de vida dos "pioneiros", pessoas igualmente desterradas e sempre em busca de trabalho, outrora tão romantizadas pelo mito colonialista.
Fern é, de certo modo, um cowboy dessa tal pós-modernidade, conduzindo sua diligência sem paragem certa e escapando dos escombros desse mundo que faliu. A cena em que reconstrói o prato de que seu pai lhe deu representa a possibilidade de encontrar beleza nesses escombros e de, enfim, se reconstruir.
Filme bonito e esperançoso, cinema em seu estado mais elevado.
O Farol
3.8 1,6K Assista AgoraGenial demais esse diálogo:
- What?
- What?
- What?
- What?!
- What??!
- What?!!!
- What?!?!
- WHAT?!
- WHAT!!
- WHAT!!!
- WHAT!!!!
Bacurau
4.3 2,8K Assista AgoraHoje entendi porque Bacurau não foi escolhido para representar o Brasil no Oscar. É porque trata-se de um filme anti-imperialista até a alma! KMF zomba tanto do subimperialismo praticado pelos vira-latas do Sudeste quanto da exploração imperialista da nossa memória, dos nossos homens, mulheres, crianças... do nosso futuro, da nossa liberdade. Bacurau é um grito seco rasgando a escuridão em que temos vivido e um estampido de bacamarte nas costelas estadunidenses (o que, particularmente, acho lindo demais da conta).
Foda-se o Oscar, Bacurau é muito maior!
Um Lugar Silencioso
4.0 3,0K Assista AgoraMuito bom, mas se eu fosse esse povo pendurava uns sinos la fora (de preferência bem longe) e amarrava uma cordinhas de varal em cada um. Daí quando os bichos viessem, era só puxar a cordinha e tava tudo resolvido.
Dunkirk
3.8 2,0K Assista AgoraIsso que as pessoas andam dizendo sobre não conseguir se importar muito com os personagens diz mais sobre as pessoas do que sobre o filme. E acredito que por dois motivos:
Um é por estarmos tão acostumados com o storytelling vindo das convenções literárias (uma jornada, três atos etc) que acabamos ficando viciados e não conseguimos aproveitar outras propostas tanto quanto poderíamos.
E dois é que o filme se trata de um experimento narrativo no qual o Tempo é o personagem principal e senhor do destino de todos ali. Se houvesse um protagonista humano, isso demandaria mais tempo de filme para focar nos seus dilemas e acabaria quebrando a lógica tríptica da narrativa. Desse modo, a única forma do experimento dar certo era não privilegiar ninguém na tela e não ser o próprio Tempo, algo que a trilha sonora mostra de modo praticamente literal.
Em outras palavras, Nolan não focou num arco porque quis mostrar que o coletivo e sua cooperação é mais importante do que as questões individuais de quem quer que seja.
É por isso que na minha opinião Dunkirk pode ser considerado um filme profundamente humanista: enquanto o inimigo não tem rosto, o herói tem muitos.
Dunkirk
3.8 2,0K Assista AgoraA estrutura narrativa de Dunkirk é muito engenhosa. A lógica "semana / dia / hora", alternadas nesta precisa ordem, encaixam o filme numa espécie de looping piramidal: a primeira cena, na praia, é mais longa. A segunda, no mar, é média. E a última, no ar, é sempre mais rápida. Juntas, formam um triângulo de tensão ascendente, o que contribui tanto para a construção de diversos pequenos clímaces quanto para a manutenção da presencialidade da história.
E para além da lógica triangular, há também uma lógica cíclica embutida na noção de que as linhas temporais eventualmente se cruzam, nos levando de volta ao mesmo lugar sob outro ponto de vista (e tempo). No final, quando as três linhas se chocam na mesma sequência, toda a arquitetura do filme é desvelada de modo inteligentíssimo.
