Um bom filme, mas o filme Argentino com a mesma proposta de mostrar o limite da tolerância (Relatos Selvagens), mostrou-se muito mais profundo e bem produzido.
Um filme tenso/eletrizante, pelo que demanda de reflexão e envolvimento com a história que levanta hipóteses sobre um crime e morno/lento, pela narrativa a partir do olhar de Roberto (Ricardo Darin) supondo as responsabilidades do crime sobre o seu aluno, filho de um velho amigo, que foi participar do seu curso, sobre Direito Criminal. Todavia, alguns aspectos instigantes na pessoa do Gonzalo (Alberto Ammann), aluno do curso, pressupõe um saber suposto previamente ao professor, levando-nos a crer uma estrutura perversa, quando alí onde está a lei, está também sua negação, um desmentido. Fink, nos diz: "a perversão envolve a tentativa de respaldar a lei para que possam ser estabelecidos os limites para o gozo." Gonzalo escreve a tese, dando sustentação ao homicídio e conduzindo ao professor a suposição (ou a certeza?) de que saberá que foi ele (Gonzalo) o autor, por todos os dados que levanta e por todas as indicações da sua história, mas não poderá provar. Muito inteligente, Gonzalo faz planos e os executa com perfeição, deixando que a lei fique ao seu lado e produzindo minuciosas artimanhas para a responsabilização do professor e, nos seus argumentos com o desmentido da lei, diz: "Eu posso esmagar uma borboleta e torturá-la até a morte e isso não é ilegal. Mas se essa borboleta pertence a uma coleção de valor inestimável, eu posso ser preso. Não é o ato que é julgado. Todos os dias alguém esmaga uma borboleta e a lei não pode fazer nada sobre isso", ou seja a lei está do lado do poder e não do ato. Sua negação não para por aí, o recado deixado no livro escrito pelo professor, sublinha a oração: "A lei estabelece o limite, o sistema judiciário pune quem o exceder, mas a justiça mantém-se alheia, esperando uma nova vítima." Destruindo a arma do crime, Gonzalo deixa, além de insolúvel o desenrolar do crime, uma culpa para sempre com o professor, por existir a possibilidade que se trata de um ato de vingança, por ser seu filho, fruto de uma traição, no passado, de Roberto com a mãe de Gonzalo. Enfim, trama que envolve toda a (in) sanidade do Professor Roberto e o deixa às voltas com uma trama que não consegue dar fim. Ou seja, um fim sem fim, pois para a perversão, negar a lei será um eterno loop!!
O Cidadão Ilustre nos traz algumas considerações que não dá pra não refletir sobre o sentido do Real, em Lacan. O protagonista, Daniel Mantovani fala que "A realidade não existe. Não há fatos, há interpretações. A verdade, ou aquilo que chamamos de verdade, é uma interpretação dominante." Lacan dizia: "O Real é o que não anda, é uma pedra no meio do caminho, bem mais, é o que não cessa de se repetir para entravar essa marcha... Ali onde se supõe a verdade, falta algo, existe um furo, um vazio." Daniel converte o que lhe falta de real na obra, nesta que consiste na interpretação de fatos criativos; Para Daniel, sua cidade Salas (cidade que foi renegada por ele como opção de vida) era o objeto de sua inspiração que percorre toda a sua obra e sai dali toda sua capacidade de converter o que não existe ou o que não é realidade em arte. Vivencia no seu trabalho, aquilo que nomeia como não existente enquanto realidade, a fim de justificar as intrínsecas semelhanças de seus personagens com pessoas reais na comunidade. São pontuais as semelhanças, mas originárias da criação e, do ponto de vista da realidade, efetivamente existem apenas interpretações. Paira a dúvida sobre a última pergunta do repórter: "Quanto de real existe e quanto de ficção tem na obra "O cidadão ilustre"? Expõe a dúvida sobre a cicatriz que mostra no seu peito entrelaçando a ficção com a realidade. No entanto, sua relação com a falta que lhe havia sido imposta pelo prêmio Nobel, figura como uma vivência (ou uma fantasia?) que o possibilitou produzir mais um grande best-seller.
Freud, no seu texto Considerações sobre a Guerra (1916), diz: "As ilusões são bem-vindas porque nos poupam sensações de desprazer, e no lugar dessas nos permitem gozar satisfações. Não podemos nos queixar, então, se um dia elas colidem com alguma parte da realidade e nela se despedaçam." Daniel se colocou ali, com sua produção intelectual entre a ilusão e a realidade, fraturando a colisão e impondo ao final um romance "autobiográfico" despedaçando a ferida de sua história, mas sabiamente deixando-a na esfera da utopia.
Caetano Veloso, em sua música Janelas Abertas nº 2, finaliza dizendo: "Até que a plenitude e a morte coincidissem um dia, o que aconteceria de qualquer jeito. Mas eu prefiro abrir a janela e deixar que entrem todos os insetos". Quando Daniel atribui a premiação o reconhecimento do seu declínio como artista, resgata nessa morte simbólica, sua única maneira de abrir a janela para que entrem os insetos e tamponar a falta com a nova interpretação da realidade..., "mas isso não importa"!
2017-10-28 - Repensando: Um filme que vai e retorna, semelhante o seu enredo, na nossa memória. Assisti-lo outra(s) vez(es) é quase que obrigatório. Refletir sobre a determinação do Ricardo Morales (Pablo Adrián Ragoneses) na sua obstinação em fazê-lo pagar em vida pelo crime cometido, assumindo o poder que o estado não foi suficiente para exercê-lo, o significado da ausência da letra A no teclado da máquina de escrever aliado a omissão do A na palavra escrita ao acordar, simbolizando uma falta significante do amor que fora revelado pelo inconsciente, mas que foi ocultado na escrita, configura a ocultação do sentido do que não é dito pela palavra, mas pela interpretação dos sentidos da vida ou pelo olhar que trás a palavra e fala através de uma fotografia dizendo que ali existia a motivação e a revelação da culpa. Que belíssimo jogo de congruências... ficando a vingança como pano de fundo para dizer do propósito que o assassino criou a vida do Morales, interpetando a sentenca "Prisão Perpétua" ao pé da letra. Fica a nossa interrogação: "que direito temos de assumir a justiça com as próprias mãos?" E ao sujeito que lhe foi tirado o direito à liberdade, foi-lhe também tirado o direito à palavra que sustenta o sujeito na esfera da sanidade.
