Assim como em "Soul"(2020), senti que a parte virtual foi sobrepujada pelo núcleo "terrestre", bem mais interessante nos dois filmes. Embora em ambos ocorra o esforço em interligá-las de maneira fluída, nunca conseguem equivaler o interesse entre as partes.
Mamoru Hosoda tem um estilo característico, evoca bem humor/drama, junto a seres cativantes -- pena que esse flerte com temas de início de carreira ("Digimon"?) tenham ficado "desencaixados".
O interessante aqui é como a maioria dos gestos parecem ter um caráter simbólico, não muito literais. O movimento aqui parece mais em busca de algo subjetivo dos personagens, do que da resolução concreta das coisas. Embalado em um humor espirituoso e com alguns momentos duvidosos (o que dizer daquele diálogo com o vizinho pedófilo? rs), "Me and You and Everyone We Know" possui linhas de diálogos memoráveis também, como o trecho do "Back and Fourth" e tudo o que isso gera, rs.
Ferrara dispõe das mais belas cinematografias para adentrar em um submundo desolado, com viciados de beco sedentos por sangue. Lili Taylor vive a jovem doutoranda que encara o vazio do sangue nas veias; a sobrevivência trôpega e o encarar do nada -- que só recebe alguma contraparte teórica nas aulas de filosofia. Símbolos católicos seguem à espreita -- com de praxe no diretor -- contrastando com a autoconsciência hostil dos niilistas.
Com trilha sonora de ninguém menos que Joe Hisaishi , "A Partida" (no título nacional) reflete de forma terna e edificante sobre o maior destino a qual estamos fadados.
A idéia de dividir em 2 filmes a história do palhaço me pareceu acertada. Se o anterior filme com Tim Curry ("It - Uma Obra-Prima do Medo", 1990) poderia soar demasiado longo (tanto que foi lançado como minissérie televisiva), separar o remake em partes poderia ajudar no desenvolvimento e inchar menos cada peça. Pena que: não foi bem o caso aqui, pois esse último episódio é alongado demais -- 169 min (!); como "set-pieces" separados, as sequências divertem. Porém, a soma das partes deixam um ar de inocuidade e superficialismo que embora visualmente interessantes, parecem pouco fazer no desenvolver do todo, evidenciando que o filme, em si, se trata mais de um "trem-fantasma", onde o horror é controlado e o perigo não-iminente; do que um medo que cresce natural ao psicologismo dos personagens ; a sensação de ausência de perigo real, nos distancia e despreocupa-nos quanto ao estado dos mesmos, ao ponto dos eventos ganharem ares de 'farsa', conferindo até riso ou desprendimento das situações. No meio desse alvoroço alongado, de espetáculo pirotécnico, do "maior e melhor" da lógica de sequências hollywoodianas, deixo crédito ao bom design do Palhaço Maligno de Bill Skarsgård, que possui boas mutações em seu visual, além de encenações que o privilegiam, somadas à boa performance do ator.
Assim como muitos do gênero Slasher, esse novo Chucky re- atualiza a franquia para os gostos atuais, desvinculando-se até mesmo de seu criador original, Don Mancini; com esse novo direcionamento, se reboota o "universo" com uma perspectiva mais distinta: anula-se o sobrenatural, em prol de uma trama mais "tecnológica", aos moldes das inquietações modernas de "Black Mirror". Isso certamente cria alvoroço entre os fãs mais puristas mas, ao menos em conceito se conecta bastante à Franquia -- e mesmo à atualidade como um todo: a tecnologia que nos aglutina assusta mais do que qualquer coisa hoje em dia. Pois, tendo em vista que mesmo a noção de "brinquedo" em muito também já se modificou (quando não se extinguiu por completo), natural a mira se tornar essa nova geração mais ligada a jogos virtuais e aplicativos de celular. Faz-se então a mescla do antigo "modo de brincar", aonde o vintage se mescla ao aparato modernoso dos smartphones; O duro é que onde mais deveriam acertar, acaba sendo onde mais se peca: o design do boneco Chucky está muito abaixo do carisma dos anteriores e, apesar de um Mark Hammil canastrão dublando, o boneco em seu geral fica aquém do que poderia ter sido. O Psicopata de Brinquedo fica abaixo de seu entorno, que tem a boa presença da olhuda Aubrey Plaza ("Parks and recreation"), assim como do também ótimo Brian Tyree Henry ("Atlanta"). A galhofa atinge alto grau no clímax, com direito a um "exército de bonecos/ursos de pelúcia" tocando o terror num mercado -- e o que era pra ser um mero produto com falha no sistema operacional, vira o tal psicopata que arquiteta essa bagunça de drones voadores assassinos, nos exigindo enorme suspensão de descrença, com direito a momento "bad ass" do então introvertido garoto Andy (Gabriel Bateman ), a salvar sua mãe/donzela em perigo. Chucky aqui é um protótipo com "distúrbios", sendo corroído pelas "más influências" dos arredores-- ao final, percebe-se que ele matou muito só por "amar demais" mesmo, rs.
Danny Boyle parece perdido. Sempre penso que quando um cineasta está sem muita perspectiva, acaba apelando para alguma fonte muito certeira de atração de público. E não existe nada mais óbvio que fazer algo sobre "Os Beatles (!) -- que já conta com quilos de obras derivadas mundo afora, sendo repetidas à exaustão ano após ano. Não estou querendo refutar aqui o legado inegável da banda britânica, mas que a cultura pop parece saturar os "garotos de liverpool", isso está mais que aparente. Seguindo uma premissa simplória, em um roteiro assinado por Richard Curtis ("Simplesmente Amor"), temos como protagonista "Jack Malik " (Himesh Patel), jovem de ambição musical que nunca emplacou nada de relevante,até que um evento estranho típico dos " E Se" da vida, tais quais fábulas como "Feitiço do tempo" (1993) -- mas bem longe do carisma deste -- vemos Malik acordar em um mundo sem a influência do quarteto , sendo esse o mote onde todas as piadas e situações serão construídas -- pena que de forma não muito criativa; "Yesterday" não faz jus à música que referencia no título: poucas gags inspiradas, participações que se estendem demais (Ed Sheeran, que tava disponível), um romance clichê pouco crível (doce Lilly James) e uma previsibilidade quanto ao “andar da carruagem” que cansa já na metade. Boyle parece estar chegando a um esgotamento: de grandes momentos de outrora ("Trainspotting") até boas surpresas não muito distantes ("Slumdog Milionaire"), o realizador até tentou resgatar uma nostalgia com seu "Trainspotting 2", e agora nesse último, "Yesterday", flerta com o descompromisso, com uma proposta tão leve que beira a irrelevância; ao contrário de Scorsese, que fez um excelente estudo da persona de George Harrison em "Living in Material World" (2011); ou mesmo Peter Jackson (beatlemaníaco confesso), que atualmente trabalha em doc com material inédito da feitura do álbum "Let it Be", trazendo ao menos detalhes "inéditos" envolvendo a banda; essa comédia de Boyle é uma ficção boba fadada ao esquecimento, que nem como simples entretenimento se sustenta. Sem muito a dizer ou acrescentar, "Yesterday" está destinada a ser mais uma daquelas 'homenagens' que Paul McCartney nem se dará ao trabalho de conferir, ou mesmo saber que existe (rs). E assim seguir, sem muitos tormentos.
Os planos de Ari Aster são de uma "Geometria metafísica", seus enquadramentos retilíneos, com seus personagens vigorosamente posicionados, sem falar no lento movimentar de câmera, tudo engendra para um clima de estranheza (e mesmo desconforto), algo oculto está acontecendo... ou ainda para acontecer. Assim como em seu anterior, "Hereditário" (2018), essa sua incursão no "Folk-horror" possui uma certa "frontalidade" ao registrar os momentos medonhos(basta lembrar da marcante cena da figura incendiária no longa de 2018), o fenômeno misterioso ocorre perante nossos olhos, puramente. E isso ocorre costumeiramente em diversas cenas desse seu recente longa; a premissa é simples: jovens decidem viajar até uma comunidade peculiar na Suécia, afins de pesquisas antropológicas; a jovem Dani(Florence Pugh) que vive um conturbado momento (inclusive retratado no belo prólogo do filme), decide ir junto após contratempos e, como não poderia deixar de ser, eventos estranhos começam a suceder; os costumes locais vão subindo do fascínio ao horror puro -- bem acompanhados da bela fotografia e impressionante trabalho de som (que mereceriam até prêmios, a meu ver)-- criando um clima ostensivo de fanatismo religioso que, obviamente, remonta ao clássico "The Wicker Man" (1973); vale ressaltar que não é um longa pra qualquer um: sua cadência lenta e gradativa, somada a longa duração e festival de bizarrices, podem entediar um público menos afoito a se deixar levar em símbolos, ou tramas sem resoluções muito "claras". Ao final, em meio ao "Solstício de Verão" do Festival da Vila Sueca, a luminosidade estranha dessa região a qual não se chega a escuridão, alguns são penalizados (pecadores?) e outros redimidos (purificada?), seria uma ilusão de cura, ou algo realmente efetivo em seus sentimentos? O excesso de luz nos perturba pela desorientação quanto ao fim do dia: o presente segue infinito, o término... inalcançável.
O que seria um 'coming of age' afinal? Imagino que sua definição esteja ligada ao processo de amadurecimento de um determinado personagem/grupo, em uma jornada ficcional, usualmente ambientada em ambientes escolares e domésticos, condizente à maioria das rotinas de crianças/adolescentes mundo afora. "Freaks & Geeks" não apenas engloba essa essência básica, como traz vigor e carisma, com o humor típico das obras de Paul Feig e Judd Apatow, sabendo dosar bem comédia com trechos mais intimistas, entrelaçando dilemas diversos do microcosmo desses personagens, alinhando tudo de forma bem costurada -- e claro, engraçada; Lindsay (Cardelini) e Sam (John Francis Daley) são os pilares principais, sendo a primeira o fio condutor central da jornada, a menina "recatada" que resolve expandir-se além da bolha, adentrando a zona dos "freaks" e encarando as próprias limitações e idiossincrasias; Sam, junto a Neal e Bill (Samm Levine,Martin Starr), mostram um setor mais jovem, as apreensões pré- adolescentes; parte da base do 'team Apatow' também se forma aqui (Rogen, Franco), em um seriado recheado de bons coadjuvantes-- vide os conselhos bem vindos do orientador Jeff Rosso (Dave Allen), nos legando grandes ensinamentos (rs). Pena que, infelizmente, a NBC cancelou a série devido a (suposta) pouca audiência, o que nos traz a dúvida do que poderia ter sido caso tivessem recebido aval para novas temporadas -- porém, a incerteza perante o destino dos 'geeks' (e 'freaks'), cria um verniz interessante: a partida de Lindsay (junto a Kim) para o show do Grateful Dead ao final, encerra bem como retrato daquele feeling de juventude (transviada), o idealismo -- que a própria era hippie impulsionava(a série se situa nos anos 80, da Era Reagan) e que se esvai nos adultos atuais (e de todas as épocas) mas que, de alguma maneira, permanece pulsando sub qualquer triste carcaça conformista que se vê por aí. Será mesmo?
