Não sou muito fã dos dramas sérios do Almodóvar, meu negócio são as comédias. Na comédia, se por um lado a pretensão é costumeiramente menor, por outro os temas tabus se comunicam com muito mais potência através do humor. A síndrome de Estocolmo, tematizada em Ata-me!, confunde-se muito facilmente com fetiche,
pela ausência da perspectiva feminina. Ora, a personagem estiolada por essa inexplicada síndrome é uma mulher. O filme é, digamos, focalizado em primeira pessoa, na perspectiva de um personagem masculino. No frigir dos ovos, Ata-me! lembra os topoi do cinema pornográfico nos quais se encontra satisfação sexual entre desconhecidos, com trivialidade, mas também violência. Talvez por isso, Ata-me! pareça desses filmes de erotização para um público masculino e heterossexual, ainda que o personagem masculino não seja um fetichista e sim um doente mental. Sua obsessão pelo casamento, junto com as imagens sacras que figuram nas paredes dos quartos, é bem metaforizada no ato de amarrar: casar-se é estar preso, até que a morte os separe e, enquanto não se morre, "Resistiré". Mas essa perspectiva, meticulosamente construída, é a dele. Falta-nos a perspectiva dela, a da mulher que, "numa história mais de amor que de terror" (como diz um personagem), evolui silenciosa e abruptamente do terror para o amor. Amordaçada ou não, tem seu olhar por muitas vezes preterido pela câmera. Seu desejo - palavra tão cara ao universo almodovariano - é um mistério: ela cumpre o papel de objeto desejado, mas quando deseja, deseja sem o adensamento psicológico do qual tanto carece a narrativa de Ata-me!.
Almodóvar já foi melhor ao focalizar as mulheres em primeira pessoa.
O filme ser em branco e preto - em 1979 - é algo que intriga muita gente. Acho legal como é que isso compõe o fato de ser um personagem em decadência e que, como é citado no comecinho do filme, para ele Nova York ainda era em branco e preto.
“A dama do lotação”. Direção: Neville de Almeida. Brasil, 1978.
Quem conhece as adaptações de Nelson Rodrigues para o cinema pode perceber que elas acompanham quase 70 anos de história do cinema brasileiro, passando pelo cinema de estúdio, Cinema Novo, Tropicália, pornochanchadas e a Retomada. Ora, Nelson Rodrigues é o autor brasileiro mais adaptado para cinema – e, depois dele, Jorge Amado. No século XX, mais precisamente na década de 1970, viriam a ser produzidos aqueles que seriam os dois maiores sucessos de bilheteria do cinema nacional (e que só viriam a ser superados na década de 2010): "Dona Flor e seus dois maridos" (de Bruno Barreto, adaptado de Jorge Amado) e "A dama do lotação" (de Neville de Almeida, adaptado de Nelson Rodrigues), ambos com Sônia Braga no papel-título.
Para Ismail Xavier, “a força de duas vertentes – o estilo grosso das comédias eróticas e o bom humor conciliatório das novelas – se expressa muito bem nos dois maiores sucessos de público do cinema brasileiro até hoje”.
A memorável cena final do filme de Bruno Barreto é aquela na qual Dona Flor desce a ladeira da igreja de braços dados com Teodoro e Vadinho, este desnudo, e caminham ao encontro da multidão enquanto Simone canta “O que será?” em off. Tal cena encontra, através da imagem, solução para as tensões entre casamento e volúpia (representadas pelos dois maridos) e entre moral e culpa (representadas pela igreja e sociedade).
Se nesse filme as tensões são solúveis, em "A dama do lotação" não há solução para a tensão entre casamento, volúpia, moral e culpa.
Nelson Rodrigues escreveu, além de suas dezessete peças de teatro, romances, contos e crônicas. Além do fato de ter sido jornalista, ofício que lhe legou a escrita de outros variados gêneros, Nelson colaborou de forma ativa no argumento de "A dama do lotação", onde pode-se perceber mais uma faceta da obra rodriguiana: o Nelson autor de cinema. O texto de “A dama do lotação” é adaptado de um conto publicado no jornal “Última hora”, no qual Nelson assinou de 1950 a 1961 a coluna “A vida como ela é”, de grande sucesso entre os leitores. Parafraseando Cortázar, o conto está para a fotografia assim como o romance está para o cinema. Dessa forma, para que um conto de “A vida como ela é” fosse pela primeira vez adaptado para o cinema, Neville de Almeida convidou o próprio Nelson Rodrigues, a fim de que o dramaturgo adensasse a história, criando cenas exclusivas para o filme.
Mas não é somente tal ilustre colaboração que faz de A dama do lotação um grande filme. Tampouco seus apelos eróticos, tão ao gosto popular e tão responsáveis pelo sucesso comercial deste e de outros filmes do gênero tão em voga nas décadas de 70 e 80. De fato, o diretor Neville de Almeida valeu-se do epíteto de “anjo pornográfico” sustentado por Nelson Rodrigues e, com o sucesso comercial de "A dama do lotação" adaptou também a peça "Os sete gatinhos", do mesmo autor, em 1980. Se por um lado sua leitura explora o viés erótico da obra rodriguiana, não seria interessante, por outro lado, reduzir o filme às suas longas sequências que, através da objetificação sexual, intentam sucesso mercadológico. Histórica e conceitualmente, "A dama do lotação" é o ponto de intermédio entre o cinema marginal, tropicalista e grotesco de Arnaldo Jabor – que adaptou "Toda nudez será castigada" em 1973 e "O casamento" em 1975 – e as adaptações subsequentes da obra de Nelson Rodrigues, que viriam a explorar tão-somente o erotismo na obra do dramaturgo – sobretudo as adaptações de Braz Chediak para "Álbum de família" e "Bonitinha, mas ordinária" em 1981 e "Perdoa-me por me traíres" em 1983.
O filme inicia com a canção “Pecado original”, composta por Caetano Veloso exclusivamente para o filme. Além do sugestivo título, evocado na “eternidade da maçã”, a letra também evoca a distinção entre desejo humano e animal no verso “eu não sou cachorro não”, que ressignifica o famoso refrão da música brega. Também se indaga “o que fazer com o que Deus nos deu?”, “onde colocar o desejo?” e “o que quer uma mulher?” enquanto se veem imagens de ônibus na tela. Ismail Xavier propõe que “o que na letra de Caetano é uma fala sobre o corpo, na imagem se projeta na cidade” . Ora, a primeira imagem subsequente é a do Corcovado, localizando a narrativa em um Rio de Janeiro burguês da Zona Sul e que está sob a égide do cristianismo.
Depois que Solange (Sônia Braga) e Carlos (Nuno Leal Maia) se casam, ela é estuprada numa cena de desconfortáveis quatro minutos que antecipam uma relação familiar desmotivadora. Solange não é violada somente por aquele homem, mas também pelas instituições do casamento, da família e da moral burguesa, às quais não se sente pertencente e por isso não sente prazer em se relacionar com o marido. No entanto, é a decadência familiar – e não individual – que é evidenciada quando se revela que a matriarca daquela família, no passado, mantinha relações lésbicas extraconjugais.