18 anos se passaram ate eu me deparar com essa singularidade do cinema, especialmente decorrente de minhas próprias resistências, associadas ao titulo. Jamais imaginava que a pretensão do roteiro dizia mais da alma humana do que o sentido literal. Imaginava uma exacerbação do sentimento patriótico americano e por isso, adiava-o sempre na minha lista. Finalmente o vi e chorei. Me tocou a crueza e a proximidade aos olhos do sentimento ali explorados. Me tocou as estranhazas de sentimentos expostos ao dilacerante fio da navalha. A narrativa em primeira pessoa, o jogar pro alto dos fortuitos dogmas e demandas sociais e enfrentar a vida ao curso do desejo, considerando que os demais muito mais valorizam essas exigências... a exploração no roteiro de valores do cotidiano tais como juventude, gênero, busca desenfreada pelo dinheiro, os amores ocultos, aspereza impostas pela escolhas e pelo sistema militar, fazendo um homem com demandas homossexuais esconder-se por trás do preconceito e não aceitando qualquer possibilidade diferente do que ele próprio não quer aceitar, fazendo-o adotar medidas extremas. Enfim, uma sucessão de mal entendidos, uma sequencia de sentimentos angustiados pelo real do ser, os encontros e desencontros de seres que se esvaziam de sentido pelo nada que representa suas vontades. Um jogo do diretor Sam Mendes que nos deixa aflitos pela proximidade como são expostos os contrapontos das relações intrigantes. Sam Mendes vai fundo na exposição da "Beleza Americana" que afinal é a "Beleza de toda a humanidade". Parafraseando um amigo meu: "Só um diretor britânico para conseguir passar a mensagem de forma impiedosa". Singular!
Filme com cara de clichê, mas de um forma impar de abordar a angústia extrema do ser humano. O desenrolar do filme nos dá a impressão que vai transcorrer num final previsível, mas com resultados diferentes do planejado pelos protagonistas, porém toma uma dimensão estonteante... um crescente de rudeza interior, um crescente de desencontros de ideias e planos, um crescente de emoções a flor da pele que vão se entrelaçando e tornando o clima e a tensão muito próximas e portanto, angustiando o ser e aos seres que o assistem. Caetano Veloso já disse certa vez que "De perto, ninguém é normal". É essa configuração que o diretor Sam Mendes adota para mostrar os signos e símbolos de cada um dos personagens. O quanto de perto temos nossas próprias anormalidades e somente conseguimos suportá-las se houver uma subversão do sentido e em direção ao amor, ao respeito, à confiança. Os segredos que cada um dos personagens carrega, são em si próprios aflitos. Por fim, no discurso infindável, entendiante e carregado de preconceitos da corretora de imoveis, a postura mais sábia de quem quer preservar sua própria sanidade: optar pela não escuta.
Filme sueco/dinamarquês, idioma bem diferente, mas com denotações bem marcantes pela semelhança dos aspectos que envolvem a natureza humana, independente da cultura, estrutura, contexto. Família em crise, aparentemente atrapalhada nas suas adversidades, opta por um descanso/férias em um lugar de praia. Fotografia bela, mas ao mesmo tempo representando suas confusas dificuldades. No inesperado da vida, surge um fato de paixão efetada pelo preconceito, não só pela incompreensão do sentimento que surge em Rune, mas também sua condição de casado e em fase de reconstrução de suas crises, dos signos que viviam e que lhes pareciam confusos, especialmente sobre o não saber se havia naquele casamento amor que o sustentasse. Essa paixão é dirigida a um jovem cuja principal característica são suas habilidades mágicas, de fazer aparecer e desaparecer cartas, (como a si mesmo), cospe fogo, criando em Rune um misto de encantamento e medo. Quando enfim decide seguir seu caminho já traçado pela racionalidade, volta para seu lar e depara-se com o absoluto da falta que o "objeto" ausente lhe proporciona e, numa decisão singular, retorna aquela praia em busca de seu objeto de desejo: o amor proibido! Numa representação que o cinema é um às em mostrar, finaliza com uma cena de descoberta de si mesmo e o seu amor disfarçado como um camaleão esgueirando-se por sobre as grandes rochas marinhas que aquele paraíso praiano escondia, representando no seu mimetismo a metamorfose do ser, Rune, que não insistiu em resistir as forças que lhe foram impostas.
Apesar de romanceado pelo cinema, uma história de marcas profundas no sentimento de pertencimento, humanidade, perseverança, existência, recordações, confiança, dor, sofrimento e por fim, fortes emoções, demonstração de amor, reconhecimento, conhecer-se, simplicidade, transposição de barreiras, quer seja da memória, do tempo, de fronteiras, de vida. Uma grande e boa história contada com maestria. Singular.
Mary e Max... distâncias, diferenças, sentimentos, diversidades, gênero, drogas, amizade. Eventos da natureza humana que se presentificam na película mostrando a nudez do ser, com suas particularidades, singularidades e essencialmente, a exposição do eu. A distância que os separa, os aproxima pelo igualdade de suas essências e identificações. Emocionante por carregar laços profundos, mas ao mesmo tempo superficiais, muito mais pelo que se tem da necessidade de se falar de si, quer seja a um outro distante, a um outro qualquer, um outro desconhecido, um terapeuta, um outro que sirva de espelho para que o reflexo de si mesmo torne-se curativo e repercuta nos seus sintomas inimagináveis, isto é, expor-se ao discurso para que se veja na fala do outro o que vem de si. Bastante reflexivo e nos conduz a pensar sobre o quanto precisamos ser nós mesmos, mesmo que demande a presença do outro.
Filme de uma profunda simplicidade que utiliza as estações do ano para representar fases da vida e o seu eterno retorno, sua renovação cíclica, sua infindável continuidade. Singelo, encantador, música singular e perfeitamente em sintonia com a belíssima fotografia, contendo cenas compostas por atos e imagens vinculadas que dispensam a incursão da palavra, estando presente apenas para complementar algo não entendido. Lições de vida em abundância, derramada em cada estação, mas a dureza da natureza humana resolvendo se perpetuar desde os tempos do homem da caverna, com sua indiferença ao outro, quer seja ao mestre, quer seja a um animalzinho indefeso, quer seja ao ciclo/estação que cai sobre os ombros com o peso dos erros cometidos. É preciso recomeçar, sempre e enquanto puder e, em chegando ao fim, entram as palavras “escritas” para bloquear simbolicamente os 5 sentidos no auge da contemplação do nada, como se dizendo: “não fomos suficientes para se representar”. Com este eterno retorno, a solidão, a pretensão, a educação se reiniciam dando lugar, no universo, com suas oportunidades e como a casa do espírito, ao desmoronamento das almas inquietas que teimam em seguir seu próprio gozo e a crueza da dor que o real dá de presente como revelação, embora velado. Filme encantador, uma obra de arte, uma re-ligação à vida, um deleite… Um contínuo de: Revelação, Amor (e suas inquietudes), Responsabilidade (e Culpa), Salvação (ou Redenção)… e Revelação…
Intimista, extravagante, singular, plural... limítrofe. Seis relatos que falam da linha tênue entre a sanidade e a loucura, de pessoas vivendo no seu cotidiano carregadas por seus medos, angústias, alegrias, seduções, vivências, moralismos, preconceitos e fundamentalmente deparando-se com o limiar de suas tolerâncias. Um filme revelador de verdades que às vezes estão ao nosso redor e as negamos ou, adaptados que somos, diante de um supereu regulador, de uma lei que controla e transforma o obscuro do desejo em suportação. Seis roteiros ímpares, cada um com sua particularidade de exposição ao cotidiano, convertendo seus representantes no avesso do imaginário, do ideal, expondo o real na sua mais crua simbologia. Ali, Damián Szifron subverte essa adaptabilidade, nos reportando a célebre frase de Caetano Veloso: "De perto, ninguém é normal" e ao cógito Lacaniano: "Sou onde não penso, penso onde não sou!". Excelente. Merecedor de grandes elogios e críticas.
