Um jogo de cena nos conta o surgimento das yãmĩyhex, o ritual de uma semana que se segue nos deixa atordoados. Os cineastas indígenas escolhem os planos e contra-planos de maneira bastante confiante. A narração nos guia para esses dias de perfomance ritual, mas avisa: nem tudo pode ser traduzido, o que confirma a sensação de estar atordoado. O filme está disponível no Vimeo de 30/06 até dia 05/07 às 19:00 https://vimeo.com/431587794/description
Em Ruy Guerra não são as cópias impressas da obra que se apresentam como destituída da áurea, são as canetas do enfadonho serviço burocrático de um malandro que está preste a aposentar a navalha, simbolizando a transição do modo de vida tradicional e da experiência do malandro ao trabalho regular profissional e a burocracia do Estado.
Mas o malandro para valer, não espalha/ Aposentou a navalha, tem mulher e filho e tralha e tal./ Dizem as más línguas que ele até trabalha,/ Mora lá longe, chacoalha, no trem da Central./ Agora já não é normal, o que dá de malandro/ Regular profissional, / malandro com o aparato de malandro oficial/ Malandro candidato a malandro federal/ Malandro com retrato na coluna social Malandro com contrato, com gravata e capital, que nunca se dá mal (Chico Buarque)
O discurso do mito da brasilidade também serve para justificar nossa posição de dependência cultural e econômica, sobre a efígie do malandro é representado o trabalhador organizado pela Consolidação das leis trabalhistas de Vargas, o trabalhador liberal e o político. Somos representados incapazes de viver a utopia moderna, não somos dados à burocracia, à ordem. O mito não nos justifica vivendo a utopia racionalista. O Estado está, segundo o determinismo cultural, fadado ao patrimonialismo. Discurso que atualmente anda bastante afinado com a ideologia neoliberal e ao capital financeiro. O mito serve ao senso-comum e não à ciência.
Dá o que pensar assistir esse filme logo no dia em que manchas de óleo chegam na minha cidade. Em um cenário apocalíptico, logo após perder o pai e descobrir que não conseguirá se refugiar em sua casa de campo, uma família tenta sobreviver. Nesse momento passam imersos em um nevoeiro, nada se vê a frente, não há futuro! Uma criança esperneia angustiada que seu passarinho de estimação fugiu, ela o quer de volta. Quando consegue o mata ao mantê-lo preso ao seu corpo. A mesma mentalidade infantiloide está presente em quem quer garantir a soberania da amazônia, se diz no direito de queimá-la, entregar ao garimpo. Segue cena de incêndio. Conseguem integrar um grupo, mas a coisa continua crua e existencial. Passa na nossa frente a violência, a velhice, as disputas de poder como se fossem resultados de um mínimo multiplicador. Esses passantes podem ser personagens de ficção científica ou refugiados de desastres ambientais. O filme não deixa dicas de como sobreviver ao apocalipse, não há redenção. A inocência também não é uma virtude. Nesse continente devemos aprender nos mundos que sobrevivem a esse apocalipse há pelo menos 500 anos.
Com uma linguagem bem diferente de Aquarius e O Som ao Redor, Kleber Mendonça filho produziu um filme mais popular. Com linguagem mais dinâmica, flerta com a gramática do western, como as panorâmicas, as transições e alternância de figura-fundo. Mas não é só isso, tem algo de ciberpunk, ou melhor cibercangaço, e isso é realmente empolgante. O cenário distópico do cibercangaço é inscrito no presente, um futuro apocalíptico imediato. De início a cartela avisa que esse futuro já chegou. O uso da tecnologia, celulares e GPS deixa claro que o ciborque não está em sua primeira geração, como já nos avisou D. Haraway. A tradicional alegoria do subdesenvolvimento do cinema nacional, pincelam barbáries televisionadas, sutilezas que poderiam figurar qualquer periferia. Os drones nos lembra que tudo que não é ocidente é periferia. Ao mesmo tempo que a periferia guarda uma filiação de resistência com o cangaço, o filme costura a filiação da Máquina de Guerra do Estado, entre Alemães, Estadunidenses e PMs. Maravilhoso!
"Eu queria trazer aos senhores uma família de classe média do terceiro mundo, largada em seu estado puro, sem nenhum vinculo com nada, a não ser sua própria imagem: primitiva! Eu sei q para os senhores que se alimentaram por toda vida com os vícios dos colonizadores, que se acomodaram sob a proteção paternalista, que entregaram os bens mais caros de todas as suas forças, que se mostraram cúmplice de seus carrascos... Eu sei que para os senhores é quase impossível reconhecer a sua verdadeira imagem. Mas basta um pequeno esforço de memória, se ainda há memória, para reconhecermos que somos nos mesmos." Fantástico!
