“A Árvore da Vida” é um filme estranho. Ele causa em você uma dualidade de percepções muito grande, e em certo ponto, nos questionamos se isso é realmente necessário. Por vezes, você tem a sensação de estar à frente de uma das maiores obras-primas que a sétima arte já nos proporcionou. Então, quando já se está acostumando com a estética e a linguagem própria na qual a história se constrói, têm-se a sensação de estar interpretando tudo de forma errada e que aquele amontoado de cenas (produzidas com uma fotografia admirável, acho válido ressaltar) e a trilha sonora grandiosa nada mais são do que exatamente isso: um amontoado de cenas. Sem conexão. Sem sentido. Sem nenhum propósito mais profundo do que está exatamente ali, na tela.
É difícil falar de algo tão subjetivo, mas eu ao menos tentarei. “A Árvore da Vida” segue uma família texana composta por três filhos, uma mãe amorosa (?) e um pai truculento. A história se passa em um subúrbio norte-americano da década de 50 e é toda composta pelas lembranças de Jack, o mais velho. Conhecemos pouco dessa família, a nós só são proporcionados pequenos flashes de momentos felizes ou tristes, justamente os que mais marcam a memória do filho mais velho (pois se é possível termos certeza de alguma coisa aqui, é a de que a protagonista verdadeira é a memória). Seus sofrimentos, personalidades e vivências se escondem por debaixo de um roteiro fragmentado, que tenta arrancar do espectador exatamente a interpretação própria do que vê.
Quando uma das crianças morre, a Senhora O’Brien (Jessica Chastain, a Celia de The Help e pra mim, o grande destaque do filme) se entrega à tristeza. A partir desse momento, o longa de Terrence Malick adquire caráter lírico. Somos levados a conectar a existência da vida do filho ausente à existência do universo como um todo. A câmera desliza, melíflua, pelos cenários, sem focar em nada especificamente. Toma-se, portanto, um Deus grandioso e minimalista ao mesmo tempo (o que soa quase paradoxal), que se traduz ao longo dos tempos desde a mais simples forma de vida, passando pelos dinossauros, o surgimento das florestas e as galáxias propriamente ditas. É possível também ouvir a voz de Jack (Sean Penn) ao fundo, como um dos filhos já crescidos, dizendo que através da mãe, ele reconheceu a voz do Criador. E do céu, fez-se ouvir na Terra.
O filme corta novamente para o presente/futuro e dessa vez temos um vislumbre do próprio Jack, como homem de meia-idade, ponderando sobre a vida e a morte, marcado de forma indelével pela forma como foi criado. Através dessa visão singular, ele nos remete à educação paterna rígida. Ressalta-se aqui o mérito de Brad Pitt, fazendo um bom trabalho em aparentar sentimento por detrás da casca impenetrável do Sr. O’Brien, proporcionando ao público pequenos vislumbres do amor que o pai nutre para com os filhos. Ao mesmo tempo, temos o contraste com a figura materna: doce, acolhedora, segura.
O mote faz com que as três crianças experimentem todo o tipo de sensação: pena, ódio, paixão, luto, louvor, alegria, gratidão... As poucas falas parecem jogadas e é você quem deve ir costurando uma a outra para que façam sentido (se é que fazem). De verdade mesmo, achei estafante. Pode ser ignorância minha, mas não consegui enxergar nenhum significado grandioso em “A Árvore da Vida”. Para mim, trata-se muito mais de um ensaio experimental cinematográfico sobre o ser do que qualquer outra coisa (e não me venham os eruditos dizerem que minha capacidade intelectual está aquém da necessária para entender o significado da história, porque enxergar algum significado fica a cargo de cada um).
Malick se preocupa demais em sustentar a imagem de gênio incompreendido, em jogar pedaços de histórias na tela sem que elas se conectem e acaba perdendo o que poderia ser uma boa história se tivesse dinâmica melhor definida. A sensação que dá é que, para o diretor, mais vale um take belíssimo do início da vida na Terra do que proporcionar a quem está assistindo uma razão para esse take existir (a razão existe, mas é mostrada de forma tão subliminar que sou capaz de apostar que poucos conseguiram perceber). Vi que o próprio Sean Penn criticou a montagem do filme, tornando a sua participação praticamente irrelevante e o roteiro completamente insosso.
Tem gente que compara esse trabalho de Terrence com os filmes do Lars Von Trier. Acho bastante difícil. Só conheço dois filmes do Lars, é verdade; “Melancolia” e “Anticristo”, mas eu consigo enxergar seus propósitos. Enquanto “Anticristo” trata da exposição do mal, “Melancolia” trata da depressão, da tristeza e do desejo imediatista de amarrar as pontas da vida quando deparamos com a contagem regressiva em direção à morte (maximizando isso à contagem regressiva para o fim do mundo). “A Árvore da Vida”, por sua vez, é apenas uma experiência plástica e filosófica sobre a existência, que parte do nada e não leva a lugar nenhum.
E se vamos falar de Lars Von Trier, devo dizer que acredito que “A Árvore da Vida” só levou a Palma de Ouro devido ao comentário totalmente descartável do diretor de “Melancolia” (Trier disse que “compreendia Hitler” e por causa disso, foi expulso de Cannes). A cena mais calma de Kristen Durst soa muito mais real e palpável que a mais vívida de Brad Pitt.
Terrence Malick é superestimado, confuso, prolixo e de modo algum merece a caracterização a la Antonin Artaud que alguns críticos atribuem a ele (considero presunção). O filme adquire outro sentido, é verdade, quando se percebe que tudo ali descrito se passa na mente do Jack adulto, que reflete sobre a infância. Tudo mesmo, até o Big Bang, que é um devaneio da mente do primogênito sobre o sentido da vida (daí se explica a mãe ser um exemplo de candura e o pai ser um tirano inescrupuloso). Mas ainda assim, não é para qualquer um.
No final, ficam as perguntas: estamos tratando mesmo de existência/existencialismo? Estamos questionando o ser divino e o ser mundano, contrapondo um ao outro, sem necessariamente causar anulação? Ou será que a intenção aqui é mostrar as consequências da grosseria de O’Brien na vida de Jack? Perguntas e mais perguntas, nem tão facilmente digeridas.
As cenas finais são elucidativas, mas como quase todo o resto da obra, abertas à interpretação. Pois aqui vai a minha: Jack caminha pelo intrincado labirinto da memória humana. O que vê é o resultado do que já vive/viveu. Vida e morte são conceitos coexistentes nesse momento do filme.
As pessoas à deriva em torno dele são compostas por homens e mulheres atemporais, perdidos, procurando significado na vida (evidenciado pela amplitude dada pelo oceano em contraponto com os que nele caminham). A máscara que afunda na água representa o fim do rótulo, o abandono da caricatura, é despir-se do personagem social. As mulheres que tocam a Sra. O’Brien são personificação da consciência, são o elo entre o espírito da mãe de Jack e o divino. Ao entregar seus filhos ao Maior, ela aceita o curso natural e encontra sua pureza.
Ainda pretendo ver a versão completa do diretor, que dizem ter quase seis horas (talvez assim faça sentido) e não digo que seu filme seja péssimo ou que não mereça ser assistido. Mas depois de ficar um dia todo voltando cenas, pausando, pensando a respeito do que via, recomendo que só o faça se não tiver nenhum outro título disponível.
Ouvi falar sobre o documentário “Tiros em Columbine” em um momento particularmente difícil para o Brasil inteiro: o massacre de Realengo. Talvez tentando buscar um precedente, ou encontrar algum tipo de explicação para o que tinha acontecido no Rio de Janeiro, a mídia (sobretudo a televisiva) referiu-se inúmeras vezes ao documentário de Michael Moore, citando tragédia semelhante em Littleton, Colorado. Por mais doentio que isso possa parecer, sempre achei a mente dos psicopatas uma riqueza à parte. Não é que eu defenda as atitudes deles, longe disso, mas os motivos que levam uma pessoa a matar alguém se valendo de traços de crueldade são fascinantes. Negativamente, mas ainda assim, fascinantes. Desse modo, filmes e livros com essa temática me atraem bastante: foi assim com “Elephants” e “We Need To Talk About Kevin”. Pois bem, achei realmente que “Tiros em Columbine” se propusesse a fazer uma análise psicológica de Dylan Klebold e Eric Harris, os dois adolescentes que assassinaram catorze estudantes e um professor em Columbine High. Esperava depoimentos de especialistas, reconstituição do dia do ataque e toda a instrumentação sensacionalista que o cinema de Hollywood, por vezes, se vale para nos chocar ou emocionar (quase sempre, as duas coisas). Eis que fui positivamente surpreendido por um longa-metragem que busca não entender as causas da violência em Littleton, mas as causas da violência na sociedade estadunidense como um todo. Tomando como base a paranoia pela proteção que impera nos Estados Unidos, a história sangrenta da colonização e a questão racial no país, Michael Moore constrói um intrincado roteiro, na qual usa Columbine como catapulta para uma pergunta muito mais profunda e complexa: de onde vem essa necessidade norte-americana de possuir armas? Da Segunda Emenda? Da cultura do medo perpetuada pelos noticiários? Ou será que se trata de um extinto raivoso comum a todo cidadão que naquela nação nasce? Moore acerta ao ouvir não só estudiosos da violência, mas também pessoas comuns, mas diretamente ligadas à questão que o documentário se propõe a responder. É assim com o homem que dorme com uma arma carregada debaixo do travesseiro, do adolescente (ex-colega de Dylan e Eric) roubando armas para vender a US$ 150,00 em uma cidade vizinha ou uma milícia, composta por gente normal (acredite, até um corretor de imóveis fazia parte) que não acredita na capacidade da força oficial em proteger suas famílias, usando esse argumento para promover um discurso pró-armamentista... Ao mesmo tempo, Moore se propõe a estudar a história de outros países e analisar os índices de homicídios causados por armas de fogo. Compara a Alemanha dos nazistas, a Inglaterra no auge do Imperialismo, o Japão invadindo a China e assim consecutivamente. Mesmo com o passado violento, as estatísticas desses países são significativamente inferiores às dos Estados Unidos.