Num teatro burguês, a rua oferece perigos e a casa constitui o ambiente seguro para a família. Solange, em desacordo com a tradição burguesa, procura justamente na rua a satisfação para seu desejo, que, além de anti-familiar, é anti-romântico, uma vez que se relaciona carnalmente com aquilo que é público e desconhecido. As cenas em que Solange atravessa a rua ou então troca a roupa íntima alegorizam a mudança interior da personagem. Bem como também passa de subjugada pela instituição familiar a dominadora, quando em sonho erótico exerce o papel de dominatrix com o patriarca daquela família.
Num contexto de libertação sexual feminina – nos anos 1970, depois da pílula e antes da AIDS – falar da tensão entre liberdade e tradição fazia propícia a releitura de Nelson Rodrigues, cujas personagens “modernas arcaicas, provincianas, [...] não alcançam o moderno moderno” , como afirma Ismail Xavier. Solange rompe com a tradição, ma non troppo, porque não estará imune à sua derrocada trágica.
É quando vai ao cemitério, numa cena que alterna contrapontos de Solange em ato sexual, o campo fúnebre (representando a decadência), imagens sacras (que representam a culpa cristã) e a multidão que acompanha um cortejo (a moral). Se Dona Flor termina por encontrar o equilíbrio entre forças opostas, é exatamente nesse conflito que a personagem de Nelson Rodrigues encontrará sua derrocada. Em seguida, tem pesadelos nos quais está presa num labirinto de ônibus, consumida pela culpa.
O marido, que, aniquilado pela descoberta dos adultérios, se autodeclara morto, representa também o aniquilamento dos valores familiares e conjugais. Ainda consumida pela culpa, Solange veste o luto e reza o terço todas as tardes junto ao defunto vivo. Expiada a culpa, sai à cata de satisfação sexual na rua, o que provocará mais culpa, configurando uma vida em ciclos que é o destino trágico da personagem.
As cenas eróticas de "A dama do lotação" a priori podem parecer imagens voyeuristas de um cinema de entretenimento, mas ainda que tal seja o efeito num público masculino e heterossexual, assumem também a tonalidade trágica, que, combinada ao roteiro de Nelson Rodrigues e à direção de Neville de Almeida – que se apropria magistralmente de recursos da linguagem do cinema – permitem uma composição narrativa que dialoga, por um lado, com o “cinemão” dos anos 70 e 80, mas, por outro, com o inteligente cinema marginal de Arnaldo Jabor e Rogério Sganzerla.
Jardel Silva Leitão, abril de 2019
Notas: 1- XAVIER, Ismail. “Nelson Rodrigues no cinema (1952-99): anotações de um percurso”. In: __________, O olhar e a cena: Melodrama, Hollywood, Cinema Novo, Nelson Rodrigues. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. p. 189. 2- CORTÁZAR, Julio. “Alguns aspectos do conto”. In: __________, Valise de Cronópio. Tradução: Davi Arrigucci Júnior. São Paulo, Perspectiva, 1974. 3- XAVIER, opus citarum, p. 190. 4- Ibidem, p. 162.
Há seis anos atrás, quando assisti a este filme pela primeira vez, pensei que o filme só valia a pena pelos números musicais, já que o roteiro era uma meleca. Hoje, literalmente me guardando pra quando o carnaval chegar, resolvi assisti-lo novamente e acabei percebendo umas coisas bem legais, sobretudo a metáfora da liberdade artística (ou a falta dela) que estiolava artistas como Chico, Nara, Bethania e o próprio Cacá Diegues. Os personagens, coagidos o tempo todo para uma vida artística incômoda, subjugada pela indústria e pelo poder, encontram, por fim, a liberdade, numa catártica cena final, ao som de "Mambembe", um elogio à liberdade (ou ao que resta dela) no sufoco dos anos 1970. Nessa e noutras cenas, é muito bacana, sobretudo depois de estarmos familiarizados com a trilha sonora, percebermos o quanto as canções funcionam enquanto elementos narrativos. Portanto, mesmo que a gente tenha um primeiro ímpeto em dissociar a canção do roteiro, vale a percepção de que ambos são interdependentes. "Baioque" e "Soneto", por exemplo, funcionam como monólogo interior lírico dos personagens. Aparentemente mal concebidos, os personagens se potencializam, nos unânimes números musicais, através da feliz convergência entre canção e enredo. Ouça um bom conselho que lhe dou de graça: é preferível não subestimar a importância da canção neste filme, ou vice-versa. Um roteiro, à primeira vista simples, que também se compõe das potências cênicas de Maria Bethania e mesmo da tímida Nara Leão. Ou até do ator-canastrão Chico Buarque, mas que, com sua pena, faz sofisticada a aliança com a câmera tão cheia de sutilezas e metáforas de Carlos Diegues.
Eu gosto bastante do caráter épico que foi dado à narrativa, justamente propondo sua atemporalidade. A história já é uma velha conhecida. Há a peça teatral do Dias Gomes, de 1962, que tematiza populismo, corrupção, tirania, etc. A adaptação pra televisão, do mesmo autor, foi produzida durante a ditadura militar, em 1973: caiu como uma luva. O filme, que é de 2010, coloca os personagens anteriores a Jânio e Jango; isto é, o alvo da sátira é um velho modo de fazer política, anterior mesmo ao Regime Militar.
Acontece que, quando o filme termina, na campanha das Diretas já, surge uma ideia do tipo "na democracia não vai existir mais nada semelhante a esses personagens". E Sucupira vira o Globo Terrestre.
Se em 2010 esse final já causava uma ironia das mais amargas, imagina agora.
Me lembrou muito o "Álbum de família", do Nelson Rodrigues. Claro que as duas propostas são diferentes, mas guardam algumas semelhanças de enredo, como incestos, a nudez simbolizando a liberdade, e o filho mantido fora de casa... Enfim, a decadência familiar. No caso do filme de Cacá Diegues, funciona como uma alegoria desse Brasil pré-1930, com seus engenhos e sua política coronelista que ora se encerraria.
O que é curioso é pensar que Joana, exterior a ela, morre culpada por tal decadência. Muito embora, tendo sido apresentada a estrutura familiar, percebe-se que era fatal a sua auto-erosão.
Ainda mais com a presença de russos numa festa tão capitalista, no auge da Guerra Fria. Há, por fim, a participação um pouco subversiva dos hippies filhos dessa burguesia. Sei lá, a moça abdica do cinema industrial (tão bélico, já no comecinho) porque é seduzida pelo caos jocoso que se instaura. Ainda ganha um chapéu, como se ganhasse uma cabeça nova.
Posso estar viajando, sei lá, mas não me pareceu uma comédia que seja só pra ficar dando risada.
“Aquarius”. Direção: Kleber Mendonça Filho. Brasil e França, 2016.