O Brasil definiu seu pré-indicado ao próximo Oscar, "A Vida invisível de Eurídice Gusmão", que parece promissor e quem sabe renda a tão "esperada" estatueta dourada ao Brasil, pena que teremos como concorrência um grande exemplar do cinema sul-coreano na disputa, o vencedor da palma de ouro desse ano, Parasite (기생충) -- e que dificilmente sairá dessa nova cerimônia sem outro prêmio em mãos (o que também não me chatearia, rs); tendo como base o tema da discrepância entre classes, que inclusive foi o cerne de seu também ótimo "Snowpiercer" (2013), Bong Joon-Ho retrata uma família disfuncional desempregada, vivendo abaixo da sarjeta, com perspectiva de escalação social quase nula; até que o filho pobretão Ki-woo Kim (Choi Woo-shik) consegue um emprego numa família elitizada e, aos poucos, arma situações para conseguir contratar seus familiares no recinto -- isso sem os patrões saberem de seus vínculos familiares com os recém- contratados. Ancorado no humor e se expandindo em uma comédia de erros com reviravoltas impactantes, o longa nunca perde a afetuosidade apesar do grotesco que se pode atingir -- principalmente em seu final catártico, que nos reserva um belo (e melancólico) epílogo no momento seguinte. Vale ressaltar o efeito dominó surgido a partir da volta da ex-empregada Moon-kwang (Lee Jung Eun, ótima), demonstrando segredos no subsolo e a "sujeira debaixo do tapete" abaixo do nariz da família rica, ignorante com as classes precarizadas que os circundam-- o micro aqui, representa o macro da desigualdade sul-coreana como um todo; e a chuva que alaga a antiga morada da família protagonista é, justamente, a imagem representativa de um ambiente degradado, sem seguridade de vida, precarizada. Então, assim como os ricos "sugam" a vida dos de baixa-renda pra manter suas regalias e comodidade, aqui fica demonstrado o teor de "parasita" dos pobres também que, espertamente, tentam burlar o sistema para "se dar bem". Esse comportamento seria facilmente reprovável à primeira vista, mas vendo a situação sem perspectiva da família Kim, se entende que estão a 'parasitar' menos por malandragem, e mais por aquele instinto de sobrevivência básico, inerente a todos.
24/08/2019 "Bacurau" (Kleber Mendonça Filho & Juliano Dornelles, 2019)
Sou suspeito em falar, não só por ser de origem potiguar, mas também por ser um grande fã da obra de Kleber Mendonça Filho, este que veio da crítica cinematográfica -- que resultou no belo doc "Crítico" (2008)-- e que sempre desencadeou a maioria de suas tramas em fortes doses carpentianas com relevante subtexto político (O Som ao redor, Aquarius), e que agora produz esse longa em parceria com Juliano Dornelles (Mens Sana in Corpore Sano), seguindo suas obsessões temáticas (e de abordagem), e atingindo temperatura catártica (!): partindo de uma cidadela não localizada por satélites, Bacurau é uma pequena comunidade precária no sertão nordestino, de local e tipos humildes (o violeiro, o professor, a médica, a prostituta, etc), a morte parece onipresente no ambiente (o funeral inicial) e o governo os trata com devero descaso, bem demonstrado no caricatural Tony Jr (Thardelly Lima), quase um "ratinho Jr" do sertão; e esse clima de insegurança/descaso acabam por criar um vínculo forte entre os habitantes, que se unem contra uma conspiração, que começa divertidamente com aspecto 'UFO',e que aos poucos se demonstra uma questão mais fria e factual, personificada no vilão gringo de Udo Kier. Impossível não enxergar a trama como uma contundente alegoria da situação política do Brasil atual: na Geopolítica contemporânea. vemos a ofensiva do governo norte- americano em se apropriar de recursos (diga-se petróleo) na Venezuela, e se enxerga cada vez mais clara a influência norte- americana para o golpe contra Dilma, a prisão arbitrária do ex- presidente Lula e agora com a eleição do presidente mais entreguista da história de nossa república -- que estar a entregar nosso recém descoberto Pré- sal de mão beijada aos gringos. Além disso, voltando ao filme, enxerga-se conexões a um Brasil muito mais profundo, tanto na rima visual com as famosas cabeças dos cangaceiros abatidos (lampião e seu bando), e a motivação de resistência independente da cidade, que remete diretamente à Guerra de Canudos. Sendo assim, "Bacurau" e o por vir "Marighella" (2019), surgem como o fim de um ciclo para o Cinema Brasileiro, que segue constantemente atacado pelo (des)governo atual. A Obra acaba demonstrando como a Cultura é um dos cernes que empoderam pessoas a lutarem contra o retrocesso e a abolição de nossa soberania, e a favor de nossa identidade como país. E isso, meus caros, é mais que bem vindo nos tempos trevosos a qual vivemos.
As distopias tem o poder de (imediato) nos passar o 'zeitgeist' de uma época e, quando bem sucedidas, nos trazer a aflição dos personagens no âmago. Tendo passado um pouco a data apocalíptica (aqui 2014), ainda se vê o aquecimento global nos circular em tema, e a secular luta de classes ainda se mantêm como o mote essencial que direciona nossos conflitos, e essa base é o cerne desta obra de Bong Joon-Ho. Somos inseridos rapidamente ao último vagão desse "trem da história", onde está encapsulada em etapas cada classe, onde a maioria se limita a pouco espaço e regalias; enquanto a minoria, obviamente, detêm muitos privilégios. Sendo a locomotiva algo privada (Wilford), suas intenções com a comunidade são reduzidas à mera subsistência das mesmas, apenas interessados em fazê-los como peças de engrenagem, itens da máquina que giram, a continuar mantendo sua comodidade nesses trilhos sem rumo, circulares. O mecanismo de controle fascista da empresa perpassa não só os corpos, mas também as mentes, ludibriando até a possibilidade de esperança com o mundo gelado de fora - esses destratados aprisionados, homens desmemoriados, que em muitos momentos esqueceram até da civilidade, partiram para a animalidade, à selvageria... E que agora tentam subverter o controle opressivo, neutralizando a porta-voz Mason (Tilda Swinton), e invadindo todos os vagões do trem . Em meio a machadadas e esfaqueamentos,"pedaços de neve" acabam por virar as centelhas que instigam o Pensar de uma nova forma de sociedade, longe do modelo capitalista desregulado "Wilford" de Ed Harris -- este já havia tentado controlar o individuo com o 'american way of life' em "O Show de Truman" (1998), vale dizer. Ao final, "Snowpiercer" demonstra como certos gestos podem não resolver nossos problemas de imediato, mas podem seguir significativos a longo prazo, a "liberdade" caminha com descendentes, que avistam o futuro no avistar de um urso polar já adaptado a condições hostis. Poderemos nós?
15/08/2019 "Aliens: O Resgate" (James Cameron,1986)
Desmitificando de vez os preconceitos que se poderiam ter com a qualidade da sequência em relação ao predecessor, James Cameron joga isso por terra em um dos capítulos mais enérgicos (e memoráveis) da franquia do Xenomorfo. Partindo de onde o anterior "Alien: O 8° Passageiro"(1979) terminou, vemos Ellen Louise Ripley (Sigourney Weaver) acordar após 57 anos imersa na capsula de criogenia, sendo resgatada por seus antigos empregadores da "Weyland-Yutani Corporation" e, aos poucos, se transformar em Líder da condução da Tropa até lua LV-426 (onde certos problemas acontecem...) No local, encontram a criança "Newt"(Carrie Henn), que logo cria um vínculo com a protagonista Ripley, cujo "instinto materno" acaba por aflorar; Soma-se à ganância de Burke (Paul Reiser) em querer transformar os extraterrenos em "armas biológicas", armando contra Ripley/Newt em prol de seus interesses capitalistas-- essa mesquinhez surge quase como um 'rascunho temático' para a exploração humana em Pandora (Avatar, 2008). Ao final, o combate com a Rainha Alien que vem se vingar dos fuzileiros que lhe mataram o filhote; um embate entre mães a proteger suas "crias"; O conflito se transforma numa batalha autêntica entre espécies -- e é realmente eletrizante a construção da tensão, somada a imersiva direção de arte. E, diferente do antecessor, o foco deste está mais na ação; a criatura já foi gradativamente revelada no anterior, nesse teremos um confronto mais direto, numa genuína luta por sobrevivência no ensurdecedor vácuo espacial.
16/08/2019 "Era uma vez em... Hollywood" (Quentin Tarantino, 2019)
Quando fez "Bastardos Inglórios" (2009), Quentin Tarantino adentrou um momento histórico e divertidamente distorceu fatos e elementos. Como constrói seu Cinema como um universo diegético próprio, molda o ritmo e lógica interna de acordo com suas obsessões -- e não seria diferente nesse seu penúltimo (?) "Era uma Vez em... Hollywood" (2019). O autor sempre fez filmes sobre filmes, mas nesse aqui a situação fica mais evidente: uma Jornada autorreferencial que homenageia influências e comenta a indústria, a estagnação dos astros e a crise dos mesmos. Seria esse seu "8½" (1963)? Passeamos pela nostálgica Los Angeles de 1969, avistamos figuras famosas (McQueen, Bruce Lee, Manson...), vemos o cotidiano nos sets de filmagens, as frustrações dos astros. Porém, se trata aqui mais de captar um espírito da época, do que ser fidedigno a dados factuais, ou uma noção histórica arrojada dos eventos; para nos "guiar" nessa fantasia sobre um dos momentos mais frutíferos de Hollywood, temos o ator Rick Dalton (Dicaprio), o dublê Cliff Booth (Pitt) e a bela Sharon Tate (Robbie), trio epicentral do longa, onde os destinos se cruzam à la "Pulp Fiction" (1994), numa espiral de erros/acertos, com a catarse violenta típica do diretor (ao final), mas com uma afetuosidade diluída ao longo de toda a projeção (talvez inédita em sua carreira). Isso fica bem demonstrado na bela cena a qual Tate assiste "The Wrecking Crew" (1968), com seus pés empoeirados, observando as risadas da platéia - já entre as mais memoráveis de sua filmografia.