O filme também investe nos acontecimentos históricos (e contraditórios) promovidos pelas Forças Armadas ao longo de suas décadas hegemônicas. Cita, por exemplo, que no dia do ataque em Columbine, os EUA bombardeavam o Kosovo. Mostra as interferências na política do Oriente Médio (sobretudo no Irã, Afeganistão, Iraque e Paquistão), contrapondo a ajuda financeira dada pelos norte-americanos a “soldados do povo” e a consequência disso, desembocando no 11 de Setembro. Acho bastante emblemática a imagem nas cenas finais, quando o presidente da Associação Americana do Rifle, Charlton Heston, se nega a olhar para a foto de Kayla, garota de 6 anos assassinada por um colega de sala com a mesma idade. Dias depois da tragédia, a exemplo do que também havia feito em Littleton, Heston visitou e palestrou na cidade de Kayla, em uma atitude no mínimo zombadora. Só tenho a contestar a edição do filme. Pra mim, a missão de um documentário polêmico como esse não é formar opinião, mas deixar que a pessoa que está assistindo o faça por conta própria. Admito que é impossível ser completamente imparcial em um caso como esse, mas os comentários de Moore e a forma como os depoimentos dos pró-armamentistas são dispostos, intercalando com falas de pessoas contrárias aos armamentos que soam como dogmas, praticamente invalida o discurso dos primeiros. Ainda assim, nem mesmo esse irritante detalhe é capaz de tirar o mérito desse que se firma como um dos principais títulos dos nossos tempos.
Morno. Essa é a única palavra capaz de definir com exatidão o que o “Like Crazy” de Drake Doremus representa, filme que varia entre momentos de brilhante inspiração e outros que dão sono. É aquele tipo estranho de filme que começa como se já estivesse na metade e termina com uma sensação de que a história ainda vai continuar. Ensaia um grande momento o tempo todo, mas não sai da mesmice. Basicamente, fala da história do casal Anna (Felicity Jones) e Jacob (Anton Yelchin), que se conhecem nos Estados Unidos. Mas há um problema: Anna é britânica e seu visto está para vencer. O amor dos dois só faz crescer, a ponto de fazê-la violar seu visto e ficar ilegalmente nos EUA durante todo o verão. Esse pequeno acontecimento mudará tudo. Quando tenta entrar no país novamente, Anna é impedida e banida de volta para o Reino Unido. Durante o tempo em que estão separados, Anna se torna mais fria. Quase não responde as mensagens de Jacob e, quando o faz, usa um tom de impessoalidade que causa afastamento. É sempre “estou um pouco ocupada” ou “tenho que fazer isso, nos falamos depois”. Nesse meio tempo, Jacob conhece Samantha (interpretada pela brilhante Jennifer Lawrence), ela se apaixona por ele e a história continua. Pra mim, o principal erro de “Like Crazy” não é o roteiro (sem graça, vamos admitir), mas a dificuldade que o espectador tem de se conectar com os protagonistas. Nem Anton nem Felicity passam quaisquer tipos de sentimentos que proporcionem empatia e a situação limite ao qual ambos os personagens estão impostos ganha contornos tediosos nas expressões faciais dos dois. Não há aquela intensidade que se espera para uma história como essa. Jennifer Lawrence, por sua vez, mostra que não é preciso ter destaque em um filme para fazer um trabalho acima da média. Conhecida pela bela atuação em “Winter’s Bone”, que a levou ao Oscar, ela usa os seus poucos segundos de importância pra mostrar do que é capaz. Em um dos diálogos, Jacob diz para Samantha “que ela não merece estar com alguém que não gosta tanto dela assim,” ao que ela retruca com um “Eu te amo”, carregado de emoção em cada sílaba. Ele, entretanto, apenas diz “Sinto muito”. A segunda melhor cena do filme em minha opinião. A trama causaria empatia em um grupo muito restrito. Quem, entre os que já fizeram intercâmbio, nunca se apaixonou? É difícil para ambas as partes e você sente como se cada dia que passa seja um dia a menos. E conforme a data de voltar pra casa vai chegando, o aperto no peito vai ficando cada vez mais insuportável, até que você percebe que sim, é verdade: você está indo embora e talvez nunca mais veja aquela pessoa com quem passou os melhores momentos da melhor viagem da sua vida. Contudo, nem o sentimento desesperador que é o de iniciar um relacionamento com prazo de validade “Like Crazy” consegue reproduzir. Suas péssimas atuações e o seu tom insosso não permitem. É possível contar nos dedos os momentos inspirados que fazem valer a pena assistir. As cenas do casal se divertindo no verão. A que Anna e Jacob estão no vagão de um metrô e a câmera corta de um para o outro, captando seus rostos, até que corta novamente para a poltrona de Jacob e ele não está mais lá. A metáfora da pulseira se partindo enquanto Anna faz sexo com Sean (como se, ao permitir ser violada por outro que não fosse o seu suposto amor, a relação deles estaria irreparavelmente quebrada). E a mais brilhante de todas que é a cena final na qual os dois estão no banho, abraçados e começam a reviver os dias que passaram juntos, quando eram felizes, na certeza de que aquilo se perdeu e não existe a menor chance de darem certo novamente. Talvez assistir “Like Crazy” fosse uma experiência um pouco mais prazerosa se tivéssemos atores melhores interpretando o casal principal. A própria Lawrence é muito mais capacitada para um papel como o de Anna que Jones. Anton, coitado, deveria repensar sua carreira como ator porque a cena da briga entre os dois na cozinha soa tão falsa que chega a ser engraçada. Não consigo enxergar como esse longa-metragem possa ser cotado como um dos favoritos ao Oscar de Melhor Filme e tenho certeza que, se o for, muita gente vai assistir e vomitar arco-íris aqui no Filmow. Mas “Like Crazy” não tem força para chegar ao Oscar. Vou mais além; pra mim, “Like Crazy” é um filme facilmente esquecível.
P.S.: Como uma coisa tão ruim ganhou o Sundance Festival, alguém me conta?
“As circunstâncias de um evento são tão fáceis de ignorar quanto um elefante no meio da sala de estar”. Desse ditado inglês surgiu o título do perturbador “Elefante”. E não poderia haver modo melhor de descrever a história do que essa frase. Admito, não conheço muito da filmografia do Gus Van Sant. Dele, os únicos filmes que tinha visto até então eram “Paranoid Park” e, recentemente, “Restless”. Aliás, foi graças à crítica de Isabela Boscov sobre esse último que cheguei a “Elefante”. Narrando um massacre escolar claramente inspirado no de Columbine High, “Elefante” nos convida a percorrer os corredores de uma escola americana. Com planos longos e contínuos, que desliza de um lado para o outro, o espectador é imerso em uma experiência diferente: ser observador impotente e passivo diante de uma tragédia. Eric e Jared são vítimas constantes do bullying (sobretudo dos atletas). Cansados de reclamar com o diretor (do qual viriam sadicamente se vingar posteriormente), eles decidem descontar a fúria não só contra os agressores, mas contra todo o campus de modo geral. Para isso, adquirem armas na internet e passam a manhã assistindo um documentário nazista, enquanto esperam pela bizarra encomenda chegar pelo Correio. “Elefante” é o tipo de história que não possui clímax e conta com trilha sonora escassa. Todas as cenas tem um caráter quase documental, o que mina a exploração mais bem-feita destas, mas permite uma aproximação mais realística do que se propõe a tratar. Usando um roteiro fragmentado, o filme corta para vários personagens da escola e é através dele que conhecemos superficialmente John, Michelle, Acadia, Nicole, Jordan e tantos outros estudantes que integram o cenário. Por vezes, uma mesma cena é revisitada sobre vários pontos de vistas diferentes e pouco a pouco, como peças de um quebra cabeças, montamos a linha contínua do que ali acontecerá. Nenhum estudante é desenvolvido profundamente e há propósito nessa escolha: a intenção é transparecer o clima de normalidade para, logo após, nocautear o espectador com doses e mais doses de closes fortes e secos.
É assim, por exemplo, quando Eric deixa que o diretor corra, julgando ter escapado de uma morte certa, para depois ser baleado. É assim quando Jared senta-se ao refeitório e, em meio a corpos e bagunça generalizada à sua volta, resolve parar para tomar o resto do suco que uma de suas vítimas deixou. E também é assim na cena mais forte (curiosamente, essa não possui sangue), na qual o mesmo Jared encontra um casal no frigorífico e, sem pressa alguma, tenta se decidir por qual dos dois matar.