Enredo chocante, forte, realista, cruel, mas contundente, intrigante, denotando a degradação do conceito familiar, suportada por um pai que falha na imposição da lei que ele próprio transgride. O princípio de retidão que pretende impor aos olhos do outro vai expondo sua própria patologia, submetendo todo o universo feminino familiar a um silêncio do discurso que transborda e grita pelo olhar de cada um dos olhares, levando no início da película a passagem ao ato de Aggeliki, que não aceita a submissão e, à sua maneira, dá um basta, exatamente numa ocasião de farsa comemorativa. O barulhento silêncio daquelas mulheres "corta o mal pela raiz" como saída, assim como aquele pai, sem medir as consequências. Um desfecho como se fosse parafraseando Chico Buarque, em Fado Tropical "...E se a sentença se anuncia bruta, mais que depressa a mão cega executa...". Um filme que escancara a natureza humana, em qualquer sociedade, independentemente da cultura.
O silencioso barulho da vida de um jovem desencontrado com o mundo, mas sintonizado consigo mesmo. Filme que deixa o espectador apreensivo tanto quanto sua vida. Espera-se todo instante um iminente ruir daquela que aparenta ser tranquilidade, mas a inquietude se sustenta na lei que sua mãe (instável pelos desencontros que a vida foi lhe oferecendo) e do pai (que na sua turbulência passa um elo que o mantém conectado com a razão). Mason vai furando as descobertas no seu silêncio, conhecendo tudo que o mundo lhe oferta, mas sem desarticular o sentido do querer. Ao longo da vida vai recebendo oposições e contraposições aos seus anseios "a vida exige mais do que oferece", "espera-se que os anseios se adequem as obrigações", deixando que obrigações escolares sejam superadas sem as igualdades dos que tiram 10 o tempo todo... enfim Boyhood tanto surpreende quanto decepciona, pois o singular da vida não carece de surpresa, mas de regularidade surpreendente, e nisto sua escolha é linearmente tortuosa. Porém, o grande ponto de estofo do espectador com a película é opção de gravação com os mesmos atores ao longo de 12 anos.
Comédia inteligentíssima, aonde o "mal-entendido" intencional ou não faz aflorar sentimentos, paixões, gostos e desgostos dos presentes no jantar. Discussões aprofundadas de conteúdos, provocadas pelo mal entendido que põe o sujeito a pensar sobre o inexorável da natureza humana.
Filme de uma carga emocional impressionante. De tom áspero, lento, mas profundo, característico de um posionar-se diante do outro que lhe escuta. Nikos, numa profundeza de introspecção, carrega uma alma pesada pela vida angustiada de si mesmo, dominado pelo ópio, se depara com a leveza de uma menina chamada Li, altiva pela sabedoria que a vida lhe proporcionou, nas impropriedades da sua ausência de sorte com seus ascendentes, dona de uma responsabilidade muito além de sua tenra idade, porém com o suporte da cultura transmitida pelas fábulas milenares contadas por seus avós e de um trafegar pela vida com o propósito de ouvir e pontuar o significante que atravessa a vida de Nikos e de quem ela cruzar, refletindo como um espelho. Sua sabedoria transforma aos poucos o que parecia indecifrável, na percepção do outro em si mesmo e numa descoberta que tras luz e um novo resplandecer a Nikos. Um filme para silenciar, pensar, aplaudir e gritar.
Ferreira Gullar em seu poema TRADUZIR-SE conclui: "Traduzir uma parte na outra parte - que é uma questão de vida ou morte - será arte?". Traduzir-se nos trás a angústia diante da inexorável "morte" vivida pelo personagem Georges (Jean-Louis Trintignant). Vinícius de Moraes pensa a consciência da finitude no poema SONETO DA FIDELIDADE: "...E assim quando mais tarde me procure quem sabe a morte, angústia de quem vive e quem sabe a solidão, fim de quem ama, eu possa me dizer do amor (que tive), que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure.", ou enquanto o seu amor permitir vê-la sofrer. Georges se depara com o real da morte, com a falta significante, com sua própria limitação física e emocional em continuar com o pouco que lhe resta. Essa "angústia de quem vive" em que está inserido o ser humano, imerso no mundo da linguagem que nunca diz tudo, mas que lhe oferece de bandeja a possibilidade em continuar, começa a ruminar a vida de Georges e Anne que, apesar de todas as tentativas, sucumbe ao impossível de dizer ou fazer. Um belíssimo filme de Michael Haneke que nos convida a refletir sobre "o tempo que resta" e a inaptidão em lidar com o saber do fim. Saber iminente da morte que é a próxima porta, promove o empuxo para o encontro com ela. Foi mais fácil para Georges atravessá-la do que suportar o saber de sua chegada... ainda que o amor tenha perdurado em tudo o que restou dos dois. As rosas rodeando a "poeira" do corpo simbolizam a dureza e a eternidade da língua/linguagem que atravessa os tempos. Caetano Veloso, em sua música JANELAS ABERTAS Nº 2, nos diz: "Até que a plenitude e a morte coincidissem um dia, o que aconteceria de qualquer jeito, mas eu prefiro abrir as janelas e deixar que entrem todos os insetos". Georges preferiu não abrir as janelas para que entrassem os insetos...
