ESQUADRÃO 6 é Michael Bay sendo Michael Bay num nível ainda mais surreal. Tive a impressão, em alguns momentos, de que os atores estavam atuando dentro de simuladores de gravidade zero da Nasa, pois pareciam quase voar. De válido mesmo somente as belas atrizes (eu sou apaixonado por Melanie Laurent desde BASTARDOS INGLÓRIOS), as piadinhas de Ryan Reynolds - o eterno Deadpool - e a certeza de que as cenas de ação vão deixar os fanáticos de cabelo em pé.
KLAUS é dos melhores filmes natalinos que eu vi nos últimos anos. Desde o clássico SANTA CLAUS: O FILME, com Dudley Moore, que era exibido insistentemente no SBT nos anos 90, eu não me emocionava tanto com uma versão sobre a origem de papai noel. Mais um ponto certeiro dentro do catálogo da Netflix.
O chato de WAKING LIFE, filme de Richard Linklater, é que ele deveria ser um marco cinematográfico do início do século XXI e acaba por se bastar com uma sucessão de discussões filosóficas e existenciais que não levam a lugar nenhum.
Uma pena, pois o diretor sabe fazer coisa melhor que isso.
Durante toda a projeção de O RELATÓRIO, de Scott Z. Burns, me peguei fazendo um paralelo entre a discussão proposta pelo roteiro do filme e as recentes discussões que povoaram a votação da Reforma da Previdência aqui no Brasil e cheguei a uma terrível conclusão: não há compromisso com a verdade da parte da classe política. Tudo se resume a um jogo que visa acobertar os crimes perpetrados por eles mesmos. E que o mundo continue girando desse jeito torto mesmo!
As atuações de Adam Driver e Annette Bening são magníficas e exploram o que existe de mais torpe e tendencioso no mundo.
E podem ter certeza: será sumariamente boicotado no Oscar do ano que vem justamente por incomodar o sistema de forma tão direta...
O FANTÁSTICO MUNDO DO DR.KELLOGG é o filme mais louco da carreira do diretor Alan Parker (cineasta fantástico que nos entregou obras-primas como MISSISSIPI EM CHAMAS, O EXPRESSO DA MEIA-NOITE e CORAÇÃO SATÂNICO). E acreditem: isso não é um demerito para o filme. Anthony Hopkins entrega um alucinado estereótipo do puritanismo que sempre governou a América, a dita "maior nação do mundo" e o traveste de um humor ácido para que não percebamos o quanto esta sociedade apegada a aparências e fórmulas mágicas está, isso sim, mais doente do que nunca.
Recomendo para cinéfilos que adoram filmes exóticos.
Em ASAS DO DESEJO os anjos são testemunhas oculares da miséria humana e de nossa eterna mania de fazermos escolhas infelizes. À medida em que um deles se apaixona por uma trapezista começa a incorporar muitos de nossos delitos e falhas morais, uma prova viva de que até eles são incapazes de entender a alma humana como um todo. Brilhante produção de Wim Wenders que há anos não entrega um trabalho desse nível para seu público!
ATLANTIQUE tenta ser um drama investigativo e um suspense na linha zumbi e falha em ambas as tentativas. Acaba por se tornar um filme que prometia tanto e acabou por não entregar nada.
Rever NEGÓCIO ARRISCADO depois de tantos anos me fez pensar no quanto o cinema feito para adolescentes naquela época era muito melhor do que essa babaquice do politicamente correto atual. Os jovens tinham uma sétima arte para chamar de sua e não se davam conta. Agora nego perde tempo com essas bobagens de super-heróis e zumbis...
OS MORTOS NÃO MORREM, de Jim Jarmusch, abrindo um festival de cinema (como abriu) é a prova viva de que a sétima arte se rendeu a filmes pobres de significado e experimentalismos babacas.
P.S: a melhor coisa do filme é a personagem da Tilda Swinton, uma versão dark da noiva tarantinesca de KILL BILL.