Quando o cientista se aborrece com o cacique de uma tribo que se apropria de sua bússola: “Você é igual aos outros brancos”, adverte o xamã que o acompanha na jornada. “O sistema de orientação deles se baseia no vento e nas estrelas. Se aprenderem a usar a bússola, esse conhecimento se perderá”, responde o cientista ao jovem xamã, esse por sua vez retruca: “Não pode proibi-los de aprender. O conhecimento é de todos”. Além do sistemático etnocídio, a morte simbólica, as etnias sofrem com o preconceito presente na visão do indígena cristalizado no tempo. A bússola, pode ser usada ou não, mas se ele a quer, não há porque negar tal conhecimento. Ou se quer tutelá-los, ou absorve-los, negando-lhes a etnia por usar uma bússola (hj é por causa de um celular que negam reconhecer sua identidade como indígenas).
Ao tratar da privação dos sentidos na solitária o filme mergulha a sala de cinema na sensação do personagem; este, aparentemente, ouve o barulho do próprio sangue enquanto se apega à presença de um besouro. A tortura se conecta com a belíssima versão de Sound of Silence em um final que apresenta vários ápices, talvez porque a história trate de mais temas. Sem apelar para a simplificação de vítimas/heróis e carrascos/ vilões o filme consegue criar alívios cômicos sem quebra a tensão presente no filme todo. Poético e sensorial!
Sou suspeito por adorar os temas relacionados à distopia e IA, mas a série pretende ir um pouquinho mais além tratando o sofrimento como uma condição de existência. A narrativa amarra de maneira delicada o final, apostando na empatia e no companheirismo muito mais do que no amor clichê, talvez a serie enxergue algumas formas de amor como geradoras de sofrimento (como na relação mãe e filho apresentada).
Um ótimo texto sobre a obra no blog Morte Todas as Tardes: "A proposta de Aragão,e ele mesmo diz, é que “por uma hora e meia nos preocupemos com monstros mais bonitos do que os da vida real”. E como são bonitos esses demônios". "A cidadezinha no meio do mato contém todos os demônios em suas entranhas, lá estão não só os seres malignos de outro mundo, mas os desse mundo também. Ambição, ganância, fome de poder: perversidades que, nos filmes de Aragão (e principalmente neste), encontram na figura humana um lugar confortável onde se esconder." https://mortetodasastardes.wordpress.com/2018/09/05/a-mata-negra-de-rodrigo-aragao/ .
Ter visto o filme no Festival de Vitória com o público do Aragão torna a experiência mais bacana!
Acho simplesmente maravilhoso o interesse dos Zo'e pelos Waiãpi. Para reconhece-los como "nós" os Waiãpi são questionados como caçam, o que comem e quais conhecimentos foram dados pelos antepassados, nativos antropólogos.
Podemos pensar Os Incontestáveis em dois momentos, o primeiro um filme de estrada com dois personagens carismáticos e um segundo momento que apresenta a história do contestado capixaba que desenvolve para o fantástico. O primeiro momento com cortes rápidos flerta com o vídeo clip. Senti falta de mais silêncio e menos trilha para marcar o ritmo. O segundo momento poderia ter mudado o dinamismo dos cortes, principalmente em alguns momentos da atuação de Tonico Pereira. Um filme independente com bons momentos. Mas deixa a impressão que o roteiro se perde em um final quase q improvisado.
Pantera Negra foi elogiado por trazer a questão da representatividade negra nas telas de cinema e nenhum aspecto da produção parece ter ficado de fora. Desde o surgimento do personagem nos quadrinhos por coautoria de Stan Lee, o herói passou por várias transformações e muitas delas tiveram o objetivo de amenizar o caráter político do personagem. Embora criado no mesmo ano da fundação do Partido dos Panteras Negras, em 1966, Stan Lee afirma que seu nome não foi inspirado pelo partido e que teria surgido antes dele tomar conhecimento dos ativistas, não passando de coincidência. Houveram algumas tentativas de desvincularem a imagem do super-herói com uma imagem política, algumas aparições do personagem foram em revistas com personagens tarzanides, inspirados no Tarzan. Nessa tentativa de desvincula-lo com a imagem do partido, seu nome foi substituído algumas vezes, primeiro para Black Leopard e depois para chega a ser chamado de “Coal Tiger”. Claro que desde o seu surgimento nos quadrinhos até a sua aparição no cinema muita coisa aconteceu, o personagem teve revistas próprias que foram canceladas, transformou-se em um parceiro coadjuvante de um personagem chamado Tigre Branco, até chegarmos no personagem fílmico de 2018. Em um filme saudado por representar o negro e protagonizá-lo de maneira nunca antes vista em blockbusters de Hollywood. Com diretor, equipe técnica e um elenco quase todo negro, percebemos também a sala de cinema lotada também por negros, pais que levavam seus filhos satisfeitos, já que em suas infâncias, possivelmente, não se reconheciam entre