Série The Bridge e o enigma da cidade de Juarez: “corpo de mulher, perigo de morte”
No meio de tantas séries que me apego está The Bridge, do canal FX. A estréia foi ano passado e a segunda temporada iniciou no dia 09 de julho. Pelo que vejo ainda não é muito conhecida, embora seja uma das melhores séries policiais que já vi. Além do roteiro bem elaborado, abordando temas como tráfico e violência, migração e corrupção, tem ótimas atuações, principalmente as dos protagonistas Demián Bichir e Diane Kruger, que interpreta uma detetive portadora da síndrome de Asperger (só isso já é fantástico - representatividade para as mulheres Aspie).
A história começa com o corpo mutilado de uma mulher sendo encontrado na ponte que faz fronteira entre os EUA e o México. Até aqui nada inusitado, mas ao continuar assistindo percebi que a intenção seria falar sobre um assunto que até hoje é praticamente ignorado (afinal, para que um problema deixe de existir basta que não falemos dele, certo? Não.) pelos meios de comunicação: a desconcertante realidade das mulheres da cidade de Juarez, no México.
Foram 1.441 mulheres assassinadas entre 1993 e 2013 e 1.818 mulheres desaparecidas entre 2008 e 2013. Em Juarez, quando uma mulher entra no ônibus para ir até a fábrica onde trabalha, as chances de que ela desapareça, seja brutalmente violentada, torturada e assassinada no caminho são enormes. E o pior: não há qualquer esforço por parte das autoridades no sentido de encontrar os culpados e de oferecer qualquer tipo de proteção a essas mulheres. Não raro reproduzem a desculpa esfarrapada de que as próprias vítimas são culpadas por andarem sozinhas a noite, ou seja, a atuação dos policiais é tão eficaz quanto o silêncio deles.
É claro que um programa de TV não vai mudar essa realidade, não oferece nenhuma proposta efetiva de mudança, mas cumpre o papel de sensibilizar o público e de dar visibilidade a algo que é geralmente ignorado. Algumas cenas/episódios foram cruciais para que a série me conquistasse:
Num deles uma mexicana ajuda uma adolescente “gringa” a escapar e as duas vão a um lugar onde várias cruzes simbolizam mulheres desaparecidas, sendo que a irmã da mexicana é uma delas, porque nunca mais foi vista após um dia de trabalho numa das indústrias ao redor da cidade. O conselho é que a odolescente norte-americana volte pra casa e nunca mais cruze a fronteira até Juarez se não quiser ter o nome gravado em uma daquelas cruzes.
Em outro episódio é exibido um muro com centenas de cartazes e fotografias de moças desaparecidas enquanto uma senhora acende tristemente uma vela para uma delas e diz conhecer um lugar onde é possível procurar por elas. A cena é interrompida e só no final descobrimos que a senhora se referia a um lugar no meio do deserto onde várias pessoas “futucam” uma terra seca na esperança de encontrar os corpos de suas filhas, irmãs, netas. Parece exdrúxulo e poderia ser apenas ficção, mas faz parte do cotidiano daquelas pessoas desesperadas em busca de respostas, ainda que seja a pior delas.
Várias inquietações surgem ao longo dos episódios, mas a principal é: Quantas mulheres terão que desaparecer em Juarez até que o governo não só do México, mas dos EUA (que, como a série bem faz questão de mostrar, é também afetado pelo problema e cúmplice dele) e toda a comunidade internacional parem de fingir que os crimes são um desdobramento normal da onda de violência na cidade? Por quanto tempo mais teremos receio de pronunciar a palavra feminicídio e finalmente vamos admitir que essas atrocidades estão sendo cometidas por homens em razão do ódio às mulheres, da tentativa de colonizar, dominar e de ter poder sobre nossos corpos?
Parafraseando Chomsky em um texto sobre a barbárie em Gaza, tudo isso vai continuar, enquanto for apoiado pelas indústrias estrangeiras, pelo pequeno número de grandes proprietários exploradores da mão-de-obra barata local e tolerado pelas autoridades ineficientes e corruptas – para nossa vergonha infinita.