Filme de conotação intimista, deslocado de sequência e ao mesmo tempo sequenciadamente contínuo. Histórias desencontradas que se encontram pelo acaso da circulação dos personagens nas suas singulares histórias e na instituição de ensino que pertenciam. Tomados pela visão externa do expectador, caminhando com a câmera do cinegrafista, como se fosse uma sombra olhando por dentro da alma de cada um dos personagens. Essa forma de mostrar a cena faz uma amálgama do expectador com o personagem, como se ambos fossem caminhando para o mesmo destino... retoma a consciência das circunstâncias, da casualidade, da impotência diante do ato, da literal passagem ao ato, desnuda o hoje tão falado "bullying" causado pela egoica personalidade do ser humano que se olha com superioridade e se autoriza denegrir a imagem do outro, diante da tão deturpada exigência social que julga dever ser da forma que o imaginário pensa que é. Aproxima o trágico com o belo na música tocada no piano com perfeição e numa figura quase imperceptível no filme de um elefante que tem uma cegueira indelével da noção de sua força, mas também que tem a mansidão da criação que a arte é capaz de mostrar com tanta propriedade. O elefante é só uma imagem, uma metáfora, uma sacada do diretor Gus Van Sant para mostrar o monstro oculto numa pele de cordeiro que não soube dizer não ao desejo aniquilador do outro.
O Filme apresenta de forma espetacular o encontro dos contrários, o encontro com o desencontro. Começando pelos aparentes/invisíveis contrastes: White/Black, vida/morte, crente/ateu, certeza/dúvida, claro/escuro, grito/silêncio, fim claro/fim obscuro, início óbvio/fim obscuro, certo?/Errado?, sensato/insensato. Atuação brilhante de Samuel L. Jackson e Tommy Lee Jones deixando aflorar a sensibilidade e a apatia. Um diálogo de construção e desconstrução... Enfim um soco na boca do estômago, mas ao mesmo tempo uma massagem na alma. Um filme para que o silêncio dê conta da dúvida. Um filme para que o grito dê conta do turbilhão de certezas. Só a imagem do brilhante sol (sunrise/sunset) surgindo para impregnar a esperança do reencontro, pois o não dito é incapaz de clarear o dizer.
Inicialmente fiquei incomodado com a película e aguardando uma super-surpresa. O incômodo que o silêncio provocou foi se transformando em uma angústia pela ausência de tensão, embora Iris provoque um pouco a revolução do novo, do diferente, do contraponto, o filme vai transcorrendo com uma proposta de final obscura, inesperada, jamais imaginada ou melhor dizendo, com uma aparente proposta de final a ser descoberta uma enorme transfiguração da condição da educação humana culminando com a alienação de seres infantos, sem a presença de nenhuma representação masculina, embora esta representação estivesse evocada nos signos da lei/ordem. A fotografia é singular. Os símbolos do permitido e proibido eram claros, configurando um extremismo desafiante. O mundo criado é de pura ordem imaginária pois o excesso não configura algo razoável no mundo real. Alí também os excessos das personagens infantes são tratados também com excessos: morte, fuga, esquecimento do nome do transgressor, etc... Enfim, uma proposta desarticulada de sentido, levando a uma saída cujo sentido está no "normal" da realidade.
Woody Allen combina cultura, arte, tempo, criação, fantasia, angústia e sentimentos num filme empolgante. Faz-nos refletir sobre a nostalgia no presente em relação ao passado e o furo existencial nunca completado. Com graça revive uma época aonde as pessoas respiravam cultura e tudo representava cultura, de uma forma poética, singular e com esboço psicológico apoiando a mudança de tempo do Gil (Owen Wilson) interagindo com o passado e o presente. Apenas algumas interrogações sobre as aparentes alterações do estado mental do Gil, porém da mesma forma tratada com serenidade e sem apelações. Muito bom!
Os temas envolvidos são estonteantes: cultura, preconceito, fé, religião, sexualidade, guerra, família, conceitos de verdades, violência, amor familiar. A abordagem ressalta a singularidade da cultura de um povo onde religiosidade se confunde com determinismo do destino de um povo. Apesar de tudo isso a crueza com que é tratado vela e revela significantes sociais cujo apontamento fica translúcido na interpretação dos personagens. Um povo cuja morte é presente a cada instante, tanto pela promoção como pela conduta de sofrimento que se faz presente (a morte). Matar e chorar a morte parece está numa instância cujos promotores são os próprios representantes da lei de Deus. "Acredito que só as mães podem por um fim neste conflito": como por fim se a mulher na sociedade vista tem o valor do nada e estas são meras reprodutoras e são culpadas pela maternidade de um ser do sexo feminino? Algo mais além do querer deve transpassar os preconceitos e verdades nessa sociedade para que se estabeleça a percepção do limite. A instância divina não é suficiente para tornar o respeito ao outro como algo válido, pois se tudo é em nome dele, matar também passa a ser. As palavras por sua vez, também não são suficientes para mostrar o limite do direito e dos deveres. Enfim, o filme nos faz entristecer por ver e perceber a existência de raças contemporâneas cujo respeito ao individual não passa da presença de uma ausência... Meus lamentos são pelo sofrimento de um povo de uma cultura rígida e inflexível, porém meus elogios vão para a qualidade com que o enredo e a película nos introduz no clima vivido.
A grande sacada, na minha opinião, é a saída encontrada pela filha mais velha para fazer laço social externo (a revelia da loucura imposta pelo pai). Se a regra determina que sair para o mundo só aconteceria com a queda do canino (regra no limite do impossível, pois o canino é um dos dentes mais fortes, ligado a condição primitiva do humano para caça), não havia outra saída se não provocar a queda do mesmo. A sanidade foi "conquistada?" não pela insana pretensão do pai, mas pela única alternativa disposta pelo discurso do pai. A lei (a lei que salva, liberta) era um resto, uma brecha, um furo, uma ausência e foi exatamente nesse furo que ela encontrou a saída.
Sereno, natural, simples, porém emocionante, realista, inexorável! Signos sociais de difícil enfrentamento, mas tratado com a naturalidade como deveria ser a realidade, tanto pela mãe de Michael/Laura como pelo pai, com sentimentos de aceitação/compreensão denotando que a instância da lei está no âmbito do discurso e não da força.
O filme é interessante, mas deixa muito a desejar se formos comparar com o livro. Existem diálogos e situações no livro que são desconsideradas pelo roteiro e então, o filme perde muito da sua magia.
Polônia à Flor da Pele
3.5 9 Assista AgoraUm bom filme, mas o filme Argentino com a mesma proposta de mostrar o limite da tolerância (Relatos Selvagens), mostrou-se muito mais profundo e bem produzido.
