O sentimento de inadequação permeia a relação de todos os personagens principais no filme "Mais Forte Que Bombas". É dessa falta que contida até mesmo no título que a obra nos fala. O que é mais forte que bombas? O amor. Sim. Uma pessoa quando está segura de ser amada fica mais forte que tudo. Mas quando não está, fica tão destrutiva quanto. Tudo gira simbolicamente entre nascimento e morte. E naquela fase do meio. Onde não se é mais criança, mas ainda não se é adulto. Esse rito de passagem que separaria os meninos dos homens é mostrado de maneira bastante delicada pela direção de Joachim Trier. O mal estar de não sentir-se pertencente a algo ou algum lugar é elevado ao posto de protagonista aqui. Todos, absolutamente todos os protagonistas sentem essa melancolia que nada nem ninguém aplaca. A Mãe que é fotógrafa de guerra famosa que quando está viajando a trabalho sente falta de casa, mas que quando está em casa, sente-se como intrusa em seu próprio lar. O pai que perdeu a conexão com os filhos e que busca desesperadamente uma forma de mudar essa situação. O filho mais velho que reencontra uma grande paixão da juventude quando está no hospital onde a sua atual esposa acaba de ter um bebê. O filho mais novo que vive numa bolha, isolado de tudo e todos. Trier nos apresenta esses personagens de maneira fragmentada, quase incômoda. A mãe está morta. Mas sua lembrança está em todos os lugares. Essa fantasmagoria atormenta a família de tal maneira que parece não existir solução para essa ruptura familiar. Sim. Por não saberem como reagir a essa ausência surge o sentimento de desamparo. Mas é justamente a capacidade de se continuar vivendo apesar de que os fortalecerá. Sim! Talvez esse sentimento de inadequação, de desamparo, seja o nosso ponto de partida desde que nascemos. Mas não devemos e nem podemos parar aí. Caminhemos. Como no Mito de Sísifo, a resposta está na trajetória e no olhar que dedicamos às coisas e pessoas.
Larry Clark é um diretor que possui um tema obsessivo: a juventude e seu modus operandis. Em "O Cheiro da Gente", seu novo filme, isso novamente vem a tona. O fetiche pela beleza e juventude é mostrado em contraposição com a decrepitude dos corpos dos velhos. Tudo de maneira crua e cruel. A fragilidade dessa relação vampírica (jovens entram com o sexo e os velhos com o dinheiro) é de certa forma o eixo dramatúrgico de toda a obra. Pais ausentes, ou negligentes, ou exigentes demais. Tédio. Muito tédio. Aquele sentimento de rebeldia característico da adolescência. Ausência de Afeto. O consumismo desenfreado. Tudo junto e misturado. Dai que o filme vira uma radiografia desses comportamentos. Há escapatória? O pessimismo impera e se há alguma espaço para a sutileza é quando Clark filma o rosto apáticos de alguns belos garotos. O que eles pensam? O que eles sentem? Clark é fascinado por esses closes reveladores. Uma tristeza absoluta perpassa essas imagens. A beleza agonizante do garoto protagonista em muito lembra o clássico "Morte em Veneza" do Luchino Visconti. Tanto lá, quanto aqui, parece não existir saída.
"Filha Distante" é uma jornada minimalista sobre a ausência. Qual o lugar do passado? Como lidar com essas intermitências da vida? O diretor Carlos Sorin concebe um filme feito de silêncios, lacunas e pequenas cápsulas de afeto, esperança. O enredo é simples: um pai que ficou ausente durante anos por problemas de alcoolismo busca reencontrar-se com a filha. O que importa aqui é muito mais o caminho, a busca, a trajetória do que qualquer outra coisa. Sorin filma os encontros e desencontros de forma realista, sem forçar sentimentos no espectador. Isso é um ponto positivo do filme. Pq nos dá tempo para conhecer aqueles personagens mais por suas ações e gestos do que pelo psicologismo da direção. Que aqui não tem espaço. Sorin não é adepto desse cinema. Pelo contrário. Ele aposta todas suas fichas nos interstícios que podem existir entre dois corpos. Vem dai toda sua singela beleza.
"O Verão da Minha Vida" é um daqueles filmes fofos que nos fazem refletir sobre a importância da amizade e do afeto na vida de uma pessoa. O protagonista é um garoto de 14 anos, cheio de conflitos por causa da separação de seus pais. Sua mãe vive um relacionamento abusivo com um novo homem, que é um cara escroto que para se sentir melhor precisa rebaixar todo mundo com quem convive. O filme aborda essa relação conflituosa quando essa família disfuncional resolve passar um verão numa outra cidade. O garoto acha tudo aquilo um tremendo tédio, mas pouco a pouco, ele conhecerá pessoas que lhe ensinaram como olhar a vida de uma maneira original. O roteiro é bem simples, mas amarradinho e com excelentes atuações e uma trilha bacana.
"Ele está de volta" é um daqueles filmes necessários para se entender a crise política (e sobretudo, humana) que estamos passando. Tempos sombrios!!!! Um dia do nada, Hitler ressurge na Alemanha. O ano é 2014 e ele e suas ideias anacrônicas e criminosas estão de volta. Não espere uma justificativa do que pq isso ocorreu. A proposta do filme é muitíssimo clara: Mostrar o perigo da ascensão de certos ideais. É uma metáfora. A pegada aqui é satírica e engraçadinha. Mas não se engane. O assunto é sério. E merece nossa reflexão. Especialmente quando olhamos para nossa política atual e vemos essa canalhice toda. Quando vemos a ascensão de uma política conservadora e corrupta que engana a população usando o nome de Deus e da Família. Todo cretino sempre fala em nome de Deus e da Família. Preste atenção! Esses tipos são os mais nocivos, pq seduzem o povo com seus discursos hipócritas. Note que esses tipos sempre se vendem como a "solução", como "heróis". Brecht estava certo: "Triste de um povo que ainda precisa de heróis". Agora se a coisa ainda não ficou explícita para você, eu dou uma de Bela Gil e afirmo: Você pode assistir ao filme e substituir o Hitler pelo Bolsonaro, pelo Cunha, por exemplo...
Afinal, o que querem as mulheres? Essa pergunta que já virou série, peça de teatro, tema de livros e filmes, esconde muita coisa, entre elas, uma tentativa de colocar o feminino num lugar de silenciamento porque se nem elas conseguem se entender, quem entenderia... Freud quando formulou a pergunta no singular para sua analisanda e discípula Marie Bonaparte esperava realmente uma resposta ou algo que apenas reafirmasse seu ponto de vista?
"A grande pergunta que não foi nunca respondida e que eu não fui capaz ainda de responder, apesar de meus trinta anos de pesquisa sobre a alma feminina é – O que quer uma mulher?"
Compreendo o motivo da pergunta, mas ela me incomoda um pouco. Afinal, é possível saber o que uma pessoa deseja partindo apenas de sua condição biológica? Interessa-me mais entender o que uma pergunta como essa esconde. Ora, a subjetividade do desejo não se alcança com palavras. Porque elas esconderiam toda a construção sócio-cultural apreendida ao longo dos dias e dos séculos e séculos. Não podemos negar, nem muito menos esconder ou esquecer, que todo nosso aprendizado até aqui se deu dentro de uma lógica capitalista/consumista/moralista/cristã. Como fugir disso tudo? Ou melhor, como conhecer realmente o outro nisso tudo? Ou indo além, como se conhecer de verdade nisso tudo? Inseridos todos nesse contexto, nosso querer torna-se engessado, corruptível, manipulável.
Fiz todo esse prólogo para falar sobre um filme que mexeu muito comigo: “Longe Deste Insensato Mundo” do diretor Thomas Vinterberg. Adaptado do romance de Thomas Hardy escrito em 1874, tanto o livro, quanto o filme tem muito a nos dizer ainda hoje. Essa afirmação pode parecer absurdamente contraditória, visto que hoje em dia, vivenciamos um contexto bem diferente em relação ao que se supõe ser feminino, mas a coisa toda ainda é pertinente. Visto que ainda estamos meio que patinando nisso tudo. Meio que perdidos numa contemporaneidade líquida onde tudo é permitido, mas pouco ou quase nada é desejável. O que é ser mulher? Ou, o que é ser mulher num espaço dominado por homens? E ainda, o que é ser mulher num contexto em que alguns direitos antes negados são agora reconhecidos? Reconhecidos e legitimados por quem? O que fazer com isso, se toda a estrutura ainda continua praticamente a mesma? O que fazer com tudo isso num contexto onde só é reconhecido aquele que tem algum poder sobre os demais, aquele que pra sobreviver reprime, inferioriza os outros, aquele que “vence”? Não podemos nos esquecer nunca que os veículos midiáticos estão sempre à espreita para reterritorializar todo mundo de novo e colocar todo mundo em lados opostos de novo, e de novo, e de novo. . A protagonista vivida com brilhantismo pela Carey Mulligan, foi criada sem pais, e por isso, tornou-se muito solitária e independente. Ao longo do filme, três homens irão lhe propor casamento. Mas a pergunta aqui propositalmente deve mudar, ao invés de nos perguntarmos o que é que essa mulher quer, temos que entender primeiro o que é que cada um desses homens lhe oferece? E a partir daí entendermos porque ela nega ou aceita um convite. E é aí, só ai, que o título do filme faz um sentido enorme. Sim. Porque somente longe deste insensato mundo é que se pode criar novos territórios e novas formas de se relacionar. Belíssimo Filme!!!!
As escolhas que fazemos ao longo da vida são definidoras daquilo que acabamos nos tornando. Mas teríamos realmente alguma escolha? Qual o lugar daquilo que comumente chamamos essência? "Viagem Solitária" da diretora Maria Sole Tognazzi é um filme muito simples, que pouco a pouco, ganha profundidade e até comove. Irene, a protagonista, é uma mulher independente, que tem um emprego aparentemente dos sonhos. Ela trabalha para uma revista inspecionando hotéis de luxo. Sua função é viajar o mundo, se hospedar em hotéis 5 estrelas e avalia-los. Algo bastante solitário, mas com o qual ela já se acostumou. Irene tem poucos amigos. Entre eles, um ex-namorado com o qual ainda mantêm uma relação bastante próxima. Ele está num novo relacionamento e a garota está grávida. Irene tem pouco tempo para fazer a manutenção de suas amizades e certo dia, numa de suas viagens, conhece uma antropóloga que mexe com sua visão de mundo. Haveria ainda tempo para alguma mudança? Por onde começar? Na realidade, tudo é muito simples e é a gente mesmo que complica tudo. A felicidade e a alegria apesar de serem conceitos subjetivos, são em sua essência muito simples. São feitos de pequenos gestos, demonstrações de afeto e importância. A beleza do filme reside nessa tomada de decisão de Irene. Não é preciso grandes mudanças de personalidade. Apenas uma pequena epifania: devemos valorizar mais as pessoas que estão ao nosso lado.