Sobre toda a repercussão política quando do lançamento do filme¹, ao que me parece, esse foi um contexto extrínseco à obra, já que seu universo intrafílmico não apresenta nenhuma relação com o contexto de Golpe de Estado em 2016. Poderia se apontar a semelhança entre a personagem feminina que resiste a um sistema todo armado contra ela e a então presidenta Dilma Roussef. Mas não passa de mera coincidência, haja vista o roteiro do filme ser anterior à crise política no Brasil. Não pretendo falar sobre isso. § Este é um filme sobre o embate entre passado e futuro, memória e progresso: a começar pelo título do filme, Aquarius, que sugere não ser protagonista do filme nem o edifício, nem Clara, mas a relação entre eles. E o nome Aquarius remete ao futuro, mas o futuro de uma geração passada: a geração dos anos 60 que depositou esperanças numa Era de Aquário – canção-tema do musical Hair, protagonizado no Brasil por... Sônia Braga! § Ponto bastante simbólico no drama é o mobiliário que está na sua família há gerações, como se sua tia Lúcia, personagem vivente de uma revolução sexual feminina anterior, deixasse para a sobrinha a memória, mas também a promessa de liberdade no futuro junto dessa cômoda que, na montagem fílmica é sempre associada a cenas de sexo, que, no caso de Aquarius, partem de uma perspectiva pouco comum no cinema nacional, sobretudo títulos estrelados pela própria Sônia Braga, como “A dama do lotação” e “Dona Flor e seus dois maridos”. Se no caso dessas chanchadas eróticas, o corpo feminino era objeto de desejo (isto é, o objeto a ser desejado), no caso deste filme, o corpo feminino é o objeto que deseja e que apresenta nudez mais naturalizada: Sônia Braga, o símbolo sexual, o corpo-fetiche perfeito, aparece de seio amputado. O primeiro verso da canção-tema de Taiguara diz “hoje trago em meu corpo as marcas do meu tempo”. Em Aquarius o corpo não é mero lugar de fetiche, é também lugar de memória. § Sua personagem, Clara, além de querer manter seu antigo edifício de pé, representando, pois, o lado da trama marcado pelo saudosismo protecionista, apresenta outras características que um dia foram bastante revolucionárias, mas que, no presente, são comumente relegadas a um tempo passado. A personagem preserva discos de vinil não abandonando as modernas canções de sua geração (ladeada por um sobrinho que ouve mídia digital e não pretende mostrar a antiquada Maria Bethania para a namorada), ela se incomoda que um antigo cinema da cidade tenha se tornado loja de eletrônicos (talvez um ponto no qual seja porta-voz de Mendonça Filho e mais outros tantos cineastas!). E mesmo que as fotografias daqueles que a cercam sejam digitais, ela permanece fazendo questão de vê-las. As suas fotografias, entretanto, são impressas e seu sobrinho só recorre a elas para um fim utilitário, uma cerimônia matrimonial que contrasta com toda a liberdade sexual de Clara. § Quanto a sua empregada Ladjane, sua relação com a fotografia é um tanto mais dolorosa e constrangedora: carrega na carteira e imprime em tamanho ampliado fotografia de seu filho morto em acidente. Algo que as aproxima, mas que também distancia. Ambas são vítimas de uma especulação imobiliária atroz, que, no caso da patroa, ameaça sua memória afetiva e, no caso da empregada, ameaça sua paridade social com a patroa. Quadro interessantíssimo quanto a isso é quando a imagem – já um tanto clichê – de um edifício moderno contrastando com a favela é combinada com os versos cantados por Alcione: “não sei se vou aturar esses seus abusos, não sei se vou suportar os seus absurdos”. § É esse mesmo sistema – do qual Clara é vítima, mas também engrenagem – que invade seu patrimônio, em pesadelo, com a empregada que na fotografia não tinha um rosto e por pouco não teria um nome. São roubadas suas joias de família, que, se para o sistema – desde os grandes aos menores – possui valor tão somente econômico; para a heroína central, essas joias possuem valor afetivo. Esse pesadelo seria um microcosmo alegórico do argumento fílmico: ao perceber seu patrimônio afetivo invadido, Clara se vê sangrando inerte sobre a cama. § O estar de mãos atadas não me parece necessariamente estar vencida, mas sim uma sutileza observada por Adriano Garret: “a protagonista revela ter cinco apartamentos, o que sugere que ela se sustenta pelos aluguéis, sendo uma peça – embora bem menor, evidentemente – da engrenagem lógica que rege o crescimento urbano da cidade, a mesma responsável pelo assédio a seu apartamento”². Garret também aponta para o processo de palidez regressiva do edifício³ – que quem vai pintar de branco, a mais pálida das cores, é a própria “heroína” . Porque nesse processo kafkiano não há nada que se salve: mesmo a vingança executada por ela ao final do filme não há de atingir diretamente aos poderosos, já que quem limpará a podridão do cupim (uma perfeita sociedade animal, mas que é igualmente corrosiva) será a mesma mão invisível que limpa a merda na escada. Clara não nega buscar aval de poderes como a imprensa, a família, contatos influentes. Aquarius é um filme de resistência, mas de resistência igualmente contraditória: de classe média para classe média, que constrói destruindo – tal o cupim – e sem perceber seu fatal destino, que, aqui, justamente por não ser percebido, é elidido do filme. Em aberto, sua inconclusão sugere que tal tormento não terá fim e que não será a última vez que situação semelhante irá ocorrer. §
NOTAS: 1- Sobre isso, ver: https://pt.wikipedia.org/wiki/Aquarius_(filme)#Controvérsias. 3- http://cinefestivais.com.br/criticas/aquarius-de-kleber-mendonca-filho/ 4- Do rosa – quando os carros eram coloridos e circulavam nas praias (cenário que, geralmente, em cinema, é associado a liberdade e desejo) – para o azul, quando o edifício incorpora-se na paisagem da praia de Boa Viagem, seu céu e seu mar, mas que contrasta com as edificações brancas e altaneiras que o rodeiam, para, por fim, tornar-se branco, como se o edifício perdesse seu vigor resistente e já precisasse, paulatinamente, incorporar-se a uma paisagem toda de prédios brancos, carros sem cor e que congestionam trânsito e têm valor nada mais que utilitário.
"Janela indiscreta" (do Hitchcok) ajuda bem a pensar esse filme: o crime que nos é apresentado a partir da perspectiva de um mediador, que nós não sabemos se é verdadeira ou não.
“Cronicamente inviável”. Direção: Sérgio Bianchi. Brasil, 2000.
Um cinema que eu particularmente percebo muito próximo de uma proposta niilista, que por alguns é confundida com militante. Mas, no caso deste filme específico, encontram-se facilmente alegorias bastante descrentes de todo um modus operandi da militância política. Por ser recheado de alegorias desse e de outro tipo, eu não assino embaixo quando alguém diz que Bianchi estabelece um retrato fiel da sociedade brasileira, porque, por mais que a obra possua relação com o universo extrínseco a ela – o que é inegável – a sua relação com seu universo intrínseco parte de uma estética não realista, a do exagero (não sei se “estética” é a palavra mais adequada aqui, mas foda-se), coisa que pode ser percebida, sobretudo, no trabalho de alguns atores. Percebo inclusive algumas relações com o teatro brechtiano, principalmente quando o filme conta com a participação de Maria Alice Vergueiro (que não é figurinha tão carimbada do cinema, mas é talvez o maior nome das montagens brasileiras do teatro de Brecht).
Como o próprio título sugere, o Brasil é apresentado de forma, além de cronicamente inviável, insolúvel, isto é, o filme não apresenta nenhuma solução, pois parte do pressuposto de que não há solução. E por isso talvez isso tenha gerado certa angústia em quem pense que o dito cinema crítico possui essa obrigação de transformar a ordem vigente. Este é um filme que convence o espectador de que está de mãos atadas, pensando aqui na fala do personagem do professor – intelectual que tanto critica o sistema, mas que ajuda a mantê-lo – “A realidade não interessa às pessoas. Pra quê perder tempo interpretando a realidade pras pessoas entenderem? Melhor só registrar os fatos e deixar a interpretação pra depois”.