De uma vez só, Nolan remete à várias de suas experiências anteriores com a distorção temporal. Os três níveis de sonho em Inception, em que cada cena se passa num tempo mais lento que a anterior mas todas se passam ao mesmo tempo, são ensaios do que será feito em Dunkirk. Ou quando o final de cada cena em Memento inaugura o que já ocorreu na anterior: mesmo ali já se ensaiava esses momentos de Dunkirk em que só compreendemos o que houve após completar uma viagem pelos três pontos de vista.
A sensação de relatividade provocada por Dunkirk é, no entanto, ainda mais palpável do que qualquer uma de suas obras: o quanto o piloto viveu em apenas uma hora? Ou o capitão em um dia no barco? E quanto tempo da semana inteira na praia se traduzirá em memórias? O que, afinal de contas, é o tempo para a memória - e vice-versa?
O tempo em Dunkirk está pautado por um relógio cujos ponteiros marcam três velocidades diferentes. Se vocês repararam, o filme abre com uma trilha sonora mecânica, uma espécie de tic tac sublinhado por aquele ruído que Zimmer inventou pro Joker. Na medida em que o perigo se aproxima o tic tac é acelerado e interrompido por pequenas disritmias e outros tic tacs entrelaçados. Quando isto acontece, Zimmer aproveita para introduzir as primeiras notas da música propriamente orquestrada. Assim, a cada novo pequeno momento de heroísmo, o tic tac vai sendo timidamente encoberto pela melodia. Só no final é que a música de fato toma de conta da trilha sonora, e depois que isto acontece chega a ser chocante quando o tic tac finalmente para e percebemos que a semana, o dia e a hora chegaram ao fim. É, portanto, brilhante que o filme encerre a linha temporal de terra, água e ar ao mesmo tempo, com um último tic.
Hans Zimmer é um matemático e um poeta. Talvez por isso ele e Nolan deem tão certo juntos. A estrutura narrativa de Dunkirk e sua trilha sonora são dois elementos que merecem ser estudados cientificamente.
John Wick: Um Novo Dia Para Matar
3.9 1,1K Assista AgoraO que mais me admira em John Wick 1 e 2 é esse senso de humor meio estranho embutido na ação. É como se o filme estivesse ao mesmo tempo fazendo uma sátira e uma homenagem ao gênero. Todas as cenas e falas são ao mesmo tempo sérias e caricatas. John Wick me lembra ao mesmo tempo Rambo e Machete, e isso é ótimo.
Louis C.K. 2017
4.0 25Quase tive um troço de tanto rir na parte do "Finger her I shall"
Aquarius
4.2 1,9K Assista AgoraEdifício Aquarius é Estelita, Vila Autódromo, Parque do Cocó, Cidade Educandário, e tantos, tantos outros lugares esmagados pela indústria imobiliária... Que bom que pelo menos na arte o final pode ser mais feliz. E que bom que existe o cinema pernambucano pra manter a nossa fé na arte.
Procurando Dory
4.0 1,8K Assista AgoraUma cirurgião-patela com perda de memória recente, um peixinho-palhaço com uma barbatana curta, um polvo com um tentáculo a menos, uma tubarão-baleia com problemas de visão, um baleia-branca cujo sonar não funciona, uma mobelha-grande hiperativa, um leão-marinho oligofrênico... Procurando Dory é cheio de personagens especiais! <3
Os Oito Odiados
4.1 2,4K Assista AgoraGostaria de perguntar a estas pessoas reclamando da duração do filme: qual parte vocês removeriam para torná-lo mais curto?
Pergunto isso porque, depois de ver o filme duas vezes, tenho a impressão de que mesmo as cenas mais bobas estavam ali com um propósito maior, e que, caso cortadas, mais tarde apareceriam furos no roteiro.
Me desculpem, mas não consigo deixar de pensar que essa pressa de vocês é somente isso, pressa, falta de paciência. Aliás, me parece ser este um problema tipico dessa geração que já nasceu com internet: se vocês mal tem saco para ouvir uma música até o final, imagina então para um filme de quase três horas. Dá sono, né?