heróis caucasianos. Como é obrigatório nesse tipo de cinema, uma vasta pesquisa cria referência para o universo fílmico, chama bastante atenção o figurino, a arquitetura e a paisagem ilustrando a diversidade de um continente. Uma escrita chama atenção em faixas e muros de Wakanda, são ideogramas Nsibidi, sistema de símbolos nativos do sudoeste da Nigéria. Nos tira da obviedade dos hieróglifos egípcios, sendo a África rica em sistemas simbólicos escritos. A busca de uma estética que represente a diversidade do continente e da diáspora forçada africana está também marcada no som ao longo do filme. Para pensar sobre isso peguemos a sequência que em 1’24’’00 o antagonista Erik Killmonger passa pelo ritual em que incorporará os poderes místicos do rei de Wakanda, Pantera Negra, até os 1’29”45 quando ele senta no trono. Toda essa sequência é marcada pela dramaticidade da música clássica até chegar nas batidas graves do hip-hop quando ele finalmente senta ao trono. A música dá a dramaticidade do momento em que se acredita que o rei deposto T’challa está morto, sua família foge da ira do novo rei. Essas cenas acontecem ao mesmo tempo e são intercaladas. A música dá o sentido de simultaneidade e a modulação, ou progressão, intercala as cenas atribuindo espaços e sensações distintas. As modulações têm caráter empático que através de sua linearidade cria tensões distintas e traduzem a transição de cenas. Na primeira passagem entre o ritual e a família de T’challa em fuga soma-se ao andamento da música os micros ritmos do movimento da mata anunciando a chegada de Nakia, agente secreta de Akanda, e Everest Ross, agente da CIA e amigo do rei deposto; esses sons parecem anunciar e harmonizam com a vibração do balafon (instrumento africano que antecedeu o xilofone comum nas orquestras musicais) que rompe o luto da mãe e irmã, criando a expectativa que algo está para acontecer, eles irão se organizar. Na cena seguinte temos Erik Killomonger entrando em transe após ingerir uma bebida sagrada, já não mais se escuta o balofon, tambores dão o ritmo ritualístico, estamos em outro módulo musical. Ao entrar em transe o personagem passeia no plano astral onde encontrará seu pai. É a flauta que carrega nesse momento o tom xamânico e onírico desse encontro. A progressão que alterna os planos entre flautas e violinos acompanha o teor dramático da conversa entre a lisérgica do transe e a tristeza da perda. Quando Erik desperta na sala de ritual, ele desperta confuso, nesse momento todos instrumentos que apareciam pontualmente para dar a textura da cena pulam para o primeiro plano e vibram em sintonia com o personagem atordoado, de triste à irado por descobrir que seu pai não está no lugar reservado aos seus ancestrais. Na cena seguinte temos uma modulação que ganha contornos de ritmos árabes, essa dinâmica é acompanhada pela imagem de Nakia com a cabeça coberta por um lenço caminhando em um túnel. A escuta semântica nos obriga a observar esses elementos visuais ligados a presença árabe no norte da África. Nokia consegue recuperar uma flor sagrada antes que todas sejam destruídas pelo rei despótico. O fogo arde destruindo a plantação da flor que dá os poderes aprimorados do Pantera Negra, são os estalos do fogo que marcam a dramaticidade, seguida de um canto árabe. A cena seguinte é marcada pela introdução de elementos eletrônicos na progressão musical. Novamente somos convidados à leitura semântica que nos transporta ao universo do Hip-Hop, quando o antagonista caminha até o trono, o tom que lhe atribuído é o do gangster rap. O travelling acompanha Erik até o trono e um movimento no eixo que se inicia invertido até ele sentar ao trono quando a imagem não está mais de cabeça para baixo. Esse giro afirma: a ordem foi mudada e temos um novo e violento rei. Aparentemente os elementos culturais, sonoros e imagéticos são desfilados na tela, mas de carga política direcionada. Temos a impressão que o Pantera Negra encontrou suas raízes em seu ancestral dos quadrinhos, o exotismo de uma África, que foi tarzanica e agora é afrofuturista, mas esvaziada de um enfrentamento político que pode ser legitimo. Nesse sentido o filósofo Slavoj Zizek aponta dois Panteras Negras: o revolucionário Erik Killmonger e o herdeiro T’Challa. Para o esloveno o herói seria o primeiro. Lembremos que, assim como os demais filmes da Marvel, Stan Lee não aparece unicamente de maneira irreverente, como na cena do cassino coreano, ele interfere diretamente nas produções dos filmes da Marvel. Sendo assim, parece que o roteirista de quadrinhos frustra a visão revolucionária do filósofo e aproxima o Pantera Negra fílmico do exótico e despolitizado Pantera de 1966, em um ideário que qualquer desejo de transformação do mundo é patologizado e mesquinhado. Por mais compreensível que sejam as motivações do antagonista, esse não foi desenhado para ser o herói.
