A bem verdade, por pura e mórbida curiosidade, eu já conhecia basicamente todas as histórias por trás dos bastidores de cada um dos filmes, então até mesmo a pegada de desmitificação que propõe em torno das histórias que circulam em torno dessas produções desde antes da internet não foi novidade para mim. As questões de como os envolvidos e até o público, numa noção de inconsciente coletivo, lidavam com elas (eu mesmo, que cresci vendo esses filmes sem dissociá-los do folclore ao redor deles) me interessaram mais. Os episódios curtos, apesar de não irem tão a fundo, trazem um dinamismo bom, dá pra ver tranquilo numa sentada. Tem pano pra manga para uma segunda temporada.
Shakespeare na TV. Não consigo lembrar de outra série recente que tenha me surpreendido mais que essa tragicomédia que evoca elementos de Hamlet a Rei Lear, sem, contudo, ostentar qualquer austeridade teatral. Muito pelo contrário, Succession parece jamais se levar completamente a sério, sempre desarmando as dinâmicas posudas com movimentos de câmera e comentários espirituosos (em alguns momentos, quase assumindo uma estética de mockumentary), que meio que revelam a palhaçada que é aquele mundo almejado dos ricos, e o quão ridículo e ao mesmo tempo envolvente é ver aquela gama de personagens detestáveis digladiarem entre si para garantirem um pedaço maior do todo. O que mais me fascina é como, nessa dinâmica, mesmo sendo, a rigor, um drama familiar, jamais se rende à catarse emocional fácil, sempre trocando o caloroso abraço fraterno por uma bela de uma facada nas costas. Mal posso esperar pela terceira temporada!
A busca pelo sagrado, tema que atravessa toda a concepção da série, chega ao surpreendente desenlace com a constatação do divino justo no que há de mais mundano: o amor pelo outro. The Leftovers, em seu desfecho, que pode ser erroneamente compreendido como anticlimático, busca resposta para o silêncio de Deus na relação possível de ser estabelecida com o próximo, nos laços que permaneceram, nos afetos que não se foram, porque, afinal, desde o início, nunca foi sobre aqueles que partiram, mas, sim, sobre os que ficaram. E é lindo como a ideia derradeira de que a vida continua não carrega de modo algum a retórica moralista, mas, sim, um sincero voto de esperança para personagens que, durante anos, tentaram em vão reascender das cinzas de uma tragédia, e, enfim, uma pequena faísca faz-se notar no fim do caminho. Tenho certeza de que essa série, cujo patamar se eleva e muito com essa temporada, será redescoberta e melhor apreciada com o tempo.
Reese Witherspoon parece ter encontrado nesse filão de thrillers domésticos que anda produzindo um nicho bastante interessante para explorar seu talento já há muito desvalorizado no cinema, capaz de dar nuances a personagens de concepção tão semelhante, como essa e a de Big Little Lies (que, por extensão, parecem a versão adulta da ótima protagonista dela em Eleição). Afora isso, uma trama que se não surpreendente, ao menos é sempre interessante, embora eu tenha lá minhas ressalvas quanto à abordagem didatizada das questões de raça, classe e gênero que atravessam os embates da série, assim como a estranha ambientação noventista que, à luz das discussões propostas aqui, parece surgir sem maiores propósitos narrativos senão pura perfumaria. Kerry Washington, particularmente, tá num overacting total.
Tinha resolvido, lá pela sétima temporada dar uma parada com Modern Family, uma série que outrora fora uma das minhas queridas, e foi muito por acaso que resolvi finalizar tudo há pouco dias. O que dá para constatar a respeito não só dessa, mas das últimas seasons, é que a série passou do ponto, esgarçou, e se manteve até essa décima primeira temporada dependendo unicamente do apego do público com os personagens. Decisões questionáveis quanto ao destino de alguns, como a Haley, e uma dinâmica de arcos que não se resolviam de forma harmoniosa como no começo (eu diria, talvez, que foi a partir da sexta que tudo passou a degringolar realmente), deixavam meio óbvio que não havia mais leite para tirar da pedra. Mas pelo que construiu, a despeito desses deslizes, é difícil não se despedir dos Pritchett como se estivéssemos nos despedindo de parentes queridos. Mesmo que em algum momento da jornada, eu já não visse mais tanta graça em acompanhar as trapalhadas daquela família, ou mesmo tenha perdido interesse por alguns personagens (como as crianças), os momentos mais marcantes, de uma série outrora sensacional, ficam como um porta-retrato na memória.