A bosta é lançada ao ventilador numa proposta anti-didática e aparentemente sem intervenções, o que talvez gere mais angústia em quem espera por essa intervenção. Aparentemente sem intervenções porque, mesmo que na ausência de comentários didáticos (quiçá proselitistas) do autor, apresenta-se uma estruturação irônica¹ do drama e da montagem fílmica, que é um recurso bastante caro ao cinema de Bianchi – como, por exemplo, Betty Goofman fazendo apologia à caridade enquanto moradores de rua se engalfinham no seu contraponto. Ou mesmo quando Daniel Dantas prega que a lei do menor esforço rege o mundo – dentre tantas outras frases imperativas e indubitáveis que são ditas nesse filme – e corta logo em seguida pra uma cena em que se explica a genealogia da dominação. Ou seja, os sketches de Bianchi funcionam como negação – sempre num viés irônico e hiperbólico – àquilo que o sketch anterior afirmara. Ou mesmo dentro de uma mesma cena, uma imagem ou uma fala negam aquilo que é afirmado anterior ou simultaneamente.
Mas há uma semelhança mais geral entre toda essa fragmentação da montagem: ninguém se salva no argumento trágico de Bianchi, assim como ninguém escapa de seu olhar crítico. Crítica essa que coloca todo um rol de personagens como agentes e pacientes dessa tragédia do status quo, pensando na microfísica dessas relações de poder, num filme em que são elididos, por exemplo, a grande indústria, o estado e a igreja – instituições que, no senso comum, costumeiramente são responsabilizadas pelos fracassos da humanidade em detrimento da responsabilidade dessa própria humanidade. Daí a ironia do diretor ao apresentar duas vezes uma mesma alegoria, em que um indivíduo – e não uma instituição – justifica-se em alto e bom som: “A culpa não é minha”.
Curiosamente, essa seria alternativa ao título do filme – que Bianchi deitou fora, optando pelo título que conhecemos – talvez porque seja esse o ponto fulcral defendido por esta obra, de cunho, além de niilista, anti-maniqueísta e anárquico: a hipocrisia recorrente de se eximir da manutenção de um país cronicamente inviável, quando tudo está contaminado e não há vítimas do sistema, todos são, em maior ou menor escala, responsáveis por ele.
1- Sobre isso, ver: http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2001/papers/NP7SILVA.PDF
Tenho a impressão de essa ter sido a adaptação de Nelson pro cinema mais próxima daquilo que eu imagino que foi a peça, em 62 (um ano antes do filme). Primeiro, porque, fora a proximidade temporal, quatro atores - Fregolente (magnífico!), Dinnorah Brillanti, Antônia Marzullo e Maria Gladys - se repetirem. Segundo, porque a linguagem entre o realista e o expressionista combina bastante. Algumas cenas me lembram alguns filmes de Frederico Fellini - fonte da qual Nelson Rodrigues, cinéfilo confesso, certamente bebeu.
Gostaria de fazer algumas comparações aqui entre o texto original (escrito por Guarnieri para o Teatro de Arena, em 195?) e a adaptação cinematográfica. Quem ainda não leu, leia! Geralmente, se adapta apenas a linguagem, fazendo pequeníssimas alterações. No caso deste filme, altera-se, além da linguagem, o próprio enredo. Motivos, além de cênicos, históricos, uma vez que entre 1958 (ano em que estreou Eles não usam black tie) e 1981, temos um período ditatorial no Brasil.
Na peça de Guarnieri (não só por uma razão técnica), toda a cena acontece dentro do ambiente doméstico, com os acontecimentos do mundo externo refletindo sobre o seio familiar. Esse é o centro da narrativa: a família. Tais acontecimentos externos são apenas citados verbalmente no texto: o espectador não é testemunha ocular de nada que esteja fora do ambiente doméstico. No caso do filme, o espectador tem maior onisciência, uma vez que pode-se presenciar a discussão no botequim, o cotidiano na casa de Maria, a porta da fábrica. Mudanças puramente técnicas? Não.
Guarnieri escreve seu texto nos anos 50 com o intuito de retratar uma família de classe baixa, sem que, no entanto, a conhecesse de perto, visto que essa não era a origem do dramaturgo. Para preparar o filme, Guarnieri e Hirszman realizaram um estudo antropológico nos movimentos sindicais - o que renderia para o diretor cinemanovista também "ABC da Greve". Temos aqui um conhecimento mais amplo daquilo que se deseja retratar e isso se reflete no espaço cênico, desta vez, também, mais amplo.
O próprio Guarnieri, no papel de Otávio, afirma: "Os tempos são outros!". O autor interpretou Tião no Teatro de Arena e volta agora interpretando Otávio. Não foi só o ator quem amadureceu - o personagem Otávio também. Se, no livro, temos um furor revolucionário quase inocente, no filme vemos um Otávio mais ponderado, experiente na luta sindical, preocupado em dialogar e descrente de ações irresponsáveis no movimento grevista, haja visto que já sofrera repressões policiais anteriores. É Otávio - mas também é Guarnieri - quem ganha tal consciência. Ator e personagem se confundem.
Nos anos 50, o Partido Comunista recém saíra da ilegalidade, após a morte de Vargas, e vive-se ascendência econômica dos anos JK e um movimento operário recém-formado e ainda com grande promessa de futuro. Em 1981, observa-se o movimento sindicalista em São Paulo (a peça, que se passava no Rio de Janeiro, foi realocada para São Paulo no filme), mas com uma esquerda já fragmentada, enfrentando fortíssima repressão policial.
Maria tem agora consciência política, consciência de gênero, e abandona Tião por motivos tão políticos quanto os de Otávio - diferente da peça, em que o que dividia o casal era apenas um apego de Maria com seu morro, seu povo. Tião, assistindo aos seus serem espancados e presos, se esconde na fábrica. É ele quem rompe com o ideal de família (no caso da peça, era Otávio quem rompia com o filho, num excelente diálogo no terceiro ato).
Na peça, o verbo. No filme, a cena. A dicotomia de pai e filho sofre também tal efeito no filme, com os personagens tendo seus discursos altamente sugestivos (com relação a seu posicionamento político polarizado) diluído em cenas. Mas, no caso da peça, seria possível compreender ambos os personagens, de modo que a narrativa se propõe imparcial, o que não acontece no filme, entretanto.
É bastante interessante observar tais aspectos a fim de se afirmar que "Eles não usam black tie" não se trata de um "Vale a pena ver de novo", mero repeteco do sucesso de bilheteria que salvou o Arena da bancarrota. E, sim de uma releitura bastante engajada com seu tempo, assim como o fora em 1958, e tal proposta de temporalidade não poderia se perder.
Ata-me!
3.7 550Não sou muito fã dos dramas sérios do Almodóvar, meu negócio são as comédias. Na comédia, se por um lado a pretensão é costumeiramente menor, por outro os temas tabus se comunicam com muito mais potência através do humor.
A síndrome de Estocolmo, tematizada em Ata-me!, confunde-se muito facilmente com fetiche,
pela ausência da perspectiva feminina. Ora, a personagem estiolada por essa inexplicada síndrome é uma mulher. O filme é, digamos, focalizado em primeira pessoa, na perspectiva de um personagem masculino. No frigir dos ovos, Ata-me! lembra os topoi do cinema pornográfico nos quais se encontra satisfação sexual entre desconhecidos, com trivialidade, mas também violência.