Lavoura Arcaica consegue preservar o teor poético da obra homônima da qual ele parte, o primeiro livro de Raduan Nassar. A história trata do retorno de André à casa de seu pai, onde viveu com a mãe e as irmãos. Há no filme dois blocos narrativos, no primeiro seu irmão Pedro esforça-se para convencê-lo a voltar para a família, ele resiste, embriaga-se, anuncia que quer ser profeta de si mesmo. Por fim, confessa que o motivo de sua partida é Ana, irmã pela qual se apaixonou. Já, o segundo bloco narrativo é composto pelo seu retorno à casa familiar, o confronto com o pai, as expectativas dos irmãos e o afeto materno. Durante o filme vamos mergulhando no universo bucólico de uma família de imigrantes. A música e as festas nos fazem crer que estamos em uma fazenda de imigrantes libaneses, além da própria ascendência do autor da obra literária que nos sugere esse fato. Esse universo bucólico é extremamente marcado pela figura do pai e seu discurso religioso. Parábolas sobre a moral, sobre o valor do trabalho e sobre a temperança afirmam o aspecto rígido de tal educação. Ambiente que também é atravessado por uma imagem quase que fantasmagórica do avô. É nessa estrutura patriarcal, tida por André como autoritária, que desenvolve o drama onde em que o filho entra em confronto com a imagem paterna. Imagem de ordem que não se realiza apenas no pai, mas na casa, no trabalho, na razão e no silêncio. O protagonista opõe-se ao apolíneo, juntos, no lado esquerdo da mesa, estão a mãe, a irmã Ana e Lula, o caçula, todos representando o dionisíaco, o inverso do pai e demais irmãos à direita. O caráter afetuoso da mãe é o que para ele corrompe a estrutura da casa, é o que faz a estrada ser tão atraente. O lado esquerdo da mesa é a natureza da eloquência irracional e da desordem. “Pouco tempo de trabalho com seus irmãos quebrarão o orgulho de suas palavras, dando a saúde que você precisa”, adverte o pai. A estrutura narrativa é marcada pela voz over de André. Uma é a voz do jovem que está vivendo o drama do amor incestuoso pela irmã e a outra voz é a do André velho, já com uma calma possibilitada pela distância que o tempo ofereceu. O tempo se torna o amálgama entre essa aparente dualidade inconciliável. O tempo reconcilia o trabalho e a natureza, corrompe a pintura da casa, mas também cansa o viajante na estrada. Como linguagem cinematográfica a fotografia também trabalha com dualismos, ora, o sépia que se confunde com as paredes do casarão e a própria terra, ora, o verde da mata clareada pelo dia. A afetuosa terra, maternal, que abranda o calor de seus pés; e o céu, do ordenamento, que regra o trabalho no campo. Em suas memórias o jovem André parece reconhecer que em sua infância já existiu harmonia nessa dualidade. A luz do dia nas paredes ocres do casarão, as danças festivas em dias claros... Mas ele já tinha sido corrompido pelo afeto materno, em dias claros enterrava-se sob folhas marrons. Não era o céu que servia de cobertura, mas a terra e as folhagens. É quando ele está no trem regressando na companhia do irmão que a fotografia sépia rompe com possíveis harmonias e toda a sequência é marcada por sua predominância. É o próprio tempo que demonstra para André que essas categorias se confundem, “pois só a justa medida do tempo dá a justa natureza das coisas", afirma as pregações de seu pai. E é na confusão entre sentimentos e significações que o protagonista vive o seu drama: o incesto, figurado em dois momentos por meio do uso de metáforas visuais. Primeiro há a captura da uma pomba que remete a relação com a irmã. Em outra cena, que alude a relação incestuosa com o irmão caçula, vemos André dominando uma discussão com Lula, onde há um intercalamento de planos que mostram um pequeno louva-deus andando em uma mão. Lula estava sob os desejos de André. Lavoura Arcaica é um filme de grande carga poética e a linguagem fílmica, seja na fotografia ou nas linhas discursivas, acompanham essa complexidade. Por isso, parece que qualquer eixo interpretativo não se esgota, mas creio que o tempo é o seu principal material, onde os valores figurativos e afetivos podem tomar formas mais ou menos imprecisas. André deitado e coberto por folhas enxerga o céu embaçado por lágrima depois que seu pai assassinou Ana, cobre lentamente os olhos com folhas enquanto, de forma quase que paradoxal, ouvimos a voz do pai: “O tempo é o maior tesouro que o homem pode dispor, embora inconsumível, o tempo é o nosso melhor alimento...Rico não é o homem que coleciona e se pesa em um amontoado de moedas, nem aquele que devasso se estende em mãos e braços, em pernas largas. Rico só é aquele que aprendeu o piedoso e humilde viver com o tempo, aproximado dele com ternura, não se rebelando contra seu curso...”
Yamiyhex: as mulheres-espirito
4.1 1Um jogo de cena nos conta o surgimento das yãmĩyhex, o ritual de uma semana que se segue nos deixa atordoados. Os cineastas indígenas escolhem os planos e contra-planos de maneira bastante confiante. A narração nos guia para esses dias de perfomance ritual, mas avisa: nem tudo pode ser traduzido, o que confirma a sensação de estar atordoado.
O filme está disponível no Vimeo de 30/06 até dia 05/07 às 19:00
https://vimeo.com/431587794/description
As Divas Negras do Cinema Brasileiro
4.2 2Adorei a montagem!
Meu Amigo Totoro
4.3 1,3K Assista AgoraÉ tão delicado e bonito. Chega ser triste a sensação que essa beleza pode acabar, mesmo sem nada acontecer.
Ópera do Malandro
3.6 51E que maravilha o plano-sequência e o jogo entre os espelhos no banheiro!!!
Ópera do Malandro
3.6 51Em Ruy Guerra não são as cópias impressas da obra que se apresentam como destituída da áurea, são as canetas do enfadonho serviço burocrático de um malandro que está preste a aposentar a navalha, simbolizando a transição do modo de vida tradicional e da experiência do malandro ao trabalho regular profissional e a burocracia do Estado.