As referências à Columbine (e, consequentemente, ao documentário de Michael Moore vencedor do Oscar) são perceptíveis, a começar pelo nome de um dos assassinos, Eric; em Columbine High, um dos atiradores se chamava Eric Harris. Também a cena em que Jared e Eric experimentam os novos rifles é semelhante ao tape gravado pelos originais Dylan e Eric, encontrado logo depois dos assassinatos. Até mesmo as roupas de camuflagem fazem referência ao ocorrido em 1999 na pequena Littleton, Colorado. Não sei dizer ainda se “Elefante” é um bom filme (e duvido que um dia eu possa chegar a dizer), mas posso afirmar que é, sem sombra de dúvidas, um exercício ao medo. O clima de calmaria que imperava na escola antes que Jared e Eric a adentrassem (coisa que Gus Van Sant faz questão de ressaltar através do diálogo banal de Britany, Jordan e Nicole) causa a sensação de que coisa semelhante pode acontecer conosco. Talvez não haja sinais e você pode simplesmente estar comendo alguma coisa na lanchonete da sua escola ou faculdade quando um louco pode chegar e perfurar seu corpo com uma saraivada de balas. Antigamente esse temor era algo remoto, mas Realengo serviu pra mostrar que a realidade brutal não está tão distante assim. Por fim, o diretor ainda tenta levantar hipóteses sobre as motivações e a razão do acontecido, estendendo sua reflexão ao massacre no qual se inspirou. Não creio que o bullying seja o único responsável (sendo sincero, quem nunca foi zoado no colégio?), nem mesmo a incitação à violência (representada através do documentário sobre o nazismo). A facilidade de acesso ao armamento talvez tenha contribuído, mas percebe-se que Gus Van Sant está longe de sacramentar a questão: de verdade mesmo, “Elefante” pretende muito mais proporcionar a reflexão de cada um ao assunto do que encerrar o debate. Vale a pena assistir.
Wow. É a única coisa que me vem à cabeça ao falar de “Cisne Negro”. Não sou capaz de defini-lo, apenas de senti-lo. Trata-se de um filme tão intenso, complexo e diferente de quase tudo o que eu já vi, que fica complicado fazer uma crítica aceitável (não espere nada completo, ainda estou anestesiado enquanto escrevo). Nina Sayers (Natalie Portman, na melhor interpretação de sua carreira até aqui) é uma jovem bailarina de 28 anos que se vê diante do desafio de interpretar a Rainha dos Cisnes no clássico balé “O Lago dos Cisnes”. Depois de anos, nos quais a primeira bailarina Beth MacIntryie (Winona Ryder) reinou absoluta na companhia de Thomas Leroy (Vincent Cassel), finalmente o posto será repassado para uma das jovens talentosas que lá dançam. Sayers almeja a posição e não há a menor dúvida quanto a sua capacidade de fazer Odette, o Cisne Branco e apaixonado. Sua pureza, elegância e sua inviolabilidade casam perfeitamente com o que o papel pede de quem se propõe a interpretá-lo. O Cisne Negro, entretanto, é composto por uma personalidade intensa, sensual, entregue aos sentimentos e instintos mais primitivos e não há consenso se Nina é capaz de fazê-lo. Sua vida ainda é muito controlada pela mãe (Barbara Hershey, aqui coadjuvante do brilho sem par de Portman), uma ex-bailarina que abandonou sua carreira para criar a filha e que a trata como se ela ainda fosse uma criança. Depois de conseguir o papel, Nina se decompõe em personalidades distintas: de um lado, a jovem submissa, do outro, o seu lado mais obscuro e (por que não?) sedutor. Preocupada sempre em executar os momentos perfeitamente, Nina tem dificuldades de deixar fluir esse segundo lado e quando o faz, quase sempre o é de forma descontrolada e doentia. O que mais fascina no filme é o suspense criado por Darren Aronofsky. Acostumado a histórias que retratam mais os limites humanos e menos a trama, Aronofsky tenta casar tensão e desconstrução psíquica da protagonista. Quase consegue, mas a capacidade de Portman de alternar entre o bem e o mal (se é que podemos adjetivar assim as facetas da personagem) é o suficiente para acobertar as falhas do roteiro. O mérito aqui reside em deixar o espectador se perguntando “Que diabos está acontecendo com ela?”, ao passo em que tenta considerar se toda a querela de Sayers decorre de algo sobrenatural ou de uma mente em um alto grau de perturbação. Ainda que seja desnecessário rasgar seda para Natalie Portman (ela ganhou o Oscar, não precisa de elogio maior), é impressionante como até a sua respiração muda de um momento para o outro. Nina me lembrou muito o se mágico de Stanislávski e Portman reproduziu com perfeição o princípio, levado tão a sério que em certo ponto, é possível acreditar que tudo aquilo está realmente se passando com ela. É justo dizer que “Cisne Negro” se sustenta na firmeza da atriz, ainda que se questione a veracidade do longa. Permitam-me que eu destaque quatro cenas que pra mim representam a sétima arte no seu mais puro estado. A primeira delas trata da bailarina quebrada da caixinha de música, girando, girando e girando mais uma vez, fazendo uma analogia à sua dona, cuja mente se quebra aos poucos, mas permanece ativa. A segunda delas é quando Nina deixa aflorar seu lado negro e quebra a mão de sua mãe, afirmando “Eu sou a Rainha dos Cisnes. Você é aquela que nunca saiu do lago!”. A terceira é quando Nina fantasia estar destruindo sua rival, Lily (Mila Kunis) e ao ser questionada com um “É a minha vez”, rebate com ferocidade bestial na voz “É a minha vez!”. E a quarta, obviamente, é a cena de encerramento, mostrando até onde a busca pelo personagem a levou. Thomas a questiona “Minha querida, o que você fez?” e Nina o responde com “Eu me senti... perfeita”. Não há palavras para descrever quão magnífico foi ver tais momentos. Só me arrependo de ter assistido em DVD. Quando foi lançado nos cinemas, “Cisne Negro” ainda vivia o que eu costumo chamar de “Histeria-Oscar” e, sinceramente, fiquei bastante temeroso que os elogios que ouvia se devessem unicamente pela indicação da Academia. Pena, a experiência na tela grande e com os alto-falantes deve ser muito mais imersiva que uma tela pulsante do notebook. Seja como for, “Cisne Negro” se destaca pela maturidade e pelo realismo proporcionado pela atuação de Portman. Filme para rever 10, 20 vezes e, ainda assim, manter o fascínio da primeira.
Você pode ser insuportavelmente detalhista. Você pode ser o hater mais hater de toda a face da Terra. Você pode ser o crítico mais ferrenho entre todos os críticos ferrenhos. Mas você não vai conseguir não gostar desse filme.
Agora sim. Depois de tudo o que eu reclamei dos sete títulos anteriores, finalmente David Yates entrou em sintonia com Kloves e promoveu uma peça artística como poucas vezes foi lançada no cinema.
Lançado originalmente em 2007 como livro, "Harry Potter & As Relíquias da Morte" foi, ao mesmo tempo, um presente e um consolo aos fãs. Muita gente (me inclua nesse grupo) cresceu com esse personagem. Muita gente compartilhou das mesmas indecisões, anseios e desejos que o trio que o protagoniza. Abandonar Harry seria como dar adeus definitivamente à nossa infância. Eu costumava brincar com meus amigos que, no momento em que os últimos créditos rolassem, eu diria "puta merda, adulteci". E foi realmente essa a sensação.
Mas, estranhamente, não me senti triste. O último filme da saga foi tão impecável, mas tão impecável que o que fica é um sentimento de agradecimento, por tudo que aquela saga lhe deu.
Tudo nesse filme se destaca pela riqueza de detalhes. A começar pela brilhante fotografia (ok, vamos combinar, dá vontade de enquadrar cada cena e pendurar na parede do quarto), passando pela trilha magistral, atuações sem defeitos de Alan Rickman, Ralph Fiennes e Maggie Smith, figurino, decoração do set, enquadramento, roteiro adaptado e efeitos especiais de tirar o fôlego, tudo se junta pra confirmar o brilhantismo da saga mais rentável da história do cinema.
É difícil escolher uma cena favorita. A de Snape e Lily? A que Snape mostra o seu patrono a Dumbledore? A que Harry encontra Lupin, James, Lily e Sirius na floresta? O discurso de Neville? O duelo de Minerva? Tudo chocante demais. Raramente choro em filmes. Na verdade, só dois tinham conseguido esse feito. Harry Potter 7.2 foi o terceiro.
Eu poderia continuar falando sobre esse filme durante dez horas e ainda assim não iria conseguir exprimir o quão lindo e mágico ele foi. E falo isso não só com o coração de fã, mas com o olhar de crítico também.
Fato é que nunca um longa da saga esteve tão perto do Oscar. Ok, hater, você irá dizer que não podemos desconsiderar Iron Lady, Tintim, Young Adult, My Week With Marilyn e mais umas três dezenas de favoritos dos pseudo-eruditos para a estatueta desse ano. Mas, posso garantir, não existirá qualquer filme que substituirá a importância de HP na vida de nós, que crescemos nos anos 90 ou 2000. Quando a gente diz que nada nunca vai superar Harry Potter, não queremos dizer que ninguém jamais vai conseguir fazer algo com semelhante qualidade: queremos dizer que um pedaço da nossa vida está ali e não há qualquer outro longa-metragem capaz de tirar isso da gente.