"Easy Riders" (1969) abriu a porteira para olhares mais rudimentares em Hollywood, a Contracultura adentrava por todas as arestas e a visão de autoria crescia. Paralelamente, Autores estrangeiros como Fellini, Antonioni e Bergman seguiam com força internacional, e consequentemente adentravam o cinema norte- americano. Pelo visto, Wes Craven apreciou o Diretor Sueco, e resolveu fazer sua própria versão de "A Fonte da Donzela"(1960) -- só que com claros requintes de crueldade. Sendo aqui a centelha de seu trabalho -- usualmente voltado ao gênero de horror mesmo--, é normal que tudo siga um pouco antiquado tecnicamente, com um roteiro simples que em muito lembraria o posterior (e pesado) "I Spit on Your Grave" (1978). Tudo segue como a um filme "amador" -- mas é o que parecia ser possível para um filme com um tema controverso desse, ao menos na época -- pois um terror atingir o mainstream com orçamento digno viria a partir de "O Exorcista" (1973). Mas esse tom 'documental', semi- amador, acaba por aumentar o ultraje terrível da violência, devido ao tom "realista" que a fita acaba trazendo pela (suposta) precariedade da produção.
Lembro do 'feeling' dos filmes de ação de 20/30 anos atrás: explosões incessantes, humor levemente embutido, um 'bad ass' com controle sobre tudo, um 'sidekick' (par romântico, se possível) que se reinventa na trajetória. O tal "cool guys don’t look at explosion" típico. Condensando tudo isso, James Cameron faz uma sátira leve de filmes de espionagem, reafirmando novamente a parceria com Arnold Schwarzenegger, e entregando sem dúvidas algo que cumpre o que propõe. É o longa mais "desconexo" de sua filmografia tematicamente, uma brincadeira de gênero; que usa a estrutura de thriller pra discutir problemas conjugais: Harry Tasker (Schwazza) é um agente do governo anti- terrorista, tem uma vida dupla à lá Beto Pêra (Os Incríveis) e tem que lidar com seu casamento "em crise", aonde a desconfiança de um adultério o leva a grandes consequências. As situações farsescas resultantes disso estão entre os melhores momentos do longa: tanto no interrogatório da recém capturada Helen Tasken, quanto na erótica (e atrapalhada) cena a qual Jamie Lee Curtis 'muy sensualmente' seduz um "cliente" de fetiches peculiares.
Quando o Desejo ultrapassa o limite do mundano; Carne sedenta, obsessão; Fascinante como somos inseridos: a textura da água ao som de "Tindersticks ", os 'amassos' noturnos, corpos misteriosos, troca de olhares, silêncio verbal. Claire Denis vai contextualizando a conta-gotas, e vamos entendendo o contexto a cada novo detalhe. Está tudo ali, só precisávamos de algumas peças pra deduzir (?). O gore aqui surge mais eficaz do que a de um filme "de gênero" típico: seguindo uma estética com um fluxo mais realista -- muito associado a dramas intimistas --, o horror surge muito mais forte dentro dessa lógica, dessa cadência "improvável". De alguma maneira, me lembrou "Rabid" (1977), o tom vampiresco sem os moldes clássicos, o mesmo primitivismo de Rose (Marilyn Chambers), o lado animalesco do sexo."Trouble Everyday" tem Delicadeza ao abordar uma Brutalidade Canibal cada vez menos latente em tela.
Seguindo a vertente do "Terror cósmico", esse Longa de Paul W. S. Anderson segue uma atmosfera que obviamente remete à franquia "ALIEN" (1979), num ritmo gradativo e claustrofóbico que vai se "horrorizando" a cada passo. Sam Neil e Laurence Fishburne conferem peso ao elenco, com uma direção de arte (até) bacana, com óbvias metáforas na estrutura cenográfica, basta reparar no formato "ocular" do corredor da "Event Horizon" -- e o senso de perigo é bem ilustrado com os ambientes pontiagudos no interior da Nave misteriosa. No centro da nave, um portal para um "Buraco- Negro", um elo para outro espaço-tempo, região fronteiriça à loucura/ inferno(?). Todos os personagens que orbitam tal local acabam por "delírios", e o filme em certos momentos nos faz duvidar de certos eventos que presenciamos. A loucura do desconhecido e personagens que se destituem de si mesmo, quase remetendo a "Invasores de corpos" (1978) e o próprio hospedeiro no supracitado "Alien"(1979). Ao final, "Event Horizon" nunca alcança a relevância da Franquia do 'Xenomorfo' , nem chega perto do estofo filosófico de um "Solaris" (1972), mas segue como um exemplar interessante nessa seara de filmes de horror espacial.
Como muitos, estava receoso e considerava "Toy Story 3"(2010) um exemplar fechamento de ciclo para a Franquia. A idéia de um novo longa, além de acentuar os desejos comerciais do Estúdio Disney, ainda foi seguida de uma problemática produção, com saída de roteiristas inicialmente contratados (Rashida Jones), até ao infame motivo de saída de John Lasseter (um dos idealizadores da própria Pixar). A conturbada produção fez com que o longa fosse adiado e que "Os Incríveis 2"(2018) se adiantasse no cronograma. Eis que estamos em 2019, vemos mais esse capítulo da série e, se o resultado não me é superior a qualquer um dos filmes anteriores, ao menos mantêm o espírito cativante da franquia: Engraçado, ágil, com cenas de ação sempre bem coreografadas, bons coadjuvantes e, nesse, um novo dilema pra Woody: que fica cada vez mais a pensar sobre sua "classe" e a natureza de seu ofício; com resoluções que até poderiam "alegorizar" a situação da própria Franquia "Toy Story" nos tempos de hoje.
Ps: 'Desalentadora' a falta dos sempre pontuais curtas que passavam antes dos filmes. Tomara que a lacuna nesse longa seja apenas exceção, hehe.
As Wachowski trazem de volta a sempre reciclada "Jornada do Herói", só que com uma protagonista feminina vivida por Mila Kunis. Pena que, ao contrário de "Matrix" (1999) das mesmas, que conseguiu fundir esse conceito narrativo a diversas camadas instigantes -- sem falar na estética inventiva-- esse "O Destino de Júpiter" fica aquém do que poderia ter sido: a proposta de uma "Space Opera" à lá "Star Wars" parece combinar com os anseios das Diretoras, porém o resultado soa insosso, muito abaixo do que se esperaria da dupla. Duro constatar, mas esse fica fácil no fim do ranking dos filmes das Irmãs. Pena.
Um filme agradável, porém mediano. Rami Malek tem bom desempenho mas fico imaginando como o Longa poderia ter sido mais 'corajoso', pensando mesmo na época em que Sacha Baron Cohen estava envolvido no projeto -- e que resolveu sair justamente por conta desse aspecto "lugar- comum" do filme. Ironicamente, as melhores cenas foram as reconstituições das performances (antológicas!) do Queen, sendo assim, é preferível assistir aos registros originais se for pra escolher, não?
"Poderia um trabalho institucionalizado ser visto como algo criminoso?" Seguir uma postura anti- governo em prol de princípios poderia realmente ser algo antiético?
São perguntas que esse último filme de Stone, "Snowden", tenta responder.
O biografado do título tem como principal mérito descortinar informações importantes dos programas de vigilância do governo dos Estados Unidos. Revelando isso, Snowden nos traz questionamentos sobre o limite de nossa própria privacidade -- e não só no que concerne a órgãos públicos como NASA e FBI, mas mesmo pessoas alheias, nós, civis. Se ao assistirmos Black Mirror já havíamos ficados atemorizados com as distopias (possíveis) de Charlie Brooker, nesse novo Stone embarcamos no começo de tais pesadelos. Vemos uma tentativa de encenação de eventos já concretos postos à prova, aonde reparamos que o "Grande Irmão" está mais desperto do que nunca. Engana-se quem ainda acredita que a vigilância se dá somente em regiões fechadas: com o mundo globalizado, a aldeia se tornou global e as pessoas, cada vez mais localizáveis-- basta ter um celular no bolso para ser devidamente rastreado.
Sempre deixamos rastros virtuais. Não adianta.
A criptografia se torna a língua moderna e ficamos cada vez mais vulneráveis aos Hackers e aos tais Sistemas de Vigilância Governamentais. Até mesmo o Brasil não passou ileso da espionagem do Tio Sam (4), além da própria presidente Dilma Rousseff, diversos ministros, diplomatas e assessores foram espionados pela Agência Nacional de Segurança (NSA) - e isso veio à tona graças ao "Wikileaks", em 2015.
"Mas eu não tenho nada a esconder, por que iriam me espionar?"
A pergunta típica entre os que ainda não 'captaram' a dimensão do problema. Não se trata só de o espionarem por "segurança nacional", mas a questão maior é a falta de transparência, a poeira de baixo do pano também. Sem falar a "irresponsabilidade" do uso por parte de funcionários (que certamente deve ocorrer) -- e que foi representado no próprio filme de Stone, exatamente no trecho a qual Snowden descobre a possibilidade infinita de vasculhar a vida alheia que tais sistemas possuíam.
"(...) todo o arco do filme passa por estabelecer um Snowden conservador (votante do Partido Republicano e apoiante de Bush e da intervenção armada) que com a tomada de consciência no seu trabalho nas agência de segurança (as centrais de inteligência) se converte em democrata liberal e libertário. Esse arco de consciência política é no fundo o sonho molhado de Stone: conseguir que o seu cinema mainstream tenha um poder de agitprop que consciencialize os reaccionários à causa da esquerda americana." (1)
Concordo com Ricardo Vieira Lisboa (à pala de walsh), quando diz que o Stone atual se foca mais no conteúdo do que na forma cinematográfica. Na realidade, em diversos filmes, o autor usa do cinema como instrumento para conscientização do espectador, frequentemente questionando o establishment e desafiando as percepções do cidadão comum acerca das altas esferas nas quais as decisões que nos impactam são tomadas – sejam estas econômicas (Wall Street e sua continuação), políticas (JFK, W., Nixon) ou mesmo midiáticas (Assassinos por Natureza). (2)
Apesar do formato não tão inspirado, "televisivo" (como apontou Lisboa), e um 'quê' de "panfletário" em sua essência, não o deslegitimo e acentuo sua qualidade e contundência. Em plena consciência da potência de difusão de idéias que o Cinema pode proporcionar, o cineasta usa-se de uma linguagem objetiva e eficaz, garantindo um embate intelectual tanto entre os já conhecedores do assunto quanto aos que acabaram de ter sido instigados com as idéias do longa. Sendo assim, concordo com Villaça quando atribui a expressão "Um dos mais importantes do ano" a tal filme.