Até que a dúvida os separe (História de um casamento, de Noah Baumbach, e a difícil jornada do fim de um relacionamento)
O divórcio - assim como os triângulos amorosos, as brigas por herança, o adultério e o cerimonial que envolve o casamento em si - são temas recorrentes e sempre bem vindos dentro da seara cinematográfica norte-americana. Em outras palavras: tudo o que esmiuça a instituição família, seja para melhor ou para pior, seja ironizando ou exorcizando demônios, normalmente ganha eco em hollywood através do discurso de diretores brilhantes, que conseguem falar sobre o tema sem cair no piegas e no tendencioso.
Contudo, desde o final dos anos 1970, com o extraordinário Kramer vs. Kramer, de Robert Benton (vencedor de cinco Oscars) eu não me deparava com um exemplar do gênero tão bem realizado e impactante quanto História de um casamento, do diretor Noah Baumbach (que já havia falado sobre o assunto, sob outro prisma - no caso, o olhar do filho diante da situação - no também ótimo A lula e a baleia).
E pode parecer louco para muitos leitores de meus artigos e críticas postados aqui que um colunista solteiro, que nunca se interessou por matrimônio em toda a sua vida, tenha tamanho fascínio pelo assunto. Pois é... Quando esse assunto é bem defendido, eu tenho interesse sim e muito!
História de um casamento se debruça sobre o fim do relacionamento de Charlie (Adam Driver, uma grata surpresa nessa temporada de prêmios), um diretor de teatro um tanto ególatra que coloca sua carreira e realizações à frente de qualquer outro aspecto de sua vida e Nicole (Scarlett Johansson, no melhor papel de sua carreira em anos!), um atriz que poderia atingir o zênite de sua carreira e sua vida familiar se não se sentisse tão preterida dentro do próprio casamento. E com a traição do marido ela encontra o estopim que precisava para pôr um basta na relação, mais do que desgastada.
Contudo, há aquele velho porém que sempre assombrará a vida dos casais que entendem que não é mais possível seguir adiante juntos: com quem ficará o filho, Henry (Azhy Robertson)?
É nesse momento que entram em cena os advogados e a eterna guerra conjugal que leva, na maioria dos casos, à luta por muito mais do que apenas a guarda da criança. E nesse sentido, há que destacar a atuação da ambiciosa Nora Fanshaw (Laura Dern, fantástica e forte candidata ao Oscar de atriz coadjuvante), advogada de Nicole. Ela é o retrato vivo do que eu penso a respeito do meio jurídico desde que eu era um reles adolescente: uma gente sempre apta a pensar através de cifras e não necessariamente de forma racional.
À medida em que fica claro para os espectadores o desfecho agonizante da narrativa (afinal de contas, nunca conheci uma história de divórcio que terminasse realmente em final feliz) eu chego a conclusão de que, mais do que as agruras e consequências trágicas provocadas pelo término de um relacionamento amoroso, História sobre um casamento é um filme sobre a dúvida e como lidamos com ela nessa sociedade contemporânea controversa como a que estamos vivendo atualmente.
Desconstruindo a frase "até que a morte os separe" proferida pelo padre no altar no dia do matrimônio até suas últimas consequências, o que se vê na prática é a desilusão e a dificuldade de manter um casamento vivo em meio a tantas dúvidas, a tantos "e se".
Bem lá no fundo, sabemos o quanto Nicole e Charlie gostariam de permanecer juntos. Há algo na psique deles, na forma como se relacionam mesmo separados, que me faz acreditar em alguns momentos: "eles gostariam de tentar de novo". Contudo, como acreditar que os erros não se repetirão, que as traições não voltarão a acontecer? E esse é o grande legado oferecido pelo filme de Baumbach. Mostrar que casamento não é uma ciência exata e não se resume a noites tórridas de amor, beijos acalorados e abraços de conforto. E mais: respeito não resume a situação, por mais que muitos casais costumem colocar a culpa pelo fim nesse conceito exclusivamente. Não, meus caros leitores! Vai muito além disso.