Tese Sobre um Homicídio
3.4 309 Assista AgoraUm filme tenso/eletrizante, pelo que demanda de reflexão e envolvimento com a história que levanta hipóteses sobre um crime e morno/lento, pela narrativa a partir do olhar de Roberto (Ricardo Darin) supondo as responsabilidades do crime sobre o seu aluno, filho de um velho amigo, que foi participar do seu curso, sobre Direito Criminal. Todavia, alguns aspectos instigantes na pessoa do Gonzalo (Alberto Ammann), aluno do curso, pressupõe um saber suposto previamente ao professor, levando-nos a crer uma estrutura perversa, quando alí onde está a lei, está também sua negação, um desmentido. Fink, nos diz: "a perversão envolve a tentativa de respaldar a lei para que possam ser estabelecidos os limites para o gozo." Gonzalo escreve a tese, dando sustentação ao homicídio e conduzindo ao professor a suposição (ou a certeza?) de que saberá que foi ele (Gonzalo) o autor, por todos os dados que levanta e por todas as indicações da sua história, mas não poderá provar.
Muito inteligente, Gonzalo faz planos e os executa com perfeição, deixando que a lei fique ao seu lado e produzindo minuciosas artimanhas para a responsabilização do professor e, nos seus argumentos com o desmentido da lei, diz: "Eu posso esmagar uma borboleta e torturá-la até a morte e isso não é ilegal. Mas se essa borboleta pertence a uma coleção de valor inestimável, eu posso ser preso. Não é o ato que é julgado. Todos os dias alguém esmaga uma borboleta e a lei não pode fazer nada sobre isso", ou seja a lei está do lado do poder e não do ato. Sua negação não para por aí, o recado deixado no livro escrito pelo professor, sublinha a oração: "A lei estabelece o limite, o sistema judiciário pune quem o exceder, mas a justiça mantém-se alheia, esperando uma nova vítima." Destruindo a arma do crime, Gonzalo deixa, além de insolúvel o desenrolar do crime, uma culpa para sempre com o professor, por existir a possibilidade que se trata de um ato de vingança, por ser seu filho, fruto de uma traição, no passado, de Roberto com a mãe de Gonzalo.
Enfim, trama que envolve toda a (in) sanidade do Professor Roberto e o deixa às voltas com uma trama que não consegue dar fim. Ou seja, um fim sem fim, pois para a perversão, negar a lei será um eterno loop!!
O Cidadão Ilustre
4.0 198 Assista AgoraO Cidadão Ilustre nos traz algumas considerações que não dá pra não refletir sobre o sentido do Real, em Lacan. O protagonista, Daniel Mantovani fala que "A realidade não existe. Não há fatos, há interpretações. A verdade, ou aquilo que chamamos de verdade, é uma interpretação dominante." Lacan dizia: "O Real é o que não anda, é uma pedra no meio do caminho, bem mais, é o que não cessa de se repetir para entravar essa marcha... Ali onde se supõe a verdade, falta algo, existe um furo, um vazio." Daniel converte o que lhe falta de real na obra, nesta que consiste na interpretação de fatos criativos; Para Daniel, sua cidade Salas (cidade que foi renegada por ele como opção de vida) era o objeto de sua inspiração que percorre toda a sua obra e sai dali toda sua capacidade de converter o que não existe ou o que não é realidade em arte.
Vivencia no seu trabalho, aquilo que nomeia como não existente enquanto realidade, a fim de justificar as intrínsecas semelhanças de seus personagens com pessoas reais na comunidade. São pontuais as semelhanças, mas originárias da criação e, do ponto de vista da realidade, efetivamente existem apenas interpretações. Paira a dúvida sobre a última pergunta do repórter: "Quanto de real existe e quanto de ficção tem na obra "O cidadão ilustre"? Expõe a dúvida sobre a cicatriz que mostra no seu peito entrelaçando a ficção com a realidade. No entanto, sua relação com a falta que lhe havia sido imposta pelo prêmio Nobel, figura como uma vivência (ou uma fantasia?) que o possibilitou produzir mais um grande best-seller.
Freud, no seu texto Considerações sobre a Guerra (1916), diz: "As ilusões são bem-vindas porque nos poupam sensações de desprazer, e no lugar dessas nos permitem gozar satisfações. Não podemos nos queixar, então, se um dia elas colidem com alguma parte da realidade e nela se despedaçam." Daniel se colocou ali, com sua produção intelectual entre a ilusão e a realidade, fraturando a colisão e impondo ao final um romance "autobiográfico" despedaçando a ferida de sua história, mas sabiamente deixando-a na esfera da utopia.
Caetano Veloso, em sua música Janelas Abertas nº 2, finaliza dizendo:
"Até que a plenitude e a morte coincidissem um dia, o que aconteceria de qualquer jeito. Mas eu prefiro abrir a janela e deixar que entrem todos os insetos". Quando Daniel atribui a premiação o reconhecimento do seu declínio como artista, resgata nessa morte simbólica, sua única maneira de abrir a janela para que entrem os insetos e tamponar a falta com a nova interpretação da realidade..., "mas isso não importa"!
O Segredo dos Seus Olhos
4.3 2,1K Assista Agora2017-10-28 - Repensando: Um filme que vai e retorna, semelhante o seu enredo, na nossa memória. Assisti-lo outra(s) vez(es) é quase que obrigatório.
Refletir sobre a determinação do Ricardo Morales (Pablo Adrián Ragoneses) na sua obstinação em fazê-lo pagar em vida pelo crime cometido, assumindo o poder que o estado não foi suficiente para exercê-lo, o significado da ausência da letra A no teclado da máquina de escrever aliado a omissão do A na palavra escrita ao acordar, simbolizando uma falta significante do amor que fora revelado pelo inconsciente, mas que foi ocultado na escrita, configura a ocultação do sentido do que não é dito pela palavra, mas pela interpretação dos sentidos da vida ou pelo olhar que trás a palavra e fala através de uma fotografia dizendo que ali existia a motivação e a revelação da culpa. Que belíssimo jogo de congruências... ficando a vingança como pano de fundo para dizer do propósito que o assassino criou a vida do Morales, interpetando a sentenca "Prisão Perpétua" ao pé da letra. Fica a nossa interrogação: "que direito temos de assumir a justiça com as próprias mãos?" E ao sujeito que lhe foi tirado o direito à liberdade, foi-lhe também tirado o direito à palavra que sustenta o sujeito na esfera da sanidade.