Agora obstruam a webcam e evitem tags subversivas na internet. E se puderem, não pensem a respeito, pois poderia soar como... "Crime de pensamento". ------------------------- Fontes:
1) Ricardo Vieira Lisboa, crítica para "Snowden" no site "Á Pala de Walsh", 22 de setembro de 2016. 2) Pablo Villaça, crítica para "Snowden" em "Cinema em Cena", 12 de Novembro de 2016. 3) Artigo "Edward Snowden" em "Wikipedia". 4) Artigo "Estados Unidos espionaram assistente pessoal de Dilma e avião presidencial" no site "El Pais", em 5 de Julho de 2015. ----------------- 14/12/2016
Mulheres seguem trabalho exaustivo em uma empresa de lava- roupas, repleto de horas extras, chefiadas por um homem de moral duvidosa. Maud Watts (Carrie Mulligan) é uma das tais operárias. Jovem, a moça apenas preocupa-se em cuidar do filho e ser uma esposa obediente. Aos poucos, somos introduzidos junto com a protagonista ao movimento sufragista - movimento encabeçado por mulheres britânicas e americanas, que tinham como foco obter o direito aos votos também às mulheres (01). Maud começa relutante: manter a estabilidade do "status quo" ou se arriscar em ser retaliada por uma causa maior? É interessante como o filme consegue desenvolver de forma gradativa e natural a mudança de Maud: ao seu início "alienado" na fábrica, até seu auto-reconhecimento como feminista, e isso é um ponto deveras acertado, não só pela estrutura do filme mas pela boa performance de Mulligan. Seu envolvimento com as personagens de Bonham Carter e Streep (que aparece pouco em cena), a alavancam cada vez mais a seu doloroso dilema -- e o nó na garganta maior se dá ao confrontarmos a dor da personagem ao perder seu filho para o marido, que fica com a guarda da criança por conta da lei não favorável às mães.
"O nome da sua mãe é Maud Watts. Não se esqueça desse nome..."
Brasília. 2016. Nos últimos dias, manifestantes denominados como "vândalos" pela grande imprensa, invadiram e quebraram vidros de ministérios, além de tacar fogo em veículos de mídia favoráveis ao Golpe de 2016. Aproveitando o clima de comoção nacional após o acidente do time de Chapecoense, nossos desavergonhados políticos aprovaram a reacionária PEC 55, na surdina de uma terça- feira (02). Visto tamanho descaramento, era sugerível que fizéssemos uma petição online para impedi-los? Não creio. Talvez, nesse caso, seja sugerível trocar um pouco os argumentos e partir para as ações, de fato.
É da mesma maneira que depois de décadas de comportamento passivo, e argumentações sempre ignoradas -- longe de uma resolução realmente efetiva--, que as mulheres resolvem se comportar anarquicamente e lutar diretamente por seus direitos. A violência é sempre um mal-- embora pareça o gesto mais "expressivo" perante um público indiferente. "A violência atinge criminosos e inocentes", é dito pelo personagem de Brendan Gleeson para Maud, após a mesma explodir a fábrica e arriscar a vida de uma inocente. Mas a indiferença perante às injustiças também não é uma forma de violência? Uma violência invisível que atinge a muitos por conta de uma clara desigualdade de direitos (?).
Não há liberdade sem sacrifício.
E a julgar o triste ato envolvendo Emily W. Davison (a primeira mártir do movimento), percebe-se como tal símbolo horrendo foi o estopim para que o apelo dessas mulheres ganhassem visibilidade no resto do mundo.
"(...) o filme conecta de maneira sistêmica todos os conflitos femininos contra a opressão patriarcal – a opressão sexual está ligada à econômica, que está ligada ao moralismo da sociedade, que está ligado à maternidade, que está ligado à dependência econômica etc." (03)
A protagonista é oprimida pelo patrão, pelo governo e também em sua própria relação conjugal -- e aqui o filme dramatiza bem a herança machista que seu marido herdou. Percebe-se que o casal é harmônico e o personagem de Ben Whishaw a trata com afeto, só que existe disparidades cuja a ignorância dele perante às demandas das mulheres impedem de compreender a descoberta ideológica da esposa, o fazendo cometer atos cruéis com o aval da lei vigente. Os homens do filme são representados sempre com algum certo desequilíbrio moral (exceto talvez o marido de Bonham Carter no filme, embora o mesmo tenha tido um gesto minimamente duvidoso ao final). Talvez a única figura masculina realmente pura no longa seja o próprio filho de Maud, que deve representar a "esperança" pela integridade dos homens das gerações seguintes -- e o pequeno Adam Michael Dodd nos entrega uma surpreendente atuação em cena.
Ao final, constato que esse " As Sufragistas" cumpre o nobre papel de atiçar o desejo de luta das mulheres, que apesar dos avanços que foi obtido até então, ainda continuam a 'resolver' certos tabus com dificuldade -- só agora no Brasil foi aprovado aborto para até 3 meses de gestação, por exemplo (4) -- e ver essas histórias representadas, assim como olhares femininos cada vez mais diversos no cinema, nos traz o sentimento de que talvez um dia possamos construir um lugar aonde as vozes cantam no mesmo tom, seguindo à risca os ideais iluministas que as próprias sufragistas se inspiraram antigamente.
"The journey for women, no matter what venue it is - politics, business, film - it's a long journey." - Kathryn Bigelow
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Referências:
(01) Artigo "Sufrágio feminino" no website "universitário".
(02) Matéria "PEC 55 é aprovada no Senado em primeiro turno" em brasil.elpais.
(03) Artigo "O que aprender com o filme “As Sufragistas”?" em horizontesafins.wordpress.
(04) Artigo "STF decide que o aborto até o terceiro mês não é crime e o que isso significa" no website da "epoca.globo".
"A História de todas as sociedades até os nossos dias não foi senão a história da luta de classes."(Marx) (1)
Nessa obra magistral de Bertolucci, somos apresentados a um momento histórico mais que emblemático para o começo do século XX: o nascimento do fascismo na Itália, impulsionado pela influência de Benito Mussolini. Os camponeses de viés socialista marcam o contraponto, e o filme parte do microcosmo para fazer tais representações. O contraste entre os amigos Olmo e Alfredo, já demonstram tais conceitos sintetizados nos personagens: Alfredo (De Niro), filho do patrão, "financiador" indireto do fascismo -- que aqui é representado por um sombrio Donald Sutherland; e Olmo (Depardieu), filho bastardo de camponeses, materializa o conceito "socialista" do filme. A obra mantêm o foco nessa relação genuína de amizade, cujo fatores ideológicos acabam por o distanciarem. É possível manter uma amizade genuína se abstrairmos os claros contrastes das visões de mundo? Quando, ainda no caso desses personagens, uma idéia anula a outra? Apreciei bastante o desenvolvimento ambíguo de Alfredo, que é filho do patrão e acaba por "herdar" os problemas do mesmo, e é justamente a sua negligência e falta de manejo em compreender as relações de poder existentes, que o faz manter o maquinário fascista de forma alienada-- se contrastarmos a infância dele com a de Olmo, percebe-se que Alfredo teve uma criação rude e fria, bem longe do calor e idealização da família de Olmo. Já este, é visto como herói entre os camponeses da comunidade, e o julgamento público feito para Alfredo no pós- guerra denota o contraste entre ambos, que acabam se confrontando em sopapos num belo plano geral, cujo 'zoom out' lento induz ao pensamento de como esse conflito patrão/operário ainda irá perdurar por todo resto do século (e segue constante). Alguns críticos afirmam que Bertolucci fez o filme como um mero panfleto comunista. Não suficiente, a tendência atual de criticar o "Imperialismo americano" possui uma resposta irônica ao constatarmos que o próprio diretor captou recursos também de lá para financiar tal filme. Mas considero válido se entender os mecanismos que movem a atualidade, e se "apropriar" deles para difundirmos nossas idéias. Tal como Bertolucci o fez nesse "1900". Longa- metragem mais caro da Itália na época, e um dos épicos mais grandiosos do cinema, eis um grande retrato histórico a ser conferido.
“(...) Um monumento à contradição... à contradição entre os camponeses e os burgueses... entre atores de Hollywood e camponeses reais da Emília, entre ficção e documentário, entre a mais meticulosa preparação e a improvisação livre... entre o épico e o intimismo (...)”
Bernardo Bertolucci sobre 1900. (2)
Fonte: (1) Trecho do "Manifesto do Partido Comunista". (2) Citado de cinemaitalianorao.blogspot. ------------------ 21/11/2016
Guerras de Verão
4.0 105 Assista Agora25/01/2021
Assim como em "Soul"(2020), senti que a parte virtual foi sobrepujada pelo núcleo "terrestre", bem mais interessante nos dois filmes. Embora em ambos ocorra o esforço em interligá-las de maneira fluída, nunca conseguem equivaler o interesse entre as partes.
Mamoru Hosoda tem um estilo característico, evoca bem humor/drama, junto a seres cativantes -- pena que esse flerte com temas de início de carreira ("Digimon"?) tenham ficado "desencaixados".
Ainda sim, recomendável. ; )
Eu, Você e Todos Nós
3.8 166)) <> ((
29/09/2020
O interessante aqui é como a maioria dos gestos parecem ter um caráter simbólico, não muito literais. O movimento aqui parece mais em busca de algo subjetivo dos personagens, do que da resolução concreta das coisas.
Embalado em um humor espirituoso e com alguns momentos duvidosos (o que dizer daquele diálogo com o vizinho pedófilo? rs), "Me and You and Everyone We Know" possui linhas de diálogos memoráveis também, como o trecho do "Back and Fourth" e tudo o que isso gera, rs.