O longa - outro acerto no catálogo da Netflix, empresa da qual sou cada dia mais fã - é um tapa na cara dos moralistas que adoram pontuar problemas e soluções para tudo na vida. Entretanto, viver a dois nunca é comparável ao tempo que você, meu amigo leitor, passou sozinho, curtindo a solteirice. É preciso abdicar muitas vezes. E atualmente, num mundo tão neoliberal como o atual, está cada vez mais difícil abrir mão em prol de outra pessoa.
E tem o meu mais sincero respeito - agora sim a palavra cabe como uma luva! - qualquer artista que decida meter a mão nessa cumbuca para expurgar sentimentos e certas verdades, muitas vezes varridas para debaixo do tapete.
P.S (este espaço a cada dia que passa vira mais e mais um grande desabafo): como é fácil fazer um filme sem CGI, sem tantos efeitos especiais ou tecnologias que só servem para encarecer o ingresso. Basta criar uma boa história. Pena que certos diretores ditos "do primeiro escalão" em hollywood não conseguem entender isso!
Sobreviventes (Parasita, de Bong Joon Ho, é um retrato seco e impressionante de uma sociedade capaz de ir até as últimas consequências para mudar o padrão de vida)
Não é de hoje que a sociedade contemporânea dá sinais de cafajestismo. Digo mais: acredito piamente que o mau caratismo ao redor do mundo se sofisticou com o passar dos anos e o advento das novas tecnologias. É possível, meus caros leitores, fazer disso uma escolha de vida, uma profissão. E há - acreditem! - quem ainda os idolatre, os chame de "cidadãos de bem". Contudo, em muitos casos, essa índole para o oportunismo e a vontade de vencer na vida a qualquer custo mostra-se de forma irônica, quase flertando com uma espécie de humor negro. E nesses momentos há quem fique na dúvida sobre a real intenção dessas pessoas. Pior: há quem duvide que eles (ou elas) estejam de fato perpetrando o mal.
O filme Parasita, do diretor sul-coreano Bong Joon Ho (de longas extraordinários como O expresso do amanhã, Mother - a busca pela verdade e Okja) - e para muitos o grande favorito ao Oscar de melhor filme estrangeiro do ano que vem - se encaixa de maneira brilhante dentro desse contexto. Ao ponto de me deixar realmente perturbado (e preocupado) com o futuro da humanidade daqui para frente.
O longa se debruça sobre a vida de uma família de baixa renda, que vive em condições extremamente precárias dentro de um porão num subúrbio inóspito. E mediante um estilo de vida tão deficitário e carente eles são capazes de fazer qualquer coisa (qualquer uma mesmo) que os leve para um padrão de vida melhor.
E essa oportunidade aparece quando um amigo do filho Kim-woo (Woo-sik choi) que está partindo em viagem oferece para ele um emprego como professor de inglês para sua aluna. E é nesse exato momento que começa toda a indústria de artimanhas que envolve a família, capaz de tudo para sair daquela realidade financeira.
Sua irmã é uma especialista em fraudes, poderia dar aulas sobre o assunto em universidades se quisesse. Seu pai é um homem falido capaz de endossar qualquer truque que o faça sair daquela vida miserável. E sua mãe nada tem de genitora séria e (como costumamos ver aqui na nossa cultura) um exemplo vivo de alicerce familiar. Resultado: seu emprego conquistado é apenas um passaporte para que, com o tempo, ele consiga ajudar todos os parentes a se darem bem também.
Seus patrões são o clássico caso da elite esnobe que existe em qualquer lugar do mundo, que gasta qualquer quantia para resolver os menores (e os maiores) problemas, contanto que não tenham de pôr a mão na massa eles mesmos. Logo, as vítimas perfeitas para qualquer estrategista do crime.
À medida que a família que busca sua redenção financeira consegue tomar o controle da casa e da situação, tudo parece caminhar para um plano B ainda mais sórdido quando um segredo envolvendo um antigo funcionário da casa vem à tona para desestabilizar todo o planejamento. E a consequência dessa notícia tem repercussões desastrosas e violentas.