Ao final do filme, fica engasgado um "obrigado" na garganta. Harry me deu muitas coisas. Ajudou-me a escolher minha futura profissão, me deu forças em um momento muito difícil da minha vida e me fez conhecer pessoas maravilhosas que vou levar pra sempre comigo. Então obrigado J. K. Rowling. Obrigado David Yates. Obrigado Warner. Obrigado Bloomsbury. Obrigado (por que não?), Rocco. E, acima de tudo, obrigado a você, que junto comigo, seja em qual parte desse planeta você esteja, compartilhou dessa magia tão infinita e ao, mesmo tempo incessável. Seremos uma família.
Vergonha alheia de tudo nesse filme. Da atuação, dos "efeitos especiais", da trilha sonora, do roteiro, dos diálogos. Poxa, até minha mãe faria melhor.
Eu assisti esse filme antes de começar a fazer Jornalismo e, para mim, ele serve mais de alerta do que qualquer outra coisa. O interessante aqui não é o delito em si, mas a forma como Billy Ray consegue envolver o espectador de modo a fazê-lo questionar a sanidade de um ou outro personagem até quase no final do filme.
Em certo momento, você chega a duvidar que Stephen fez realmente tudo aquilo. Eu fiquei meio "Ele não seria tão idiota" ou "Essa acusação provavelmente é uma mentira, porque ele estava dando uma palestra e era considerado uma estrela". Mas aí os alunos desaparecem, é tudo imaginação da cabeça dele e o castelo de cartas começa a desmoronar. Ele subiu na vida com a mentira e com ela ele foi derrubado.
Mais legal do que ver o filme em si é procurar na internet os artigos originais de Glass e as opiniões sobre o assunto quando descobriu-se a verdade e quando o filme foi lançado.
"O Preço de uma verdade" serviu de lição. E vai fazer parte da minha monografia com certeza.
Simples, bonito e singelo, "O Palhaço" é, talvez, um dos filmes tecnicamente falando mais perfeitos já feitos no país. Ok, sua história é engraçadinha, a máxima do palhaço que perdeu a graça e tenta encontrar no cotidiano um motivo pra sorrir e pra fazer as pessoas sorrirem. Mas tudo isso fica encoberto pela beleza do longa. Poucas vezes na minha vida eu vi uma fotografia tão perfeita, que, pra mim, chega ao ápice na cena em que a estreante Giselle Motta (Lola) entra no picadeiro, com as luzes refletindo sobre seu corpo e os closes em seu vestido. Também a cena em que Benjamin, interpretado pelo também diretor Selton Mello, vem na garuba de uma moto trazendo seu ventilador (um signo metafórico que acompanha seu personagem ao longo do filme inteiro), enquanto a câmera desliza pela o asfalto... De tirar o fôlego.
Acho que o dilema emocional de Benjamin poderia ter sido mais explorado. Dez minutos de filme resolvem um conflito que o personagem nutre ao longo da história inteira. Mas isso se torna irrelevante. Filme lindo, merecia ser enquadrado de tão bonito. E o final até que é bonitinho também.
Eu tinha criado meu Filmow para avaliar somente os filmes que eu tinha visto no cinema a partir de 2011. Mas "O Signo da Cidade" é um longa-metragem tão bom que fica difícil assistir e não contar o que se sentiu.
Bruna interpreta Teca, uma astróloga com um programa de rádio que recebe ligações dos ouvintes e tenta buscar soluções baseadas no esoterismo. Através dela e do seu pressuposto dom (já que ele aqui não é o foco do filme), conhecemos uma série de histórias baseadas no dia-a-dia caótico de São Paulo. Temos o travesti, vindo do interior em busca de aceitação e melhores condições de vida, o gay enrustido, a mãe depressiva, um jovem lunático e atormentado pela tristeza, uma adúltera... Através de Teca, todas essas histórias convivem de forma paralela (chegando a se cruzarem, em alguns momentos) e como peças de um quebra-cabeça, vão se juntando de modo a constituir a imagem da verdadeira protagonista que é a cidade.
Eu achei simplesmente genial o fato de Teca conseguir prever o futuro e, paradoxalmente, não conseguir mudar seu próprio presente.
De todos os personagens (desenvolvidos com profundidade singular), talvez o que eu mais me identifique seja o Luís. Na verdade, isso é dizer pouco: Luís é praticamente a versão cinematográfica do que eu sou. E talvez isso torne a minha resenha um pouco parcial, porque a relação de empatia com o personagem nesse caso foi tão grande que torna-se impossível não mergulhar no universo conduzido pelo roteiro.
Malvino Salvador continua bastante regular, mas a cena dele e da Bruna olhando para São Paulo encoberta pela noite é maravilhosa. "Tanta gente, tantas histórias... E pensar que cada um de nós tem um destino único, como nossa impressão digital, que não existem dois iguais." diz Bruna, ao que ele retruca "E a gente não pode mudar esse destino?". A resposta paira no ar...
Duas outras cenas fantásticas se destacam: a da enfermeira que se despe para Aníbal como parte do último desejo do moribundo e a que Júlia se desfaz das coisas de Luiz. Na primeira, existe uma inocência, evidenciada pela honestidade e simplismo da enfermeira, que não deixa a coisa descambar para o erótico e para o vulgar. A segunda carrega um simbolismo impressionante: é como se Júlia se separasse forçosamente do seu ex-namorado e isso é lindo e triste ao mesmo tempo.
Por fim, fica o desejo de que quem quer que esteja lendo isso, consiga o filme e o assista. Daria 10.000 estrelas se pudesse, mas como não posso deixo as minhas 5 resplandecentes aqui no Filmow. Só tenho a agradecer a você, Bruna Lombardi, por ter nos brindado com uma obra tão singela e ao mesmo tempo tão espetacular.
Gente, só para vocês darem uma olhada, a VEJA fez uma reportagem especial sobre a possibilidade de um surto viral como o de Contágio acontecer hoje em dia -
Interessante, mas não genial, Contágio parte de uma premissa bastante simples: mostrar uma espécie de apocalipse advindo de um surto viral capaz de matar rapidamente. Ainda que o tema já tenha sido explorado nas telonas (vide o brilhante "Blindness"), Soderbergh consegue dar ao seu longa características originais que o tornam assistível.
Em meio a um elenco estrelado, mas apagado, Matt Damon consegue surpreender com uma boa atuação, mesmo que desfavorecida pelo roteiro (que corta de um pra outro sem se preocupar com aprofundar em nenhum). O final é bastante satisfatório,
. O amante de Beth realmente morreu? A cura paralela encontrada por Alan (Jude Law) funciona mesmo? Se sim, como? E quanto a Ellis(Laurence Fishburne), qual será seu destino após ter doado sua dose?
Portanto fica a dica. Vá e se divirta, mas não espere profundidade nem dos personagens e nem da história.
Talvez o pior filme do ano. A atuação de Bailee Madison no início do filme ensaia um grande momento da atriz-mirim, mas só faz isso: ensaia. Todo o talento da pequena se dilui em um roteiro mal costurado, que se perde entre (pretensos) momentos de terror. Katie Holmes, coitada, até tenta, mas continua com o mesmo talento mediano de sempre. Sua voz, sua aparência e sua expressão simplesmente não servem para fazer um personagem que necessite de mais profundidade.
As próprias fadas (se é que os seres podem ser chamados assim) são extremamente ridículas e frustam completamente quem espera algum ser mais macabro. Nem parece algo que veio do mesmo cara que fez o épico "O Labirinto do Fauno".
Talvez as únicas coisas que salvem nesse filme sejam os poucos momentos inspirados de Bailee e a fotografia (muito boa, diga-se de passagem). De resto, nada salva.
Um dos melhores filmes do ano, sem dúvidas. Roteiro emocionante e absolutamente arrebatador. Nenhuma das interpretações é especialmente boa, mas o longa compensa por uma história surpreendente e irresistível.
Ainda que tenha uma fotografia e roteiro nostálgico, que lembra a realidade americana dos anos 70, Super 8 possui uma história cansativa, por vezes ridícula e desconexa. O que tinha tudo pra ser uma obra prima de J. J. Abrams e Spielberg se tornou um constrangedor contos de fada Sci-Fi
A Árvore da Vida
3.4 3,1K Assista Agora“A Árvore da Vida” é um filme estranho. Ele causa em você uma dualidade de percepções muito grande, e em certo ponto, nos questionamos se isso é realmente necessário. Por vezes, você tem a sensação de estar à frente de uma das maiores obras-primas que a sétima arte já nos proporcionou. Então, quando já se está acostumando com a estética e a linguagem própria na qual a história se constrói, têm-se a sensação de estar interpretando tudo de forma errada e que aquele amontoado de cenas (produzidas com uma fotografia admirável, acho válido ressaltar) e a trilha sonora grandiosa nada mais são do que exatamente isso: um amontoado de cenas. Sem conexão. Sem sentido. Sem nenhum propósito mais profundo do que está exatamente ali, na tela.