Miranda July merece nossa atenção. ❀
O Vício
3.8 59 Assista Agora"Vampirismo existencial"
13/08/2020
Ferrara dispõe das mais belas cinematografias para adentrar em um submundo desolado, com viciados de beco sedentos por sangue. Lili Taylor vive a jovem doutoranda que encara o vazio do sangue nas veias; a sobrevivência trôpega e o encarar do nada -- que só recebe alguma contraparte teórica nas aulas de filosofia.
Símbolos católicos seguem à espreita -- com de praxe no diretor -- contrastando com a autoconsciência hostil dos niilistas.
A Partida
4.3 523 Assista Agora13/08/2020
Com trilha sonora de ninguém menos que Joe Hisaishi , "A Partida" (no título nacional) reflete de forma terna e edificante sobre o maior destino a qual estamos fadados.
It: Capítulo Dois
3.4 1,5K Assista Agora"It: Chapter Two"
(Andy Muschietti, 2019)
A idéia de dividir em 2 filmes a história do palhaço me pareceu acertada. Se o anterior filme com Tim Curry ("It - Uma Obra-Prima do Medo", 1990) poderia soar demasiado longo (tanto que foi lançado como minissérie televisiva), separar o remake em partes poderia ajudar no desenvolvimento e inchar menos cada peça. Pena que: não foi bem o caso aqui, pois esse último episódio é alongado demais -- 169 min (!); como "set-pieces" separados, as sequências divertem. Porém, a soma das partes deixam um ar de inocuidade e superficialismo que embora visualmente interessantes, parecem pouco fazer no desenvolver do todo, evidenciando que o filme, em si, se trata mais de um "trem-fantasma", onde o horror é controlado e o perigo não-iminente; do que um medo que cresce natural ao psicologismo dos personagens ; a sensação de ausência de perigo real, nos distancia e despreocupa-nos quanto ao estado dos mesmos, ao ponto dos eventos ganharem ares de 'farsa', conferindo até riso ou desprendimento das situações. No meio desse alvoroço alongado, de espetáculo pirotécnico, do "maior e melhor" da lógica de sequências hollywoodianas, deixo crédito ao bom design do Palhaço Maligno de Bill Skarsgård, que possui boas mutações em seu visual, além de encenações que o privilegiam, somadas à boa performance do ator.
Brinquedo Assassino
2.7 612 Assista Agora15/10/2019
"Child's Play"
(Lars Klevberg , 2019)
Assim como muitos do gênero Slasher, esse novo Chucky re- atualiza a franquia para os gostos atuais, desvinculando-se até mesmo de seu criador original, Don Mancini; com esse novo direcionamento, se reboota o "universo" com uma perspectiva mais distinta: anula-se o sobrenatural, em prol de uma trama mais "tecnológica", aos moldes das inquietações modernas de "Black Mirror". Isso certamente cria alvoroço entre os fãs mais puristas mas, ao menos em conceito se conecta bastante à Franquia -- e mesmo à atualidade como um todo: a tecnologia que nos aglutina assusta mais do que qualquer coisa hoje em dia. Pois, tendo em vista que mesmo a noção de "brinquedo" em muito também já se modificou (quando não se extinguiu por completo), natural a mira se tornar essa nova geração mais ligada a jogos virtuais e aplicativos de celular. Faz-se então a mescla do antigo "modo de brincar", aonde o vintage se mescla ao aparato modernoso dos smartphones; O duro é que onde mais deveriam acertar, acaba sendo onde mais se peca: o design do boneco Chucky está muito abaixo do carisma dos anteriores e, apesar de um Mark Hammil canastrão dublando, o boneco em seu geral fica aquém do que poderia ter sido. O Psicopata de Brinquedo fica abaixo de seu entorno, que tem a boa presença da olhuda Aubrey Plaza ("Parks and recreation"), assim como do também ótimo Brian Tyree Henry ("Atlanta"). A galhofa atinge alto grau no clímax, com direito a um "exército de bonecos/ursos de pelúcia" tocando o terror num mercado -- e o que era pra ser um mero produto com falha no sistema operacional, vira o tal psicopata que arquiteta essa bagunça de drones voadores assassinos, nos exigindo enorme suspensão de descrença, com direito a momento "bad ass" do então introvertido garoto Andy (Gabriel Bateman ), a salvar sua mãe/donzela em perigo. Chucky aqui é um protótipo com "distúrbios", sendo corroído pelas "más influências" dos arredores-- ao final, percebe-se que ele matou muito só por "amar demais" mesmo, rs.
Yesterday: A Trilha do Sucesso
3.4 1,0K20/09/2019
"Yesterday"
(Danny Boyle, 2019)
Danny Boyle parece perdido. Sempre penso que quando um cineasta está sem muita perspectiva, acaba apelando para alguma fonte muito certeira de atração de público. E não existe nada mais óbvio que fazer algo sobre "Os Beatles (!) -- que já conta com quilos de obras derivadas mundo afora, sendo repetidas à exaustão ano após ano. Não estou querendo refutar aqui o legado inegável da banda britânica, mas que a cultura pop parece saturar os "garotos de liverpool", isso está mais que aparente. Seguindo uma premissa simplória, em um roteiro assinado por Richard Curtis ("Simplesmente Amor"), temos como protagonista "Jack Malik " (Himesh Patel), jovem de ambição musical que nunca emplacou nada de relevante,até que um evento estranho típico dos " E Se" da vida, tais quais fábulas como "Feitiço do tempo" (1993) -- mas bem longe do carisma deste -- vemos Malik acordar em um mundo sem a influência do quarteto , sendo esse o mote onde todas as piadas e situações serão construídas -- pena que de forma não muito criativa; "Yesterday" não faz jus à música que referencia no título: poucas gags inspiradas, participações que se estendem demais (Ed Sheeran, que tava disponível), um romance clichê pouco crível (doce Lilly James) e uma previsibilidade quanto ao “andar da carruagem” que cansa já na metade. Boyle parece estar chegando a um esgotamento: de grandes momentos de outrora ("Trainspotting") até boas surpresas não muito distantes ("Slumdog Milionaire"), o realizador até tentou resgatar uma nostalgia com seu "Trainspotting 2", e agora nesse último, "Yesterday", flerta com o descompromisso, com uma proposta tão leve que beira a irrelevância; ao contrário de Scorsese, que fez um excelente estudo da persona de George Harrison em "Living in Material World" (2011); ou mesmo Peter Jackson (beatlemaníaco confesso), que atualmente trabalha em doc com material inédito da feitura do álbum "Let it Be", trazendo ao menos detalhes "inéditos" envolvendo a banda; essa comédia de Boyle é uma ficção boba fadada ao esquecimento, que nem como simples entretenimento se sustenta. Sem muito a dizer ou acrescentar, "Yesterday" está destinada a ser mais uma daquelas 'homenagens' que Paul McCartney nem se dará ao trabalho de conferir, ou mesmo saber que existe (rs). E assim seguir, sem muitos tormentos.
Midsommar: O Mal Não Espera a Noite
3.6 2,8K Assista Agora15/09/2019
"Midsommar"(Ari Aster, 2019)
Os planos de Ari Aster são de uma "Geometria metafísica", seus enquadramentos retilíneos, com seus personagens vigorosamente posicionados, sem falar no lento movimentar de câmera, tudo engendra para um clima de estranheza (e mesmo desconforto), algo oculto está acontecendo... ou ainda para acontecer. Assim como em seu anterior, "Hereditário" (2018), essa sua incursão no "Folk-horror" possui uma certa "frontalidade" ao registrar os momentos medonhos(basta lembrar da marcante cena da figura incendiária no longa de 2018), o fenômeno misterioso ocorre perante nossos olhos, puramente. E isso ocorre costumeiramente em diversas cenas desse seu recente longa; a premissa é simples: jovens decidem viajar até uma comunidade peculiar na Suécia, afins de pesquisas antropológicas; a jovem Dani(Florence Pugh) que vive um conturbado momento (inclusive retratado no belo prólogo do filme), decide ir junto após contratempos e, como não poderia deixar de ser, eventos estranhos começam a suceder; os costumes locais vão subindo do fascínio ao horror puro -- bem acompanhados da bela fotografia e impressionante trabalho de som (que mereceriam até prêmios, a meu ver)-- criando um clima ostensivo de fanatismo religioso que, obviamente, remonta ao clássico "The Wicker Man" (1973); vale ressaltar que não é um longa pra qualquer um: sua cadência lenta e gradativa, somada a longa duração e festival de bizarrices, podem entediar um público menos afoito a se deixar levar em símbolos, ou tramas sem resoluções muito "claras". Ao final, em meio ao "Solstício de Verão" do Festival da Vila Sueca, a luminosidade estranha dessa região a qual não se chega a escuridão, alguns são penalizados (pecadores?) e outros redimidos (purificada?), seria uma ilusão de cura, ou algo realmente efetivo em seus sentimentos? O excesso de luz nos perturba pela desorientação quanto ao fim do dia: o presente segue infinito, o término... inalcançável.
Freaks and Geeks (1ª Temporada)
4.6 546 Assista Agora11/09/2019
"Freaks & Geeks"
(Paul Feig, 1999 - 2000)
O que seria um 'coming of age' afinal? Imagino que sua definição esteja ligada ao processo de amadurecimento de um determinado personagem/grupo, em uma jornada ficcional, usualmente ambientada em ambientes escolares e domésticos, condizente à maioria das rotinas de crianças/adolescentes mundo afora. "Freaks & Geeks" não apenas engloba essa essência básica, como traz vigor e carisma, com o humor típico das obras de Paul Feig e Judd Apatow, sabendo dosar bem comédia com trechos mais intimistas, entrelaçando dilemas diversos do microcosmo desses personagens, alinhando tudo de forma bem costurada -- e claro, engraçada; Lindsay (Cardelini) e Sam (John Francis Daley) são os pilares principais, sendo a primeira o fio condutor central da jornada, a menina "recatada" que resolve expandir-se além da bolha, adentrando a zona dos "freaks" e encarando as próprias limitações e idiossincrasias; Sam, junto a Neal e Bill (Samm Levine,Martin Starr), mostram um setor mais jovem, as apreensões pré- adolescentes; parte da base do 'team Apatow' também se forma aqui (Rogen, Franco), em um seriado recheado de bons coadjuvantes-- vide os conselhos bem vindos do orientador Jeff Rosso (Dave Allen), nos legando grandes ensinamentos (rs). Pena que, infelizmente, a NBC cancelou a série devido a (suposta) pouca audiência, o que nos traz a dúvida do que poderia ter sido caso tivessem recebido aval para novas temporadas -- porém, a incerteza perante o destino dos 'geeks' (e 'freaks'), cria um verniz interessante: a partida de Lindsay (junto a Kim) para o show do Grateful Dead ao final, encerra bem como retrato daquele feeling de juventude (transviada), o idealismo -- que a própria era hippie impulsionava(a série se situa nos anos 80, da Era Reagan) e que se esvai nos adultos atuais (e de todas as épocas) mas que, de alguma maneira, permanece pulsando sub qualquer triste carcaça conformista que se vê por aí. Será mesmo?