Há uma sequência do filme que fez eu me lembrar de um dos segmentos do filme Short Cuts, do diretor Robert Altman, e reforçou ainda mais o contexto que defendi no primeiro parágrafo. Detalhe: prestem atenção na conversa da família quando se imaginam imbatíveis e com a parada decidida a favor deles.
Em outras palavras: Parasita é um filme sobre sobreviventes. Não. É isso mesmo que vocês leram. E talvez muitos leitores que chegaram à esse ponto da crítica me acusem de fazer vista grossa para o comportamento antiético desses personagens. Contudo, ratifico minha opinião e explico o porquê.
Num mundo como o nosso, pautado pelo status social nocivo e extremista, capaz de fazer a humanidade perder a cabeça por qualquer motivo, fica difícil para mim rotular a família protagonista de meros cafajestes ou canalhas. Como já dizia a compadecida na peça de Ariano Suassuna: "a esperteza é a arma do pobre". Não vejo aquele seio familiar exclusivamente como vilões e sim como receptáculos de um mundo destruído pela ganância e pela eterna mania de levarmos a vantagem sobre os demais.
Vemos nossos semelhantes - e tenho percebido isso mais claramente de uma década para cá - como objetos de nossos planos sórdidos para vencer na vida. Tudo bem, muitos dirão: "não somos todos assim". É uma grande verdade. Mas dizer que isso não representa uma grande esfera da sociedade também é uma grande mentira. Existem, infelizmente, setores da sociedade que visam a exploração do outro em nome de um projeto de vida. É triste, cruel, mas verídico.
Ao final da sessão, que tinha poucos espectadores (uma pena!), vejo os olhares ao redor. Muita perplexidade, mas também estão extasiados com a verdade contida naquela história. Não se trata de uma narrativa sobre torcemos por nossos heróis e rezarmos para que os vilões se estrepam. Nada disso. É o mundo real com todas as dificuldades impostas à sociedade. E ainda tem quem defenda isso em nome de conceitos como globalização ou meritocracia.
Como disse no segundo parágrafo: o filme me deixou preocupado com o futuro da humanidade, com o que sobrará de nós nesse planeta terra cada vez mais controverso. Entretanto, acho que o maior problema é que nós, sociedade, estamos tratando esse mundo e as histórias horrendas que ele nos mostra dia a dia como meras ilusões, invenções ou teorias conspiratórias. E enquanto o debate social se der neste nível a tendência é piorar. E muito.
Por outro lado, como é bom saber que ainda há artistas lúcidos, sem vergonha de mostrar a realidade nua e crua, doa a quem doer. Que filmaço!
P.S (quer dizer: é mais um pedido ou sonho): como é que eu faço para conhecer pessoalmente o diretor Bong Joon Ho? Eu dava tudo para conversar com ele, nem que fosse só meia-hora. O cara é foda. Um dos melhores da atual geração.
O homem que pintava casas (O irlandês é Martin Scorsese reinventando o gênero filme de gângster)
Martin Scorsese, não à toa, nem por acidente, é o grande gênio em atividade da atual hollywood e construiu seu celebritismo tanto através de longas que marcaram época seja por sua visceralidade, seu arrojo estético ou por sua denúncia à religião, como também através de seu trabalho por trás da fundação que criou para restaurar filmes antigos (e este é provavelmente seu maior legado para o futuro do cinema). O mestre, que nos apresentou obras-primas como Táxi driver, Bons companheiros, Touro Indomável, Caminhos perigosos, Cassino, bem como o mais recente e não menos extraordinário O lobo de Wall Street, se consagrou de forma definitiva para muitos por seus filmes de gângster.
Pergunte a qualquer fanático scorsesiano que você conheça e ele dificilmente deixará de lhe dizer: "...e quando ele faz filme de máfia, de gangue, é outro departamento; o cara é foda! não tem pra ninguém!!!".
Pois bem: nos últimos anos Scorsese veio deixando seu público mais fanático de lado em prol de outros projetos cinematográficos (alguns não obtiveram o mesmo prestígio de muitos de seus maiores sucessos) e isso os deixou angustiados. Eu, que acompanhei a parceria do diretor com os atores Robert de Niro e Joe Pesci, volta e meia me pegava perguntando: "será que eu ainda vou ter a honra de ver esse trio juntos novamente?".