Beleza Americana
4.1 2,9K Assista Agora18 anos se passaram ate eu me deparar com essa singularidade do cinema, especialmente decorrente de minhas próprias resistências, associadas ao titulo. Jamais imaginava que a pretensão do roteiro dizia mais da alma humana do que o sentido literal. Imaginava uma exacerbação do sentimento patriótico americano e por isso, adiava-o sempre na minha lista. Finalmente o vi e chorei. Me tocou a crueza e a proximidade aos olhos do sentimento ali explorados. Me tocou as estranhazas de sentimentos expostos ao dilacerante fio da navalha. A narrativa em primeira pessoa, o jogar pro alto dos fortuitos dogmas e demandas sociais e enfrentar a vida ao curso do desejo, considerando que os demais muito mais valorizam essas exigências... a exploração no roteiro de valores do cotidiano tais como juventude, gênero, busca desenfreada pelo dinheiro, os amores ocultos, aspereza impostas pela escolhas e pelo sistema militar, fazendo um homem com demandas homossexuais esconder-se por trás do preconceito e não aceitando qualquer possibilidade diferente do que ele próprio não quer aceitar, fazendo-o adotar medidas extremas. Enfim, uma sucessão de mal entendidos, uma sequencia de sentimentos angustiados pelo real do ser, os encontros e desencontros de seres que se esvaziam de sentido pelo nada que representa suas vontades. Um jogo do diretor Sam Mendes que nos deixa aflitos pela proximidade como são expostos os contrapontos das relações intrigantes. Sam Mendes vai fundo na exposição da "Beleza Americana" que afinal é a "Beleza de toda a humanidade". Parafraseando um amigo meu: "Só um diretor britânico para conseguir passar a mensagem de forma impiedosa". Singular!
Foi Apenas um Sonho
3.6 1,3K Assista AgoraFilme com cara de clichê, mas de um forma impar de abordar a angústia extrema do ser humano. O desenrolar do filme nos dá a impressão que vai transcorrer num final previsível, mas com resultados diferentes do planejado pelos protagonistas, porém toma uma dimensão estonteante... um crescente de rudeza interior, um crescente de desencontros de ideias e planos, um crescente de emoções a flor da pele que vão se entrelaçando e tornando o clima e a tensão muito próximas e portanto, angustiando o ser e aos seres que o assistem. Caetano Veloso já disse certa vez que "De perto, ninguém é normal". É essa configuração que o diretor Sam Mendes adota para mostrar os signos e símbolos de cada um dos personagens. O quanto de perto temos nossas próprias anormalidades e somente conseguimos suportá-las se houver uma subversão do sentido e em direção ao amor, ao respeito, à confiança. Os segredos que cada um dos personagens carrega, são em si próprios aflitos. Por fim, no discurso infindável, entendiante e carregado de preconceitos da corretora de imoveis, a postura mais sábia de quem quer preservar sua própria sanidade: optar pela não escuta.
Aconteceu Naquele Hotel
3.6 11Filme sueco/dinamarquês, idioma bem diferente, mas com denotações bem marcantes pela semelhança dos aspectos que envolvem a natureza humana, independente da cultura, estrutura, contexto. Família em crise, aparentemente atrapalhada nas suas adversidades, opta por um descanso/férias em um lugar de praia. Fotografia bela, mas ao mesmo tempo representando suas confusas dificuldades. No inesperado da vida, surge um fato de paixão efetada pelo preconceito, não só pela incompreensão do sentimento que surge em Rune, mas também sua condição de casado e em fase de reconstrução de suas crises, dos signos que viviam e que lhes pareciam confusos, especialmente sobre o não saber se havia naquele casamento amor que o sustentasse. Essa paixão é dirigida a um jovem cuja principal característica são suas habilidades mágicas, de fazer aparecer e desaparecer cartas, (como a si mesmo), cospe fogo, criando em Rune um misto de encantamento e medo. Quando enfim decide seguir seu caminho já traçado pela racionalidade, volta para seu lar e depara-se com o absoluto da falta que o "objeto" ausente lhe proporciona e, numa decisão singular, retorna aquela praia em busca de seu objeto de desejo: o amor proibido! Numa representação que o cinema é um às em mostrar, finaliza com uma cena de descoberta de si mesmo e o seu amor disfarçado como um camaleão esgueirando-se por sobre as grandes rochas marinhas que aquele paraíso praiano escondia, representando no seu mimetismo a metamorfose do ser, Rune, que não insistiu em resistir as forças que lhe foram impostas.
Lion: Uma Jornada para Casa
4.3 1,9K Assista AgoraApesar de romanceado pelo cinema, uma história de marcas profundas no sentimento de pertencimento, humanidade, perseverança, existência, recordações, confiança, dor, sofrimento e por fim, fortes emoções, demonstração de amor, reconhecimento, conhecer-se, simplicidade, transposição de barreiras, quer seja da memória, do tempo, de fronteiras, de vida. Uma grande e boa história contada com maestria. Singular.
Mary e Max: Uma Amizade Diferente
4.5 2,4KMary e Max... distâncias, diferenças, sentimentos, diversidades, gênero, drogas, amizade. Eventos da natureza humana que se presentificam na película mostrando a nudez do ser, com suas particularidades, singularidades e essencialmente, a exposição do eu. A distância que os separa, os aproxima pelo igualdade de suas essências e identificações. Emocionante por carregar laços profundos, mas ao mesmo tempo superficiais, muito mais pelo que se tem da necessidade de se falar de si, quer seja a um outro distante, a um outro qualquer, um outro desconhecido, um terapeuta, um outro que sirva de espelho para que o reflexo de si mesmo torne-se curativo e repercuta nos seus sintomas inimagináveis, isto é, expor-se ao discurso para que se veja na fala do outro o que vem de si. Bastante reflexivo e nos conduz a pensar sobre o quanto precisamos ser nós mesmos, mesmo que demande a presença do outro.
Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera
4.3 377Filme de uma profunda simplicidade que utiliza as estações do ano para representar fases da vida e o seu eterno retorno, sua renovação cíclica, sua infindável continuidade. Singelo, encantador, música singular e perfeitamente em sintonia com a belíssima fotografia, contendo cenas compostas por atos e imagens vinculadas que dispensam a incursão da palavra, estando presente apenas para complementar algo não entendido. Lições de vida em abundância, derramada em cada estação, mas a dureza da natureza humana resolvendo se perpetuar desde os tempos do homem da caverna, com sua indiferença ao outro, quer seja ao mestre, quer seja a um animalzinho indefeso, quer seja ao ciclo/estação que cai sobre os ombros com o peso dos erros cometidos. É preciso recomeçar, sempre e enquanto puder e, em chegando ao fim, entram as palavras “escritas” para bloquear simbolicamente os 5 sentidos no auge da contemplação do nada, como se dizendo: “não fomos suficientes para se representar”. Com este eterno retorno, a solidão, a pretensão, a educação se reiniciam dando lugar, no universo, com suas oportunidades e como a casa do espírito, ao desmoronamento das almas inquietas que teimam em seguir seu próprio gozo e a crueza da dor que o real dá de presente como revelação, embora velado.