Parasita
4.5 3,6K Assista Agora29/08/2019
"Parasite"
(Bong Joon-Ho, 2019)
O Brasil definiu seu pré-indicado ao próximo Oscar, "A Vida invisível de Eurídice Gusmão", que parece promissor e quem sabe renda a tão "esperada" estatueta dourada ao Brasil, pena que teremos como concorrência um grande exemplar do cinema sul-coreano na disputa, o vencedor da palma de ouro desse ano, Parasite (기생충) -- e que dificilmente sairá dessa nova cerimônia sem outro prêmio em mãos (o que também não me chatearia, rs); tendo como base o tema da discrepância entre classes, que inclusive foi o cerne de seu também ótimo "Snowpiercer" (2013), Bong Joon-Ho retrata uma família disfuncional desempregada, vivendo abaixo da sarjeta, com perspectiva de escalação social quase nula; até que o filho pobretão Ki-woo Kim (Choi Woo-shik) consegue um emprego numa família elitizada e, aos poucos, arma situações para conseguir contratar seus familiares no recinto -- isso sem os patrões saberem de seus vínculos familiares com os recém- contratados. Ancorado no humor e se expandindo em uma comédia de erros com reviravoltas impactantes, o longa nunca perde a afetuosidade apesar do grotesco que se pode atingir -- principalmente em seu final catártico, que nos reserva um belo (e melancólico) epílogo no momento seguinte. Vale ressaltar o efeito dominó surgido a partir da volta da ex-empregada Moon-kwang (Lee Jung Eun, ótima), demonstrando segredos no subsolo e a "sujeira debaixo do tapete" abaixo do nariz da família rica, ignorante com as classes precarizadas que os circundam-- o micro aqui, representa o macro da desigualdade sul-coreana como um todo; e a chuva que alaga a antiga morada da família protagonista é, justamente, a imagem representativa de um ambiente degradado, sem seguridade de vida, precarizada. Então, assim como os ricos "sugam" a vida dos de baixa-renda pra manter suas regalias e comodidade, aqui fica demonstrado o teor de "parasita" dos pobres também que, espertamente, tentam burlar o sistema para "se dar bem". Esse comportamento seria facilmente reprovável à primeira vista, mas vendo a situação sem perspectiva da família Kim, se entende que estão a 'parasitar' menos por malandragem, e mais por aquele instinto de sobrevivência básico, inerente a todos.
Bacurau
4.3 2,8K Assista Agora24/08/2019
"Bacurau"
(Kleber Mendonça Filho & Juliano Dornelles, 2019)
Sou suspeito em falar, não só por ser de origem potiguar, mas também por ser um grande fã da obra de Kleber Mendonça Filho, este que veio da crítica cinematográfica -- que resultou no belo doc "Crítico" (2008)-- e que sempre desencadeou a maioria de suas tramas em fortes doses carpentianas com relevante subtexto político (O Som ao redor, Aquarius), e que agora produz esse longa em parceria com Juliano Dornelles (Mens Sana in Corpore Sano), seguindo suas obsessões temáticas (e de abordagem), e atingindo temperatura catártica (!): partindo de uma cidadela não localizada por satélites, Bacurau é uma pequena comunidade precária no sertão nordestino, de local e tipos humildes (o violeiro, o professor, a médica, a prostituta, etc), a morte parece onipresente no ambiente (o funeral inicial) e o governo os trata com devero descaso, bem demonstrado no caricatural Tony Jr (Thardelly Lima), quase um "ratinho Jr" do sertão; e esse clima de insegurança/descaso acabam por criar um vínculo forte entre os habitantes, que se unem contra uma conspiração, que começa divertidamente com aspecto 'UFO',e que aos poucos se demonstra uma questão mais fria e factual, personificada no vilão gringo de Udo Kier. Impossível não enxergar a trama como uma contundente alegoria da situação política do Brasil atual: na Geopolítica contemporânea. vemos a ofensiva do governo norte- americano em se apropriar de recursos (diga-se petróleo) na Venezuela, e se enxerga cada vez mais clara a influência norte- americana para o golpe contra Dilma, a prisão arbitrária do ex- presidente Lula e agora com a eleição do presidente mais entreguista da história de nossa república -- que estar a entregar nosso recém descoberto Pré- sal de mão beijada aos gringos. Além disso, voltando ao filme, enxerga-se conexões a um Brasil muito mais profundo, tanto na rima visual com as famosas cabeças dos cangaceiros abatidos (lampião e seu bando), e a motivação de resistência independente da cidade, que remete diretamente à Guerra de Canudos. Sendo assim, "Bacurau" e o por vir "Marighella" (2019), surgem como o fim de um ciclo para o Cinema Brasileiro, que segue constantemente atacado pelo (des)governo atual. A Obra acaba demonstrando como a Cultura é um dos cernes que empoderam pessoas a lutarem contra o retrocesso e a abolição de nossa soberania, e a favor de nossa identidade como país. E isso, meus caros, é mais que bem vindo nos tempos trevosos a qual vivemos.
Expresso do Amanhã
3.5 1,3K Assista grátis22/08/2019
"Snowpiercer"
(Bong Joon-Ho, 2013)
As distopias tem o poder de (imediato) nos passar o 'zeitgeist' de uma época e, quando bem sucedidas, nos trazer a aflição dos personagens no âmago. Tendo passado um pouco a data apocalíptica (aqui 2014), ainda se vê o aquecimento global nos circular em tema, e a secular luta de classes ainda se mantêm como o mote essencial que direciona nossos conflitos, e essa base é o cerne desta obra de Bong Joon-Ho. Somos inseridos rapidamente ao último vagão desse "trem da história", onde está encapsulada em etapas cada classe, onde a maioria se limita a pouco espaço e regalias; enquanto a minoria, obviamente, detêm muitos privilégios. Sendo a locomotiva algo privada (Wilford), suas intenções com a comunidade são reduzidas à mera subsistência das mesmas, apenas interessados em fazê-los como peças de engrenagem, itens da máquina que giram, a continuar mantendo sua comodidade nesses trilhos sem rumo, circulares. O mecanismo de controle fascista da empresa perpassa não só os corpos, mas também as mentes, ludibriando até a possibilidade de esperança com o mundo gelado de fora - esses destratados aprisionados, homens desmemoriados, que em muitos momentos esqueceram até da civilidade, partiram para a animalidade, à selvageria... E que agora tentam subverter o controle opressivo, neutralizando a porta-voz Mason (Tilda Swinton), e invadindo todos os vagões do trem . Em meio a machadadas e esfaqueamentos,"pedaços de neve" acabam por virar as centelhas que instigam o Pensar de uma nova forma de sociedade, longe do modelo capitalista desregulado "Wilford" de Ed Harris -- este já havia tentado controlar o individuo com o 'american way of life' em "O Show de Truman" (1998), vale dizer. Ao final, "Snowpiercer" demonstra como certos gestos podem não resolver nossos problemas de imediato, mas podem seguir significativos a longo prazo, a "liberdade" caminha com descendentes, que avistam o futuro no avistar de um urso polar já adaptado a condições hostis. Poderemos nós?
Aliens: O Resgate
4.0 810 Assista Agora15/08/2019
"Aliens: O Resgate"
(James Cameron,1986)
Desmitificando de vez os preconceitos que se poderiam ter com a qualidade da sequência em relação ao predecessor, James Cameron joga isso por terra em um dos capítulos mais enérgicos (e memoráveis) da franquia do Xenomorfo. Partindo de onde o anterior "Alien: O 8° Passageiro"(1979) terminou, vemos Ellen Louise Ripley (Sigourney Weaver) acordar após 57 anos imersa na capsula de criogenia, sendo resgatada por seus antigos empregadores da "Weyland-Yutani Corporation" e, aos poucos, se transformar em Líder da condução da Tropa até lua LV-426 (onde certos problemas acontecem...) No local, encontram a criança "Newt"(Carrie Henn), que logo cria um vínculo com a protagonista Ripley, cujo "instinto materno" acaba por aflorar; Soma-se à ganância de Burke (Paul Reiser) em querer transformar os extraterrenos em "armas biológicas", armando contra Ripley/Newt em prol de seus interesses capitalistas-- essa mesquinhez surge quase como um 'rascunho temático' para a exploração humana em Pandora (Avatar, 2008). Ao final, o combate com a Rainha Alien que vem se vingar dos fuzileiros que lhe mataram o filhote; um embate entre mães a proteger suas "crias"; O conflito se transforma numa batalha autêntica entre espécies -- e é realmente eletrizante a construção da tensão, somada a imersiva direção de arte. E, diferente do antecessor, o foco deste está mais na ação; a criatura já foi gradativamente revelada no anterior, nesse teremos um confronto mais direto, numa genuína luta por sobrevivência no ensurdecedor vácuo espacial.
Era Uma Vez em... Hollywood
3.8 2,3K Assista Agora16/08/2019
"Era uma vez em... Hollywood"
(Quentin Tarantino, 2019)
Quando fez "Bastardos Inglórios" (2009), Quentin Tarantino adentrou um momento histórico e divertidamente distorceu fatos e elementos. Como constrói seu Cinema como um universo diegético próprio, molda o ritmo e lógica interna de acordo com suas obsessões -- e não seria diferente nesse seu penúltimo (?) "Era uma Vez em... Hollywood" (2019). O autor sempre fez filmes sobre filmes, mas nesse aqui a situação fica mais evidente: uma Jornada autorreferencial que homenageia influências e comenta a indústria, a estagnação dos astros e a crise dos mesmos. Seria esse seu "8½" (1963)?