"Cores" é o retrato melancólico da geração de trinta e pouco anos que se vê diante de uma sociedade líquida onde nada mais parece ter ou fazer sentido. Casamento, família, filhos, emprego estável... Tudo isso que para as gerações anteriores se tornou uma espécie da mapa moral de conduta e sobretudo, desejos, caiu por terra. E o que ficou no lugar? Nada. Ou novas formas de moldes e dependência. Sim. Parece que mudou coisa mudou, mas no fundo, no fundo, muito pouco. Fomos libertados de velhas gaiolas com a incumbência de acharmos novos nichos. Nosso novo lugar no mundo. Essa ainda parece ser nossa tarefa, nossa missão: acomodar-se. Tudo parece mais rápido, mais veloz, e o que fazer com o tédio? Tudo parece mais acessível, mas qual o lugar do sonho ou do desejo? O sociólogo Zygmunt Bauman em seu livro "Modernidade Líquida" afirma que "sentir-se livre das limitações, livre para agir conforme os desejos, significa atingir o equilíbrio entre os desejos, a imaginação e a capacidade de agir: sentimo-nos livres na medida em que a imaginação não vai longe que nossos desejos e que nem uma nem os outros ultrapassam nossa capacidade de agir". É sobre isso que "Cores" nos exorta o tempo todo. A tal liberdade transforma-se, então, em mero slogan usurpado pelos velhos donos do poder. O que é que eu vou fazer com essa tal liberdade? Daí que o diretor Francisco Garcia mostra seus protagonistas (dois homens e uma mulher) vivendo uma rotina até mesmo quando pensam não viver uma rotina. É um olhar duro, quase impiedoso de uma geração apática, à quem muito foi prometido e pouco foi dado ou conquistado. O grande problema daqueles personagens talvez seja o mesmíssimo que o que andamos vendo por ai, e que já nos alertava Cornelius Castoriadis: Nossa sociedade parece não reconhecer mais qualquer alternativa para si mesma, sendo assim, se sente absolvida do dever de questionar. Triste!
"Meu caso não é único. Tenho medo de morrer e odeio viver. Não trabalhei. Não estudei. Eu chorei e gritei. Lágrimas e gritos me tomaram muito tempo. Irei embora como cheguei: Intacta. Cheia dos defeitos que me torturaram. Queria ter sido uma estátua. Sou uma lesma sob o estrume. As virtudes, as qualidades, a coragem, a meditação, a cultura. De braços cruzados, me despedacei com tais palavras."
Que belo filme é esse "Violette" dirigido por Martin Provost. Como é difícil a gente ser aquilo que nasceu para ser. Deveria ser a coisa mais fácil do mundo. Mas que nada. Tudo nos forja. Toda a estrutura da nossa sociedade é contra a gente. O tempo todo. Até que nos transformamos em meros arremedos de nós mesmos. Despidos de todo potencial criativo e humano. Enfraquecidos. Robotizados. E repetimos. Repetimos. Repetimos. Sem se dar conta disso. Mas tem os que se dão conta dessa condição. Esses são os que mais sofrem. Encontrar nossa própria voz, defrontar-se com o mais verdadeiro de nós mesmos deveria ser nossa única e mais urgente missão. Mas que nada. Tudo está organizado direitinho para que não caímos nessa.
Daí, que a trajetoria de Violette é árdua e triste. Ela sofre por se dar conta de seus próprios condicionamentos e não conseguir livrar-se deles. Essa é a cilada. Quando mais tenta, mais chafurda na lama. Importante deixar claro o contexto dessa história. Violette é uma mulher, escritora, dos anos 60, que ao ler Simone de Beauvoir tem um estalo e começa a também escrever. Ela procura a famosa escritora e entrega em suas mãos um livro que acabara de escrever. Simone gosta da escrita confessional daquela mulher e a incentiva a escrever mais e mais. Violette obedece. E escreve. Escreve. Escreve. Elas tornam-se amigas. Essa jornada de autoconhecimento deflagrada pelo processo de escrita enlouquece Violette. Seus condicionamentos são muitos. Intensos. Profundos. E a compensação financeira não vem. A idade avança. Ela não é casada. Não tem filhos. Já sofreu um aborto. Simone incentiva-a a escrever sobre isso. A colocar todos os seus demônios no papel. Violette obedece. Sua iluminação e salvação vem dai. Quando ela se transforma numa testemunha de si mesmo e do agora. Quando torna-se mestre de si mesma. E é ai que acaba ensinando até mesmo Simone.
"Violette" de certa forma me lembrou um texto que li do Osho sobre o aprisionamento da mente. Ele conta a história de um mestre que pede que seu discípulo coloque um pequeno ganso dentro de uma garrafa e vá alimentando-o até que ele fique tão grande que não possa mais escapar pela boca da garrafa. Quando isso acontece, o mestre lhe faz um desafio: retire o ganso sem destruir a garrafa e sem matá-lo. O discípulo tenta de todas as maneiras e não consegue. Até que lhe vem a iluminação: a garrafa é sua mente e ele é ganso. Ele corre até o Mestre para contar sua descoberta. O mestre apenas diz: "Conserve-o fora. O Ganso nunca esteve dentro".
O medo do desconhecido, daquilo que não pode ser nomeado, sempre acompanhou a história da humanidade. Tudo o que não compreendemos em nós ou nos outros jogamos para a ordem do espiritual, do além, do binômio Deus/Diabo. Essa também sempre foi uma importante ferramenta de dominação. Quer dominar alguém? Impinja medo nessa pessoa. Nada mais fácil. E se quer que o serviço seja ainda mais bem feito, faça isso desde criança. Daí, que somos criados por essa cultura do medo de maneira eficiente desde a mais tenra infância. Os contos de fadas são o primeiro contato com esse universo. Em sua quase totalidade os contos revelam um caráter pedagógico extremamente nefasto, reforçando padrões morais que punem os transgressores, além de construir generalizações sobre o que é masculino e feminino ou de bem e mal. A apresentação desses conceitos na infância visa um só objetivo que não tem nada de lúdico: DOMÍNIO. Sim. Domínio de corpos e mentes. Formatações para a vida adulta, digamos assim. E é aqui que a repressão, esse velho padrão moral é alicerçado. E uma figura surge como agente catalisador disso tudo: a BRUXA. Feia. Invejosa. Ardilosa. Má. Ela é a personificação de tudo o que é ruim. Mas é também quem movimenta a história. Vem daí seu extremo fascínio. Medo e curiosidade são sensações muito próximas. E esse aprendizado é levado para vida adulta. As novelas, as igrejas e os filmes de terror se alimentam dessa sedução infantil.
“Comerás livremente o fruto de qualquer espécie de árvore que está no jardim; contudo, não comerás da árvore do conhecimento do bem e do mal, porque no dia em que dela comeres, com toda a certeza morrerás!”
A retroalimentação existente entre os sentimentos de medo e curiosidade desencadeia uma outra ideia igualmente poderosa: A Necessidade de Salvação. Pronto! Trabalho Concluído com Sucesso. Estamos inseridos no contexto de dominação.
”Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus.”
Fiz esse prólogo um pouco extenso (reconheço) para falar sobre o filme “A Bruxa” que está em cartaz nos cinemas brasileiros e que está fazendo um grande sucesso pelo mundo afora. Dirigido pelo estreante Robert Eggers, “A Bruxa” fala sobre esse estado de torpor diante do inominável, representado aqui pela natureza, animais e na figura da menina prestes a transformar-se em mulher. O filme que está vendido por uma agressiva campanha de marketing como sendo de terror, está mais para uma espécie de pesadelo contemporâneo. Sim. Apesar de se passar em 1630, a obra nos diz muito sobre nossa contemporaneidade. A figura da mulher que sempre foi relegada/omitida/oprimida/criminalizada surge aqui como poderosa metáfora do medo que o desconhecido provoca. A religiosidade, solução criada para tamponar o pavor diante da não compreensão, revela-se um instrumento de histeria coletiva, onde já não é mais possível nomear o que acontece. O que é real? O que é delírio? Impossível mensurar. A atmosfera de “A Bruxa” é angustiante justamente por isso. A trama nos enreda nesse universo de maneira exemplar. Tudo é construído de maneira sutil. A fotografia escura iluminada apenas por velas ou luz do dia, a trilha sonora que perturba e entorpece o entendimento e os sussurros que contrastam com os gritos, coloca-nos diante desse impasse. O que está acontecendo ali? O diretor sabiamente mais insinua do que mostra, “brincando” o tempo todo com a ordem do invisível. Importante salientar que tudo é clivado pela lógica do objeto desejante. É tudo sobre o desejo. Não como potência criativa, mas falta. Desembocando num estado perverso e de putrefação.
”A Bruxa” é uma fábula que problematiza e redimensiona a questão da potência do desejo. “O que você quer?” Essa pergunta é assustadora. Porque exige não uma mera resposta, mas um compromisso com a existência. Fomos ensinados a negar nossos instintos com medo de acabarmos como Branca de Neve com a maçã entalada na garganta. Todo desejo deve ser punido. Ou mais profundamente, todo objeto de desejo deverá sofrer punição. A dimensão sócio-histórica revela-nos o óbvio: a mulher é por excelência mostrada como agente dessa sedução e merece ser penalizada. Ou indo mais longe ainda, todo aquele que não é necessariamente masculino (e aqui se inclui os efeminados, os gays, travestis e transexuais) desregulam a norma e devem ser caçados e punidos. Por esses e muitos outros motivos, “A Bruxa” é um belo e urgente grito de libertação.
"O Menino e o Mundo" tem um estética belíssima e uma crítica social bastante pertinente, mas não me tocou. Perdi a conta de quantas vezes bocejei vendo-o e olha que o filme só tem pouco mais de 70 minutos.
Sobre "Spotlight", minha opinião é curta e grossa: como filme é uma excelente matéria jornalística, mas como cinema é muito fraco. O hype em cima do filme se explica pela contundência das denúncias levantadas pelo jornal Boston Globe de inúmeros casos de pedofilia cometidos por padres. Esses crimes eram acobertados pela Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana. A notícia marcou o jornalismo no mundo todo e gerou uma série de outras denúncias. O filme só consegue ser um arremedo disso. Resultando numa obra didática, esquemática e fria, que insiste em forçar um sentimentalismo barato atráves de uma trilha sonora extremamente piegas. O filme é isso: forçado. A direção do Tom McCarthy tem a sensibilidade de um elefante numa loja de cristais. Enfim... decepcionante!