Na minha humilde opinião isto é um pouco trágico, porque algumas das maiores obras da história do Cinema são bem longas e exigem bastante atenção.
Sniper Americano
3.6 1,9K Assista AgoraHonestamente, tive a impressão de que o grande sniper do filme foi o atleta olímpico sírio, e não o americano. Poucas vezes, na verdade, o grande "talento" de Kyle é bem explorado no filme, até porque fora isso o sujeito não é muito interessante. Além disso, os personagens secundários não se desenvolvem o suficiente para que sintamos suas dores, criando uma sensação de drama gratuito em algumas partes. As melhores cenas do filme são aquelas ligadas aos dilemas da hora de atirar, mas no geral é mais uma peça da velha guarda republicana dirigida por Eastwood. Chega a ser bizarro a quantidade de vezes que os iraquianos são chamados de selvagens e que alguem diz que aquele lugar "tem cheiro de merda de cachorro" e coisas do tipo. Com esse péssimo timing histórico, o filme acaba soando como uma bela propaganda de uma guerra injustificada, sendo por isso de certo modo anacrônico. Talvez dez anos atrás as 9 indicações ao Oscar fossem justas, mas hoje acho que a única indicação que "American Sniper" merecia era a de "bebê falso mais falso da história do cinema".
A Mulher de Preto
3.0 2,9KÉ chato quando o filme precisa se valer de sustos artificiais para manter a tensão da história. Especialmente quando a história já é tensa por natureza, como neste caso. Um ótimo conto, mas dirigido por uma mão insegura que desconhece a sutil diferença entre dar susto e causar medo. Gostei no entanto na direção de arte. O visual do filme é incrível e a ambientação perfeita, suficiente inclusive pra que fossem dispensados os agudos exagerados da trilha sonora e os barulhos repentinos em geral.
Interestelar
4.3 5,7K Assista AgoraO que é o amor?
Esta é uma das grandes questões da humanidade. Praticamente todos os grandes filósofos da história se debruçaram sobre essa questão alguma vez e no entanto a discussão permanece.
Se eu, reles ser humano, conseguisse escapar dessa prisão tempo-espacial em que estamos e fosse parar num hipercubo onde tempo e espaço são apenas pequenos pontos de vista, eu me tonraria uma espécie de Deus, certo?
Imagine então que esse Deus é também um ser humano que foi ao espaço tentar salvar seus filhos e todos os seres humanos, teria ele embarcado nessa viagem por amor?
Se, ao chegar no hipercubo, ele estivesse desesperado por ter se perdido, por não mais conseguir voltar (como, para os espíritas, a alma se desesperaria ao desencarnar), e se no meio desse desespero este Deus ainda humano se deparasse com o poder de invadir e constranger as dimensões de tempo e espaço, para onde você acha que ele olharia?
Para a filha.
Ainda sem compeender-se como um Deus, o homem tem como única conexão com seu passado humano recente o amor. E nesta dimensão onde todas as dimensões se encontram, o amor daquele homem-Deus pode ser compreendido como saudade.
Para Nolan, os homens tornaram-se deuses e na tentativa de retornarem à condição de humanos, nos mandaram sinais sobrenaturais (porque já não mais poderiam mandar sinais naturais). É uma histórica arquetípica, messiânica. A menina acha que é um fantasma, mas num momento de conexão profunda com o seu Deus (e pai), compreende sua missão na terra e interpreta aqueles sinais na fórmula que fará, um dia, seu pai (ou Deus) conseguir retornar.
Talvez muita gente passe por esse planeta sem compreender essas questões. Não que sejam questões fundamentais, afinal para alguns a simplicidade se apresenta muito complexa, enquanto para outras o trivial explica tudo. Para alguns, o "amor" será uma falha de roteiro. Na minha opinião Nolan fez uma obra-prima.