Que incrível descoberta para mim foi a Phoebe Waller-Bridge com essa sua série de desventuras afetivas cujo equilíbrio entre drama e comédia não se costuma ver fácil em cinema ou em televisão; o que já era de uma organicidade muito gostosa na primeira temporada, que balanceava dramas pungentes da vida da moça com umas sacadas muito espertas, é elevado nessa segunda, quando já estabelecemos laços de ternura com a protagonista e os que a rodeiam, e, agora sim, partimos de uma cumplicidade legitimada, que redimensiona a personagem e torna ainda mais estimulantes as possibilidades que surgem para sua vida. Haveria ainda muito pra elogiar, mas vou finalizar confessando que não consigo pensar em muitos casais recentes que eu tenha torcido tanto quanto esse, ou de um episódio de série atual que me fez vibrar como aquele do jantar; é isso.
O episódio da entrega do Oscar é um dos pontos mais altos de toda a carreira de Ryan Murphy enquanto diretor e roteirista, e meio que sumariza o que essa série propõe ao escolher a disputa histórica entre essas duas mulheres: a desconstrução do fetiche pelo escândalo. O que ele faz é partir de um evento do qual os espectadores, em grande parte, já conheciam o resultado, para explorar a tragédia desse momento-chave na rivalidade de Bette e Joan, cujas ansiedades e receios são explorados ao ponto de descamar pontualmente suas imagens impenetráveis, o que dimensiona ainda mais as interpretações de Jessica Lange e Susan Sarandon, sem com isso ignorar o prazer meio mórbido do público de saborear a intriga, filmada como o grande clímax que foi.
Deve ser a coisa menos imaginativa que o Ryan Murphy fez para a TV nos últimos tempos, pelo menos – pior, é o tipo de projeto que tenta se justificar mais pelas boas intenções que o cercam, o que resulta num negócio, ao mesmo tempo, bastante pretensioso e ingênuo, bobinho de verdade. Em um compacto de sete episódios, tenta reparar não só um erro histórico, mas meio que abraça todas as dívidas para pagá-las com resoluções abruptas e saídas de roteiro bem pobrinhas; no fim, a despeito de alguns bons momentos e caracterizações, acaba sendo uma reescritura histórica que, sem o cinismo de um Era Uma Vez em... Hollywood, ou mesmo a contundência dramática de um Feud: Bette and Joan, do mesmo showrunner, não vai muito além de um rascunho mal esboçado.
Sem me alongar sobre personagens ou temporadas em específico, vou resumir algumas das ideias que vieram ao longo: o que mais me chamou atenção durante o que foi apresentado em Mad Men é como o sonho americano, esse conceito secular e francamente ilusório, apesar de eventualmente satirizado pela produção audiovisual dos EUA, em especial nos anos de revolução que decorrem pela década de 60, continua, como bom produto do capitalismo, sendo vendido com o mesmo faturamento, apenas a embalagem mudou. Anúncios dessa cultura do individualismo, pessoas divulgam imagens, perspectivas de vida, ideais, apesar de francamente corrompidos, porque não é, e nem nunca foi, sobre ‘ser’ realmente, mas conseguir convencer de que ‘é’. O desfecho, com um falso teor de reconciliação, sumariza essa noção cínica de que, enquanto consumidores desses ideais inatingíveis, essas pessoas sempre serão clientes em constante insatisfação – e esse, como aprendemos com alguns dos melhores publicitários de NY, é o melhor sentimento para continuarem comprando, certo? Não apenas um dos grandes estudos de personagem em séries de TV, mas uma das mais geniais observações sobre o ethos americano da época.
Trabalho documental de proporções homéricas, gigantescas mesmo, não exatamente pela duração, mas pelo escopo abrangido com a pilha de evidências, depoimentos e pontos de vista que, em pouco menos de oito horas, se encadeiam e se confrontam para dar conta de uma história que ultrapassa em muito a tragédia de um homem só, em seu escandaloso processo de ascensão e declínio, e se faz um registro impressionante da falência moral de uma nação ainda partida ao meio.