Mas o malandro para valer, não espalha/ Aposentou a navalha, tem
mulher e filho e tralha e tal./ Dizem as más línguas que ele até
trabalha,/ Mora lá longe, chacoalha, no trem da Central./
Agora já não é normal, o que dá de malandro/ Regular profissional, /
malandro com o aparato de malandro oficial/ Malandro candidato a
malandro federal/ Malandro com retrato na coluna social
Malandro com contrato, com gravata e capital, que nunca se dá mal
(Chico Buarque)
O discurso do mito da brasilidade também serve para justificar nossa posição de dependência cultural e econômica, sobre a efígie do malandro é representado o trabalhador organizado pela Consolidação das leis trabalhistas de Vargas, o trabalhador liberal e o político. Somos representados incapazes de viver a utopia moderna, não somos dados à burocracia, à ordem. O mito não nos justifica vivendo a utopia racionalista. O Estado está, segundo o determinismo cultural, fadado ao patrimonialismo. Discurso que atualmente anda bastante afinado com a ideologia neoliberal e ao capital financeiro. O mito serve ao senso-comum e não à ciência.
O Tempo do Lobo
3.6 72 Assista AgoraDá o que pensar assistir esse filme logo no dia em que manchas de óleo chegam na minha cidade.
Em um cenário apocalíptico, logo após perder o pai e descobrir que não conseguirá se refugiar em sua casa de campo, uma família tenta sobreviver. Nesse momento passam imersos em um nevoeiro, nada se vê a frente, não há futuro!
Uma criança esperneia angustiada que seu passarinho de estimação fugiu, ela o quer de volta. Quando consegue o mata ao mantê-lo preso ao seu corpo. A mesma mentalidade infantiloide está presente em quem quer garantir a soberania da amazônia, se diz no direito de queimá-la, entregar ao garimpo. Segue cena de incêndio.
Conseguem integrar um grupo, mas a coisa continua crua e existencial. Passa na nossa frente a violência, a velhice, as disputas de poder como se fossem resultados de um mínimo multiplicador. Esses passantes podem ser personagens de ficção científica ou refugiados de desastres ambientais.
O filme não deixa dicas de como sobreviver ao apocalipse, não há redenção. A inocência também não é uma virtude.
Nesse continente devemos aprender nos mundos que sobrevivem a esse apocalipse há pelo menos 500 anos.
Bacurau
4.3 2,8K Assista AgoraCom uma linguagem bem diferente de Aquarius e O Som ao Redor, Kleber Mendonça filho produziu um filme mais popular. Com linguagem mais dinâmica, flerta com a gramática do western, como as panorâmicas, as transições e alternância de figura-fundo. Mas não é só isso, tem algo de ciberpunk, ou melhor cibercangaço, e isso é realmente empolgante. O cenário distópico do cibercangaço é inscrito no presente, um futuro apocalíptico imediato. De início a cartela avisa que esse futuro já chegou. O uso da tecnologia, celulares e GPS deixa claro que o ciborque não está em sua primeira geração, como já nos avisou D. Haraway. A tradicional alegoria do subdesenvolvimento do cinema nacional, pincelam barbáries televisionadas, sutilezas que poderiam figurar qualquer periferia. Os drones nos lembra que tudo que não é ocidente é periferia. Ao mesmo tempo que a periferia guarda uma filiação de resistência com o cangaço, o filme costura a filiação da Máquina de Guerra do Estado, entre Alemães, Estadunidenses e PMs.
Maravilhoso!
Brasil Ano 2000
3.7 10"Eu queria trazer aos senhores uma família de classe média do terceiro mundo, largada em seu estado puro, sem nenhum vinculo com nada, a não ser sua própria imagem: primitiva!
Eu sei q para os senhores que se alimentaram por toda vida com os vícios dos colonizadores, que se acomodaram sob a proteção paternalista, que entregaram os bens mais caros de todas as suas forças, que se mostraram cúmplice de seus carrascos... Eu sei que para os senhores é quase impossível reconhecer a sua verdadeira imagem. Mas basta um pequeno esforço de memória, se ainda há memória, para reconhecermos que somos nos mesmos."
Fantástico!
O Abraço da Serpente
4.4 237 Assista AgoraQuando o cientista se aborrece com o cacique de uma tribo que se apropria de sua bússola: “Você é igual aos outros brancos”, adverte o xamã que o acompanha na jornada. “O sistema de orientação deles se baseia no vento e nas estrelas. Se aprenderem a usar a bússola, esse conhecimento se perderá”, responde o cientista ao jovem xamã, esse por sua vez retruca: “Não pode proibi-los de aprender. O conhecimento é de todos”.
Além do sistemático etnocídio, a morte simbólica, as etnias sofrem com o preconceito presente na visão do indígena cristalizado no tempo. A bússola, pode ser usada ou não, mas se ele a quer, não há porque negar tal conhecimento. Ou se quer tutelá-los, ou absorve-los, negando-lhes a etnia por usar uma bússola (hj é por causa de um celular que negam reconhecer sua identidade como indígenas).