É difícil falar de algo tão subjetivo, mas eu ao menos tentarei. “A Árvore da Vida” segue uma família texana composta por três filhos, uma mãe amorosa (?) e um pai truculento. A história se passa em um subúrbio norte-americano da década de 50 e é toda composta pelas lembranças de Jack, o mais velho.
Conhecemos pouco dessa família, a nós só são proporcionados pequenos flashes de momentos felizes ou tristes, justamente os que mais marcam a memória do filho mais velho (pois se é possível termos certeza de alguma coisa aqui, é a de que a protagonista verdadeira é a memória). Seus sofrimentos, personalidades e vivências se escondem por debaixo de um roteiro fragmentado, que tenta arrancar do espectador exatamente a interpretação própria do que vê.
Quando uma das crianças morre, a Senhora O’Brien (Jessica Chastain, a Celia de The Help e pra mim, o grande destaque do filme) se entrega à tristeza. A partir desse momento, o longa de Terrence Malick adquire caráter lírico. Somos levados a conectar a existência da vida do filho ausente à existência do universo como um todo.
A câmera desliza, melíflua, pelos cenários, sem focar em nada especificamente. Toma-se, portanto, um Deus grandioso e minimalista ao mesmo tempo (o que soa quase paradoxal), que se traduz ao longo dos tempos desde a mais simples forma de vida, passando pelos dinossauros, o surgimento das florestas e as galáxias propriamente ditas. É possível também ouvir a voz de Jack (Sean Penn) ao fundo, como um dos filhos já crescidos, dizendo que através da mãe, ele reconheceu a voz do Criador. E do céu, fez-se ouvir na Terra.
O filme corta novamente para o presente/futuro e dessa vez temos um vislumbre do próprio Jack, como homem de meia-idade, ponderando sobre a vida e a morte, marcado de forma indelével pela forma como foi criado. Através dessa visão singular, ele nos remete à educação paterna rígida. Ressalta-se aqui o mérito de Brad Pitt, fazendo um bom trabalho em aparentar sentimento por detrás da casca impenetrável do Sr. O’Brien, proporcionando ao público pequenos vislumbres do amor que o pai nutre para com os filhos. Ao mesmo tempo, temos o contraste com a figura materna: doce, acolhedora, segura.
O mote faz com que as três crianças experimentem todo o tipo de sensação: pena, ódio, paixão, luto, louvor, alegria, gratidão... As poucas falas parecem jogadas e é você quem deve ir costurando uma a outra para que façam sentido (se é que fazem).
De verdade mesmo, achei estafante. Pode ser ignorância minha, mas não consegui enxergar nenhum significado grandioso em “A Árvore da Vida”. Para mim, trata-se muito mais de um ensaio experimental cinematográfico sobre o ser do que qualquer outra coisa (e não me venham os eruditos dizerem que minha capacidade intelectual está aquém da necessária para entender o significado da história, porque enxergar algum significado fica a cargo de cada um).
Malick se preocupa demais em sustentar a imagem de gênio incompreendido, em jogar pedaços de histórias na tela sem que elas se conectem e acaba perdendo o que poderia ser uma boa história se tivesse dinâmica melhor definida. A sensação que dá é que, para o diretor, mais vale um take belíssimo do início da vida na Terra do que proporcionar a quem está assistindo uma razão para esse take existir (a razão existe, mas é mostrada de forma tão subliminar que sou capaz de apostar que poucos conseguiram perceber). Vi que o próprio Sean Penn criticou a montagem do filme, tornando a sua participação praticamente irrelevante e o roteiro completamente insosso.
Tem gente que compara esse trabalho de Terrence com os filmes do Lars Von Trier. Acho bastante difícil. Só conheço dois filmes do Lars, é verdade; “Melancolia” e “Anticristo”, mas eu consigo enxergar seus propósitos. Enquanto “Anticristo” trata da exposição do mal, “Melancolia” trata da depressão, da tristeza e do desejo imediatista de amarrar as pontas da vida quando deparamos com a contagem regressiva em direção à morte (maximizando isso à contagem regressiva para o fim do mundo). “A Árvore da Vida”, por sua vez, é apenas uma experiência plástica e filosófica sobre a existência, que parte do nada e não leva a lugar nenhum.
E se vamos falar de Lars Von Trier, devo dizer que acredito que “A Árvore da Vida” só levou a Palma de Ouro devido ao comentário totalmente descartável do diretor de “Melancolia” (Trier disse que “compreendia Hitler” e por causa disso, foi expulso de Cannes). A cena mais calma de Kristen Durst soa muito mais real e palpável que a mais vívida de Brad Pitt.
Terrence Malick é superestimado, confuso, prolixo e de modo algum merece a caracterização a la Antonin Artaud que alguns críticos atribuem a ele (considero presunção). O filme adquire outro sentido, é verdade, quando se percebe que tudo ali descrito se passa na mente do Jack adulto, que reflete sobre a infância. Tudo mesmo, até o Big Bang, que é um devaneio da mente do primogênito sobre o sentido da vida (daí se explica a mãe ser um exemplo de candura e o pai ser um tirano inescrupuloso). Mas ainda assim, não é para qualquer um.
No final, ficam as perguntas: estamos tratando mesmo de existência/existencialismo? Estamos questionando o ser divino e o ser mundano, contrapondo um ao outro, sem necessariamente causar anulação? Ou será que a intenção aqui é mostrar as consequências da grosseria de O’Brien na vida de Jack? Perguntas e mais perguntas, nem tão facilmente digeridas.
As cenas finais são elucidativas, mas como quase todo o resto da obra, abertas à interpretação. Pois aqui vai a minha: Jack caminha pelo intrincado labirinto da memória humana. O que vê é o resultado do que já vive/viveu. Vida e morte são conceitos coexistentes nesse momento do filme.
As pessoas à deriva em torno dele são compostas por homens e mulheres atemporais, perdidos, procurando significado na vida (evidenciado pela amplitude dada pelo oceano em contraponto com os que nele caminham). A máscara que afunda na água representa o fim do rótulo, o abandono da caricatura, é despir-se do personagem social. As mulheres que tocam a Sra. O’Brien são personificação da consciência, são o elo entre o espírito da mãe de Jack e o divino. Ao entregar seus filhos ao Maior, ela aceita o curso natural e encontra sua pureza.
Ainda pretendo ver a versão completa do diretor, que dizem ter quase seis horas (talvez assim faça sentido) e não digo que seu filme seja péssimo ou que não mereça ser assistido. Mas depois de ficar um dia todo voltando cenas, pausando, pensando a respeito do que via, recomendo que só o faça se não tiver nenhum outro título disponível.
Tiros em Columbine
4.2 350Ouvi falar sobre o documentário “Tiros em Columbine” em um momento particularmente difícil para o Brasil inteiro: o massacre de Realengo. Talvez tentando buscar um precedente, ou encontrar algum tipo de explicação para o que tinha acontecido no Rio de Janeiro, a mídia (sobretudo a televisiva) referiu-se inúmeras vezes ao documentário de Michael Moore, citando tragédia semelhante em Littleton, Colorado.
Por mais doentio que isso possa parecer, sempre achei a mente dos psicopatas uma riqueza à parte. Não é que eu defenda as atitudes deles, longe disso, mas os motivos que levam uma pessoa a matar alguém se valendo de traços de crueldade são fascinantes. Negativamente, mas ainda assim, fascinantes. Desse modo, filmes e livros com essa temática me atraem bastante: foi assim com “Elephants” e “We Need To Talk About Kevin”.
Pois bem, achei realmente que “Tiros em Columbine” se propusesse a fazer uma análise psicológica de Dylan Klebold e Eric Harris, os dois adolescentes que assassinaram catorze estudantes e um professor em Columbine High. Esperava depoimentos de especialistas, reconstituição do dia do ataque e toda a instrumentação sensacionalista que o cinema de Hollywood, por vezes, se vale para nos chocar ou emocionar (quase sempre, as duas coisas). Eis que fui positivamente surpreendido por um longa-metragem que busca não entender as causas da violência em Littleton, mas as causas da violência na sociedade estadunidense como um todo.
Tomando como base a paranoia pela proteção que impera nos Estados Unidos, a história sangrenta da colonização e a questão racial no país, Michael Moore constrói um intrincado roteiro, na qual usa Columbine como catapulta para uma pergunta muito mais profunda e complexa: de onde vem essa necessidade norte-americana de possuir armas? Da Segunda Emenda? Da cultura do medo perpetuada pelos noticiários? Ou será que se trata de um extinto raivoso comum a todo cidadão que naquela nação nasce?
Moore acerta ao ouvir não só estudiosos da violência, mas também pessoas comuns, mas diretamente ligadas à questão que o documentário se propõe a responder. É assim com o homem que dorme com uma arma carregada debaixo do travesseiro, do adolescente (ex-colega de Dylan e Eric) roubando armas para vender a US$ 150,00 em uma cidade vizinha ou uma milícia, composta por gente normal (acredite, até um corretor de imóveis fazia parte) que não acredita na capacidade da força oficial em proteger suas famílias, usando esse argumento para promover um discurso pró-armamentista...