MARAVILHOSO!!!! Que filme simples e poderoso! Brie Larson está phodástica e o menino Jacob Tremblay consegue passar todas as camadas do seu difícil personagem de maneira encantadora. A direção de Lenny Abrahamson é segura e extremanente sensível, sem se tornar piegas ou cansativa. Lindo filme! Dolorida metáfora de nossa condição humana. Ah, como é bom ver um filme assim...
"Nós não temos todo o tempo do mundo. Você não deve desperdiçar a vida de modo que a única coisa que aconteça seja que sua xoxota fique gasta. A primeira vez que ouvi Mozart foi no youtube. Foi quase há um ano. Estava procurando algum clipe idiota e subitamente fui cativada pela música. Desde então, eles não podem me tocar. Eles podem pegar seus paus e suas vidas de merda e dizer o que querem. Não me importo. Eu não estou mais lá. De alguma maldita maneira vou fugir de tudo isso e chegar ao outro lado. Vou para onde seja mais real do que essa realidade horrorosa. Pra onde é belo."
Música Clássica. Poesia. Filosofia. Cinema. Ingredientes mais que perfeitos para se fazer um bom filme.
O compositor austríaco Mozart. O poeta sueco Gunnar Ekelof. O filósofo dinamarquês Kierkegaard. A diretora de cinema Lisa Langseth.
Todos personificados em Katarina, personagem da Alicia Vikander, que tem um desempenho excepcional. Aqui em seu de primeiro desempenho no cinema. Que mulher phoda!!!! Que filme phoda!!!! "Pura" coloca o dedo da ferida e cutuca sem piedade. Mostra como a sociedade vive apaziguada/medicada/domesticada/alienada com remédios, programas de televisão banais e música de fácil repetição e como a elite cultural vive fechada em seu próprio mundinho. Katarina é uma pária. Uma mulher que ao conhecer a beleza da música de Mozart tenta desesperamente sair de seu mundinho classe média. Ela conseguirá? A vontade nesse caso bastaria? E o com que fazer com sua mãe alcoólatra? E seu namorado extremamente acomodado? E sua fama de "puta", "louca"? E sua pouca idade e inexperiência dos perigos/sedução do mundo?
Confesso que foi um filme que me doeu muito, porque entre outras coisas, um dos seus temas principais é abuso emocional. É um filme belo em sua imensa tristeza. A personagem de Alicia me lembrou tanto Macabéa (de "A Hora da Estrela" de Clarice Lispector) quando ouve "Una Furtiva Lacrima" pela primeira vez no rádio e chora, por intuir "que havia outros modos de sentir, havia existências mais delicadas e até com um certo luxo de alma". Sim!
"Quero ser outra pessoa em outro lugar. Um lugar onde ninguém me conheça e onde eu possa ser o quem eu quiser. Como num quarto de hotel."
E justamente nessa semana que tanto se falou sobre o tal "desafio da maternidade" e a dor e a delícia de se ter ou não ter filhos, me caiu na mão um filme sueco dirigido e roteirizado por Lisa Langseth que trata justamente sobre isso. Não só isso, é verdade. Mas Erika é uma mulher casada, bem sucedida profissionalmente, que ao passar por uma experiência traumática no parto, desenvolve um sentimento de rejeição ao filho. Ela entra numa depressão pós-parto e não se dá bem em nenhuma das terapias que procura. Até que seu marido encontra um grupo de apoio onde as pessoas falam sobre seus problemas. Erika começa a frequentar o grupos e nada fala. Até que um dia ao ouvir o desabafo de uma garota que se sente inadequada no mundo se identifica e consegue verbalizar sua dor. É um filme sobre isso. Sobre encarar as nossas dores. Sobre verbalizá-las. O nome do filme é perfeito, pois se encaixa na proposta que Erika lança aos demais companheiros do grupo de apoio: se hospedarem junto com ela em hotéis distante de tudo aquilo que os incomodam. Em suma, tirar férias de si mesmos. Eles topam e partem numa espécie tragicômica de autoconhecimento. É um filme muito bonito, pequenino. Esses 5 viajantes podem ser quem eles quiserem nesses dias. E um ajuda o outro com sua dor, com sua jornada de descobrimento. O mais interessante é acompanhar como cada um lida com seu próprio "problema" e o dos outros. Além da protagonista Erika, temos uma senhora solitária que não consegue encontrar mais sentido na realidade, uma garota abusada sexualmente, um homem com um passado misterioso e um senhor que busca na punição um alento para sua vida. Os métodos nada ortodoxos do grupo possuem certa graça, mas a melancolia perpassa toda a obra. A atriz Alice Vikander protagoniza a filme e é incrível o que ela faz aqui. Todo abismo emocional de Erika está entranhado no rosto, corpo, olhar, andar da atriz. Tem uma cena em especial que ela estraçalha tudo. Mostrando-nos sua alma em frangalhos, mas em franco processo de recuperação. É uma cena angustiante, mas bela. Assim como todo o filme. A canção que abre e fecha o filme é cantada pela atriz Mira Eklund. Sua voz doce, quase infantil casa-se com perfeição ao filme. Quando começou pensei que era a cantora e harpista Joanna Newsom, mas quando terminou e vi que era a própria atriz, fiquei mais apaixonado ainda. Recomendo!!!
"Como posso ser boa se tenho que pagar o aluguel?"
O filme "Dois Dias, Um Noite" dos irmãos Dardenne me fez lembrar dessa frase de uma peça de Brecht chamada "A Alma Boa de Setsuan". Não só essa como várias outras peças do dramaturgo alemão. O filme extremamente simples é uma reflexão sobre a miserável condição humana diante de um sistema que nos escraviza. O processo de desumanização não é só financeiro, mas acima de tudo, ético. Sandra, a protagonista do filme, se vê diante da ameaça do desemprego depois de um período de licença motivado por uma depressão. Seu chefe decide demiti-la alegando que 16 pessoas são suficientes para cumprir as atividades inerentes ao trabalho. A escolha de quem será demitido é feita por debaixo dos panos e para pressionar os outros funcionários a aceitarem sua decisão, o patrão faz um acordo em que cada um deles receberá a quantia de 1mil euros se concordarem com a demissão de Sandra. A maioria concorda e Sandra é demitida. Ela procura o patrão e pede que uma nova eleição seja feita na segunda-feira. O patrão concorda. Sandra inicia uma espécie particular de via crucis na tentativa de convencer seus colegas de trabalho a votarem favorável ao seu retorno ao trabalho. As tentativas não são fáceis, já que cada um terá que abandonar o dinheiro do abono em favor dela. O filme é isso. São as escolhas de Sofia de cada indivíduo defrontado com essa mulher que necessita desesperadamente do emprego. Cada outro empregado procurado por Sandra também possui seus próprios problemas e a questão se amplia diante de cada resposta positiva ou negativa. O que está em questão aqui é muito maior e mais complexo e os diretores mostram isso de maneira bastante naturalista. Sandra desmascara não só os seus colegas, como também seus patrões. Há algo de podre nessas relações e Sandra explicita essa desarmonia. A instabilidade das relações de trabalho na sociedade capitalista amedronta a todos. Sendo a personificação da própria doença. Ao final, a saga de Sandra é muito mais sobre a dignidade do que qualquer outra coisa.
Abstendo-se da necessidade de um enredo que conte uma história com começo, meio e fim predeterminado, “Boi Neon” é um filme facilmente definido como “pós-dramático”. Sim. O que interessa aqui não é a história contada pelo roteiro, mas a fábula que cada corpo retratado no filme carrega. Quando digo corpo não me refiro somente ao humano, mas também os dos animais e do híbrido animal/mulher retratado de maneira fetichizada na boate local. Somos todos voyeurs. Sem ilusão. Acompanhamos tão somente a manifestação de cada humano, animal, humano/animal. Seus gestos, ações, vivências revelam muito mais sobre eles do que o enredo propriamente dito. Interessa a situação e nada mais. A opção ética/estética do diretor Gabriel Mascaro é bastante arriscada, pois poderia resultar num filme anódino. O que não acontece graças a força das imagens e do elenco que brilha num filme difícil. E quando digo difícil, quero dizer complexo. Não que o filme seja isso. Pelo contrário, é até exageradamente simples. Mas eis ai sua maior complexidade. Que reside em nós. Na quebra de nossas expectativas e preconceitos. O filme não se contenta em ser uma mera reprodução daquilo pensamos. Não. Seu propósito é outro: alargar, dilatar, dinamitar toda e qualquer generalização.
Seus estranhos personagens não são uma coisa ou outra, mas uma coisa e outra. Temos o vaqueiro que nas horas vagas cria e fabrica peças de roupas, temos a figura da mulher que dirige o caminhão que transporta bois, mas que é a dançarina híbrida numa boate, o vaqueiro novato vaidoso que cultiva uma longa cabeleira, uma mulher grávida que demonstra grande apetite sexual. Mas é o olhar da menina que direciona o filme. A criança criada no meio desses homens e animais quem é a responsável pelos momentos mais belos do filme. Ela por ainda desconhecer os códigos de produção e reprodução dita o tempo da obra. Tudo é lento, etéreo, ainda inocente. Sua curiosidade e perspicácia são os ditames dos signos enunciados pela obra. A inexistência de tensão sobre o que se supõe ser masculino ou feminino é em grande parte resultado desse olhar ainda não viciado da menina. A filósofa Judith Butler escreveu que “os estudos de gênero não descrevem a realidade do que vivemos, mas as normas heterossexuais que pesam em nós. Nós as recebemos pelas mídias, pelos filmes ou através de nossos pais, nós as perpetuamos através de nossos fantasmas e nossas escolhas de vida. As normas nos dizem o que devemos fazer para ser um homem ou uma mulher.”
Daí que o olhar da menina, criada sem pai e que deseja ser vaqueira, desconhece toda essa construção sociocultural. E essa não domesticável do olhar alcança o corpo todo. Fazendo de sua exposição aquilo que Roland Barthes denomina como “punctum”, ideia magistralmente mostrada na cena em que todos os vaqueiros tomam banho, seus gestos rápidos e viris contrastam com o do vaqueiro ao fundo da cena, que está agachado e se limpa de maneira minimalista. Nosso olhar é capturado de maneira pré-consciente pelo que acontece lá no fundo. E de repente, numa inversão hipnótica, todos vão se agachando e o único que permanece em pé é quem captura nosso olhar. Assim como na cena em que a garota desenha ingenuamente em cima de fotos pornográficas, ou quando a grávida faz sexo quase selvagem com um dos personagens. Tudo isso está exposto na obra de maneira sutil e faz de “Boi Neon” um pequeno grande filme. Mas é preciso que fique claro apenas uma coisa: mostrar e perceber são ações separadas e absolutamente individuais.