Passeamos pela nostálgica Los Angeles de 1969, avistamos figuras famosas (McQueen, Bruce Lee, Manson...), vemos o cotidiano nos sets de filmagens, as frustrações dos astros. Porém, se trata aqui mais de captar um espírito da época, do que ser fidedigno a dados factuais, ou uma noção histórica arrojada dos eventos; para nos "guiar" nessa fantasia sobre um dos momentos mais frutíferos de Hollywood, temos o ator Rick Dalton (Dicaprio), o dublê Cliff Booth (Pitt) e a bela Sharon Tate (Robbie), trio epicentral do longa, onde os destinos se cruzam à la "Pulp Fiction" (1994), numa espiral de erros/acertos, com a catarse violenta típica do diretor (ao final), mas com uma afetuosidade diluída ao longo de toda a projeção (talvez inédita em sua carreira). Isso fica bem demonstrado na bela cena a qual Tate assiste "The Wrecking Crew" (1968), com seus pés empoeirados, observando as risadas da platéia - já entre as mais memoráveis de sua filmografia.
Aniversário Macabro
3.1 233 Assista Agora"Easy Riders" (1969) abriu a porteira para olhares mais rudimentares em Hollywood, a Contracultura adentrava por todas as arestas e a visão de autoria crescia. Paralelamente, Autores estrangeiros como Fellini, Antonioni e Bergman seguiam com força internacional, e consequentemente adentravam o cinema norte- americano. Pelo visto, Wes Craven apreciou o Diretor Sueco, e resolveu fazer sua própria versão de "A Fonte da Donzela"(1960) -- só que com claros requintes de crueldade. Sendo aqui a centelha de seu trabalho -- usualmente voltado ao gênero de horror mesmo--, é normal que tudo siga um pouco antiquado tecnicamente, com um roteiro simples que em muito lembraria o posterior (e pesado) "I Spit on Your Grave" (1978). Tudo segue como a um filme "amador" -- mas é o que parecia ser possível para um filme com um tema controverso desse, ao menos na época -- pois um terror atingir o mainstream com orçamento digno viria a partir de "O Exorcista" (1973). Mas esse tom 'documental', semi- amador, acaba por aumentar o ultraje terrível da violência, devido ao tom "realista" que a fita acaba trazendo pela (suposta) precariedade da produção.
13/08/2019
True Lies
3.5 437Lembro do 'feeling' dos filmes de ação de 20/30 anos atrás: explosões incessantes, humor levemente embutido, um 'bad ass' com controle sobre tudo, um 'sidekick' (par romântico, se possível) que se reinventa na trajetória. O tal "cool guys don’t look at explosion" típico. Condensando tudo isso, James Cameron faz uma sátira leve de filmes de espionagem, reafirmando novamente a parceria com Arnold Schwarzenegger, e entregando sem dúvidas algo que cumpre o que propõe. É o longa mais "desconexo" de sua filmografia tematicamente, uma brincadeira de gênero; que usa a estrutura de thriller pra discutir problemas conjugais: Harry Tasker (Schwazza) é um agente do governo anti- terrorista, tem uma vida dupla à lá Beto Pêra (Os Incríveis) e tem que lidar com seu casamento "em crise", aonde a desconfiança de um adultério o leva a grandes consequências. As situações farsescas resultantes disso estão entre os melhores momentos do longa: tanto no interrogatório da recém capturada Helen Tasken, quanto na erótica (e atrapalhada) cena a qual Jamie Lee Curtis 'muy sensualmente' seduz um "cliente" de fetiches peculiares.
12/08/2019
Desejo e Obsessão
3.3 73Quando o Desejo ultrapassa o limite do mundano; Carne sedenta, obsessão;
Fascinante como somos inseridos: a textura da água ao som de "Tindersticks ", os 'amassos' noturnos, corpos misteriosos, troca de olhares, silêncio verbal. Claire Denis vai contextualizando a conta-gotas, e vamos entendendo o contexto a cada novo detalhe. Está tudo ali, só precisávamos de algumas peças pra deduzir (?). O gore aqui surge mais eficaz do que a de um filme "de gênero" típico: seguindo uma estética com um fluxo mais realista -- muito associado a dramas intimistas --, o horror surge muito mais forte dentro dessa lógica, dessa cadência "improvável". De alguma maneira, me lembrou "Rabid" (1977), o tom vampiresco sem os moldes clássicos, o mesmo primitivismo de Rose (Marilyn Chambers), o lado animalesco do sexo."Trouble Everyday" tem Delicadeza ao abordar uma Brutalidade Canibal cada vez menos latente em tela.
06/08/2019
O Enigma do Horizonte
3.2 310 Assista AgoraSeguindo a vertente do "Terror cósmico", esse Longa de Paul W. S. Anderson segue uma atmosfera que obviamente remete à franquia "ALIEN" (1979), num ritmo gradativo e claustrofóbico que vai se "horrorizando" a cada passo. Sam Neil e Laurence Fishburne conferem peso ao elenco, com uma direção de arte (até) bacana, com óbvias metáforas na estrutura cenográfica, basta reparar no formato "ocular" do corredor da "Event Horizon" -- e o senso de perigo é bem ilustrado com os ambientes pontiagudos no interior da Nave misteriosa. No centro da nave, um portal para um "Buraco- Negro", um elo para outro espaço-tempo, região fronteiriça à loucura/ inferno(?). Todos os personagens que orbitam tal local acabam por "delírios", e o filme em certos momentos nos faz duvidar de certos eventos que presenciamos. A loucura do desconhecido e personagens que se destituem de si mesmo, quase remetendo a "Invasores de corpos" (1978) e o próprio hospedeiro no supracitado "Alien"(1979). Ao final, "Event Horizon" nunca alcança a relevância da Franquia do 'Xenomorfo' , nem chega perto do estofo filosófico de um "Solaris" (1972), mas segue como um exemplar interessante nessa seara de filmes de horror espacial.
Toy Story 4
4.1 1,4K Assista AgoraComo muitos, estava receoso e considerava "Toy Story 3"(2010) um exemplar fechamento de ciclo para a Franquia. A idéia de um novo longa, além de acentuar os desejos comerciais do Estúdio Disney, ainda foi seguida de uma problemática produção, com saída de roteiristas inicialmente contratados (Rashida Jones), até ao infame motivo de saída de John Lasseter (um dos idealizadores da própria Pixar). A conturbada produção fez com que o longa fosse adiado e que "Os Incríveis 2"(2018) se adiantasse no cronograma. Eis que estamos em 2019, vemos mais esse capítulo da série e, se o resultado não me é superior a qualquer um dos filmes anteriores, ao menos mantêm o espírito cativante da franquia: Engraçado, ágil, com cenas de ação sempre bem coreografadas, bons coadjuvantes e, nesse, um novo dilema pra Woody: que fica cada vez mais a pensar sobre sua "classe" e a natureza de seu ofício; com resoluções que até poderiam "alegorizar" a situação da própria Franquia "Toy Story" nos tempos de hoje.
Ps: 'Desalentadora' a falta dos sempre pontuais curtas que passavam antes dos filmes. Tomara que a lacuna nesse longa seja apenas exceção, hehe.
O Destino de Júpiter
2.5 1,3K Assista AgoraAs Wachowski trazem de volta a sempre reciclada "Jornada do Herói", só que com uma protagonista feminina vivida por Mila Kunis. Pena que, ao contrário de "Matrix" (1999) das mesmas, que conseguiu fundir esse conceito narrativo a diversas camadas instigantes -- sem falar na estética inventiva-- esse "O Destino de Júpiter" fica aquém do que poderia ter sido: a proposta de uma "Space Opera" à lá "Star Wars" parece combinar com os anseios das Diretoras, porém o resultado soa insosso, muito abaixo do que se esperaria da dupla. Duro constatar, mas esse fica fácil no fim do ranking dos filmes das Irmãs.
Pena.
Bohemian Rhapsody
4.1 2,2K Assista AgoraUm filme agradável, porém mediano. Rami Malek tem bom desempenho mas fico imaginando como o Longa poderia ter sido mais 'corajoso', pensando mesmo na época em que Sacha Baron Cohen estava envolvido no projeto -- e que resolveu sair justamente por conta desse aspecto "lugar- comum" do filme.
Ironicamente, as melhores cenas foram as reconstituições das performances (antológicas!) do Queen, sendo assim, é preferível assistir aos registros originais se for pra escolher, não?
Mas não deixam de ser uma boa emulação, apesar.
Snowden: Herói ou Traidor
3.8 412 Assista Agora"Poderia um trabalho institucionalizado ser visto como algo criminoso?"
Seguir uma postura anti- governo em prol de princípios poderia realmente ser algo antiético?
São perguntas que esse último filme de Stone, "Snowden", tenta responder.
O biografado do título tem como principal mérito descortinar informações importantes dos programas de vigilância do governo dos Estados Unidos. Revelando isso, Snowden nos traz questionamentos sobre o limite de nossa própria privacidade -- e não só no que concerne a órgãos públicos como NASA e FBI, mas mesmo pessoas alheias, nós, civis.
Se ao assistirmos Black Mirror já havíamos ficados atemorizados com as distopias (possíveis) de Charlie Brooker, nesse novo Stone embarcamos no começo de tais pesadelos. Vemos uma tentativa de encenação de eventos já concretos postos à prova, aonde reparamos que o "Grande Irmão" está mais desperto do que nunca. Engana-se quem ainda acredita que a vigilância se dá somente em regiões fechadas: com o mundo globalizado, a aldeia se tornou global e as pessoas, cada vez mais localizáveis-- basta ter um celular no bolso para ser devidamente rastreado.
Sempre deixamos rastros virtuais. Não adianta.
A criptografia se torna a língua moderna e ficamos cada vez mais vulneráveis aos Hackers e aos tais Sistemas de Vigilância Governamentais. Até mesmo o Brasil não passou ileso da espionagem do Tio Sam (4), além da própria presidente Dilma Rousseff, diversos ministros, diplomatas e assessores foram espionados pela Agência Nacional de Segurança (NSA) - e isso veio à tona graças ao "Wikileaks", em 2015.
"Mas eu não tenho nada a esconder, por que iriam me espionar?"
A pergunta típica entre os que ainda não 'captaram' a dimensão do problema. Não se trata só de o espionarem por "segurança nacional", mas a questão maior é a falta de transparência, a poeira de baixo do pano também. Sem falar a "irresponsabilidade" do uso por parte de funcionários (que certamente deve ocorrer) -- e que foi representado no próprio filme de Stone, exatamente no trecho a qual Snowden descobre a possibilidade infinita de vasculhar a vida alheia que tais sistemas possuíam.