Ao mesmo tempo, Moore se propõe a estudar a história de outros países e analisar os índices de homicídios causados por armas de fogo. Compara a Alemanha dos nazistas, a Inglaterra no auge do Imperialismo, o Japão invadindo a China e assim consecutivamente. Mesmo com o passado violento, as estatísticas desses países são significativamente inferiores às dos Estados Unidos.
O filme também investe nos acontecimentos históricos (e contraditórios) promovidos pelas Forças Armadas ao longo de suas décadas hegemônicas. Cita, por exemplo, que no dia do ataque em Columbine, os EUA bombardeavam o Kosovo. Mostra as interferências na política do Oriente Médio (sobretudo no Irã, Afeganistão, Iraque e Paquistão), contrapondo a ajuda financeira dada pelos norte-americanos a “soldados do povo” e a consequência disso, desembocando no 11 de Setembro.
Acho bastante emblemática a imagem nas cenas finais, quando o presidente da Associação Americana do Rifle, Charlton Heston, se nega a olhar para a foto de Kayla, garota de 6 anos assassinada por um colega de sala com a mesma idade. Dias depois da tragédia, a exemplo do que também havia feito em Littleton, Heston visitou e palestrou na cidade de Kayla, em uma atitude no mínimo zombadora.
Só tenho a contestar a edição do filme. Pra mim, a missão de um documentário polêmico como esse não é formar opinião, mas deixar que a pessoa que está assistindo o faça por conta própria. Admito que é impossível ser completamente imparcial em um caso como esse, mas os comentários de Moore e a forma como os depoimentos dos pró-armamentistas são dispostos, intercalando com falas de pessoas contrárias aos armamentos que soam como dogmas, praticamente invalida o discurso dos primeiros. Ainda assim, nem mesmo esse irritante detalhe é capaz de tirar o mérito desse que se firma como um dos principais títulos dos nossos tempos.
Loucamente Apaixonados
3.5 1,2K Assista AgoraMorno. Essa é a única palavra capaz de definir com exatidão o que o “Like Crazy” de Drake Doremus representa, filme que varia entre momentos de brilhante inspiração e outros que dão sono. É aquele tipo estranho de filme que começa como se já estivesse na metade e termina com uma sensação de que a história ainda vai continuar. Ensaia um grande momento o tempo todo, mas não sai da mesmice.
Basicamente, fala da história do casal Anna (Felicity Jones) e Jacob (Anton Yelchin), que se conhecem nos Estados Unidos. Mas há um problema: Anna é britânica e seu visto está para vencer. O amor dos dois só faz crescer, a ponto de fazê-la violar seu visto e ficar ilegalmente nos EUA durante todo o verão. Esse pequeno acontecimento mudará tudo. Quando tenta entrar no país novamente, Anna é impedida e banida de volta para o Reino Unido.
Durante o tempo em que estão separados, Anna se torna mais fria. Quase não responde as mensagens de Jacob e, quando o faz, usa um tom de impessoalidade que causa afastamento. É sempre “estou um pouco ocupada” ou “tenho que fazer isso, nos falamos depois”. Nesse meio tempo, Jacob conhece Samantha (interpretada pela brilhante Jennifer Lawrence), ela se apaixona por ele e a história continua.
Pra mim, o principal erro de “Like Crazy” não é o roteiro (sem graça, vamos admitir), mas a dificuldade que o espectador tem de se conectar com os protagonistas. Nem Anton nem Felicity passam quaisquer tipos de sentimentos que proporcionem empatia e a situação limite ao qual ambos os personagens estão impostos ganha contornos tediosos nas expressões faciais dos dois. Não há aquela intensidade que se espera para uma história como essa.
Jennifer Lawrence, por sua vez, mostra que não é preciso ter destaque em um filme para fazer um trabalho acima da média. Conhecida pela bela atuação em “Winter’s Bone”, que a levou ao Oscar, ela usa os seus poucos segundos de importância pra mostrar do que é capaz. Em um dos diálogos, Jacob diz para Samantha “que ela não merece estar com alguém que não gosta tanto dela assim,” ao que ela retruca com um “Eu te amo”, carregado de emoção em cada sílaba. Ele, entretanto, apenas diz “Sinto muito”. A segunda melhor cena do filme em minha opinião.
A trama causaria empatia em um grupo muito restrito. Quem, entre os que já fizeram intercâmbio, nunca se apaixonou? É difícil para ambas as partes e você sente como se cada dia que passa seja um dia a menos. E conforme a data de voltar pra casa vai chegando, o aperto no peito vai ficando cada vez mais insuportável, até que você percebe que sim, é verdade: você está indo embora e talvez nunca mais veja aquela pessoa com quem passou os melhores momentos da melhor viagem da sua vida. Contudo, nem o sentimento desesperador que é o de iniciar um relacionamento com prazo de validade “Like Crazy” consegue reproduzir. Suas péssimas atuações e o seu tom insosso não permitem.
É possível contar nos dedos os momentos inspirados que fazem valer a pena assistir. As cenas do casal se divertindo no verão. A que Anna e Jacob estão no vagão de um metrô e a câmera corta de um para o outro, captando seus rostos, até que corta novamente para a poltrona de Jacob e ele não está mais lá. A metáfora da pulseira se partindo enquanto Anna faz sexo com Sean (como se, ao permitir ser violada por outro que não fosse o seu suposto amor, a relação deles estaria irreparavelmente quebrada). E a mais brilhante de todas que é a cena final na qual os dois estão no banho, abraçados e começam a reviver os dias que passaram juntos, quando eram felizes, na certeza de que aquilo se perdeu e não existe a menor chance de darem certo novamente.
Talvez assistir “Like Crazy” fosse uma experiência um pouco mais prazerosa se tivéssemos atores melhores interpretando o casal principal. A própria Lawrence é muito mais capacitada para um papel como o de Anna que Jones. Anton, coitado, deveria repensar sua carreira como ator porque a cena da briga entre os dois na cozinha soa tão falsa que chega a ser engraçada.
Não consigo enxergar como esse longa-metragem possa ser cotado como um dos favoritos ao Oscar de Melhor Filme e tenho certeza que, se o for, muita gente vai assistir e vomitar arco-íris aqui no Filmow. Mas “Like Crazy” não tem força para chegar ao Oscar. Vou mais além; pra mim, “Like Crazy” é um filme facilmente esquecível.
P.S.: Como uma coisa tão ruim ganhou o Sundance Festival, alguém me conta?
Elefante
3.6 1,2K Assista Agora“As circunstâncias de um evento são tão fáceis de ignorar quanto um elefante no meio da sala de estar”. Desse ditado inglês surgiu o título do perturbador “Elefante”. E não poderia haver modo melhor de descrever a história do que essa frase.
Admito, não conheço muito da filmografia do Gus Van Sant. Dele, os únicos filmes que tinha visto até então eram “Paranoid Park” e, recentemente, “Restless”. Aliás, foi graças à crítica de Isabela Boscov sobre esse último que cheguei a “Elefante”. Narrando um massacre escolar claramente inspirado no de Columbine High, “Elefante” nos convida a percorrer os corredores de uma escola americana. Com planos longos e contínuos, que desliza de um lado para o outro, o espectador é imerso em uma experiência diferente: ser observador impotente e passivo diante de uma tragédia.
Eric e Jared são vítimas constantes do bullying (sobretudo dos atletas). Cansados de reclamar com o diretor (do qual viriam sadicamente se vingar posteriormente), eles decidem descontar a fúria não só contra os agressores, mas contra todo o campus de modo geral. Para isso, adquirem armas na internet e passam a manhã assistindo um documentário nazista, enquanto esperam pela bizarra encomenda chegar pelo Correio.
“Elefante” é o tipo de história que não possui clímax e conta com trilha sonora escassa. Todas as cenas tem um caráter quase documental, o que mina a exploração mais bem-feita destas, mas permite uma aproximação mais realística do que se propõe a tratar.
Usando um roteiro fragmentado, o filme corta para vários personagens da escola e é através dele que conhecemos superficialmente John, Michelle, Acadia, Nicole, Jordan e tantos outros estudantes que integram o cenário. Por vezes, uma mesma cena é revisitada sobre vários pontos de vistas diferentes e pouco a pouco, como peças de um quebra cabeças, montamos a linha contínua do que ali acontecerá.
Nenhum estudante é desenvolvido profundamente e há propósito nessa escolha: a intenção é transparecer o clima de normalidade para, logo após, nocautear o espectador com doses e mais doses de closes fortes e secos.
É assim, por exemplo, quando Eric deixa que o diretor corra, julgando ter escapado de uma morte certa, para depois ser baleado. É assim quando Jared senta-se ao refeitório e, em meio a corpos e bagunça generalizada à sua volta, resolve parar para tomar o resto do suco que uma de suas vítimas deixou. E também é assim na cena mais forte (curiosamente, essa não possui sangue), na qual o mesmo Jared encontra um casal no frigorífico e, sem pressa alguma, tenta se decidir por qual dos dois matar.
As referências à Columbine (e, consequentemente, ao documentário de Michael Moore vencedor do Oscar) são perceptíveis, a começar pelo nome de um dos assassinos, Eric; em Columbine High, um dos atiradores se chamava Eric Harris. Também a cena em que Jared e Eric experimentam os novos rifles é semelhante ao tape gravado pelos originais Dylan e Eric, encontrado logo depois dos assassinatos. Até mesmo as roupas de camuflagem fazem referência ao ocorrido em 1999 na pequena Littleton, Colorado.