Filme encantador, uma obra de arte, uma re-ligação à vida, um deleite…
Um contínuo de: Revelação, Amor (e suas inquietudes), Responsabilidade (e Culpa), Salvação (ou Redenção)… e Revelação…
Relatos Selvagens
4.4 2,9K Assista AgoraIntimista, extravagante, singular, plural... limítrofe. Seis relatos que falam da linha tênue entre a sanidade e a loucura, de pessoas vivendo no seu cotidiano carregadas por seus medos, angústias, alegrias, seduções, vivências, moralismos, preconceitos e fundamentalmente deparando-se com o limiar de suas tolerâncias. Um filme revelador de verdades que às vezes estão ao nosso redor e as negamos ou, adaptados que somos, diante de um supereu regulador, de uma lei que controla e transforma o obscuro do desejo em suportação.
Seis roteiros ímpares, cada um com sua particularidade de exposição ao cotidiano, convertendo seus representantes no avesso do imaginário, do ideal, expondo o real na sua mais crua simbologia.
Ali, Damián Szifron subverte essa adaptabilidade, nos reportando a célebre frase de Caetano Veloso: "De perto, ninguém é normal" e ao cógito Lacaniano: "Sou onde não penso, penso onde não sou!".
Excelente. Merecedor de grandes elogios e críticas.
Miss Violence
3.9 1,0K Assista AgoraEnredo chocante, forte, realista, cruel, mas contundente, intrigante, denotando a degradação do conceito familiar, suportada por um pai que falha na imposição da lei que ele próprio transgride. O princípio de retidão que pretende impor aos olhos do outro vai expondo sua própria patologia, submetendo todo o universo feminino familiar a um silêncio do discurso que transborda e grita pelo olhar de cada um dos olhares, levando no início da película a passagem ao ato de Aggeliki, que não aceita a submissão e, à sua maneira, dá um basta, exatamente numa ocasião de farsa comemorativa. O barulhento silêncio daquelas mulheres "corta o mal pela raiz" como saída, assim como aquele pai, sem medir as consequências. Um desfecho como se fosse parafraseando Chico Buarque, em Fado Tropical "...E se a sentença se anuncia bruta, mais que depressa a mão cega executa...". Um filme que escancara a natureza humana, em qualquer sociedade, independentemente da cultura.
Boyhood: Da Infância à Juventude
4.0 3,7K Assista AgoraO silencioso barulho da vida de um jovem desencontrado com o mundo, mas sintonizado consigo mesmo. Filme que deixa o espectador apreensivo tanto quanto sua vida. Espera-se todo instante um iminente ruir daquela que aparenta ser tranquilidade, mas a inquietude se sustenta na lei que sua mãe (instável pelos desencontros que a vida foi lhe oferecendo) e do pai (que na sua turbulência passa um elo que o mantém conectado com a razão). Mason vai furando as descobertas no seu silêncio, conhecendo tudo que o mundo lhe oferta, mas sem desarticular o sentido do querer. Ao longo da vida vai recebendo oposições e contraposições aos seus anseios "a vida exige mais do que oferece", "espera-se que os anseios se adequem as obrigações", deixando que obrigações escolares sejam superadas sem as igualdades dos que tiram 10 o tempo todo... enfim Boyhood tanto surpreende quanto decepciona, pois o singular da vida não carece de surpresa, mas de regularidade surpreendente, e nisto sua escolha é linearmente tortuosa. Porém, o grande ponto de estofo do espectador com a película é opção de gravação com os mesmos atores ao longo de 12 anos.
Qual é o Nome do Bebê?
4.0 159Comédia inteligentíssima, aonde o "mal-entendido" intencional ou não faz aflorar sentimentos, paixões, gostos e desgostos dos presentes no jantar. Discussões aprofundadas de conteúdos, provocadas pelo mal entendido que põe o sujeito a pensar sobre o inexorável da natureza humana.
Entre o Inferno e o Profundo Mar Azul
4.0 15Filme de uma carga emocional impressionante. De tom áspero, lento, mas profundo, característico de um posionar-se diante do outro que lhe escuta. Nikos, numa profundeza de introspecção, carrega uma alma pesada pela vida angustiada de si mesmo, dominado pelo ópio, se depara com a leveza de uma menina chamada Li, altiva pela sabedoria que a vida lhe proporcionou, nas impropriedades da sua ausência de sorte com seus ascendentes, dona de uma responsabilidade muito além de sua tenra idade, porém com o suporte da cultura transmitida pelas fábulas milenares contadas por seus avós e de um trafegar pela vida com o propósito de ouvir e pontuar o significante que atravessa a vida de Nikos e de quem ela cruzar, refletindo como um espelho. Sua sabedoria transforma aos poucos o que parecia indecifrável, na percepção do outro em si mesmo e numa descoberta que tras luz e um novo resplandecer a Nikos. Um filme para silenciar, pensar, aplaudir e gritar.
Amor
4.2 2,2K Assista AgoraFerreira Gullar em seu poema TRADUZIR-SE conclui: "Traduzir uma parte na outra parte - que é uma questão de vida ou morte - será arte?". Traduzir-se nos trás a angústia diante da inexorável "morte" vivida pelo personagem Georges (Jean-Louis Trintignant). Vinícius de Moraes pensa a consciência da finitude no poema SONETO DA FIDELIDADE: "...E assim quando mais tarde me procure quem sabe a morte, angústia de quem vive e quem sabe a solidão, fim de quem ama, eu possa me dizer do amor (que tive), que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure.", ou enquanto o seu amor permitir vê-la sofrer.
Georges se depara com o real da morte, com a falta significante, com sua própria limitação física e emocional em continuar com o pouco que lhe resta. Essa "angústia de quem vive" em que está inserido o ser humano, imerso no mundo da linguagem que nunca diz tudo, mas que lhe oferece de bandeja a possibilidade em continuar, começa a ruminar a vida de Georges e Anne que, apesar de todas as tentativas, sucumbe ao impossível de dizer ou fazer.
Um belíssimo filme de Michael Haneke que nos convida a refletir sobre "o tempo que resta" e a inaptidão em lidar com o saber do fim. Saber iminente da morte que é a próxima porta, promove o empuxo para o encontro com ela. Foi mais fácil para Georges atravessá-la do que suportar o saber de sua chegada... ainda que o amor tenha perdurado em tudo o que restou dos dois. As rosas rodeando a "poeira" do corpo simbolizam a dureza e a eternidade da língua/linguagem que atravessa os tempos.
Caetano Veloso, em sua música JANELAS ABERTAS Nº 2, nos diz: "Até que a plenitude e a morte coincidissem um dia, o que aconteceria de qualquer jeito, mas eu prefiro abrir as janelas e deixar que entrem todos os insetos". Georges preferiu não abrir as janelas para que entrassem os insetos...