Perde a unidade dramática que, aos trancos e barrancos, conseguia manter na primeira. É uma temporada, a princípio, disposta a explorar novos entrechos e dinâmicas, mas abre e fecha (isso quando fecha) esses arcos, no geral, em um mesmo episódio, numa estrutura quase procedural, apressada e um tanto desleixada, que delega difíceis resoluções a momentos rápidos e ‘hora do abraço’, do tipo sitcom. O todo desse ano talvez merecesse até uma nota menor, mas o que faz Pose manter certo interesse, é o carinho com que trata seus personagens - em momentos pontuais, mas sempre generosos -, cuja boa companhia faz valer uma nova chance para o próximo ano.
Temporada ainda melhor que a primeira, por lidar com as implicações sociais e pessoais da caça de mentes perigosas de uma forma até mais contundente do que as interações mais intimistas da anterior, quando as teorias ainda ganhavam a solidez necessária para persuadir os mais leigos. Nesse novo ano, Mindhunter se aproxima mais de Zodíaco, quando passa a borrar a linha já tênue entre objetivos pessoais e profissionais, a ponto do dever se confundir com obsessão, e vice-versa – e é incrível como, apesar de as teorias se mostrarem cada vez mais sólidas, certezas absolutas não são possíveis; em se tratando de algo imprevisível como a natureza humana, sempre haverá mais reticências que pontos finais.
O que mais gostei nessa temporada foi como ela conseguiu se desvencilhar da estrutura de thriller fragmentado que marcou a primeira e que, a meu ver, foi seu ponto mais fraco, e se deixou enroscar pelos dramas das personagens, criando conflitos meio novelescos, que, se nem sempre se resolvem tão bem (como a resolução da sequência do tribunal), estão sempre interessados nas dinâmicas das cinco mulheres e dos que habitam seu universo. Meryl Streep é destaque, mas cabe um parêntese especial, aqui, para Laura Dern, incrível, que faz da perua tresloucada uma personagem ainda mais profunda, que meio que sintetiza a natureza tragicômica da série.
Interessante ver como Chernobyl, apesar de seu tema, se recusa a ser somente uma série-catástrofe e se revela, desde o princípio, um libelo em defesa à verdade – aquela que não deixa de existir mesmo obscurecida por desinformação; está lá, à espera de ser trazida à luz, como assim fazem os protagonistas, e se impõe, no fim das contas. Por isso é tragicamente contemporânea e relevante, mesmo tendo passados pouco mais de três décadas, já que as repercussões do acontecido refletem não apenas sobre as engrenagens políticas da finada União Soviética, mas também de governos vigentes, que também se valem de factoides para manobrar a opinião pública.
Importante pela contundência da denúncia, que pede uma reavaliação dos poderes sociais que determinaram tragicamente a vida dos cinco garotos, sem medo de apontar o dedo e questionar o senso de justiça (ou seria ódio?) que norteou o andamento do caso, mas ao mesmo tempo toma excessivas licenças poéticas (o último episódio é o que deixa isso mais claro), pesa a mão no melodrama (a trilha insistente, o close nos rostos chorosos, as digressões visuais...) em situações que, por si só, já são suficientemente carregadas, e além de ser um tanto bagunçada, especialmente lá pela metade, no vai-e-vem de flashbacks. Esperava mais.
Incomoda um pouco certa redundância nas causas e efeitos nos dramas dos personagens, talvez pela estrutura em quebra-cabeças ou pela quantidade/duração dos episódios, mas gosto especialmente de como o terror se instaura em cima de medos reais de crescer e se perceber independente no mundo, com a Residência Hill simbolizando o ninho vazio, do qual as crias, a certa altura, partem a fim de baterem as asas por conta própria, e os fantasmas que lá habitam representarem não apenas traumas particulares, mas francamente atrasos nas vidas daquelas crianças que foram (e continuam) obrigadas a crescer e amadurecer, mesmo sem saber direito como. Boa surpresa.
Cursed Films (1ª Temporada)
3.8 30A bem verdade, por pura e mórbida curiosidade, eu já conhecia basicamente todas as histórias por trás dos bastidores de cada um dos filmes, então até mesmo a pegada de desmitificação que propõe em torno das histórias que circulam em torno dessas produções desde antes da internet não foi novidade para mim. As questões de como os envolvidos e até o público, numa noção de inconsciente coletivo, lidavam com elas (eu mesmo, que cresci vendo esses filmes sem dissociá-los do folclore ao redor deles) me interessaram mais. Os episódios curtos, apesar de não irem tão a fundo, trazem um dinamismo bom, dá pra ver tranquilo numa sentada. Tem pano pra manga para uma segunda temporada.