Não sei dizer ainda se “Elefante” é um bom filme (e duvido que um dia eu possa chegar a dizer), mas posso afirmar que é, sem sombra de dúvidas, um exercício ao medo. O clima de calmaria que imperava na escola antes que Jared e Eric a adentrassem (coisa que Gus Van Sant faz questão de ressaltar através do diálogo banal de Britany, Jordan e Nicole) causa a sensação de que coisa semelhante pode acontecer conosco. Talvez não haja sinais e você pode simplesmente estar comendo alguma coisa na lanchonete da sua escola ou faculdade quando um louco pode chegar e perfurar seu corpo com uma saraivada de balas. Antigamente esse temor era algo remoto, mas Realengo serviu pra mostrar que a realidade brutal não está tão distante assim.
Por fim, o diretor ainda tenta levantar hipóteses sobre as motivações e a razão do acontecido, estendendo sua reflexão ao massacre no qual se inspirou. Não creio que o bullying seja o único responsável (sendo sincero, quem nunca foi zoado no colégio?), nem mesmo a incitação à violência (representada através do documentário sobre o nazismo). A facilidade de acesso ao armamento talvez tenha contribuído, mas percebe-se que Gus Van Sant está longe de sacramentar a questão: de verdade mesmo, “Elefante” pretende muito mais proporcionar a reflexão de cada um ao assunto do que encerrar o debate. Vale a pena assistir.
Cisne Negro
4.2 7,9K Assista AgoraWow. É a única coisa que me vem à cabeça ao falar de “Cisne Negro”. Não sou capaz de defini-lo, apenas de senti-lo. Trata-se de um filme tão intenso, complexo e diferente de quase tudo o que eu já vi, que fica complicado fazer uma crítica aceitável (não espere nada completo, ainda estou anestesiado enquanto escrevo).
Nina Sayers (Natalie Portman, na melhor interpretação de sua carreira até aqui) é uma jovem bailarina de 28 anos que se vê diante do desafio de interpretar a Rainha dos Cisnes no clássico balé “O Lago dos Cisnes”. Depois de anos, nos quais a primeira bailarina Beth MacIntryie (Winona Ryder) reinou absoluta na companhia de Thomas Leroy (Vincent Cassel), finalmente o posto será repassado para uma das jovens talentosas que lá dançam.
Sayers almeja a posição e não há a menor dúvida quanto a sua capacidade de fazer Odette, o Cisne Branco e apaixonado. Sua pureza, elegância e sua inviolabilidade casam perfeitamente com o que o papel pede de quem se propõe a interpretá-lo. O Cisne Negro, entretanto, é composto por uma personalidade intensa, sensual, entregue aos sentimentos e instintos mais primitivos e não há consenso se Nina é capaz de fazê-lo. Sua vida ainda é muito controlada pela mãe (Barbara Hershey, aqui coadjuvante do brilho sem par de Portman), uma ex-bailarina que abandonou sua carreira para criar a filha e que a trata como se ela ainda fosse uma criança.
Depois de conseguir o papel, Nina se decompõe em personalidades distintas: de um lado, a jovem submissa, do outro, o seu lado mais obscuro e (por que não?) sedutor. Preocupada sempre em executar os momentos perfeitamente, Nina tem dificuldades de deixar fluir esse segundo lado e quando o faz, quase sempre o é de forma descontrolada e doentia.
O que mais fascina no filme é o suspense criado por Darren Aronofsky. Acostumado a histórias que retratam mais os limites humanos e menos a trama, Aronofsky tenta casar tensão e desconstrução psíquica da protagonista. Quase consegue, mas a capacidade de Portman de alternar entre o bem e o mal (se é que podemos adjetivar assim as facetas da personagem) é o suficiente para acobertar as falhas do roteiro. O mérito aqui reside em deixar o espectador se perguntando “Que diabos está acontecendo com ela?”, ao passo em que tenta considerar se toda a querela de Sayers decorre de algo sobrenatural ou de uma mente em um alto grau de perturbação.
Ainda que seja desnecessário rasgar seda para Natalie Portman (ela ganhou o Oscar, não precisa de elogio maior), é impressionante como até a sua respiração muda de um momento para o outro. Nina me lembrou muito o se mágico de Stanislávski e Portman reproduziu com perfeição o princípio, levado tão a sério que em certo ponto, é possível acreditar que tudo aquilo está realmente se passando com ela. É justo dizer que “Cisne Negro” se sustenta na firmeza da atriz, ainda que se questione a veracidade do longa.
Permitam-me que eu destaque quatro cenas que pra mim representam a sétima arte no seu mais puro estado. A primeira delas trata da bailarina quebrada da caixinha de música, girando, girando e girando mais uma vez, fazendo uma analogia à sua dona, cuja mente se quebra aos poucos, mas permanece ativa. A segunda delas é quando Nina deixa aflorar seu lado negro e quebra a mão de sua mãe, afirmando “Eu sou a Rainha dos Cisnes. Você é aquela que nunca saiu do lago!”. A terceira é quando Nina fantasia estar destruindo sua rival, Lily (Mila Kunis) e ao ser questionada com um “É a minha vez”, rebate com ferocidade bestial na voz “É a minha vez!”. E a quarta, obviamente, é a cena de encerramento, mostrando até onde a busca pelo personagem a levou. Thomas a questiona “Minha querida, o que você fez?” e Nina o responde com “Eu me senti... perfeita”. Não há palavras para descrever quão magnífico foi ver tais momentos.
Só me arrependo de ter assistido em DVD. Quando foi lançado nos cinemas, “Cisne Negro” ainda vivia o que eu costumo chamar de “Histeria-Oscar” e, sinceramente, fiquei bastante temeroso que os elogios que ouvia se devessem unicamente pela indicação da Academia. Pena, a experiência na tela grande e com os alto-falantes deve ser muito mais imersiva que uma tela pulsante do notebook.
Seja como for, “Cisne Negro” se destaca pela maturidade e pelo realismo proporcionado pela atuação de Portman. Filme para rever 10, 20 vezes e, ainda assim, manter o fascínio da primeira.
Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 2
4.3 5,2K Assista AgoraVocê pode ser insuportavelmente detalhista. Você pode ser o hater mais hater de toda a face da Terra. Você pode ser o crítico mais ferrenho entre todos os críticos ferrenhos. Mas você não vai conseguir não gostar desse filme.
Agora sim. Depois de tudo o que eu reclamei dos sete títulos anteriores, finalmente David Yates entrou em sintonia com Kloves e promoveu uma peça artística como poucas vezes foi lançada no cinema.
Lançado originalmente em 2007 como livro, "Harry Potter & As Relíquias da Morte" foi, ao mesmo tempo, um presente e um consolo aos fãs. Muita gente (me inclua nesse grupo) cresceu com esse personagem. Muita gente compartilhou das mesmas indecisões, anseios e desejos que o trio que o protagoniza. Abandonar Harry seria como dar adeus definitivamente à nossa infância. Eu costumava brincar com meus amigos que, no momento em que os últimos créditos rolassem, eu diria "puta merda, adulteci". E foi realmente essa a sensação.
Mas, estranhamente, não me senti triste. O último filme da saga foi tão impecável, mas tão impecável que o que fica é um sentimento de agradecimento, por tudo que aquela saga lhe deu.
Tudo nesse filme se destaca pela riqueza de detalhes. A começar pela brilhante fotografia (ok, vamos combinar, dá vontade de enquadrar cada cena e pendurar na parede do quarto), passando pela trilha magistral, atuações sem defeitos de Alan Rickman, Ralph Fiennes e Maggie Smith, figurino, decoração do set, enquadramento, roteiro adaptado e efeitos especiais de tirar o fôlego, tudo se junta pra confirmar o brilhantismo da saga mais rentável da história do cinema.
É difícil escolher uma cena favorita. A de Snape e Lily? A que Snape mostra o seu patrono a Dumbledore? A que Harry encontra Lupin, James, Lily e Sirius na floresta? O discurso de Neville? O duelo de Minerva? Tudo chocante demais. Raramente choro em filmes. Na verdade, só dois tinham conseguido esse feito. Harry Potter 7.2 foi o terceiro.
Eu poderia continuar falando sobre esse filme durante dez horas e ainda assim não iria conseguir exprimir o quão lindo e mágico ele foi. E falo isso não só com o coração de fã, mas com o olhar de crítico também.
Fato é que nunca um longa da saga esteve tão perto do Oscar. Ok, hater, você irá dizer que não podemos desconsiderar Iron Lady, Tintim, Young Adult, My Week With Marilyn e mais umas três dezenas de favoritos dos pseudo-eruditos para a estatueta desse ano. Mas, posso garantir, não existirá qualquer filme que substituirá a importância de HP na vida de nós, que crescemos nos anos 90 ou 2000. Quando a gente diz que nada nunca vai superar Harry Potter, não queremos dizer que ninguém jamais vai conseguir fazer algo com semelhante qualidade: queremos dizer que um pedaço da nossa vida está ali e não há qualquer outro longa-metragem capaz de tirar isso da gente.