"Talvez ele soubesse quem eu era. Mas eu não era eu o tempo todo. Houve um momento em que eu era só a Lili, e acho que ele percebeu. Você entende?"
Confesso que assisti "A Garota Dinamarquesa" esperando não gostar da atuação do Eddie Redmayne. Li algumas críticas e quase todas eram unânimes em acusar sua interpretação de caricata. Eu mesmo ao assistir o trailer de seu filme anterior "A Teoria de Tudo" tinha achado sua atuação muito caricata e tinha pegado birra. Mas tinha gostado de duas interpretações suas anteriores ("Sete Dias com Marilyn" e "Pecados Inocentes"), então dei mais chance ao cara e fui assistir a sua intepretação como Einar/Lili e confesso que fiquei muito impressionando positivamente. Ele me ganhou nessa cena que eu usei a citação acima. É uma cena linda, delicada. E ele conseguiu me emocionar com sua entrega. Sei que existem críticas a respeito dele ser um homem interpretando um papel de uma transexual, mas dentro da dinâmica proposta pelo roteiro é muito compreensível essa questão. É preciso se levar em conta toda a transição do papel, que começa como um homem casado, com um histórico familiar extremamente preconceituoso, que aos poucos, numa brincadeira acaba se encontrando com sua verdade mais íntima. Lili sempre esteve ali. Dentro. Pulsando. Viva. Mas, foi sufocada por todo o contexto histórico, social, sexual da época. Também não achei a atuação de Redmayne caricata em nenhum momento. Também aqui precisa se levar em conta que o padrão de feminilidade era aquele mesmo. E a personagem vai aos poucos apreendendo toda a vivência de adequação. Hoje podemos questionar esses padrões; o que é feminino, o que é masculino? São construções sociais, políticas e sobretudo, culturais. Mas naquela época era tudo muito solidificado e não tinha tanta nuance, nem muita conversa. Era assim porque era assim. Não conheço o trabalho do diretor Tom Hooper, nunca vi nada dele, na verdade, nunca me interessei pela sua obra, portanto não posso falar muito sobre sua direção. Aqui ele se mostra eficiente, tratando com a delicadeza necessária um tema muito difícil e controverso. Gostei da direção dos atores e Alicia Vikander está muitíssimo bem como a esposa de Einar e depois como amiga de Lili. Também a personagem apresenta um arco dramático bastante interessante e difícil e ela dá conta do recado maravilhosamente bem. O que não é nenhuma surpresa quando já sei viu sua atuação em "Ex Machina" por exemplo. Tanto Vinkander quanto Redmayne vivenciam um peculiar, raro e belíssimo rito de passagem. A última cena é um grito de liberdade sutil e dolorido como era Lili. Que belo e necessário filme!
Se o mal estar fosse um filme seria "Força Maior". Que filme tenso! CARALHO! É cinema do mais profundo terror psicológico. Tô impactado ainda pelo tanto de questões que o diretor Ruben Östlund suscita com sua obra. Nunca tinha visto nada dele. Mas posso afirmar que ele é um herdeiro do cinema incômodo de Michael Haneke. Não consigo ainda escrever uma crítica pq minha cabeça dá voltas e voltas... acho que preciso revê-lo o quanto antes. É algo que precisa ser visto, pq sua discussão e propostas são absolutamente contemporâneas. É muito assustador. É animalesco como a força da natureza. É humano demasiado humano. É urgente!
"Macbeth" é uma adaptação da obra de Shakespeare dirigida com toda fúria necessária por Justin Kurzel. Mergulhado no caos e loucura da mente do protagonista, o diretor recria a obra num tom minimalista e sombrio. A fotografia de Adam Arkapaw torna essa equação possível e palpável. Com uma paleta de cores impressionantes, as imagens são um deleite visual. A trilha de Jed Kurzel também é responsável por belos momentos. Sim. Pq a vida é cheia de som e fúria. Michael Fassbender acompanha a escalada de loucura de seu personagem de maneira impressionante. Sua abordagem não é nada óbvia. Revelando muito da pobre condição humana diante do desconhecido e da sede pelo poder. Marion Cotillard é outra que constrói uma Lady Macbeth bastante interessante. A manipulação aqui assume uma faceta dúbia, cínica e totalmente humanizada. O medo e a fragilidade assumem seus lugares, mas são deixados de lados por lapsos de uma coragem quase sorumbática. Como se cumprir o destino fosse maior que qualquer outra coisa. Afinal, existiriam culpados ou inocentes? Difícil questão. Com "Macbeth", o que parece ficar claro é que não dá pra fugir do destino. Só nos resta cumpri-lo.
"Lucrecius, Tacitus... O que será de todos esses livros depois? Eles ocupam uma parede inteira na casa da minha mãe. Para onde irão todos os anos de estudo, de trabalho? Todas aquelas horas, todos os dias... todos os dias... Eu a visito mas nunca sei o que fazer, não sei como ajudar. Não consigo sequer distraí-la. Sou apenas um fardo."
Que filme belo. Mais uma vez, Nanni Moretti nos entrega uma obra que fala sobre a finitude. Sobre o humano defrontado com a morte. E mais que isso. O diretor italiano joga com tantas questões que é impossível não ficar aturdido diante de sua sutileza ao tratar de um assunto quase clichê do cinema: a morte da mãe. Mas não é só só isso. É sobre a utilidade da linguagem, da arte. Sobre o lugar dos afetos, da memória, da lembrança. Como cada um lida com o fim. Seja a morte de um ente querido, de uma língua, de uma carreira. É um filme sobre escolhas. Doloridas escolhas. Margherita é a filha que tem que lidar com a doença de sua mãe. Ela é diretora de cinema. É mãe de uma adolescente. Acabou de terminar um relacionamento. E está rodando um filme sobre a crise de um modelo capitalista de mundo com um problemático ator protagonista. Ela também está em crise. O tempo todo. No outro oposto temos Giovanni, o irmão que larga a carreira para se dedicar integralmente aos cuidados da mãe. Ele é calmo e sabe lidar com as situações. O filme flerta o tempo com a metalinguagem, já que o próprio diretor vive Giovanni. E a obra é uma homenagem a sua mãe. O filme que Margherita está dirigindo é um suspiro tragicômico dentro do filme de Moretti. Que é tristíssimo. A atriz Margherita Buy tem um desempenho tocante. O olhar de desamparo dela diante da realidade que a suplanta é desesperador. O desconforto e a inadequação parecem persegui-la como uma sombra. Sim. A vida não é set de cinema. Não temos domínio de nada. Somos uns jogados. Obrigados a existir e mais nada. E um dia se morre... ou morre alguém próximo a nós. Belíssimo filme. Com uma das trilhas sonoras mais lindas dos últimos tempos.
Que filme lindo! Daqueles que te fazem rir, chorar e refletir sem precisar fazer esforço nenhum. É uma elegia à todos os fracassados do mundo. Mas sem ser pesado ou triste. É uma tomada de posição. Quando você finalmente percebe que não se encaixa, que se sente deslocado e que esse descontentamento ou tristeza é o seu lugar no mundo, mas não é só isso. É quando você se dá conta da mentira do mundo. Que o modus operandis da sociedade não é pra você. Que todo aquele capitalismo é a própria infelicidade. Porque é escravidão. E você é livre. Não combina com aquilo. É quando você se dá conta de que sim todas as relações são caóticas e nada sólidas, mas que essa liquidez pode também ser libertação. Que estamos todos perdidos buscando alguma possível segurança, mas ela não existe e ISSO É MARAVILHOSO!!!! Que o modelo de felicidade que venderam para gente é mentiroso e falido. Mas mesmo sabendo disso, continuamos a perseguir esses ideais, apenas para nos sentir pertencentes a algo ou alguma coisa. Mas não. Não precisamos de mais nada disso. Mas o que precisamos? Não sabemos. Mas intuímos. Precisamos apenas inventar um outro mundo. Esse já deu...
Quando nem Ryan Gosling consegue manter seu interesse num filme é pq o negócio é puxado, viu... "A Grande Aposta" é um filme chato. Não. Chato é pouco. Chatérrimo. Perdi as contas de quantas vezes bocejei. De quantas vezes implorei "Deus me leva, nunca te pedi nada". A pretensa quebra da quarta parede é um recurso furado aqui. Brecht, o pai do efeito de desfamiliarização, utilizava-o como um recurso para mostrar que o que o público assistia era tão somente teatro. Era um chamado: Não pendurem o cérebro junto com o chapéu. Aqui é mero exercício de estilo. E tome ediçãozinha cult. Tome musiquinha pop/rock. Tome participação especial tipo Selena Gomez. Tudo para soar cool. Mas nada disso consegue disfarçar que o filme é chato, chatíssimo, chatérrimo.
Uma jornada em direção ao autoconhecimento. Incrível animação dos estúdios Ghibli. A saga da pequena Ana, orfã, criada por uma tia, que se sente deslocada do mundo, vivendo numa espécie de bolha, seu mundinho particular. Ela adoece. E é mandada para passar uma temporada na casa de parentes no interior. O contato com a natureza melhora o estado de saúde dela, mas será a amizade particular com Marnie que resgatará a sua autoestima, fazendo com que ela resignifique seu passado, encare seus medos e possa, enfim, desfrutar dos pequenos prazeres da vida. O mais bonito na trajetória de Ana é a compreensão de sua condição solitária. O Osho certa vez escreveu que somente pessoas que conseguiam ficar sós consigo mesmas seriam capazes de amar, de compartilhar, de estar com uma pessoa sem ficar dependente, e sem reduzi-la a uma coisa, sem ficar viciado. Penso que seja esse o único caminho. O único aprendizado. Mas ninguém fala sobre isso. Por isso, é tão bonito que uma animação trata desse assunto. A música "Fine On The Outside" encerra o filme de maneira brilhante. É impossível não derramar algumas lágrimas ouvindo essa canção e lembrando da profundidade desse filme.