Elefante
3.6 1,2K Assista AgoraFilme de conotação intimista, deslocado de sequência e ao mesmo tempo sequenciadamente contínuo. Histórias desencontradas que se encontram pelo acaso da circulação dos personagens nas suas singulares histórias e na instituição de ensino que pertenciam. Tomados pela visão externa do expectador, caminhando com a câmera do cinegrafista, como se fosse uma sombra olhando por dentro da alma de cada um dos personagens. Essa forma de mostrar a cena faz uma amálgama do expectador com o personagem, como se ambos fossem caminhando para o mesmo destino... retoma a consciência das circunstâncias, da casualidade, da impotência diante do ato, da literal passagem ao ato, desnuda o hoje tão falado "bullying" causado pela egoica personalidade do ser humano que se olha com superioridade e se autoriza denegrir a imagem do outro, diante da tão deturpada exigência social que julga dever ser da forma que o imaginário pensa que é. Aproxima o trágico com o belo na música tocada no piano com perfeição e numa figura quase imperceptível no filme de um elefante que tem uma cegueira indelével da noção de sua força, mas também que tem a mansidão da criação que a arte é capaz de mostrar com tanta propriedade. O elefante é só uma imagem, uma metáfora, uma sacada do diretor Gus Van Sant para mostrar o monstro oculto numa pele de cordeiro que não soube dizer não ao desejo aniquilador do outro.
The Sunset Limited
3.9 157 Assista AgoraO Filme apresenta de forma espetacular o encontro dos contrários, o encontro com o desencontro. Começando pelos aparentes/invisíveis contrastes: White/Black, vida/morte, crente/ateu, certeza/dúvida, claro/escuro, grito/silêncio, fim claro/fim obscuro, início óbvio/fim obscuro, certo?/Errado?, sensato/insensato. Atuação brilhante de Samuel L. Jackson e Tommy Lee Jones deixando aflorar a sensibilidade e a apatia. Um diálogo de construção e desconstrução... Enfim um soco na boca do estômago, mas ao mesmo tempo uma massagem na alma. Um filme para que o silêncio dê conta da dúvida. Um filme para que o grito dê conta do turbilhão de certezas. Só a imagem do brilhante sol (sunrise/sunset) surgindo para impregnar a esperança do reencontro, pois o não dito é incapaz de clarear o dizer.
Inocência
3.8 41Inicialmente fiquei incomodado com a película e aguardando uma super-surpresa. O incômodo que o silêncio provocou foi se transformando em uma angústia pela ausência de tensão, embora Iris provoque um pouco a revolução do novo, do diferente, do contraponto, o filme vai transcorrendo com uma proposta de final obscura, inesperada, jamais imaginada ou melhor dizendo, com uma aparente proposta de final a ser descoberta uma enorme transfiguração da condição da educação humana culminando com a alienação de seres infantos, sem a presença de nenhuma representação masculina, embora esta representação estivesse evocada nos signos da lei/ordem. A fotografia é singular. Os símbolos do permitido e proibido eram claros, configurando um extremismo desafiante. O mundo criado é de pura ordem imaginária pois o excesso não configura algo razoável no mundo real. Alí também os excessos das personagens infantes são tratados também com excessos: morte, fuga, esquecimento do nome do transgressor, etc... Enfim, uma proposta desarticulada de sentido, levando a uma saída cujo sentido está no "normal" da realidade.
Meia-Noite em Paris
4.0 3,8K Assista AgoraWoody Allen combina cultura, arte, tempo, criação, fantasia, angústia e sentimentos num filme empolgante. Faz-nos refletir sobre a nostalgia no presente em relação ao passado e o furo existencial nunca completado. Com graça revive uma época aonde as pessoas respiravam cultura e tudo representava cultura, de uma forma poética, singular e com esboço psicológico apoiando a mudança de tempo do Gil (Owen Wilson) interagindo com o passado e o presente. Apenas algumas interrogações sobre as aparentes alterações do estado mental do Gil, porém da mesma forma tratada com serenidade e sem apelações. Muito bom!
Günesi gördüm
4.1 15Os temas envolvidos são estonteantes: cultura, preconceito, fé, religião, sexualidade, guerra, família, conceitos de verdades, violência, amor familiar. A abordagem ressalta a singularidade da cultura de um povo onde religiosidade se confunde com determinismo do destino de um povo. Apesar de tudo isso a crueza com que é tratado vela e revela significantes sociais cujo apontamento fica translúcido na interpretação dos personagens. Um povo cuja morte é presente a cada instante, tanto pela promoção como pela conduta de sofrimento que se faz presente (a morte). Matar e chorar a morte parece está numa instância cujos promotores são os próprios representantes da lei de Deus. "Acredito que só as mães podem por um fim neste conflito": como por fim se a mulher na sociedade vista tem o valor do nada e estas são meras reprodutoras e são culpadas pela maternidade de um ser do sexo feminino? Algo mais além do querer deve transpassar os preconceitos e verdades nessa sociedade para que se estabeleça a percepção do limite. A instância divina não é suficiente para tornar o respeito ao outro como algo válido, pois se tudo é em nome dele, matar também passa a ser. As palavras por sua vez, também não são suficientes para mostrar o limite do direito e dos deveres. Enfim, o filme nos faz entristecer por ver e perceber a existência de raças contemporâneas cujo respeito ao individual não passa da presença de uma ausência...
Meus lamentos são pelo sofrimento de um povo de uma cultura rígida e inflexível, porém meus elogios vão para a qualidade com que o enredo e a película nos introduz no clima vivido.
Dente Canino
3.8 1,2K Assista AgoraA grande sacada, na minha opinião, é a saída encontrada pela filha mais velha para fazer laço social externo (a revelia da loucura imposta pelo pai). Se a regra determina que sair para o mundo só aconteceria com a queda do canino (regra no limite do impossível, pois o canino é um dos dentes mais fortes, ligado a condição primitiva do humano para caça), não havia outra saída se não provocar a queda do mesmo. A sanidade foi "conquistada?" não pela insana pretensão do pai, mas pela única alternativa disposta pelo discurso do pai. A lei (a lei que salva, liberta) era um resto, uma brecha, um furo, uma ausência e foi exatamente nesse furo que ela encontrou a saída.
Tomboy
4.2 1,6K Assista AgoraSereno, natural, simples, porém emocionante, realista, inexorável! Signos sociais de difícil enfrentamento, mas tratado com a naturalidade como deveria ser a realidade, tanto pela mãe de Michael/Laura como pelo pai, com sentimentos de aceitação/compreensão denotando que a instância da lei está no âmbito do discurso e não da força.
Veronika Decide Morrer
3.2 789O filme é interessante, mas deixa muito a desejar se formos comparar com o livro. Existem diálogos e situações no livro que são desconsideradas pelo roteiro e então, o filme perde muito da sua magia.