The Bridge (1ª Temporada)
3.8 44Série The Bridge e o enigma da cidade de Juarez: “corpo de mulher, perigo de morte”
No meio de tantas séries que me apego está The Bridge, do canal FX. A estréia foi ano passado e a segunda temporada iniciou no dia 09 de julho. Pelo que vejo ainda não é muito conhecida, embora seja uma das melhores séries policiais que já vi. Além do roteiro bem elaborado, abordando temas como tráfico e violência, migração e corrupção, tem ótimas atuações, principalmente as dos protagonistas Demián Bichir e Diane Kruger, que interpreta uma detetive portadora da síndrome de Asperger (só isso já é fantástico - representatividade para as mulheres Aspie).
A história começa com o corpo mutilado de uma mulher sendo encontrado na ponte que faz fronteira entre os EUA e o México. Até aqui nada inusitado, mas ao continuar assistindo percebi que a intenção seria falar sobre um assunto que até hoje é praticamente ignorado (afinal, para que um problema deixe de existir basta que não falemos dele, certo? Não.) pelos meios de comunicação: a desconcertante realidade das mulheres da cidade de Juarez, no México.
Foram 1.441 mulheres assassinadas entre 1993 e 2013 e 1.818 mulheres desaparecidas entre 2008 e 2013. Em Juarez, quando uma mulher entra no ônibus para ir até a fábrica onde trabalha, as chances de que ela desapareça, seja brutalmente violentada, torturada e assassinada no caminho são enormes. E o pior: não há qualquer esforço por parte das autoridades no sentido de encontrar os culpados e de oferecer qualquer tipo de proteção a essas mulheres. Não raro reproduzem a desculpa esfarrapada de que as próprias vítimas são culpadas por andarem sozinhas a noite, ou seja, a atuação dos policiais é tão eficaz quanto o silêncio deles.
É claro que um programa de TV não vai mudar essa realidade, não oferece nenhuma proposta efetiva de mudança, mas cumpre o papel de sensibilizar o público e de dar visibilidade a algo que é geralmente ignorado. Algumas cenas/episódios foram cruciais para que a série me conquistasse:
Num deles uma mexicana ajuda uma adolescente “gringa” a escapar e as duas vão a um lugar onde várias cruzes simbolizam mulheres desaparecidas, sendo que a irmã da mexicana é uma delas, porque nunca mais foi vista após um dia de trabalho numa das indústrias ao redor da cidade. O conselho é que a odolescente norte-americana volte pra casa e nunca mais cruze a fronteira até Juarez se não quiser ter o nome gravado em uma daquelas cruzes.
Em outro episódio é exibido um muro com centenas de cartazes e fotografias de moças desaparecidas enquanto uma senhora acende tristemente uma vela para uma delas e diz conhecer um lugar onde é possível procurar por elas. A cena é interrompida e só no final descobrimos que a senhora se referia a um lugar no meio do deserto onde várias pessoas “futucam” uma terra seca na esperança de encontrar os corpos de suas filhas, irmãs, netas. Parece exdrúxulo e poderia ser apenas ficção, mas faz parte do cotidiano daquelas pessoas desesperadas em busca de respostas, ainda que seja a pior delas.
Várias inquietações surgem ao longo dos episódios, mas a principal é: Quantas mulheres terão que desaparecer em Juarez até que o governo não só do México, mas dos EUA (que, como a série bem faz questão de mostrar, é também afetado pelo problema e cúmplice dele) e toda a comunidade internacional parem de fingir que os crimes são um desdobramento normal da onda de violência na cidade? Por quanto tempo mais teremos receio de pronunciar a palavra feminicídio e finalmente vamos admitir que essas atrocidades estão sendo cometidas por homens em razão do ódio às mulheres, da tentativa de colonizar, dominar e de ter poder sobre nossos corpos?
Parafraseando Chomsky em um texto sobre a barbárie em Gaza, tudo isso vai continuar, enquanto for apoiado pelas indústrias estrangeiras, pelo pequeno número de grandes proprietários exploradores da mão-de-obra barata local e tolerado pelas autoridades ineficientes e corruptas – para nossa vergonha infinita.
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Fargo (1ª Temporada)
4.5 511 Assista AgoraAlguém conseguiu a legenda em inglês?
Falsas Aparências
4.3 190Eu assisti a 2ª parte antes da 1ª( tirou a surpresa do fim). Mas é muito bom!