Mais Forte que Bombas
3.5 133 Assista AgoraO sentimento de inadequação permeia a relação de todos os personagens principais no filme "Mais Forte Que Bombas". É dessa falta que contida até mesmo no título que a obra nos fala. O que é mais forte que bombas? O amor. Sim. Uma pessoa quando está segura de ser amada fica mais forte que tudo. Mas quando não está, fica tão destrutiva quanto. Tudo gira simbolicamente entre nascimento e morte. E naquela fase do meio. Onde não se é mais criança, mas ainda não se é adulto. Esse rito de passagem que separaria os meninos dos homens é mostrado de maneira bastante delicada pela direção de Joachim Trier. O mal estar de não sentir-se pertencente a algo ou algum lugar é elevado ao posto de protagonista aqui. Todos, absolutamente todos os protagonistas sentem essa melancolia que nada nem ninguém aplaca. A Mãe que é fotógrafa de guerra famosa que quando está viajando a trabalho sente falta de casa, mas que quando está em casa, sente-se como intrusa em seu próprio lar. O pai que perdeu a conexão com os filhos e que busca desesperadamente uma forma de mudar essa situação. O filho mais velho que reencontra uma grande paixão da juventude quando está no hospital onde a sua atual esposa acaba de ter um bebê. O filho mais novo que vive numa bolha, isolado de tudo e todos. Trier nos apresenta esses personagens de maneira fragmentada, quase incômoda. A mãe está morta. Mas sua lembrança está em todos os lugares. Essa fantasmagoria atormenta a família de tal maneira que parece não existir solução para essa ruptura familiar. Sim. Por não saberem como reagir a essa ausência surge o sentimento de desamparo. Mas é justamente a capacidade de se continuar vivendo apesar de que os fortalecerá. Sim! Talvez esse sentimento de inadequação, de desamparo, seja o nosso ponto de partida desde que nascemos. Mas não devemos e nem podemos parar aí. Caminhemos. Como no Mito de Sísifo, a resposta está na trajetória e no olhar que dedicamos às coisas e pessoas.
O Cheiro da Gente
3.0 74Larry Clark é um diretor que possui um tema obsessivo: a juventude e seu modus operandis. Em "O Cheiro da Gente", seu novo filme, isso novamente vem a tona. O fetiche pela beleza e juventude é mostrado em contraposição com a decrepitude dos corpos dos velhos. Tudo de maneira crua e cruel. A fragilidade dessa relação vampírica (jovens entram com o sexo e os velhos com o dinheiro) é de certa forma o eixo dramatúrgico de toda a obra. Pais ausentes, ou negligentes, ou exigentes demais. Tédio. Muito tédio. Aquele sentimento de rebeldia característico da adolescência. Ausência de Afeto. O consumismo desenfreado. Tudo junto e misturado. Dai que o filme vira uma radiografia desses comportamentos. Há escapatória? O pessimismo impera e se há alguma espaço para a sutileza é quando Clark filma o rosto apáticos de alguns belos garotos. O que eles pensam? O que eles sentem? Clark é fascinado por esses closes reveladores. Uma tristeza absoluta perpassa essas imagens. A beleza agonizante do garoto protagonista em muito lembra o clássico "Morte em Veneza" do Luchino Visconti. Tanto lá, quanto aqui, parece não existir saída.
Filha Distante
3.3 14"Filha Distante" é uma jornada minimalista sobre a ausência. Qual o lugar do passado? Como lidar com essas intermitências da vida? O diretor Carlos Sorin concebe um filme feito de silêncios, lacunas e pequenas cápsulas de afeto, esperança. O enredo é simples: um pai que ficou ausente durante anos por problemas de alcoolismo busca reencontrar-se com a filha. O que importa aqui é muito mais o caminho, a busca, a trajetória do que qualquer outra coisa. Sorin filma os encontros e desencontros de forma realista, sem forçar sentimentos no espectador. Isso é um ponto positivo do filme. Pq nos dá tempo para conhecer aqueles personagens mais por suas ações e gestos do que pelo psicologismo da direção. Que aqui não tem espaço. Sorin não é adepto desse cinema. Pelo contrário. Ele aposta todas suas fichas nos interstícios que podem existir entre dois corpos. Vem dai toda sua singela beleza.
O Verão da Minha Vida
3.7 592 Assista Agora"O Verão da Minha Vida" é um daqueles filmes fofos que nos fazem refletir sobre a importância da amizade e do afeto na vida de uma pessoa. O protagonista é um garoto de 14 anos, cheio de conflitos por causa da separação de seus pais. Sua mãe vive um relacionamento abusivo com um novo homem, que é um cara escroto que para se sentir melhor precisa rebaixar todo mundo com quem convive. O filme aborda essa relação conflituosa quando essa família disfuncional resolve passar um verão numa outra cidade. O garoto acha tudo aquilo um tremendo tédio, mas pouco a pouco, ele conhecerá pessoas que lhe ensinaram como olhar a vida de uma maneira original. O roteiro é bem simples, mas amarradinho e com excelentes atuações e uma trilha bacana.
Ele Está de Volta
3.8 681"Ele está de volta" é um daqueles filmes necessários para se entender a crise política (e sobretudo, humana) que estamos passando. Tempos sombrios!!!! Um dia do nada, Hitler ressurge na Alemanha. O ano é 2014 e ele e suas ideias anacrônicas e criminosas estão de volta. Não espere uma justificativa do que pq isso ocorreu. A proposta do filme é muitíssimo clara: Mostrar o perigo da ascensão de certos ideais. É uma metáfora. A pegada aqui é satírica e engraçadinha. Mas não se engane. O assunto é sério. E merece nossa reflexão. Especialmente quando olhamos para nossa política atual e vemos essa canalhice toda. Quando vemos a ascensão de uma política conservadora e corrupta que engana a população usando o nome de Deus e da Família. Todo cretino sempre fala em nome de Deus e da Família. Preste atenção! Esses tipos são os mais nocivos, pq seduzem o povo com seus discursos hipócritas. Note que esses tipos sempre se vendem como a "solução", como "heróis". Brecht estava certo: "Triste de um povo que ainda precisa de heróis". Agora se a coisa ainda não ficou explícita para você, eu dou uma de Bela Gil e afirmo: Você pode assistir ao filme e substituir o Hitler pelo Bolsonaro, pelo Cunha, por exemplo...
Longe Deste Insensato Mundo
3.6 232 Assista AgoraAfinal, o que querem as mulheres? Essa pergunta que já virou série, peça de teatro, tema de livros e filmes, esconde muita coisa, entre elas, uma tentativa de colocar o feminino num lugar de silenciamento porque se nem elas conseguem se entender, quem entenderia... Freud quando formulou a pergunta no singular para sua analisanda e discípula Marie Bonaparte esperava realmente uma resposta ou algo que apenas reafirmasse seu ponto de vista?
"A grande pergunta que não foi nunca respondida e que eu não fui capaz ainda de responder, apesar de meus trinta anos de pesquisa sobre a alma feminina é – O que quer uma mulher?"
Compreendo o motivo da pergunta, mas ela me incomoda um pouco. Afinal, é possível saber o que uma pessoa deseja partindo apenas de sua condição biológica? Interessa-me mais entender o que uma pergunta como essa esconde. Ora, a subjetividade do desejo não se alcança com palavras. Porque elas esconderiam toda a construção sócio-cultural apreendida ao longo dos dias e dos séculos e séculos. Não podemos negar, nem muito menos esconder ou esquecer, que todo nosso aprendizado até aqui se deu dentro de uma lógica capitalista/consumista/moralista/cristã. Como fugir disso tudo? Ou melhor, como conhecer realmente o outro nisso tudo? Ou indo além, como se conhecer de verdade nisso tudo? Inseridos todos nesse contexto, nosso querer torna-se engessado, corruptível, manipulável.
Fiz todo esse prólogo para falar sobre um filme que mexeu muito comigo: “Longe Deste Insensato Mundo” do diretor Thomas Vinterberg. Adaptado do romance de Thomas Hardy escrito em 1874, tanto o livro, quanto o filme tem muito a nos dizer ainda hoje. Essa afirmação pode parecer absurdamente contraditória, visto que hoje em dia, vivenciamos um contexto bem diferente em relação ao que se supõe ser feminino, mas a coisa toda ainda é pertinente. Visto que ainda estamos meio que patinando nisso tudo. Meio que perdidos numa contemporaneidade líquida onde tudo é permitido, mas pouco ou quase nada é desejável. O que é ser mulher? Ou, o que é ser mulher num espaço dominado por homens? E ainda, o que é ser mulher num contexto em que alguns direitos antes negados são agora reconhecidos? Reconhecidos e legitimados por quem? O que fazer com isso, se toda a estrutura ainda continua praticamente a mesma? O que fazer com tudo isso num contexto onde só é reconhecido aquele que tem algum poder sobre os demais, aquele que pra sobreviver reprime, inferioriza os outros, aquele que “vence”? Não podemos nos esquecer nunca que os veículos midiáticos estão sempre à espreita para reterritorializar todo mundo de novo e colocar todo mundo em lados opostos de novo, e de novo, e de novo.
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A protagonista vivida com brilhantismo pela Carey Mulligan, foi criada sem pais, e por isso, tornou-se muito solitária e independente. Ao longo do filme, três homens irão lhe propor casamento. Mas a pergunta aqui propositalmente deve mudar, ao invés de nos perguntarmos o que é que essa mulher quer, temos que entender primeiro o que é que cada um desses homens lhe oferece? E a partir daí entendermos porque ela nega ou aceita um convite. E é aí, só ai, que o título do filme faz um sentido enorme. Sim. Porque somente longe deste insensato mundo é que se pode criar novos territórios e novas formas de se relacionar. Belíssimo Filme!!!!
Viagem Solitária
3.0 6"Não me odeie. Isso é uma ordem."
As escolhas que fazemos ao longo da vida são definidoras daquilo que acabamos nos tornando. Mas teríamos realmente alguma escolha? Qual o lugar daquilo que comumente chamamos essência? "Viagem Solitária" da diretora Maria Sole Tognazzi é um filme muito simples, que pouco a pouco, ganha profundidade e até comove. Irene, a protagonista, é uma mulher independente, que tem um emprego aparentemente dos sonhos. Ela trabalha para uma revista inspecionando hotéis de luxo. Sua função é viajar o mundo, se hospedar em hotéis 5 estrelas e avalia-los. Algo bastante solitário, mas com o qual ela já se acostumou. Irene tem poucos amigos. Entre eles, um ex-namorado com o qual ainda mantêm uma relação bastante próxima. Ele está num novo relacionamento e a garota está grávida. Irene tem pouco tempo para fazer a manutenção de suas amizades e certo dia, numa de suas viagens, conhece uma antropóloga que mexe com sua visão de mundo. Haveria ainda tempo para alguma mudança? Por onde começar? Na realidade, tudo é muito simples e é a gente mesmo que complica tudo. A felicidade e a alegria apesar de serem conceitos subjetivos, são em sua essência muito simples. São feitos de pequenos gestos, demonstrações de afeto e importância. A beleza do filme reside nessa tomada de decisão de Irene. Não é preciso grandes mudanças de personalidade. Apenas uma pequena epifania: devemos valorizar mais as pessoas que estão ao nosso lado.