Succession (2ª Temporada)
4.5 228 Assista AgoraShakespeare na TV. Não consigo lembrar de outra série recente que tenha me surpreendido mais que essa tragicomédia que evoca elementos de Hamlet a Rei Lear, sem, contudo, ostentar qualquer austeridade teatral. Muito pelo contrário, Succession parece jamais se levar completamente a sério, sempre desarmando as dinâmicas posudas com movimentos de câmera e comentários espirituosos (em alguns momentos, quase assumindo uma estética de mockumentary), que meio que revelam a palhaçada que é aquele mundo almejado dos ricos, e o quão ridículo e ao mesmo tempo envolvente é ver aquela gama de personagens detestáveis digladiarem entre si para garantirem um pedaço maior do todo. O que mais me fascina é como, nessa dinâmica, mesmo sendo, a rigor, um drama familiar, jamais se rende à catarse emocional fácil, sempre trocando o caloroso abraço fraterno por uma bela de uma facada nas costas. Mal posso esperar pela terceira temporada!
The Leftovers (3ª Temporada)
4.5 427 Assista AgoraA busca pelo sagrado, tema que atravessa toda a concepção da série, chega ao surpreendente desenlace com a constatação do divino justo no que há de mais mundano: o amor pelo outro. The Leftovers, em seu desfecho, que pode ser erroneamente compreendido como anticlimático, busca resposta para o silêncio de Deus na relação possível de ser estabelecida com o próximo, nos laços que permaneceram, nos afetos que não se foram, porque, afinal, desde o início, nunca foi sobre aqueles que partiram, mas, sim, sobre os que ficaram. E é lindo como a ideia derradeira de que a vida continua não carrega de modo algum a retórica moralista, mas, sim, um sincero voto de esperança para personagens que, durante anos, tentaram em vão reascender das cinzas de uma tragédia, e, enfim, uma pequena faísca faz-se notar no fim do caminho. Tenho certeza de que essa série, cujo patamar se eleva e muito com essa temporada, será redescoberta e melhor apreciada com o tempo.
Pequenos Incêndios Por Toda Parte
4.3 527 Assista AgoraReese Witherspoon parece ter encontrado nesse filão de thrillers domésticos que anda produzindo um nicho bastante interessante para explorar seu talento já há muito desvalorizado no cinema, capaz de dar nuances a personagens de concepção tão semelhante, como essa e a de Big Little Lies (que, por extensão, parecem a versão adulta da ótima protagonista dela em Eleição). Afora isso, uma trama que se não surpreendente, ao menos é sempre interessante, embora eu tenha lá minhas ressalvas quanto à abordagem didatizada das questões de raça, classe e gênero que atravessam os embates da série, assim como a estranha ambientação noventista que, à luz das discussões propostas aqui, parece surgir sem maiores propósitos narrativos senão pura perfumaria. Kerry Washington, particularmente, tá num overacting total.
Família Moderna (11ª Temporada)
4.3 209 Assista AgoraTinha resolvido, lá pela sétima temporada dar uma parada com Modern Family, uma série que outrora fora uma das minhas queridas, e foi muito por acaso que resolvi finalizar tudo há pouco dias. O que dá para constatar a respeito não só dessa, mas das últimas seasons, é que a série passou do ponto, esgarçou, e se manteve até essa décima primeira temporada dependendo unicamente do apego do público com os personagens. Decisões questionáveis quanto ao destino de alguns, como a Haley, e uma dinâmica de arcos que não se resolviam de forma harmoniosa como no começo (eu diria, talvez, que foi a partir da sexta que tudo passou a degringolar realmente), deixavam meio óbvio que não havia mais leite para tirar da pedra. Mas pelo que construiu, a despeito desses deslizes, é difícil não se despedir dos Pritchett como se estivéssemos nos despedindo de parentes queridos. Mesmo que em algum momento da jornada, eu já não visse mais tanta graça em acompanhar as trapalhadas daquela família, ou mesmo tenha perdido interesse por alguns personagens (como as crianças), os momentos mais marcantes, de uma série outrora sensacional, ficam como um porta-retrato na memória.