Talvez por isso, Ata-me! pareça desses filmes de erotização para um público masculino e heterossexual, ainda que o personagem masculino não seja um fetichista e sim um doente mental. Sua obsessão pelo casamento, junto com as imagens sacras que figuram nas paredes dos quartos, é bem metaforizada no ato de amarrar: casar-se é estar preso, até que a morte os separe e, enquanto não se morre, "Resistiré".
Mas essa perspectiva, meticulosamente construída, é a dele. Falta-nos a perspectiva dela, a da mulher que, "numa história mais de amor que de terror" (como diz um personagem), evolui silenciosa e abruptamente do terror para o amor. Amordaçada ou não, tem seu olhar por muitas vezes preterido pela câmera. Seu desejo - palavra tão cara ao universo almodovariano - é um mistério: ela cumpre o papel de objeto desejado, mas quando deseja, deseja sem o adensamento psicológico do qual tanto carece a narrativa de Ata-me!.
Manhattan
4.1 595 Assista AgoraO filme ser em branco e preto - em 1979 - é algo que intriga muita gente. Acho legal como é que isso compõe o fato de ser um personagem em decadência e que, como é citado no comecinho do filme, para ele Nova York ainda era em branco e preto.
A Dama do Lotação
3.1 129“A dama do lotação”. Direção: Neville de Almeida. Brasil, 1978.
Quem conhece as adaptações de Nelson Rodrigues para o cinema pode perceber que elas acompanham quase 70 anos de história do cinema brasileiro, passando pelo cinema de estúdio, Cinema Novo, Tropicália, pornochanchadas e a Retomada. Ora, Nelson Rodrigues é o autor brasileiro mais adaptado para cinema – e, depois dele, Jorge Amado. No século XX, mais precisamente na década de 1970, viriam a ser produzidos aqueles que seriam os dois maiores sucessos de bilheteria do cinema nacional (e que só viriam a ser superados na década de 2010): "Dona Flor e seus dois maridos" (de Bruno Barreto, adaptado de Jorge Amado) e "A dama do lotação" (de Neville de Almeida, adaptado de Nelson Rodrigues), ambos com Sônia Braga no papel-título.
Para Ismail Xavier, “a força de duas vertentes – o estilo grosso das comédias eróticas e o bom humor conciliatório das novelas – se expressa muito bem nos dois maiores sucessos de público do cinema brasileiro até hoje”.
A memorável cena final do filme de Bruno Barreto é aquela na qual Dona Flor desce a ladeira da igreja de braços dados com Teodoro e Vadinho, este desnudo, e caminham ao encontro da multidão enquanto Simone canta “O que será?” em off. Tal cena encontra, através da imagem, solução para as tensões entre casamento e volúpia (representadas pelos dois maridos) e entre moral e culpa (representadas pela igreja e sociedade).
Nelson Rodrigues escreveu, além de suas dezessete peças de teatro, romances, contos e crônicas. Além do fato de ter sido jornalista, ofício que lhe legou a escrita de outros variados gêneros, Nelson colaborou de forma ativa no argumento de "A dama do lotação", onde pode-se perceber mais uma faceta da obra rodriguiana: o Nelson autor de cinema. O texto de “A dama do lotação” é adaptado de um conto publicado no jornal “Última hora”, no qual Nelson assinou de 1950 a 1961 a coluna “A vida como ela é”, de grande sucesso entre os leitores. Parafraseando Cortázar, o conto está para a fotografia assim como o romance está para o cinema. Dessa forma, para que um conto de “A vida como ela é” fosse pela primeira vez adaptado para o cinema, Neville de Almeida convidou o próprio Nelson Rodrigues, a fim de que o dramaturgo adensasse a história, criando cenas exclusivas para o filme.
Mas não é somente tal ilustre colaboração que faz de A dama do lotação um grande filme. Tampouco seus apelos eróticos, tão ao gosto popular e tão responsáveis pelo sucesso comercial deste e de outros filmes do gênero tão em voga nas décadas de 70 e 80. De fato, o diretor Neville de Almeida valeu-se do epíteto de “anjo pornográfico” sustentado por Nelson Rodrigues e, com o sucesso comercial de "A dama do lotação" adaptou também a peça "Os sete gatinhos", do mesmo autor, em 1980. Se por um lado sua leitura explora o viés erótico da obra rodriguiana, não seria interessante, por outro lado, reduzir o filme às suas longas sequências que, através da objetificação sexual, intentam sucesso mercadológico. Histórica e conceitualmente, "A dama do lotação" é o ponto de intermédio entre o cinema marginal, tropicalista e grotesco de Arnaldo Jabor – que adaptou "Toda nudez será castigada" em 1973 e "O casamento" em 1975 – e as adaptações subsequentes da obra de Nelson Rodrigues, que viriam a explorar tão-somente o erotismo na obra do dramaturgo – sobretudo as adaptações de Braz Chediak para "Álbum de família" e "Bonitinha, mas ordinária" em 1981 e "Perdoa-me por me traíres" em 1983.
O filme inicia com a canção “Pecado original”, composta por Caetano Veloso exclusivamente para o filme. Além do sugestivo título, evocado na “eternidade da maçã”, a letra também evoca a distinção entre desejo humano e animal no verso “eu não sou cachorro não”, que ressignifica o famoso refrão da música brega. Também se indaga “o que fazer com o que Deus nos deu?”, “onde colocar o desejo?” e “o que quer uma mulher?” enquanto se veem imagens de ônibus na tela. Ismail Xavier propõe que “o que na letra de Caetano é uma fala sobre o corpo, na imagem se projeta na cidade” . Ora, a primeira imagem subsequente é a do Corcovado, localizando a narrativa em um Rio de Janeiro burguês da Zona Sul e que está sob a égide do cristianismo.
Depois que Solange (Sônia Braga) e Carlos (Nuno Leal Maia) se casam, ela é estuprada numa cena de desconfortáveis quatro minutos que antecipam uma relação familiar desmotivadora. Solange não é violada somente por aquele homem, mas também pelas instituições do casamento, da família e da moral burguesa, às quais não se sente pertencente e por isso não sente prazer em se relacionar com o marido. No entanto, é a decadência familiar – e não individual – que é evidenciada quando se revela que a matriarca daquela família, no passado, mantinha relações lésbicas extraconjugais.
Num teatro burguês, a rua oferece perigos e a casa constitui o ambiente seguro para a família. Solange, em desacordo com a tradição burguesa, procura justamente na rua a satisfação para seu desejo, que, além de anti-familiar, é anti-romântico, uma vez que se relaciona carnalmente com aquilo que é público e desconhecido. As cenas em que Solange atravessa a rua ou então troca a roupa íntima alegorizam a mudança interior da personagem. Bem como também passa de subjugada pela instituição familiar a dominadora, quando em sonho erótico exerce o papel de dominatrix com o patriarca daquela família.
Num contexto de libertação sexual feminina – nos anos 1970, depois da pílula e antes da AIDS – falar da tensão entre liberdade e tradição fazia propícia a releitura de Nelson Rodrigues, cujas personagens “modernas arcaicas, provincianas, [...] não alcançam o moderno moderno” , como afirma Ismail Xavier. Solange rompe com a tradição, ma non troppo, porque não estará imune à sua derrocada trágica.