Cores
2.8 52"Cores" é o retrato melancólico da geração de trinta e pouco anos que se vê diante de uma sociedade líquida onde nada mais parece ter ou fazer sentido. Casamento, família, filhos, emprego estável... Tudo isso que para as gerações anteriores se tornou uma espécie da mapa moral de conduta e sobretudo, desejos, caiu por terra. E o que ficou no lugar? Nada. Ou novas formas de moldes e dependência. Sim. Parece que mudou coisa mudou, mas no fundo, no fundo, muito pouco. Fomos libertados de velhas gaiolas com a incumbência de acharmos novos nichos. Nosso novo lugar no mundo. Essa ainda parece ser nossa tarefa, nossa missão: acomodar-se. Tudo parece mais rápido, mais veloz, e o que fazer com o tédio? Tudo parece mais acessível, mas qual o lugar do sonho ou do desejo? O sociólogo Zygmunt Bauman em seu livro "Modernidade Líquida" afirma que "sentir-se livre das limitações, livre para agir conforme os desejos, significa atingir o equilíbrio entre os desejos, a imaginação e a capacidade de agir: sentimo-nos livres na medida em que a imaginação não vai longe que nossos desejos e que nem uma nem os outros ultrapassam nossa capacidade de agir". É sobre isso que "Cores" nos exorta o tempo todo. A tal liberdade transforma-se, então, em mero slogan usurpado pelos velhos donos do poder. O que é que eu vou fazer com essa tal liberdade? Daí que o diretor Francisco Garcia mostra seus protagonistas (dois homens e uma mulher) vivendo uma rotina até mesmo quando pensam não viver uma rotina. É um olhar duro, quase impiedoso de uma geração apática, à quem muito foi prometido e pouco foi dado ou conquistado. O grande problema daqueles personagens talvez seja o mesmíssimo que o que andamos vendo por ai, e que já nos alertava Cornelius Castoriadis: Nossa sociedade parece não reconhecer mais qualquer alternativa para si mesma, sendo assim, se sente absolvida do dever de questionar. Triste!
Violette
4.0 99 Assista Agora"Meu caso não é único. Tenho medo de morrer e odeio viver. Não trabalhei. Não estudei. Eu chorei e gritei. Lágrimas e gritos me tomaram muito tempo. Irei embora como cheguei: Intacta. Cheia dos defeitos que me torturaram. Queria ter sido uma estátua. Sou uma lesma sob o estrume. As virtudes, as qualidades, a coragem, a meditação, a cultura. De braços cruzados, me despedacei com tais palavras."
Que belo filme é esse "Violette" dirigido por Martin Provost. Como é difícil a gente ser aquilo que nasceu para ser. Deveria ser a coisa mais fácil do mundo. Mas que nada. Tudo nos forja. Toda a estrutura da nossa sociedade é contra a gente. O tempo todo. Até que nos transformamos em meros arremedos de nós mesmos. Despidos de todo potencial criativo e humano. Enfraquecidos. Robotizados. E repetimos. Repetimos. Repetimos. Sem se dar conta disso. Mas tem os que se dão conta dessa condição. Esses são os que mais sofrem. Encontrar nossa própria voz, defrontar-se com o mais verdadeiro de nós mesmos deveria ser nossa única e mais urgente missão. Mas que nada. Tudo está organizado direitinho para que não caímos nessa.
Daí, que a trajetoria de Violette é árdua e triste. Ela sofre por se dar conta de seus próprios condicionamentos e não conseguir livrar-se deles. Essa é a cilada. Quando mais tenta, mais chafurda na lama. Importante deixar claro o contexto dessa história. Violette é uma mulher, escritora, dos anos 60, que ao ler Simone de Beauvoir tem um estalo e começa a também escrever. Ela procura a famosa escritora e entrega em suas mãos um livro que acabara de escrever. Simone gosta da escrita confessional daquela mulher e a incentiva a escrever mais e mais. Violette obedece. E escreve. Escreve. Escreve. Elas tornam-se amigas. Essa jornada de autoconhecimento deflagrada pelo processo de escrita enlouquece Violette. Seus condicionamentos são muitos. Intensos. Profundos. E a compensação financeira não vem. A idade avança. Ela não é casada. Não tem filhos. Já sofreu um aborto. Simone incentiva-a a escrever sobre isso. A colocar todos os seus demônios no papel. Violette obedece. Sua iluminação e salvação vem dai. Quando ela se transforma numa testemunha de si mesmo e do agora. Quando torna-se mestre de si mesma. E é ai que acaba ensinando até mesmo Simone.
"Violette" de certa forma me lembrou um texto que li do Osho sobre o aprisionamento da mente. Ele conta a história de um mestre que pede que seu discípulo coloque um pequeno ganso dentro de uma garrafa e vá alimentando-o até que ele fique tão grande que não possa mais escapar pela boca da garrafa. Quando isso acontece, o mestre lhe faz um desafio: retire o ganso sem destruir a garrafa e sem matá-lo. O discípulo tenta de todas as maneiras e não consegue. Até que lhe vem a iluminação: a garrafa é sua mente e ele é ganso. Ele corre até o Mestre para contar sua descoberta. O mestre apenas diz: "Conserve-o fora. O Ganso nunca esteve dentro".
"Violette" é isso!!!
A Bruxa
3.6 3,4K Assista AgoraO medo do desconhecido, daquilo que não pode ser nomeado, sempre acompanhou a história da humanidade. Tudo o que não compreendemos em nós ou nos outros jogamos para a ordem do espiritual, do além, do binômio Deus/Diabo. Essa também sempre foi uma importante ferramenta de dominação. Quer dominar alguém? Impinja medo nessa pessoa. Nada mais fácil. E se quer que o serviço seja ainda mais bem feito, faça isso desde criança. Daí, que somos criados por essa cultura do medo de maneira eficiente desde a mais tenra infância. Os contos de fadas são o primeiro contato com esse universo. Em sua quase totalidade os contos revelam um caráter pedagógico extremamente nefasto, reforçando padrões morais que punem os transgressores, além de construir generalizações sobre o que é masculino e feminino ou de bem e mal. A apresentação desses conceitos na infância visa um só objetivo que não tem nada de lúdico: DOMÍNIO. Sim. Domínio de corpos e mentes. Formatações para a vida adulta, digamos assim. E é aqui que a repressão, esse velho padrão moral é alicerçado. E uma figura surge como agente catalisador disso tudo: a BRUXA. Feia. Invejosa. Ardilosa. Má. Ela é a personificação de tudo o que é ruim. Mas é também quem movimenta a história. Vem daí seu extremo fascínio. Medo e curiosidade são sensações muito próximas. E esse aprendizado é levado para vida adulta. As novelas, as igrejas e os filmes de terror se alimentam dessa sedução infantil.
“Comerás livremente o fruto de qualquer espécie de árvore que está no jardim; contudo, não comerás da árvore do conhecimento do bem e do mal, porque no dia em que dela comeres, com toda a certeza morrerás!”
A retroalimentação existente entre os sentimentos de medo e curiosidade desencadeia uma outra ideia igualmente poderosa: A Necessidade de Salvação. Pronto! Trabalho Concluído com Sucesso. Estamos inseridos no contexto de dominação.
”Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus.”
Fiz esse prólogo um pouco extenso (reconheço) para falar sobre o filme “A Bruxa” que está em cartaz nos cinemas brasileiros e que está fazendo um grande sucesso pelo mundo afora. Dirigido pelo estreante Robert Eggers, “A Bruxa” fala sobre esse estado de torpor diante do inominável, representado aqui pela natureza, animais e na figura da menina prestes a transformar-se em mulher. O filme que está vendido por uma agressiva campanha de marketing como sendo de terror, está mais para uma espécie de pesadelo contemporâneo. Sim. Apesar de se passar em 1630, a obra nos diz muito sobre nossa contemporaneidade. A figura da mulher que sempre foi relegada/omitida/oprimida/criminalizada surge aqui como poderosa metáfora do medo que o desconhecido provoca. A religiosidade, solução criada para tamponar o pavor diante da não compreensão, revela-se um instrumento de histeria coletiva, onde já não é mais possível nomear o que acontece. O que é real? O que é delírio? Impossível mensurar. A atmosfera de “A Bruxa” é angustiante justamente por isso. A trama nos enreda nesse universo de maneira exemplar. Tudo é construído de maneira sutil. A fotografia escura iluminada apenas por velas ou luz do dia, a trilha sonora que perturba e entorpece o entendimento e os sussurros que contrastam com os gritos, coloca-nos diante desse impasse. O que está acontecendo ali? O diretor sabiamente mais insinua do que mostra, “brincando” o tempo todo com a ordem do invisível. Importante salientar que tudo é clivado pela lógica do objeto desejante. É tudo sobre o desejo. Não como potência criativa, mas falta. Desembocando num estado perverso e de putrefação.
”A Bruxa” é uma fábula que problematiza e redimensiona a questão da potência do desejo. “O que você quer?” Essa pergunta é assustadora. Porque exige não uma mera resposta, mas um compromisso com a existência. Fomos ensinados a negar nossos instintos com medo de acabarmos como Branca de Neve com a maçã entalada na garganta. Todo desejo deve ser punido. Ou mais profundamente, todo objeto de desejo deverá sofrer punição. A dimensão sócio-histórica revela-nos o óbvio: a mulher é por excelência mostrada como agente dessa sedução e merece ser penalizada. Ou indo mais longe ainda, todo aquele que não é necessariamente masculino (e aqui se inclui os efeminados, os gays, travestis e transexuais) desregulam a norma e devem ser caçados e punidos. Por esses e muitos outros motivos, “A Bruxa” é um belo e urgente grito de libertação.
O Menino e o Mundo
4.3 735 Assista Agora"O Menino e o Mundo" tem um estética belíssima e uma crítica social bastante pertinente, mas não me tocou. Perdi a conta de quantas vezes bocejei vendo-o e olha que o filme só tem pouco mais de 70 minutos.
Spotlight - Segredos Revelados
4.1 1,7K Assista AgoraSobre "Spotlight", minha opinião é curta e grossa: como filme é uma excelente matéria jornalística, mas como cinema é muito fraco. O hype em cima do filme se explica pela contundência das denúncias levantadas pelo jornal Boston Globe de inúmeros casos de pedofilia cometidos por padres. Esses crimes eram acobertados pela Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana. A notícia marcou o jornalismo no mundo todo e gerou uma série de outras denúncias. O filme só consegue ser um arremedo disso. Resultando numa obra didática, esquemática e fria, que insiste em forçar um sentimentalismo barato atráves de uma trilha sonora extremamente piegas. O filme é isso: forçado. A direção do Tom McCarthy tem a sensibilidade de um elefante numa loja de cristais. Enfim... decepcionante!