A Noite de 12 Anos
4.3 302 Assista AgoraAo tratar da privação dos sentidos na solitária o filme mergulha a sala de cinema na sensação do personagem; este, aparentemente, ouve o barulho do próprio sangue enquanto se apega à presença de um besouro. A tortura se conecta com a belíssima versão de Sound of Silence em um final que apresenta vários ápices, talvez porque a história trate de mais temas. Sem apelar para a simplificação de vítimas/heróis e carrascos/ vilões o filme consegue criar alívios cômicos sem quebra a tensão presente no filme todo. Poético e sensorial!
A Casa Lobo
4.1 48Assustador e lindo!
Blade Runner: O Caçador de Andróides
4.1 1,6K Assista Agora"Todos esses momentos vão se perder no tempo como lágrimas na chuva" <3
Ensina-me a Viver
4.3 874 Assista AgoraJá perdi a conta de quantas vezes eu vi esse filme. Ainda lembro do "tapa" que tomei quando desavisado assisti essa obra. E a trilha?
Maniac
3.8 261 Assista AgoraSou suspeito por adorar os temas relacionados à distopia e IA, mas a série pretende ir um pouquinho mais além tratando o sofrimento como uma condição de existência. A narrativa amarra de maneira delicada o final, apostando na empatia e no companheirismo muito mais do que no amor clichê, talvez a serie enxergue algumas formas de amor como geradoras de sofrimento (como na relação mãe e filho apresentada).
A Mata Negra
3.2 100Um ótimo texto sobre a obra no blog Morte Todas as Tardes:
"A proposta de Aragão,e ele mesmo diz, é que “por uma hora e meia nos preocupemos com monstros mais bonitos do que os da vida real”. E como são bonitos esses demônios".
"A cidadezinha no meio do mato contém todos os demônios em suas entranhas, lá estão não só os seres malignos de outro mundo, mas os desse mundo também. Ambição, ganância, fome de poder: perversidades que, nos filmes de Aragão (e principalmente neste), encontram na figura humana um lugar confortável onde se esconder."
https://mortetodasastardes.wordpress.com/2018/09/05/a-mata-negra-de-rodrigo-aragao/ .
Ter visto o filme no Festival de Vitória com o público do Aragão torna a experiência mais bacana!
A Arca dos Zo'é
4.1 4Acho simplesmente maravilhoso o interesse dos Zo'e pelos Waiãpi. Para reconhece-los como "nós" os Waiãpi são questionados como caçam, o que comem e quais conhecimentos foram dados pelos antepassados, nativos antropólogos.
O Processo
4.0 240Montagem crua e nada óbvia. Independente de posições ideológica é uma aula de cine documentário e mais, um documento histórico.
Os Incontestáveis
2.3 8 Assista AgoraPodemos pensar Os Incontestáveis em dois momentos, o primeiro um filme de estrada com dois personagens carismáticos e um segundo momento que apresenta a história do contestado capixaba que desenvolve para o fantástico. O primeiro momento com cortes rápidos flerta com o vídeo clip. Senti falta de mais silêncio e menos trilha para marcar o ritmo. O segundo momento poderia ter mudado o dinamismo dos cortes, principalmente em alguns momentos da atuação de Tonico Pereira. Um filme independente com bons momentos. Mas deixa a impressão que o roteiro se perde em um final quase q improvisado.
Pantera Negra
4.2 2,3K Assista AgoraPantera Negra foi elogiado por trazer a questão da
representatividade negra nas telas de cinema e nenhum aspecto da produção parece ter ficado de fora. Desde o surgimento do personagem nos quadrinhos por coautoria de Stan Lee, o herói passou por várias transformações e muitas delas tiveram o objetivo de amenizar o caráter político do personagem. Embora criado no mesmo ano da fundação do Partido dos Panteras Negras, em 1966, Stan Lee afirma que seu nome não foi inspirado pelo partido e que teria surgido antes dele tomar conhecimento dos ativistas, não passando de coincidência. Houveram algumas tentativas de desvincularem a imagem do super-herói com uma imagem política, algumas aparições do personagem foram em revistas com personagens tarzanides, inspirados no Tarzan. Nessa tentativa de desvincula-lo com a imagem do partido, seu nome foi substituído algumas vezes, primeiro para Black Leopard e depois para chega a ser chamado de “Coal Tiger”.
Claro que desde o seu surgimento nos quadrinhos até a sua aparição no cinema muita coisa aconteceu, o personagem teve revistas próprias que foram canceladas, transformou-se em um parceiro coadjuvante de um personagem chamado Tigre Branco, até chegarmos no personagem fílmico de 2018. Em um filme saudado por representar o negro e protagonizá-lo de maneira nunca antes vista em blockbusters de Hollywood. Com diretor, equipe técnica e um elenco quase todo negro, percebemos também a sala de cinema lotada também por negros, pais que levavam seus filhos satisfeitos, já que em suas infâncias, possivelmente, não se reconheciam entre heróis caucasianos.