É quando vai ao cemitério, numa cena que alterna contrapontos de Solange em ato sexual, o campo fúnebre (representando a decadência), imagens sacras (que representam a culpa cristã) e a multidão que acompanha um cortejo (a moral). Se Dona Flor termina por encontrar o equilíbrio entre forças opostas, é exatamente nesse conflito que a personagem de Nelson Rodrigues encontrará sua derrocada. Em seguida, tem pesadelos nos quais está presa num labirinto de ônibus, consumida pela culpa.
O marido, que, aniquilado pela descoberta dos adultérios, se autodeclara morto, representa também o aniquilamento dos valores familiares e conjugais. Ainda consumida pela culpa, Solange veste o luto e reza o terço todas as tardes junto ao defunto vivo. Expiada a culpa, sai à cata de satisfação sexual na rua, o que provocará mais culpa, configurando uma vida em ciclos que é o destino trágico da personagem.
As cenas eróticas de "A dama do lotação" a priori podem parecer imagens voyeuristas de um cinema de entretenimento, mas ainda que tal seja o efeito num público masculino e heterossexual, assumem também a tonalidade trágica, que, combinada ao roteiro de Nelson Rodrigues e à direção de Neville de Almeida – que se apropria magistralmente de recursos da linguagem do cinema – permitem uma composição narrativa que dialoga, por um lado, com o “cinemão” dos anos 70 e 80, mas, por outro, com o inteligente cinema marginal de Arnaldo Jabor e Rogério Sganzerla.
Jardel Silva Leitão, abril de 2019
Notas:
1- XAVIER, Ismail. “Nelson Rodrigues no cinema (1952-99): anotações de um percurso”. In: __________, O olhar e a cena: Melodrama, Hollywood, Cinema Novo, Nelson Rodrigues. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. p. 189.
2- CORTÁZAR, Julio. “Alguns aspectos do conto”. In: __________, Valise de Cronópio. Tradução: Davi Arrigucci Júnior. São Paulo, Perspectiva, 1974.
3- XAVIER, opus citarum, p. 190.
4- Ibidem, p. 162.
Quando o Carnaval Chegar
3.4 41Há seis anos atrás, quando assisti a este filme pela primeira vez, pensei que o filme só valia a pena pelos números musicais, já que o roteiro era uma meleca. Hoje, literalmente me guardando pra quando o carnaval chegar, resolvi assisti-lo novamente e acabei percebendo umas coisas bem legais, sobretudo a metáfora da liberdade artística (ou a falta dela) que estiolava artistas como Chico, Nara, Bethania e o próprio Cacá Diegues. Os personagens, coagidos o tempo todo para uma vida artística incômoda, subjugada pela indústria e pelo poder, encontram, por fim, a liberdade, numa catártica cena final, ao som de "Mambembe", um elogio à liberdade (ou ao que resta dela) no sufoco dos anos 1970.
Nessa e noutras cenas, é muito bacana, sobretudo depois de estarmos familiarizados com a trilha sonora, percebermos o quanto as canções funcionam enquanto elementos narrativos. Portanto, mesmo que a gente tenha um primeiro ímpeto em dissociar a canção do roteiro, vale a percepção de que ambos são interdependentes. "Baioque" e "Soneto", por exemplo, funcionam como monólogo interior lírico dos personagens. Aparentemente mal concebidos, os personagens se potencializam, nos unânimes números musicais, através da feliz convergência entre canção e enredo.
Ouça um bom conselho que lhe dou de graça: é preferível não subestimar a importância da canção neste filme, ou vice-versa. Um roteiro, à primeira vista simples, que também se compõe das potências cênicas de Maria Bethania e mesmo da tímida Nara Leão. Ou até do ator-canastrão Chico Buarque, mas que, com sua pena, faz sofisticada a aliança com a câmera tão cheia de sutilezas e metáforas de Carlos Diegues.
O Bem Amado
3.3 404Eu gosto bastante do caráter épico que foi dado à narrativa, justamente propondo sua atemporalidade. A história já é uma velha conhecida. Há a peça teatral do Dias Gomes, de 1962, que tematiza populismo, corrupção, tirania, etc. A adaptação pra televisão, do mesmo autor, foi produzida durante a ditadura militar, em 1973: caiu como uma luva.
O filme, que é de 2010, coloca os personagens anteriores a Jânio e Jango; isto é, o alvo da sátira é um velho modo de fazer política, anterior mesmo ao Regime Militar.
Acontece que, quando o filme termina, na campanha das Diretas já, surge uma ideia do tipo "na democracia não vai existir mais nada semelhante a esses personagens". E Sucupira vira o Globo Terrestre.
Joanna Francesa
3.6 15Me lembrou muito o "Álbum de família", do Nelson Rodrigues. Claro que as duas propostas são diferentes, mas guardam algumas semelhanças de enredo, como incestos, a nudez simbolizando a liberdade, e o filho mantido fora de casa... Enfim, a decadência familiar. No caso do filme de Cacá Diegues, funciona como uma alegoria desse Brasil pré-1930, com seus engenhos e sua política coronelista que ora se encerraria.
O que é curioso é pensar que Joana, exterior a ela, morre culpada por tal decadência. Muito embora, tendo sido apresentada a estrutura familiar, percebe-se que era fatal a sua auto-erosão.
Um Convidado Bem Trapalhão
3.9 186 Assista AgoraMe parece que existe ali um certo elogio ao modo de vida indiano, tão em voga nos anos 1960, em contraposição à austeridade burguesa norte-americana.
Ainda mais com a presença de russos numa festa tão capitalista, no auge da Guerra Fria. Há, por fim, a participação um pouco subversiva dos hippies filhos dessa burguesia. Sei lá, a moça abdica do cinema industrial (tão bélico, já no comecinho) porque é seduzida pelo caos jocoso que se instaura. Ainda ganha um chapéu, como se ganhasse uma cabeça nova.
Aquarius
4.2 1,9K Assista Agora“Aquarius”. Direção: Kleber Mendonça Filho. Brasil e França, 2016.
Sobre toda a repercussão política quando do lançamento do filme¹, ao que me parece, esse foi um contexto extrínseco à obra, já que seu universo intrafílmico não apresenta nenhuma relação com o contexto de Golpe de Estado em 2016. Poderia se apontar a semelhança entre a personagem feminina que resiste a um sistema todo armado contra ela e a então presidenta Dilma Roussef. Mas não passa de mera coincidência, haja vista o roteiro do filme ser anterior à crise política no Brasil. Não pretendo falar sobre isso.
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Este é um filme sobre o embate entre passado e futuro, memória e progresso: a começar pelo título do filme, Aquarius, que sugere não ser protagonista do filme nem o edifício, nem Clara, mas a relação entre eles. E o nome Aquarius remete ao futuro, mas o futuro de uma geração passada: a geração dos anos 60 que depositou esperanças numa Era de Aquário – canção-tema do musical Hair, protagonizado no Brasil por... Sônia Braga!
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Ponto bastante simbólico no drama é o mobiliário que está na sua família há gerações, como se sua tia Lúcia, personagem vivente de uma revolução sexual feminina anterior, deixasse para a sobrinha a memória, mas também a promessa de liberdade no futuro junto dessa cômoda que, na montagem fílmica é sempre associada a cenas de sexo, que, no caso de Aquarius, partem de uma perspectiva pouco comum no cinema nacional, sobretudo títulos estrelados pela própria Sônia Braga, como “A dama do lotação” e “Dona Flor e seus dois maridos”. Se no caso dessas chanchadas eróticas, o corpo feminino era objeto de desejo (isto é, o objeto a ser desejado), no caso deste filme, o corpo feminino é o objeto que deseja e que apresenta nudez mais naturalizada: Sônia Braga, o símbolo sexual, o corpo-fetiche perfeito, aparece de seio amputado. O primeiro verso da canção-tema de Taiguara diz “hoje trago em meu corpo as marcas do meu tempo”. Em Aquarius o corpo não é mero lugar de fetiche, é também lugar de memória.