Fleabag (2ª Temporada)
4.7 889 Assista AgoraQue incrível descoberta para mim foi a Phoebe Waller-Bridge com essa sua série de desventuras afetivas cujo equilíbrio entre drama e comédia não se costuma ver fácil em cinema ou em televisão; o que já era de uma organicidade muito gostosa na primeira temporada, que balanceava dramas pungentes da vida da moça com umas sacadas muito espertas, é elevado nessa segunda, quando já estabelecemos laços de ternura com a protagonista e os que a rodeiam, e, agora sim, partimos de uma cumplicidade legitimada, que redimensiona a personagem e torna ainda mais estimulantes as possibilidades que surgem para sua vida. Haveria ainda muito pra elogiar, mas vou finalizar confessando que não consigo pensar em muitos casais recentes que eu tenha torcido tanto quanto esse, ou de um episódio de série atual que me fez vibrar como aquele do jantar; é isso.
Feud: Bette and Joan (1ª Temporada)
4.6 284 Assista AgoraO episódio da entrega do Oscar é um dos pontos mais altos de toda a carreira de Ryan Murphy enquanto diretor e roteirista, e meio que sumariza o que essa série propõe ao escolher a disputa histórica entre essas duas mulheres: a desconstrução do fetiche pelo escândalo. O que ele faz é partir de um evento do qual os espectadores, em grande parte, já conheciam o resultado, para explorar a tragédia desse momento-chave na rivalidade de Bette e Joan, cujas ansiedades e receios são explorados ao ponto de descamar pontualmente suas imagens impenetráveis, o que dimensiona ainda mais as interpretações de Jessica Lange e Susan Sarandon, sem com isso ignorar o prazer meio mórbido do público de saborear a intriga, filmada como o grande clímax que foi.
Hollywood
4.1 331 Assista AgoraDeve ser a coisa menos imaginativa que o Ryan Murphy fez para a TV nos últimos tempos, pelo menos – pior, é o tipo de projeto que tenta se justificar mais pelas boas intenções que o cercam, o que resulta num negócio, ao mesmo tempo, bastante pretensioso e ingênuo, bobinho de verdade. Em um compacto de sete episódios, tenta reparar não só um erro histórico, mas meio que abraça todas as dívidas para pagá-las com resoluções abruptas e saídas de roteiro bem pobrinhas; no fim, a despeito de alguns bons momentos e caracterizações, acaba sendo uma reescritura histórica que, sem o cinismo de um Era Uma Vez em... Hollywood, ou mesmo a contundência dramática de um Feud: Bette and Joan, do mesmo showrunner, não vai muito além de um rascunho mal esboçado.
Mad Men (7ª Temporada)
4.6 387 Assista AgoraSem me alongar sobre personagens ou temporadas em específico, vou resumir algumas das ideias que vieram ao longo: o que mais me chamou atenção durante o que foi apresentado em Mad Men é como o sonho americano, esse conceito secular e francamente ilusório, apesar de eventualmente satirizado pela produção audiovisual dos EUA, em especial nos anos de revolução que decorrem pela década de 60, continua, como bom produto do capitalismo, sendo vendido com o mesmo faturamento, apenas a embalagem mudou. Anúncios dessa cultura do individualismo, pessoas divulgam imagens, perspectivas de vida, ideais, apesar de francamente corrompidos, porque não é, e nem nunca foi, sobre ‘ser’ realmente, mas conseguir convencer de que ‘é’. O desfecho, com um falso teor de reconciliação, sumariza essa noção cínica de que, enquanto consumidores desses ideais inatingíveis, essas pessoas sempre serão clientes em constante insatisfação – e esse, como aprendemos com alguns dos melhores publicitários de NY, é o melhor sentimento para continuarem comprando, certo? Não apenas um dos grandes estudos de personagem em séries de TV, mas uma das mais geniais observações sobre o ethos americano da época.
O.J.: Made in America
4.7 122Trabalho documental de proporções homéricas, gigantescas mesmo, não exatamente pela duração, mas pelo escopo abrangido com a pilha de evidências, depoimentos e pontos de vista que, em pouco menos de oito horas, se encadeiam e se confrontam para dar conta de uma história que ultrapassa em muito a tragédia de um homem só, em seu escandaloso processo de ascensão e declínio, e se faz um registro impressionante da falência moral de uma nação ainda partida ao meio.