Como é obrigatório nesse tipo de cinema, uma vasta pesquisa cria referência para o
universo fílmico, chama bastante atenção o figurino, a arquitetura e a paisagem ilustrando a diversidade de um continente. Uma escrita chama atenção em faixas e
muros de Wakanda, são ideogramas Nsibidi, sistema de símbolos nativos do sudoeste da Nigéria. Nos tira da obviedade dos hieróglifos egípcios, sendo a África rica em sistemas simbólicos escritos.
A busca de uma estética que represente a diversidade do continente e da diáspora forçada africana está também marcada no som ao longo do filme. Para pensar sobre
isso peguemos a sequência que em 1’24’’00 o antagonista Erik Killmonger passa
pelo ritual em que incorporará os poderes místicos do rei de Wakanda, Pantera Negra, até os 1’29”45 quando ele senta no trono. Toda essa sequência é marcada pela dramaticidade da música clássica até chegar nas batidas graves do hip-hop quando ele finalmente senta ao trono. A música dá a dramaticidade do momento em que se acredita que o rei deposto T’challa está morto, sua família foge da ira do novo rei. Essas cenas acontecem ao mesmo tempo e são intercaladas. A música dá o sentido de simultaneidade e a modulação, ou progressão, intercala as cenas atribuindo espaços e sensações distintas. As modulações têm caráter empático que através de sua linearidade cria tensões distintas e traduzem a transição de cenas.
Na primeira passagem entre o ritual e a família de T’challa em fuga soma-se ao
andamento da música os micros ritmos do movimento da mata anunciando a chegada de Nakia, agente secreta de Akanda, e Everest Ross, agente da CIA e amigo do rei deposto; esses sons parecem anunciar e harmonizam com a vibração do balafon (instrumento africano que antecedeu o xilofone comum nas orquestras musicais) que rompe o luto da mãe e irmã, criando a expectativa que algo está para acontecer, eles irão se organizar. Na cena seguinte temos Erik Killomonger entrando em transe após ingerir uma bebida sagrada, já não mais se escuta o balofon, tambores dão o ritmo ritualístico, estamos em outro módulo musical. Ao entrar em transe o personagem passeia no plano astral onde encontrará seu pai. É a flauta que carrega nesse momento o tom xamânico e onírico desse encontro. A progressão que alterna os planos entre flautas e violinos acompanha o teor dramático da conversa entre a lisérgica do transe e a tristeza da perda. Quando Erik desperta na sala de ritual, ele desperta confuso,
nesse momento todos instrumentos que apareciam pontualmente para dar a textura
da cena pulam para o primeiro plano e vibram em sintonia com o personagem
atordoado, de triste à irado por descobrir que seu pai não está no lugar reservado
aos seus ancestrais.
Na cena seguinte temos uma modulação que ganha contornos de ritmos árabes,
essa dinâmica é acompanhada pela imagem de Nakia com a cabeça coberta por um
lenço caminhando em um túnel. A escuta semântica nos obriga a observar esses
elementos visuais ligados a presença árabe no norte da África. Nokia consegue recuperar uma flor sagrada antes que todas sejam destruídas pelo rei despótico. O
fogo arde destruindo a plantação da flor que dá os poderes aprimorados do Pantera
Negra, são os estalos do fogo que marcam a dramaticidade, seguida de um canto
árabe. A cena seguinte é marcada pela introdução de elementos eletrônicos na progressão musical. Novamente somos convidados à leitura semântica que nos transporta ao universo do Hip-Hop, quando o antagonista caminha até o trono, o tom
que lhe atribuído é o do gangster rap. O travelling acompanha Erik até o trono e um
movimento no eixo que se inicia invertido até ele sentar ao trono quando a imagem
não está mais de cabeça para baixo. Esse giro afirma: a ordem foi mudada e temos
um novo e violento rei.
Aparentemente os elementos culturais, sonoros e imagéticos são desfilados na tela,
mas de carga política direcionada. Temos a impressão que o Pantera Negra encontrou suas raízes em seu ancestral dos quadrinhos, o exotismo de uma África, que foi tarzanica e agora é afrofuturista, mas esvaziada de um enfrentamento político que pode ser legitimo. Nesse sentido o filósofo Slavoj Zizek aponta dois Panteras Negras: o revolucionário Erik Killmonger e o herdeiro T’Challa. Para o esloveno o herói seria o primeiro. Lembremos que, assim como os demais filmes da Marvel, Stan Lee não aparece unicamente de maneira irreverente, como na cena do cassino coreano, ele interfere diretamente nas produções dos filmes da Marvel.
Sendo assim, parece que o roteirista de quadrinhos frustra a visão revolucionária do
filósofo e aproxima o Pantera Negra fílmico do exótico e despolitizado Pantera de 1966, em um ideário que qualquer desejo de transformação do mundo é patologizado e mesquinhado. Por mais compreensível que sejam as motivações do antagonista, esse não foi desenhado para ser o herói.
Lavoura Arcaica
4.2 382 Assista AgoraLavoura Arcaica consegue preservar o teor poético da obra homônima da qual ele parte, o primeiro livro de Raduan Nassar.