E eis que para a minha alegria e a de muitos - e graças também, é claro, à contribuição da Netflix nesse processo - ele realiza O irlandês, seu projeto mais ambicioso em muitos anos.
Adaptado do romance homônimo de Charles Brandt, O irlandês nos traz a história de Frank Sheeran (Robert de Niro, confortável e em seu elemento, como há bastante tempo não o via nos cinemas), um homem de vida simples que trabalhava como entregador de carne, isso quando não realizava pequenos bicos para sobreviver e sustentar a sua família. Isso até sua vida esbarrar com a do mafioso Russell Bufalino (Joe Pesci) que o contrata para trabalhos maiores e mais perigosos.
Porém, o que Frank não sabia é que os seus serviços bem prestados e sua discrição chamariam a atenção do todo poderoso do Sindicato dos caminhoneiros, o lendário Jimmy Hoffa (Al Pacino, impecável em todos os sentidos!). Hoffa é um homem controlador, que não gosta de ser passado para trás, muito menos feito de palhaço por quem quer seja. Logo, o contrário de Frank, que prefere permanecer na encolha e observar qualquer situação com cuidado. E dessa parceria inusitada surge uma grande amizade.
Mais do que simplesmente isso: é através de Hoffa que ele passa a conhecer o mundo podre dos sindicatos, sua ligação com a máfia, o enfrentamento que teve com o governo Kennedy, em outras palavras, a velha indústria da "troca de favores". À medida que vai galgando postos dentro dessa hierarquia, Frank pretere sua própria família, e vai se tornando um homem cada vez mais frio, sem sentimentos.
E é nesse momento que a genialidade de Scorsese - aliada à monumental edição de Thelma Shoonmaker - ganha corpo. O filme, cheio de digressões e metáforas as mais diversas, delineia o controverso mundo no qual Frank está inserido. E tudo isso muito bem ilustrado por planos-sequência magistrais e cenas em câmera lenta de tirar o fôlego. Dois aspectos me tornaram fã da película logo de cara: os olhares incriminadores de Peggy (Anna Paquin), filha de Frank, que representaram claramente o papel da mulher nesse universo sombrio e a maneira como o diretor desacelera a narrativa - a violência é mais calculada aqui, diferentemente de Bons companheiros e Cassino - com o intuito de revelar para o espectador que se tratam das confissões de um homem envelhecido, derrotado pelo tempo, portanto não há porquê mostrar um barbárie tão fetichizada.
A própria metáfora que o diretor constrói com a figura do pintor de casas (ou seja: do homem apto a fazer qualquer coisa, qualquer tipo de trabalho, pelo seu próprio sustento e sobrevivência) é muito bem vinda e reflete o amadurecimento do diretor, que consegue reinventar o gênero que ele próprio celebrizou com um brilhantismo contumaz. Sheeran é um "garoto de recados" que soube entrar e sair dessa hierarquia com extrema elegância, respeitando a todos e por isso mesmo sendo respeitado também.
Mas como nem tudo são glórias e comemorações na vida desses homens do crime o final da vida cobra o preço por seus pecados e, em alguns momentos, me fez lembrar do desfecho de vida de Michael Corleone em O poderoso chefão, de Francis Ford Coppola. O abandono, o arrependimento por escolhas mal feitas, o deslize por não ter sido um bom pai quando teve tempo para isso e finalmente a sensação de estar sendo seguido e espionado pelo resto da vida, à espera de alguém que se vingue dos seus atos.
Terminadas as mais de três horas de projeção (que passaram de forma extraordinaria, sem me deixar cansado em momento algum, tamanho meu envolvimento com a trama) chego à conclusão de estar diante do primeiro grande candidato ao Oscar de melhor filme do ano que vem.
O irlandês é a redescoberta de Scorsese como diretor, apresentando uma nova faceta para um gênero que ele próprio praticamente criou. E para tal narra a história de um homem comum que por se afiliar a um mundo obscuro, onde todos desconfiam de todos, acabou tornando sua própria vida invisível e carente de significado.