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Sua personagem, Clara, além de querer manter seu antigo edifício de pé, representando, pois, o lado da trama marcado pelo saudosismo protecionista, apresenta outras características que um dia foram bastante revolucionárias, mas que, no presente, são comumente relegadas a um tempo passado. A personagem preserva discos de vinil não abandonando as modernas canções de sua geração (ladeada por um sobrinho que ouve mídia digital e não pretende mostrar a antiquada Maria Bethania para a namorada), ela se incomoda que um antigo cinema da cidade tenha se tornado loja de eletrônicos (talvez um ponto no qual seja porta-voz de Mendonça Filho e mais outros tantos cineastas!). E mesmo que as fotografias daqueles que a cercam sejam digitais, ela permanece fazendo questão de vê-las. As suas fotografias, entretanto, são impressas e seu sobrinho só recorre a elas para um fim utilitário, uma cerimônia matrimonial que contrasta com toda a liberdade sexual de Clara.
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Quanto a sua empregada Ladjane, sua relação com a fotografia é um tanto mais dolorosa e constrangedora: carrega na carteira e imprime em tamanho ampliado fotografia de seu filho morto em acidente. Algo que as aproxima, mas que também distancia. Ambas são vítimas de uma especulação imobiliária atroz, que, no caso da patroa, ameaça sua memória afetiva e, no caso da empregada, ameaça sua paridade social com a patroa. Quadro interessantíssimo quanto a isso é quando a imagem – já um tanto clichê – de um edifício moderno contrastando com a favela é combinada com os versos cantados por Alcione: “não sei se vou aturar esses seus abusos, não sei se vou suportar os seus absurdos”.
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É esse mesmo sistema – do qual Clara é vítima, mas também engrenagem – que invade seu patrimônio, em pesadelo, com a empregada que na fotografia não tinha um rosto e por pouco não teria um nome. São roubadas suas joias de família, que, se para o sistema – desde os grandes aos menores – possui valor tão somente econômico; para a heroína central, essas joias possuem valor afetivo. Esse pesadelo seria um microcosmo alegórico do argumento fílmico: ao perceber seu patrimônio afetivo invadido, Clara se vê sangrando inerte sobre a cama.
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O estar de mãos atadas não me parece necessariamente estar vencida, mas sim uma sutileza observada por Adriano Garret: “a protagonista revela ter cinco apartamentos, o que sugere que ela se sustenta pelos aluguéis, sendo uma peça – embora bem menor, evidentemente – da engrenagem lógica que rege o crescimento urbano da cidade, a mesma responsável pelo assédio a seu apartamento”². Garret também aponta para o processo de palidez regressiva do edifício³ – que quem vai pintar de branco, a mais pálida das cores, é a própria “heroína” . Porque nesse processo kafkiano não há nada que se salve: mesmo a vingança executada por ela ao final do filme não há de atingir diretamente aos poderosos, já que quem limpará a podridão do cupim (uma perfeita sociedade animal, mas que é igualmente corrosiva) será a mesma mão invisível que limpa a merda na escada. Clara não nega buscar aval de poderes como a imprensa, a família, contatos influentes. Aquarius é um filme de resistência, mas de resistência igualmente contraditória: de classe média para classe média, que constrói destruindo – tal o cupim – e sem perceber seu fatal destino, que, aqui, justamente por não ser percebido, é elidido do filme. Em aberto, sua inconclusão sugere que tal tormento não terá fim e que não será a última vez que situação semelhante irá ocorrer.
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NOTAS:
1- Sobre isso, ver: https://pt.wikipedia.org/wiki/Aquarius_(filme)#Controvérsias.
3- http://cinefestivais.com.br/criticas/aquarius-de-kleber-mendonca-filho/
4- Do rosa – quando os carros eram coloridos e circulavam nas praias (cenário que, geralmente, em cinema, é associado a liberdade e desejo) – para o azul, quando o edifício incorpora-se na paisagem da praia de Boa Viagem, seu céu e seu mar, mas que contrasta com as edificações brancas e altaneiras que o rodeiam, para, por fim, tornar-se branco, como se o edifício perdesse seu vigor resistente e já precisasse, paulatinamente, incorporar-se a uma paisagem toda de prédios brancos, carros sem cor e que congestionam trânsito e têm valor nada mais que utilitário.
Pra Frente, Brasil
3.7 76Elizabeth Savalla tá tão bem nesse filme...
Veludo Azul
3.9 776 Assista Agora"Janela indiscreta" (do Hitchcok) ajuda bem a pensar esse filme: o crime que nos é apresentado a partir da perspectiva de um mediador, que nós não sabemos se é verdadeira ou não.
Matou a Família e Foi ao Cinema
2.6 92Vou contar pra vocês que não achei em nenhum lugar pra baixar/assistir, senão no XVIDEOS.
Cronicamente Inviável
4.0 140“Cronicamente inviável”. Direção: Sérgio Bianchi. Brasil, 2000.
Um cinema que eu particularmente percebo muito próximo de uma proposta niilista, que por alguns é confundida com militante. Mas, no caso deste filme específico, encontram-se facilmente alegorias bastante descrentes de todo um modus operandi da militância política. Por ser recheado de alegorias desse e de outro tipo, eu não assino embaixo quando alguém diz que Bianchi estabelece um retrato fiel da sociedade brasileira, porque, por mais que a obra possua relação com o universo extrínseco a ela – o que é inegável – a sua relação com seu universo intrínseco parte de uma estética não realista, a do exagero (não sei se “estética” é a palavra mais adequada aqui, mas foda-se), coisa que pode ser percebida, sobretudo, no trabalho de alguns atores. Percebo inclusive algumas relações com o teatro brechtiano, principalmente quando o filme conta com a participação de Maria Alice Vergueiro (que não é figurinha tão carimbada do cinema, mas é talvez o maior nome das montagens brasileiras do teatro de Brecht).
Como o próprio título sugere, o Brasil é apresentado de forma, além de cronicamente inviável, insolúvel, isto é, o filme não apresenta nenhuma solução, pois parte do pressuposto de que não há solução. E por isso talvez isso tenha gerado certa angústia em quem pense que o dito cinema crítico possui essa obrigação de transformar a ordem vigente. Este é um filme que convence o espectador de que está de mãos atadas, pensando aqui na fala do personagem do professor – intelectual que tanto critica o sistema, mas que ajuda a mantê-lo – “A realidade não interessa às pessoas. Pra quê perder tempo interpretando a realidade pras pessoas entenderem? Melhor só registrar os fatos e deixar a interpretação pra depois”.