O Quarto de Jack
4.4 3,3K Assista AgoraMARAVILHOSO!!!! Que filme simples e poderoso! Brie Larson está phodástica e o menino Jacob Tremblay consegue passar todas as camadas do seu difícil personagem de maneira encantadora. A direção de Lenny Abrahamson é segura e extremanente sensível, sem se tornar piegas ou cansativa. Lindo filme! Dolorida metáfora de nossa condição humana. Ah, como é bom ver um filme assim...
Pura
4.0 33"Nós não temos todo o tempo do mundo. Você não deve desperdiçar a vida de modo que a única coisa que aconteça seja que sua xoxota fique gasta. A primeira vez que ouvi Mozart foi no youtube. Foi quase há um ano. Estava procurando algum clipe idiota e subitamente fui cativada pela música. Desde então, eles não podem me tocar. Eles podem pegar seus paus e suas vidas de merda e dizer o que querem. Não me importo. Eu não estou mais lá. De alguma maldita maneira vou fugir de tudo isso e chegar ao outro lado. Vou para onde seja mais real do que essa realidade horrorosa. Pra onde é belo."
Música Clássica. Poesia. Filosofia. Cinema. Ingredientes mais que perfeitos para se fazer um bom filme.
O compositor austríaco Mozart. O poeta sueco Gunnar Ekelof. O filósofo dinamarquês Kierkegaard. A diretora de cinema Lisa Langseth.
Todos personificados em Katarina, personagem da Alicia Vikander, que tem um desempenho excepcional. Aqui em seu de primeiro desempenho no cinema. Que mulher phoda!!!! Que filme phoda!!!! "Pura" coloca o dedo da ferida e cutuca sem piedade. Mostra como a sociedade vive apaziguada/medicada/domesticada/alienada com remédios, programas de televisão banais e música de fácil repetição e como a elite cultural vive fechada em seu próprio mundinho. Katarina é uma pária. Uma mulher que ao conhecer a beleza da música de Mozart tenta desesperamente sair de seu mundinho classe média. Ela conseguirá? A vontade nesse caso bastaria? E o com que fazer com sua mãe alcoólatra? E seu namorado extremamente acomodado? E sua fama de "puta", "louca"? E sua pouca idade e inexperiência dos perigos/sedução do mundo?
Confesso que foi um filme que me doeu muito, porque entre outras coisas, um dos seus temas principais é abuso emocional.
É um filme belo em sua imensa tristeza. A personagem de Alicia me lembrou tanto Macabéa (de "A Hora da Estrela" de Clarice Lispector) quando ouve "Una Furtiva Lacrima" pela primeira vez no rádio e chora, por intuir "que havia outros modos de sentir, havia existências mais delicadas e até com um certo luxo de alma". Sim!
Hotel Terapêutico
3.5 17"Quero ser outra pessoa em outro lugar. Um lugar onde ninguém me conheça e onde eu possa ser o quem eu quiser. Como num quarto de hotel."
E justamente nessa semana que tanto se falou sobre o tal "desafio da maternidade" e a dor e a delícia de se ter ou não ter filhos, me caiu na mão um filme sueco dirigido e roteirizado por Lisa Langseth que trata justamente sobre isso. Não só isso, é verdade. Mas Erika é uma mulher casada, bem sucedida profissionalmente, que ao passar por uma experiência traumática no parto, desenvolve um sentimento de rejeição ao filho. Ela entra numa depressão pós-parto e não se dá bem em nenhuma das terapias que procura. Até que seu marido encontra um grupo de apoio onde as pessoas falam sobre seus problemas. Erika começa a frequentar o grupos e nada fala. Até que um dia ao ouvir o desabafo de uma garota que se sente inadequada no mundo se identifica e consegue verbalizar sua dor. É um filme sobre isso. Sobre encarar as nossas dores. Sobre verbalizá-las. O nome do filme é perfeito, pois se encaixa na proposta que Erika lança aos demais companheiros do grupo de apoio: se hospedarem junto com ela em hotéis distante de tudo aquilo que os incomodam. Em suma, tirar férias de si mesmos. Eles topam e partem numa espécie tragicômica de autoconhecimento. É um filme muito bonito, pequenino. Esses 5 viajantes podem ser quem eles quiserem nesses dias. E um ajuda o outro com sua dor, com sua jornada de descobrimento. O mais interessante é acompanhar como cada um lida com seu próprio "problema" e o dos outros. Além da protagonista Erika, temos uma senhora solitária que não consegue encontrar mais sentido na realidade, uma garota abusada sexualmente, um homem com um passado misterioso e um senhor que busca na punição um alento para sua vida. Os métodos nada ortodoxos do grupo possuem certa graça, mas a melancolia perpassa toda a obra. A atriz Alice Vikander protagoniza a filme e é incrível o que ela faz aqui. Todo abismo emocional de Erika está entranhado no rosto, corpo, olhar, andar da atriz. Tem uma cena em especial que ela estraçalha tudo. Mostrando-nos sua alma em frangalhos, mas em franco processo de recuperação. É uma cena angustiante, mas bela. Assim como todo o filme. A canção que abre e fecha o filme é cantada pela atriz Mira Eklund. Sua voz doce, quase infantil casa-se com perfeição ao filme. Quando começou pensei que era a cantora e harpista Joanna Newsom, mas quando terminou e vi que era a própria atriz, fiquei mais apaixonado ainda. Recomendo!!!
Dois Dias, Uma Noite
3.9 542"Como posso ser boa se tenho que pagar o aluguel?"
O filme "Dois Dias, Um Noite" dos irmãos Dardenne me fez lembrar dessa frase de uma peça de Brecht chamada "A Alma Boa de Setsuan". Não só essa como várias outras peças do dramaturgo alemão. O filme extremamente simples é uma reflexão sobre a miserável condição humana diante de um sistema que nos escraviza. O processo de desumanização não é só financeiro, mas acima de tudo, ético. Sandra, a protagonista do filme, se vê diante da ameaça do desemprego depois de um período de licença motivado por uma depressão. Seu chefe decide demiti-la alegando que 16 pessoas são suficientes para cumprir as atividades inerentes ao trabalho. A escolha de quem será demitido é feita por debaixo dos panos e para pressionar os outros funcionários a aceitarem sua decisão, o patrão faz um acordo em que cada um deles receberá a quantia de 1mil euros se concordarem com a demissão de Sandra. A maioria concorda e Sandra é demitida. Ela procura o patrão e pede que uma nova eleição seja feita na segunda-feira. O patrão concorda. Sandra inicia uma espécie particular de via crucis na tentativa de convencer seus colegas de trabalho a votarem favorável ao seu retorno ao trabalho. As tentativas não são fáceis, já que cada um terá que abandonar o dinheiro do abono em favor dela. O filme é isso. São as escolhas de Sofia de cada indivíduo defrontado com essa mulher que necessita desesperadamente do emprego. Cada outro empregado procurado por Sandra também possui seus próprios problemas e a questão se amplia diante de cada resposta positiva ou negativa. O que está em questão aqui é muito maior e mais complexo e os diretores mostram isso de maneira bastante naturalista. Sandra desmascara não só os seus colegas, como também seus patrões. Há algo de podre nessas relações e Sandra explicita essa desarmonia. A instabilidade das relações de trabalho na sociedade capitalista amedronta a todos. Sendo a personificação da própria doença. Ao final, a saga de Sandra é muito mais sobre a dignidade do que qualquer outra coisa.
Boi Neon
3.6 461Abstendo-se da necessidade de um enredo que conte uma história com começo, meio e fim predeterminado, “Boi Neon” é um filme facilmente definido como “pós-dramático”. Sim. O que interessa aqui não é a história contada pelo roteiro, mas a fábula que cada corpo retratado no filme carrega. Quando digo corpo não me refiro somente ao humano, mas também os dos animais e do híbrido animal/mulher retratado de maneira fetichizada na boate local. Somos todos voyeurs. Sem ilusão. Acompanhamos tão somente a manifestação de cada humano, animal, humano/animal. Seus gestos, ações, vivências revelam muito mais sobre eles do que o enredo propriamente dito. Interessa a situação e nada mais. A opção ética/estética do diretor Gabriel Mascaro é bastante arriscada, pois poderia resultar num filme anódino. O que não acontece graças a força das imagens e do elenco que brilha num filme difícil. E quando digo difícil, quero dizer complexo. Não que o filme seja isso. Pelo contrário, é até exageradamente simples. Mas eis ai sua maior complexidade. Que reside em nós. Na quebra de nossas expectativas e preconceitos. O filme não se contenta em ser uma mera reprodução daquilo pensamos. Não. Seu propósito é outro: alargar, dilatar, dinamitar toda e qualquer generalização.
Seus estranhos personagens não são uma coisa ou outra, mas uma coisa e outra. Temos o vaqueiro que nas horas vagas cria e fabrica peças de roupas, temos a figura da mulher que dirige o caminhão que transporta bois, mas que é a dançarina híbrida numa boate, o vaqueiro novato vaidoso que cultiva uma longa cabeleira, uma mulher grávida que demonstra grande apetite sexual. Mas é o olhar da menina que direciona o filme. A criança criada no meio desses homens e animais quem é a responsável pelos momentos mais belos do filme. Ela por ainda desconhecer os códigos de produção e reprodução dita o tempo da obra. Tudo é lento, etéreo, ainda inocente. Sua curiosidade e perspicácia são os ditames dos signos enunciados pela obra. A inexistência de tensão sobre o que se supõe ser masculino ou feminino é em grande parte resultado desse olhar ainda não viciado da menina. A filósofa Judith Butler escreveu que “os estudos de gênero não descrevem a realidade do que vivemos, mas as normas heterossexuais que pesam em nós. Nós as recebemos pelas mídias, pelos filmes ou através de nossos pais, nós as perpetuamos através de nossos fantasmas e nossas escolhas de vida. As normas nos dizem o que devemos fazer para ser um homem ou uma mulher.”
Daí que o olhar da menina, criada sem pai e que deseja ser vaqueira, desconhece toda essa construção sociocultural. E essa não domesticável do olhar alcança o corpo todo. Fazendo de sua exposição aquilo que Roland Barthes denomina como “punctum”, ideia magistralmente mostrada na cena em que todos os vaqueiros tomam banho, seus gestos rápidos e viris contrastam com o do vaqueiro ao fundo da cena, que está agachado e se limpa de maneira minimalista. Nosso olhar é capturado de maneira pré-consciente pelo que acontece lá no fundo. E de repente, numa inversão hipnótica, todos vão se agachando e o único que permanece em pé é quem captura nosso olhar. Assim como na cena em que a garota desenha ingenuamente em cima de fotos pornográficas, ou quando a grávida faz sexo quase selvagem com um dos personagens. Tudo isso está exposto na obra de maneira sutil e faz de “Boi Neon” um pequeno grande filme. Mas é preciso que fique claro apenas uma coisa: mostrar e perceber são ações separadas e absolutamente individuais.