A história trata do retorno de André à casa de seu pai, onde viveu com a mãe e as irmãos. Há no filme dois blocos narrativos, no primeiro seu irmão Pedro esforça-se
para convencê-lo a voltar para a família, ele resiste, embriaga-se, anuncia que quer
ser profeta de si mesmo. Por fim, confessa que o motivo de sua partida é Ana, irmã
pela qual se apaixonou. Já, o segundo bloco narrativo é composto pelo seu retorno à
casa familiar, o confronto com o pai, as expectativas dos irmãos e o afeto materno.
Durante o filme vamos mergulhando no universo bucólico de uma família de imigrantes. A música e as festas nos fazem crer que estamos em uma fazenda de imigrantes libaneses, além da própria ascendência do autor da obra literária que nos sugere esse fato. Esse universo bucólico é extremamente marcado pela figura do pai e seu discurso religioso. Parábolas sobre a moral, sobre o valor do trabalho e sobre a temperança afirmam o aspecto rígido de tal educação. Ambiente que também é atravessado por uma imagem quase que fantasmagórica do avô.
É nessa estrutura patriarcal, tida por André como autoritária, que desenvolve o drama onde em que o filho entra em confronto com a imagem paterna. Imagem de ordem que não se realiza apenas no pai, mas na casa, no trabalho, na razão e no silêncio. O protagonista opõe-se ao apolíneo, juntos, no lado esquerdo da mesa, estão a mãe, a irmã Ana e Lula, o caçula, todos representando o dionisíaco, o inverso do pai e demais irmãos à direita. O caráter afetuoso da mãe é o que para ele corrompe a estrutura da casa, é o que faz a estrada ser tão atraente. O lado esquerdo da mesa é a natureza da eloquência irracional e da desordem. “Pouco tempo de trabalho com seus irmãos quebrarão o orgulho de suas palavras, dando a saúde que você precisa”, adverte o pai.
A estrutura narrativa é marcada pela voz over de André. Uma é a voz do jovem que
está vivendo o drama do amor incestuoso pela irmã e a outra voz é a do André velho, já com uma calma possibilitada pela distância que o tempo ofereceu. O tempo se torna o amálgama entre essa aparente dualidade inconciliável. O tempo reconcilia o trabalho e a natureza, corrompe a pintura da casa, mas também cansa o viajante na estrada.
Como linguagem cinematográfica a fotografia também trabalha com dualismos, ora,
o sépia que se confunde com as paredes do casarão e a própria terra, ora, o verde
da mata clareada pelo dia. A afetuosa terra, maternal, que abranda o calor de seus
pés; e o céu, do ordenamento, que regra o trabalho no campo. Em suas memórias o
jovem André parece reconhecer que em sua infância já existiu harmonia nessa dualidade. A luz do dia nas paredes ocres do casarão, as danças festivas em dias
claros... Mas ele já tinha sido corrompido pelo afeto materno, em dias claros enterrava-se sob folhas marrons. Não era o céu que servia de cobertura, mas a terra e as folhagens. É quando ele está no trem regressando na companhia do irmão que a fotografia sépia rompe com possíveis harmonias e toda a sequência é marcada por sua predominância. É o próprio tempo que demonstra para André que essas categorias se confundem, “pois só a justa medida do tempo dá a justa natureza das coisas", afirma as pregações de seu pai.
E é na confusão entre sentimentos e significações que o protagonista vive o seu drama: o incesto, figurado em dois momentos por meio do uso de metáforas visuais. Primeiro há a captura da uma pomba que remete a relação com a irmã. Em outra cena, que alude a relação incestuosa com o irmão caçula, vemos André dominando uma discussão com Lula, onde há um intercalamento de planos que mostram um pequeno louva-deus andando em uma mão. Lula estava sob os desejos de André. Lavoura Arcaica é um filme de grande carga poética e a linguagem fílmica, seja na fotografia ou nas linhas discursivas, acompanham essa complexidade. Por isso, parece que qualquer eixo interpretativo não se esgota, mas creio que o tempo é o seu principal material, onde os valores figurativos e afetivos podem tomar formas mais ou menos imprecisas.
André deitado e coberto por folhas enxerga o céu embaçado por lágrima depois que
seu pai assassinou Ana, cobre lentamente os olhos com folhas enquanto, de forma
quase que paradoxal, ouvimos a voz do pai: “O tempo é o maior tesouro que o homem pode dispor, embora inconsumível, o tempo é o nosso melhor alimento...Rico não é o homem que coleciona e se pesa em um amontoado de moedas, nem aquele que devasso se estende em mãos e braços, em pernas largas. Rico só é aquele que aprendeu o piedoso e humilde viver com o tempo, aproximado dele com ternura, não se rebelando contra seu curso...”
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Aniquilação
3.4 1,6K Assista AgoraLisergia nas artes gráficas e fotografia. Comecei a ver sem pretensão e sem saber do elenco... Gostei.
Extinção
2.9 434 Assista AgoraÓtimo roteiro, mas peca na direção. Exagerou nos slowmotion com músicas dramáticas para criar clima, meio brega.
Corumbiara
4.5 19Filme mais do que necessário!!!
Sonata de Outono
4.5 493A análise sobre o Prelúdio de Chopin, que cena linda!