Ao final do filme, fica engasgado um "obrigado" na garganta. Harry me deu muitas coisas. Ajudou-me a escolher minha futura profissão, me deu forças em um momento muito difícil da minha vida e me fez conhecer pessoas maravilhosas que vou levar pra sempre comigo. Então obrigado J. K. Rowling. Obrigado David Yates. Obrigado Warner. Obrigado Bloomsbury. Obrigado (por que não?), Rocco. E, acima de tudo, obrigado a você, que junto comigo, seja em qual parte desse planeta você esteja, compartilhou dessa magia tão infinita e ao, mesmo tempo incessável. Seremos uma família.
A Fantástica Fábrica de Chocolate
3.7 2,2K Assista AgoraAinda prefiro o original.
Monstros S.A.
4.2 1,5K Assista AgoraSe você não gosta da Boo, considere morrer. Só digo isso.
Batman & Robin
2.3 993 Assista AgoraVergonha alheia de tudo nesse filme. Da atuação, dos "efeitos especiais", da trilha sonora, do roteiro, dos diálogos. Poxa, até minha mãe faria melhor.
O Preço de uma Verdade
3.5 66Eu assisti esse filme antes de começar a fazer Jornalismo e, para mim, ele serve mais de alerta do que qualquer outra coisa. O interessante aqui não é o delito em si, mas a forma como Billy Ray consegue envolver o espectador de modo a fazê-lo questionar a sanidade de um ou outro personagem até quase no final do filme.
Em certo momento, você chega a duvidar que Stephen fez realmente tudo aquilo. Eu fiquei meio "Ele não seria tão idiota" ou "Essa acusação provavelmente é uma mentira, porque ele estava dando uma palestra e era considerado uma estrela". Mas aí os alunos desaparecem, é tudo imaginação da cabeça dele e o castelo de cartas começa a desmoronar. Ele subiu na vida com a mentira e com ela ele foi derrubado.
Mais legal do que ver o filme em si é procurar na internet os artigos originais de Glass e as opiniões sobre o assunto quando descobriu-se a verdade e quando o filme foi lançado.
"O Preço de uma verdade" serviu de lição. E vai fazer parte da minha monografia com certeza.
A Paixão de Cristo
3.7 1,2K Assista AgoraApelativo.
O Pequenino
2.4 1,0K Assista Agora"Preferia ter ido ver o filme do Pelé", diria Chaves sobre "O Pequenino"
O Palhaço
3.6 2,2K Assista AgoraSimples, bonito e singelo, "O Palhaço" é, talvez, um dos filmes tecnicamente falando mais perfeitos já feitos no país. Ok, sua história é engraçadinha, a máxima do palhaço que perdeu a graça e tenta encontrar no cotidiano um motivo pra sorrir e pra fazer as pessoas sorrirem. Mas tudo isso fica encoberto pela beleza do longa. Poucas vezes na minha vida eu vi uma fotografia tão perfeita, que, pra mim, chega ao ápice na cena em que a estreante Giselle Motta (Lola) entra no picadeiro, com as luzes refletindo sobre seu corpo e os closes em seu vestido. Também a cena em que Benjamin, interpretado pelo também diretor Selton Mello, vem na garuba de uma moto trazendo seu ventilador (um signo metafórico que acompanha seu personagem ao longo do filme inteiro), enquanto a câmera desliza pela o asfalto... De tirar o fôlego.
Acho que o dilema emocional de Benjamin poderia ter sido mais explorado. Dez minutos de filme resolvem um conflito que o personagem nutre ao longo da história inteira. Mas isso se torna irrelevante. Filme lindo, merecia ser enquadrado de tão bonito. E o final até que é bonitinho também.
O Signo da Cidade
3.3 129Eu tinha criado meu Filmow para avaliar somente os filmes que eu tinha visto no cinema a partir de 2011. Mas "O Signo da Cidade" é um longa-metragem tão bom que fica difícil assistir e não contar o que se sentiu.
Bruna interpreta Teca, uma astróloga com um programa de rádio que recebe ligações dos ouvintes e tenta buscar soluções baseadas no esoterismo. Através dela e do seu pressuposto dom (já que ele aqui não é o foco do filme), conhecemos uma série de histórias baseadas no dia-a-dia caótico de São Paulo. Temos o travesti, vindo do interior em busca de aceitação e melhores condições de vida, o gay enrustido, a mãe depressiva, um jovem lunático e atormentado pela tristeza, uma adúltera... Através de Teca, todas essas histórias convivem de forma paralela (chegando a se cruzarem, em alguns momentos) e como peças de um quebra-cabeça, vão se juntando de modo a constituir a imagem da verdadeira protagonista que é a cidade.
Eu achei simplesmente genial o fato de Teca conseguir prever o futuro e, paradoxalmente, não conseguir mudar seu próprio presente.
De todos os personagens (desenvolvidos com profundidade singular), talvez o que eu mais me identifique seja o Luís. Na verdade, isso é dizer pouco: Luís é praticamente a versão cinematográfica do que eu sou. E talvez isso torne a minha resenha um pouco parcial, porque a relação de empatia com o personagem nesse caso foi tão grande que torna-se impossível não mergulhar no universo conduzido pelo roteiro.
Malvino Salvador continua bastante regular, mas a cena dele e da Bruna olhando para São Paulo encoberta pela noite é maravilhosa. "Tanta gente, tantas histórias... E pensar que cada um de nós tem um destino único, como nossa impressão digital, que não existem dois iguais." diz Bruna, ao que ele retruca "E a gente não pode mudar esse destino?". A resposta paira no ar...
Duas outras cenas fantásticas se destacam: a da enfermeira que se despe para Aníbal como parte do último desejo do moribundo e a que Júlia se desfaz das coisas de Luiz. Na primeira, existe uma inocência, evidenciada pela honestidade e simplismo da enfermeira, que não deixa a coisa descambar para o erótico e para o vulgar. A segunda carrega um simbolismo impressionante: é como se Júlia se separasse forçosamente do seu ex-namorado e isso é lindo e triste ao mesmo tempo.
Por fim, fica o desejo de que quem quer que esteja lendo isso, consiga o filme e o assista. Daria 10.000 estrelas se pudesse, mas como não posso deixo as minhas 5 resplandecentes aqui no Filmow. Só tenho a agradecer a você, Bruna Lombardi, por ter nos brindado com uma obra tão singela e ao mesmo tempo tão espetacular.
O Retorno de Johnny English
3.1 511 Assista AgoraMais triste que ir até o cinema para assistir isso é ver Rowan Atkinson nivelado de baixo com tão pouco. Não gostei
Contágio
3.2 1,8K Assista AgoraGente, só para vocês darem uma olhada, a VEJA fez uma reportagem especial sobre a possibilidade de um surto viral como o de Contágio acontecer hoje em dia -
Contágio
3.2 1,8K Assista AgoraInteressante, mas não genial, Contágio parte de uma premissa bastante simples: mostrar uma espécie de apocalipse advindo de um surto viral capaz de matar rapidamente. Ainda que o tema já tenha sido explorado nas telonas (vide o brilhante "Blindness"), Soderbergh consegue dar ao seu longa características originais que o tornam assistível.
Em meio a um elenco estrelado, mas apagado, Matt Damon consegue surpreender com uma boa atuação, mesmo que desfavorecida pelo roteiro (que corta de um pra outro sem se preocupar com aprofundar em nenhum). O final é bastante satisfatório,
mostrando como o vírus chegou ao paciente zero
era falsa?
Portanto fica a dica. Vá e se divirta, mas não espere profundidade nem dos personagens e nem da história.
Não Tenha Medo Do Escuro
2.8 857 Assista AgoraTalvez o pior filme do ano. A atuação de Bailee Madison no início do filme ensaia um grande momento da atriz-mirim, mas só faz isso: ensaia. Todo o talento da pequena se dilui em um roteiro mal costurado, que se perde entre (pretensos) momentos de terror. Katie Holmes, coitada, até tenta, mas continua com o mesmo talento mediano de sempre. Sua voz, sua aparência e sua expressão simplesmente não servem para fazer um personagem que necessite de mais profundidade.
As próprias fadas (se é que os seres podem ser chamados assim) são extremamente ridículas e frustam completamente quem espera algum ser mais macabro. Nem parece algo que veio do mesmo cara que fez o épico "O Labirinto do Fauno".
Talvez as únicas coisas que salvem nesse filme sejam os poucos momentos inspirados de Bailee e a fotografia (muito boa, diga-se de passagem). De resto, nada salva.
Precisamos Falar Sobre o Kevin
4.1 4,2K Assista AgoraQuero muito ver!! O livro é bom demais!!
Contra o Tempo
3.8 2,0K Assista AgoraUm dos melhores filmes do ano, sem dúvidas. Roteiro emocionante e absolutamente arrebatador. Nenhuma das interpretações é especialmente boa, mas o longa compensa por uma história surpreendente e irresistível.
Planeta dos Macacos: A Origem
3.8 3,2K Assista AgoraCesar é o que faz o filme valer a pena.
Super 8
3.6 2,5K Assista AgoraAinda que tenha uma fotografia e roteiro nostálgico, que lembra a realidade americana dos anos 70, Super 8 possui uma história cansativa, por vezes ridícula e desconexa. O que tinha tudo pra ser uma obra prima de J. J. Abrams e Spielberg se tornou um constrangedor contos de fada Sci-Fi