A Garota Dinamarquesa
4.0 2,2K Assista Agora"Talvez ele soubesse quem eu era. Mas eu não era eu o tempo todo. Houve um momento em que eu era só a Lili, e acho que ele percebeu. Você entende?"
Confesso que assisti "A Garota Dinamarquesa" esperando não gostar da atuação do Eddie Redmayne. Li algumas críticas e quase todas eram unânimes em acusar sua interpretação de caricata. Eu mesmo ao assistir o trailer de seu filme anterior "A Teoria de Tudo" tinha achado sua atuação muito caricata e tinha pegado birra. Mas tinha gostado de duas interpretações suas anteriores ("Sete Dias com Marilyn" e "Pecados Inocentes"), então dei mais chance ao cara e fui assistir a sua intepretação como Einar/Lili e confesso que fiquei muito impressionando positivamente. Ele me ganhou nessa cena que eu usei a citação acima. É uma cena linda, delicada. E ele conseguiu me emocionar com sua entrega. Sei que existem críticas a respeito dele ser um homem interpretando um papel de uma transexual, mas dentro da dinâmica proposta pelo roteiro é muito compreensível essa questão. É preciso se levar em conta toda a transição do papel, que começa como um homem casado, com um histórico familiar extremamente preconceituoso, que aos poucos, numa brincadeira acaba se encontrando com sua verdade mais íntima. Lili sempre esteve ali. Dentro. Pulsando. Viva. Mas, foi sufocada por todo o contexto histórico, social, sexual da época. Também não achei a atuação de Redmayne caricata em nenhum momento. Também aqui precisa se levar em conta que o padrão de feminilidade era aquele mesmo. E a personagem vai aos poucos apreendendo toda a vivência de adequação. Hoje podemos questionar esses padrões; o que é feminino, o que é masculino? São construções sociais, políticas e sobretudo, culturais. Mas naquela época era tudo muito solidificado e não tinha tanta nuance, nem muita conversa. Era assim porque era assim. Não conheço o trabalho do diretor Tom Hooper, nunca vi nada dele, na verdade, nunca me interessei pela sua obra, portanto não posso falar muito sobre sua direção. Aqui ele se mostra eficiente, tratando com a delicadeza necessária um tema muito difícil e controverso. Gostei da direção dos atores e Alicia Vikander está muitíssimo bem como a esposa de Einar e depois como amiga de Lili. Também a personagem apresenta um arco dramático bastante interessante e difícil e ela dá conta do recado maravilhosamente bem. O que não é nenhuma surpresa quando já sei viu sua atuação em "Ex Machina" por exemplo. Tanto Vinkander quanto Redmayne vivenciam um peculiar, raro e belíssimo rito de passagem. A última cena é um grito de liberdade sutil e dolorido como era Lili. Que belo e necessário filme!
- "De onde vem a Lili?"
- "De dentro de mim"
Força Maior
3.6 241Se o mal estar fosse um filme seria "Força Maior". Que filme tenso! CARALHO! É cinema do mais profundo terror psicológico. Tô impactado ainda pelo tanto de questões que o diretor Ruben Östlund suscita com sua obra. Nunca tinha visto nada dele. Mas posso afirmar que ele é um herdeiro do cinema incômodo de Michael Haneke. Não consigo ainda escrever uma crítica pq minha cabeça dá voltas e voltas... acho que preciso revê-lo o quanto antes. É algo que precisa ser visto, pq sua discussão e propostas são absolutamente contemporâneas. É muito assustador. É animalesco como a força da natureza. É humano demasiado humano. É urgente!
Macbeth: Ambição e Guerra
3.5 383 Assista Agora"Macbeth" é uma adaptação da obra de Shakespeare dirigida com toda fúria necessária por Justin Kurzel. Mergulhado no caos e loucura da mente do protagonista, o diretor recria a obra num tom minimalista e sombrio. A fotografia de Adam Arkapaw torna essa equação possível e palpável. Com uma paleta de cores impressionantes, as imagens são um deleite visual. A trilha de Jed Kurzel também é responsável por belos momentos. Sim. Pq a vida é cheia de som e fúria. Michael Fassbender acompanha a escalada de loucura de seu personagem de maneira impressionante. Sua abordagem não é nada óbvia. Revelando muito da pobre condição humana diante do desconhecido e da sede pelo poder. Marion Cotillard é outra que constrói uma Lady Macbeth bastante interessante. A manipulação aqui assume uma faceta dúbia, cínica e totalmente humanizada. O medo e a fragilidade assumem seus lugares, mas são deixados de lados por lapsos de uma coragem quase sorumbática. Como se cumprir o destino fosse maior que qualquer outra coisa. Afinal, existiriam culpados ou inocentes? Difícil questão. Com "Macbeth", o que parece ficar claro é que não dá pra fugir do destino. Só nos resta cumpri-lo.
Minha Mãe
3.7 61 Assista Agora"Lucrecius, Tacitus... O que será de todos esses livros depois? Eles ocupam uma parede inteira na casa da minha mãe. Para onde irão todos os anos de estudo, de trabalho? Todas aquelas horas, todos os dias... todos os dias... Eu a visito mas nunca sei o que fazer, não sei como ajudar. Não consigo sequer distraí-la. Sou apenas um fardo."
Que filme belo. Mais uma vez, Nanni Moretti nos entrega uma obra que fala sobre a finitude. Sobre o humano defrontado com a morte. E mais que isso. O diretor italiano joga com tantas questões que é impossível não ficar aturdido diante de sua sutileza ao tratar de um assunto quase clichê do cinema: a morte da mãe. Mas não é só só isso. É sobre a utilidade da linguagem, da arte. Sobre o lugar dos afetos, da memória, da lembrança. Como cada um lida com o fim. Seja a morte de um ente querido, de uma língua, de uma carreira. É um filme sobre escolhas. Doloridas escolhas. Margherita é a filha que tem que lidar com a doença de sua mãe. Ela é diretora de cinema. É mãe de uma adolescente. Acabou de terminar um relacionamento. E está rodando um filme sobre a crise de um modelo capitalista de mundo com um problemático ator protagonista. Ela também está em crise. O tempo todo. No outro oposto temos Giovanni, o irmão que larga a carreira para se dedicar integralmente aos cuidados da mãe. Ele é calmo e sabe lidar com as situações. O filme flerta o tempo com a metalinguagem, já que o próprio diretor vive Giovanni. E a obra é uma homenagem a sua mãe. O filme que Margherita está dirigindo é um suspiro tragicômico dentro do filme de Moretti. Que é tristíssimo. A atriz Margherita Buy tem um desempenho tocante. O olhar de desamparo dela diante da realidade que a suplanta é desesperador. O desconforto e a inadequação parecem persegui-la como uma sombra. Sim. A vida não é set de cinema. Não temos domínio de nada. Somos uns jogados. Obrigados a existir e mais nada. E um dia se morre... ou morre alguém próximo a nós. Belíssimo filme. Com uma das trilhas sonoras mais lindas dos últimos tempos.
Mistress America
3.5 210Que filme lindo! Daqueles que te fazem rir, chorar e refletir sem precisar fazer esforço nenhum. É uma elegia à todos os fracassados do mundo. Mas sem ser pesado ou triste. É uma tomada de posição. Quando você finalmente percebe que não se encaixa, que se sente deslocado e que esse descontentamento ou tristeza é o seu lugar no mundo, mas não é só isso. É quando você se dá conta da mentira do mundo. Que o modus operandis da sociedade não é pra você. Que todo aquele capitalismo é a própria infelicidade. Porque é escravidão. E você é livre. Não combina com aquilo. É quando você se dá conta de que sim todas as relações são caóticas e nada sólidas, mas que essa liquidez pode também ser libertação. Que estamos todos perdidos buscando alguma possível segurança, mas ela não existe e ISSO É MARAVILHOSO!!!! Que o modelo de felicidade que venderam para gente é mentiroso e falido. Mas mesmo sabendo disso, continuamos a perseguir esses ideais, apenas para nos sentir pertencentes a algo ou alguma coisa. Mas não. Não precisamos de mais nada disso. Mas o que precisamos? Não sabemos. Mas intuímos. Precisamos apenas inventar um outro mundo. Esse já deu...
PS: Cada dia mais apaixonado pela Lola Kirke.
A Grande Aposta
3.7 1,3KQuando nem Ryan Gosling consegue manter seu interesse num filme é pq o negócio é puxado, viu... "A Grande Aposta" é um filme chato. Não. Chato é pouco. Chatérrimo. Perdi as contas de quantas vezes bocejei. De quantas vezes implorei "Deus me leva, nunca te pedi nada". A pretensa quebra da quarta parede é um recurso furado aqui. Brecht, o pai do efeito de desfamiliarização, utilizava-o como um recurso para mostrar que o que o público assistia era tão somente teatro. Era um chamado: Não pendurem o cérebro junto com o chapéu. Aqui é mero exercício de estilo. E tome ediçãozinha cult. Tome musiquinha pop/rock. Tome participação especial tipo Selena Gomez. Tudo para soar cool. Mas nada disso consegue disfarçar que o filme é chato, chatíssimo, chatérrimo.
As Memórias de Marnie
4.3 668 Assista AgoraUma jornada em direção ao autoconhecimento. Incrível animação dos estúdios Ghibli. A saga da pequena Ana, orfã, criada por uma tia, que se sente deslocada do mundo, vivendo numa espécie de bolha, seu mundinho particular. Ela adoece. E é mandada para passar uma temporada na casa de parentes no interior. O contato com a natureza melhora o estado de saúde dela, mas será a amizade particular com Marnie que resgatará a sua autoestima, fazendo com que ela resignifique seu passado, encare seus medos e possa, enfim, desfrutar dos pequenos prazeres da vida. O mais bonito na trajetória de Ana é a compreensão de sua condição solitária. O Osho certa vez escreveu que somente pessoas que conseguiam ficar sós consigo mesmas seriam capazes de amar, de compartilhar, de estar com uma pessoa sem ficar dependente, e sem reduzi-la a uma coisa, sem ficar viciado. Penso que seja esse o único caminho. O único aprendizado. Mas ninguém fala sobre isso. Por isso, é tão bonito que uma animação trata desse assunto. A música "Fine On The Outside" encerra o filme de maneira brilhante. É impossível não derramar algumas lágrimas ouvindo essa canção e lembrando da profundidade desse filme.