Talvez o tempo vá reconhecer isso, "quando deixarmos de pensar como indivíduos e passarmos a pensar como uma espécie".
Sob a Pele
3.2 1,4K Assista AgoraTo com medo de discorrer sobre esse filme, porquê ele me parece muito mais simples do que tem se pregado fóruns e sites afora. Apesar de nunca apelar para a didática, a poética é clara e direta: um ser veste-se de humano, tenta agir como tal e enfreta os prós e contras dessa atitude. Este ser pode ser a representação de qualquer ideal de pureza moral, para o bem ou não, que possamos imaginar, mas produz através do discurso imagético ao mesmo tempo uma sensação de frieza e inocência, o que o talento da Scarlett explora lindamente. Particularmente fiquei muitíssimo impressionado com este filme, a ponto de reassisti-lo quase todo logo após o final. De todo modo, espero que os críticos estejam certos e eu não tenha captado essa complexidade temática, é mais um motivo pra voltar a esse filme e conversar sobre ele em rodas de cinéfilos por aí.
Noé
3.0 2,6K Assista AgoraAssisti ontem à estréia de "Noah" e gostei bastante, mas tenho algumas ressalvas. Primeiro, ao contrário do que deram a entender os trailers, o filme não é uma mera remontagem do livro bíblico, mas uma inteira reinterpretação do mesmo. Para ser mais exato, as únicas coisas bíblicas no fime são o plot e o personagem principal, o resto é uma ficção de propósito claramente ambientalista, o que deve agradar inclusive aos cristãos e judeus (não contando com os fanáticos, claro). Vegetarianos gostarão, mas vegetarianos políticamente bem orientados o acharão meio superficial. De todo modo, o panfletarismo de "Noah" é humilde se comparado à sua beleza visual. A inserção de animais já extintos e seres sobrenaturais originam algumas cenas de beleza quase absurda; é o tipo de filme que você vai querer pausar algumas vezes só pra apreciar o quadro. Fiquei realmente surpreso com algumas tomadas, mas nem tanto depois de lembrar quem dirije/roteiriza o filme. Aliás, Aronofsky deixa-se imprimir em vários momentos com sua direção nervosa, cheia de cortes e tensão ascendente. Exceto por Matusalém (Anthony Hopkins), os personagens secundários não fazem jus à força da narrativa e tiram um pouco do seu peso, o que não deve incomodar às platéias menos críticas (afinal o foco do filme é mesmo Noé). Russell Crowe, por sinal, emula força e bondade do profeta bíblico, mas sob qualquer perspectiva humanista moderna sua bondade passaria facilmente por misantropia (ou por simples loucura). E embora seu carisma vá se perdendo depois da metade do filme, a grandiosidade de seu sacrifício ainda vale uns suspiros. Sem jamais pecar pela grandiloquência, a parte épica do filme é de encher os olhos (e os ouvidos: santo deus, que trilha sonora foda), mas é na parte dramática que a história se compromete um pouco. Não há cena dignas de nota no último ato, onde o filme quase se afunda no melodrama. Para isto haverá, claro, a justificativa válida de que "as falas são bobas graças à inocência e pureza das personagens", tudo bem, de fato não se pode esperar um show de dialética de uma família bíblica, mas isto causa um incômodo quando a discussão visual lhe parece tão mais profunda. De todo modo, este é provavelmente um julgamento pessoal. O que vale ser dito é que "Noah" merece ser assistido, especialmente pela sua qualidade temática e por ser talvez o filme menos bíblico já feito sobre uma história bíblica. Destaco sobretudo as sequências que ligam a ciência moderna àqueles escritos sagrados para tanta gente, são cenas de verdadeira beleza. 8/10
Os Suspeitos
4.1 2,7K Assista AgoraSuspense irretocável. Há muito tempo não via um filme do gênero tão intenso. Mal posso esperar pelo próximo filme do diretor, "Enemy".