Pose (2ª Temporada)
4.5 264 Assista AgoraPerde a unidade dramática que, aos trancos e barrancos, conseguia manter na primeira. É uma temporada, a princípio, disposta a explorar novos entrechos e dinâmicas, mas abre e fecha (isso quando fecha) esses arcos, no geral, em um mesmo episódio, numa estrutura quase procedural, apressada e um tanto desleixada, que delega difíceis resoluções a momentos rápidos e ‘hora do abraço’, do tipo sitcom. O todo desse ano talvez merecesse até uma nota menor, mas o que faz Pose manter certo interesse, é o carinho com que trata seus personagens - em momentos pontuais, mas sempre generosos -, cuja boa companhia faz valer uma nova chance para o próximo ano.
Mindhunter (2ª Temporada)
4.3 414 Assista AgoraTemporada ainda melhor que a primeira, por lidar com as implicações sociais e pessoais da caça de mentes perigosas de uma forma até mais contundente do que as interações mais intimistas da anterior, quando as teorias ainda ganhavam a solidez necessária para persuadir os mais leigos. Nesse novo ano, Mindhunter se aproxima mais de Zodíaco, quando passa a borrar a linha já tênue entre objetivos pessoais e profissionais, a ponto do dever se confundir com obsessão, e vice-versa – e é incrível como, apesar de as teorias se mostrarem cada vez mais sólidas, certezas absolutas não são possíveis; em se tratando de algo imprevisível como a natureza humana, sempre haverá mais reticências que pontos finais.
Big Little Lies (2ª Temporada)
4.2 480O que mais gostei nessa temporada foi como ela conseguiu se desvencilhar da estrutura de thriller fragmentado que marcou a primeira e que, a meu ver, foi seu ponto mais fraco, e se deixou enroscar pelos dramas das personagens, criando conflitos meio novelescos, que, se nem sempre se resolvem tão bem (como a resolução da sequência do tribunal), estão sempre interessados nas dinâmicas das cinco mulheres e dos que habitam seu universo. Meryl Streep é destaque, mas cabe um parêntese especial, aqui, para Laura Dern, incrível, que faz da perua tresloucada uma personagem ainda mais profunda, que meio que sintetiza a natureza tragicômica da série.
Chernobyl
4.7 1,4K Assista AgoraInteressante ver como Chernobyl, apesar de seu tema, se recusa a ser somente uma série-catástrofe e se revela, desde o princípio, um libelo em defesa à verdade – aquela que não deixa de existir mesmo obscurecida por desinformação; está lá, à espera de ser trazida à luz, como assim fazem os protagonistas, e se impõe, no fim das contas. Por isso é tragicamente contemporânea e relevante, mesmo tendo passados pouco mais de três décadas, já que as repercussões do acontecido refletem não apenas sobre as engrenagens políticas da finada União Soviética, mas também de governos vigentes, que também se valem de factoides para manobrar a opinião pública.
Olhos que Condenam
4.7 680 Assista AgoraImportante pela contundência da denúncia, que pede uma reavaliação dos poderes sociais que determinaram tragicamente a vida dos cinco garotos, sem medo de apontar o dedo e questionar o senso de justiça (ou seria ódio?) que norteou o andamento do caso, mas ao mesmo tempo toma excessivas licenças poéticas (o último episódio é o que deixa isso mais claro), pesa a mão no melodrama (a trilha insistente, o close nos rostos chorosos, as digressões visuais...) em situações que, por si só, já são suficientemente carregadas, e além de ser um tanto bagunçada, especialmente lá pela metade, no vai-e-vem de flashbacks. Esperava mais.
A Maldição da Residência Hill
4.4 1,4K Assista AgoraIncomoda um pouco certa redundância nas causas e efeitos nos dramas dos personagens, talvez pela estrutura em quebra-cabeças ou pela quantidade/duração dos episódios, mas gosto especialmente de como o terror se instaura em cima de medos reais de crescer e se perceber independente no mundo, com a Residência Hill simbolizando o ninho vazio, do qual as crias, a certa altura, partem a fim de baterem as asas por conta própria, e os fantasmas que lá habitam representarem não apenas traumas particulares, mas francamente atrasos nas vidas daquelas crianças que foram (e continuam) obrigadas a crescer e amadurecer, mesmo sem saber direito como. Boa surpresa.