A bosta é lançada ao ventilador numa proposta anti-didática e aparentemente sem intervenções, o que talvez gere mais angústia em quem espera por essa intervenção. Aparentemente sem intervenções porque, mesmo que na ausência de comentários didáticos (quiçá proselitistas) do autor, apresenta-se uma estruturação irônica¹ do drama e da montagem fílmica, que é um recurso bastante caro ao cinema de Bianchi – como, por exemplo, Betty Goofman fazendo apologia à caridade enquanto moradores de rua se engalfinham no seu contraponto. Ou mesmo quando Daniel Dantas prega que a lei do menor esforço rege o mundo – dentre tantas outras frases imperativas e indubitáveis que são ditas nesse filme – e corta logo em seguida pra uma cena em que se explica a genealogia da dominação. Ou seja, os sketches de Bianchi funcionam como negação – sempre num viés irônico e hiperbólico – àquilo que o sketch anterior afirmara. Ou mesmo dentro de uma mesma cena, uma imagem ou uma fala negam aquilo que é afirmado anterior ou simultaneamente.
Mas há uma semelhança mais geral entre toda essa fragmentação da montagem: ninguém se salva no argumento trágico de Bianchi, assim como ninguém escapa de seu olhar crítico. Crítica essa que coloca todo um rol de personagens como agentes e pacientes dessa tragédia do status quo, pensando na microfísica dessas relações de poder, num filme em que são elididos, por exemplo, a grande indústria, o estado e a igreja – instituições que, no senso comum, costumeiramente são responsabilizadas pelos fracassos da humanidade em detrimento da responsabilidade dessa própria humanidade. Daí a ironia do diretor ao apresentar duas vezes uma mesma alegoria, em que um indivíduo – e não uma instituição – justifica-se em alto e bom som: “A culpa não é minha”.
Curiosamente, essa seria alternativa ao título do filme – que Bianchi deitou fora, optando pelo título que conhecemos – talvez porque seja esse o ponto fulcral defendido por esta obra, de cunho, além de niilista, anti-maniqueísta e anárquico: a hipocrisia recorrente de se eximir da manutenção de um país cronicamente inviável, quando tudo está contaminado e não há vítimas do sistema, todos são, em maior ou menor escala, responsáveis por ele.
1- Sobre isso, ver: http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2001/papers/NP7SILVA.PDF
Bonitinha, Mas Ordinária
3.2 23Tenho a impressão de essa ter sido a adaptação de Nelson pro cinema mais próxima daquilo que eu imagino que foi a peça, em 62 (um ano antes do filme). Primeiro, porque, fora a proximidade temporal, quatro atores - Fregolente (magnífico!), Dinnorah Brillanti, Antônia Marzullo e Maria Gladys - se repetirem. Segundo, porque a linguagem entre o realista e o expressionista combina bastante. Algumas cenas me lembram alguns filmes de Frederico Fellini - fonte da qual Nelson Rodrigues, cinéfilo confesso, certamente bebeu.
Os 7 Gatinhos
3.2 170O tanto que aquela cena final tem de expressionista, meu filho...
Álbum de Família
2.3 7A quem interessar possa: https://www.youtube.com/watch?v=7z835OfJNDg&t=3327s
Cidade dos Sonhos
4.2 1,7K Assista AgoraMuito parecido com "Vestido de noiva", do Nelson Rodrigues. Aliás, a leitura dessa peça me ajudou bastante na compreensão deste filme.
Eles Não Usam Black-Tie
4.3 286Gostaria de fazer algumas comparações aqui entre o texto original (escrito por Guarnieri para o Teatro de Arena, em 195?) e a adaptação cinematográfica. Quem ainda não leu, leia! Geralmente, se adapta apenas a linguagem, fazendo pequeníssimas alterações. No caso deste filme, altera-se, além da linguagem, o próprio enredo. Motivos, além de cênicos, históricos, uma vez que entre 1958 (ano em que estreou Eles não usam black tie) e 1981, temos um período ditatorial no Brasil.
Na peça de Guarnieri (não só por uma razão técnica), toda a cena acontece dentro do ambiente doméstico, com os acontecimentos do mundo externo refletindo sobre o seio familiar. Esse é o centro da narrativa: a família. Tais acontecimentos externos são apenas citados verbalmente no texto: o espectador não é testemunha ocular de nada que esteja fora do ambiente doméstico. No caso do filme, o espectador tem maior onisciência, uma vez que pode-se presenciar a discussão no botequim, o cotidiano na casa de Maria, a porta da fábrica. Mudanças puramente técnicas? Não.
Guarnieri escreve seu texto nos anos 50 com o intuito de retratar uma família de classe baixa, sem que, no entanto, a conhecesse de perto, visto que essa não era a origem do dramaturgo. Para preparar o filme, Guarnieri e Hirszman realizaram um estudo antropológico nos movimentos sindicais - o que renderia para o diretor cinemanovista também "ABC da Greve". Temos aqui um conhecimento mais amplo daquilo que se deseja retratar e isso se reflete no espaço cênico, desta vez, também, mais amplo.
O próprio Guarnieri, no papel de Otávio, afirma: "Os tempos são outros!". O autor interpretou Tião no Teatro de Arena e volta agora interpretando Otávio. Não foi só o ator quem amadureceu - o personagem Otávio também. Se, no livro, temos um furor revolucionário quase inocente, no filme vemos um Otávio mais ponderado, experiente na luta sindical, preocupado em dialogar e descrente de ações irresponsáveis no movimento grevista, haja visto que já sofrera repressões policiais anteriores. É Otávio - mas também é Guarnieri - quem ganha tal consciência. Ator e personagem se confundem.
Nos anos 50, o Partido Comunista recém saíra da ilegalidade, após a morte de Vargas, e vive-se ascendência econômica dos anos JK e um movimento operário recém-formado e ainda com grande promessa de futuro. Em 1981, observa-se o movimento sindicalista em São Paulo (a peça, que se passava no Rio de Janeiro, foi realocada para São Paulo no filme), mas com uma esquerda já fragmentada, enfrentando fortíssima repressão policial.
A greve falha em cheio no filme, diferente do que acontece na peça.
Além de Otávio, outros personagens são reconstruídos.
Maria tem agora consciência política, consciência de gênero, e abandona Tião por motivos tão políticos quanto os de Otávio - diferente da peça, em que o que dividia o casal era apenas um apego de Maria com seu morro, seu povo. Tião, assistindo aos seus serem espancados e presos, se esconde na fábrica. É ele quem rompe com o ideal de família (no caso da peça, era Otávio quem rompia com o filho, num excelente diálogo no terceiro ato).
É bastante interessante observar tais aspectos a fim de se afirmar que "Eles não usam black tie" não se trata de um "Vale a pena ver de novo", mero repeteco do sucesso de bilheteria que salvou o Arena da bancarrota. E, sim de uma releitura bastante engajada com seu tempo, assim como o fora em 1958, e tal proposta de temporalidade não poderia se perder.
Garota, Interrompida
4.1 1,9K Assista AgoraAngelina Jolie esplêndida!
O Orfanato
3.7 1,3KO Seu Barriga faz esse filme. risos
O Diabo a Quatro
3.1 28 Assista AgoraMuito carregado.
A Escolha de Sofia
4.0 514 Assista AgoraSó pelas expressões da Meryl Streep dá pra perceber claramente a noção de tempo neste filme. Impressionante!
Louca Obsessão
4.1 1,3K Assista AgoraAlguém aqui também teve a impressão de que, a cada mudança de humor, a Katy Bathes perdia-se completamente do personagem?
Minha Bela Dama
4.0 358 Assista AgoraAudrey Hepburn está impecável neste filme.
Cabra Marcado Para Morrer
4.5 253 Assista AgoraDe chorar.