"(...) todo o arco do filme passa por estabelecer um Snowden conservador (votante do Partido Republicano e apoiante de Bush e da intervenção armada) que com a tomada de consciência no seu trabalho nas agência de segurança (as centrais de inteligência) se converte em democrata liberal e libertário. Esse arco de consciência política é no fundo o sonho molhado de Stone: conseguir que o seu cinema mainstream tenha um poder de agitprop que consciencialize os reaccionários à causa da esquerda americana." (1)
Concordo com Ricardo Vieira Lisboa (à pala de walsh), quando diz que o Stone atual se foca mais no conteúdo do que na forma cinematográfica. Na realidade, em diversos filmes, o autor usa do cinema como instrumento para conscientização do espectador, frequentemente questionando o establishment e desafiando as percepções do cidadão comum acerca das altas esferas nas quais as decisões que nos impactam são tomadas – sejam estas econômicas (Wall Street e sua continuação), políticas (JFK, W., Nixon) ou mesmo midiáticas (Assassinos por Natureza). (2)
Apesar do formato não tão inspirado, "televisivo" (como apontou Lisboa), e um 'quê' de "panfletário" em sua essência, não o deslegitimo e acentuo sua qualidade e contundência. Em plena consciência da potência de difusão de idéias que o Cinema pode proporcionar, o cineasta usa-se de uma linguagem objetiva e eficaz, garantindo um embate intelectual tanto entre os já conhecedores do assunto quanto aos que acabaram de ter sido instigados com as idéias do longa. Sendo assim, concordo com Villaça quando atribui a expressão "Um dos mais importantes do ano" a tal filme.
Agora obstruam a webcam e evitem tags subversivas na internet. E se puderem, não pensem a respeito, pois poderia soar como... "Crime de pensamento".
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Fontes:
1) Ricardo Vieira Lisboa, crítica para "Snowden" no site "Á Pala de Walsh", 22 de setembro de 2016.
2) Pablo Villaça, crítica para "Snowden" em "Cinema em Cena", 12 de Novembro de 2016.
3) Artigo "Edward Snowden" em "Wikipedia".
4) Artigo "Estados Unidos espionaram assistente pessoal de Dilma e avião presidencial" no site "El Pais", em 5 de Julho de 2015.
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14/12/2016
As Sufragistas
4.1 778 Assista AgoraLondres.
Início do Século XX.
Mulheres seguem trabalho exaustivo em uma empresa de lava- roupas, repleto de horas extras, chefiadas por um homem de moral duvidosa. Maud Watts (Carrie Mulligan) é uma das tais operárias. Jovem, a moça apenas preocupa-se em cuidar do filho e ser uma esposa obediente. Aos poucos, somos introduzidos junto com a protagonista ao movimento sufragista - movimento encabeçado por mulheres britânicas e americanas, que tinham como foco obter o direito aos votos também às mulheres (01). Maud começa relutante: manter a estabilidade do "status quo" ou se arriscar em ser retaliada por uma causa maior? É interessante como o filme consegue desenvolver de forma gradativa e natural a mudança de Maud: ao seu início "alienado" na fábrica, até seu auto-reconhecimento como feminista, e isso é um ponto deveras acertado, não só pela estrutura do filme mas pela boa performance de Mulligan. Seu envolvimento com as personagens de Bonham Carter e Streep (que aparece pouco em cena), a alavancam cada vez mais a seu doloroso dilema -- e o nó na garganta maior se dá ao confrontarmos a dor da personagem ao perder seu filho para o marido, que fica com a guarda da criança por conta da lei não favorável às mães.
"O nome da sua mãe é Maud Watts. Não se esqueça desse nome..."
Brasília. 2016.
Nos últimos dias, manifestantes denominados como "vândalos" pela grande imprensa, invadiram e quebraram vidros de ministérios, além de tacar fogo em veículos de mídia favoráveis ao Golpe de 2016. Aproveitando o clima de comoção nacional após o acidente do time de Chapecoense, nossos desavergonhados políticos aprovaram a reacionária PEC 55, na surdina de uma terça- feira (02). Visto tamanho descaramento, era sugerível que fizéssemos uma petição online para impedi-los? Não creio. Talvez, nesse caso, seja sugerível trocar um pouco os argumentos e partir para as ações, de fato.
É da mesma maneira que depois de décadas de comportamento passivo, e argumentações sempre ignoradas -- longe de uma resolução realmente efetiva--, que as mulheres resolvem se comportar anarquicamente e lutar diretamente por seus direitos. A violência é sempre um mal-- embora pareça o gesto mais "expressivo" perante um público indiferente. "A violência atinge criminosos e inocentes", é dito pelo personagem de Brendan Gleeson para Maud, após a mesma explodir a fábrica e arriscar a vida de uma inocente. Mas a indiferença perante às injustiças também não é uma forma de violência? Uma violência invisível que atinge a muitos por conta de uma clara desigualdade de direitos (?).
Não há liberdade sem sacrifício.
E a julgar o triste ato envolvendo Emily W. Davison (a primeira mártir do movimento), percebe-se como tal símbolo horrendo foi o estopim para que o apelo dessas mulheres ganhassem visibilidade no resto do mundo.
"(...) o filme conecta de maneira sistêmica todos os conflitos femininos contra a opressão patriarcal – a opressão sexual está ligada à econômica, que está ligada ao moralismo da sociedade, que está ligado à maternidade, que está ligado à dependência econômica etc." (03)
A protagonista é oprimida pelo patrão, pelo governo e também em sua própria relação conjugal -- e aqui o filme dramatiza bem a herança machista que seu marido herdou. Percebe-se que o casal é harmônico e o personagem de Ben Whishaw a trata com afeto, só que existe disparidades cuja a ignorância dele perante às demandas das mulheres impedem de compreender a descoberta ideológica da esposa, o fazendo cometer atos cruéis com o aval da lei vigente. Os homens do filme são representados sempre com algum certo desequilíbrio moral (exceto talvez o marido de Bonham Carter no filme, embora o mesmo tenha tido um gesto minimamente duvidoso ao final). Talvez a única figura masculina realmente pura no longa seja o próprio filho de Maud, que deve representar a "esperança" pela integridade dos homens das gerações seguintes -- e o pequeno Adam Michael Dodd nos entrega uma surpreendente atuação em cena.
Ao final, constato que esse " As Sufragistas" cumpre o nobre papel de atiçar o desejo de luta das mulheres, que apesar dos avanços que foi obtido até então, ainda continuam a 'resolver' certos tabus com dificuldade -- só agora no Brasil foi aprovado aborto para até 3 meses de gestação, por exemplo (4) -- e ver essas histórias representadas, assim como olhares femininos cada vez mais diversos no cinema, nos traz o sentimento de que talvez um dia possamos construir um lugar aonde as vozes cantam no mesmo tom, seguindo à risca os ideais iluministas que as próprias sufragistas se inspiraram antigamente.
"The journey for women, no matter what venue it is - politics, business, film - it's a long journey." - Kathryn Bigelow
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Referências:
(01) Artigo "Sufrágio feminino" no website "universitário".
(02) Matéria "PEC 55 é aprovada no Senado em primeiro turno" em brasil.elpais.
(03) Artigo "O que aprender com o filme “As Sufragistas”?" em horizontesafins.wordpress.
(04) Artigo "STF decide que o aborto até o terceiro mês não é crime e o que isso significa" no website da "epoca.globo".
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07/12/2016
1900
4.3 102 Assista Agora"A História de todas as sociedades até os nossos dias não foi senão a história da luta de classes."(Marx) (1)
Nessa obra magistral de Bertolucci, somos apresentados a um momento histórico mais que emblemático para o começo do século XX: o nascimento do fascismo na Itália, impulsionado pela influência de Benito Mussolini. Os camponeses de viés socialista marcam o contraponto, e o filme parte do microcosmo para fazer tais representações. O contraste entre os amigos Olmo e Alfredo, já demonstram tais conceitos sintetizados nos personagens: Alfredo (De Niro), filho do patrão, "financiador" indireto do fascismo -- que aqui é representado por um sombrio Donald Sutherland; e Olmo (Depardieu), filho bastardo de camponeses, materializa o conceito "socialista" do filme. A obra mantêm o foco nessa relação genuína de amizade, cujo fatores ideológicos acabam por o distanciarem. É possível manter uma amizade genuína se abstrairmos os claros contrastes das visões de mundo? Quando, ainda no caso desses personagens, uma idéia anula a outra?
Apreciei bastante o desenvolvimento ambíguo de Alfredo, que é filho do patrão e acaba por "herdar" os problemas do mesmo, e é justamente a sua negligência e falta de manejo em compreender as relações de poder existentes, que o faz manter o maquinário fascista de forma alienada-- se contrastarmos a infância dele com a de Olmo, percebe-se que Alfredo teve uma criação rude e fria, bem longe do calor e idealização da família de Olmo. Já este, é visto como herói entre os camponeses da comunidade, e o julgamento público feito para Alfredo no pós- guerra denota o contraste entre ambos, que acabam se confrontando em sopapos num belo plano geral, cujo 'zoom out' lento induz ao pensamento de como esse conflito patrão/operário ainda irá perdurar por todo resto do século (e segue constante). Alguns críticos afirmam que Bertolucci fez o filme como um mero panfleto comunista. Não suficiente, a tendência atual de criticar o "Imperialismo americano" possui uma resposta irônica ao constatarmos que o próprio diretor captou recursos também de lá para financiar tal filme. Mas considero válido se entender os mecanismos que movem a atualidade, e se "apropriar" deles para difundirmos nossas idéias. Tal como Bertolucci o fez nesse "1900". Longa- metragem mais caro da Itália na época, e um dos épicos mais grandiosos do cinema, eis um grande retrato histórico a ser conferido.
“(...) Um monumento à contradição...
à contradição entre os camponeses e os burgueses...
entre atores de Hollywood e camponeses reais
da Emília, entre ficção e documentário, entre a mais
meticulosa preparação e a improvisação livre...
entre o épico e o intimismo (...)”
Bernardo Bertolucci sobre 1900. (2)
Fonte:
(1) Trecho do "Manifesto do Partido Comunista".
(2) Citado de cinemaitalianorao.blogspot.
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21/11/2016