Dito isto, que comece agora a temporada de prêmios!
Venho perseguindo PURPLE RAIN para rever há anos, sem sucesso. Já ouvi o álbum com a trilha do filme inesgotáveis vezes no youtube, mas o longa em si escapou de minhas mãos várias vezes. Agora, depois de reassistí-lo fica aqui o meu sentimento de nostalgia pura. A sensação clara de que ouvíamos uma música pop coerente com minha adolescente e não essa sucessão de vulgaridades que vemos hoje em dia na indústria cultural.
Uma pena saber que Prince não está mais entre nós. O rapaz era talentoso!
Sabe aquela expressão "ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão"? Vai se fiando nisso...
Em AS GOLPISTAS o que se vê é que o crime sempre está mais perto daqueles que não tem costas quentes junto a elite. O mercado financeiro está cheio de ladrões que arruinaram a vida de milhões de famílias na crise de 2008 e saíram numa boa (prender pra quê!). Já com as strippers lideradas por Jennifer Lopez (no melhor personagem de toda a sua carreira) a banda toca diferente. Elas não tem o pedigree necessária para permanecerem livres. Precisam, isso sim, ser vigiadas, pois enganaram cidadãos "ilustres". E o mundo sórdido em que vivemos continua girando!
A princípio fiquei meio em cima do muro com esse longa, quando falaram da possível indicação de J-LO aos prêmios da temporada. Achei exagerado, forçado. Nos últimos anos, em hollywood e ao redor do mundo, as strippers viraram um fenômeno cult. Logo todo esse burburinho em cima do filme me soava injustificado. Erro meu.
AS GOLPISTAS vem para encerrar o ano com brilhantismo e cheio de belas mulheres. Normalmente eu não recomendaria uma produção dessas. Mas nesse caso específico, procurem! Vale - e muito - o preço do ingresso.
Na prática não é bem assim... (Divino amor, religião e projeto de poder)
Está difícil conversar (que dirá debater!) sobre praticamente tudo no país, mas quando o assunto em questão é a fé as pessoas normalmente descambam para a religião, pois a grande maioria da sociedade só consegue entender a conotação de fé pelo viés de pessoas frequentando igrejas, templos, mesquitas, etc. Ou seja: para muitos você só tem fé quando pertence a um grupo que pensa exatamente como você e frequenta um determinado lugar.
E quando essa realidade - que já é incômoda por si só - ganha ares de fanatismo e cegueira ideológica proposital, aí então meus caros leitores, é um Deus nos acuda.
Quando assisti o primeiro trailer de Divino amor, do diretor Gabriel Mascaro (do excelente Boi neón) pensei comigo logo de cara: "vem problema por aí". E disse isso muito pelo fato de estarmos vivendo um momento de muita polarização no Brasil. Pois bem: o filme estreou, a crítica em grande parte elogiou e eu fui correndo aos cinemas para conferir. No entanto, quis dar um tempo para emitir a minha opinião sobre o longa, pois minha relação com dogmas e discursos religiosos é sempre tensa e fadada a discussões (muitas delas desnecessárias). E eis que, após muita autoreflexão, chega o momento de manifestar meu pensamento sobre o que vi.
Divino amor é crítico, sem no entanto ser desrespeitoso (e vi algumas pessoas escrevendo na internet sobre o filme que ele até poderia, se quisesse). Traz na figura de Joana (Dira Paes, ótima) o fio condutor de uma história que dialoga muito com o país no qual estamos vivendo depois das últimas eleições.
No longa de Mascaro o Brasil deixou de ser o país do carnaval, da folia, do maracanã lotado, dos feriados prolongados, para se tornar um grande ritual gospel. A festa que agita os "cidadãos de bem" brasileiros não envolve batucadas e samba e sim um ritmo, digamos, mais leve, clean, politicamente correto. Mais do que apenas isso: tudo, absolutamente tudo, é visto sob a ótica da religião. Desde a forma como os filhos serão educados até a disputa por uma vaga de emprego.
Pior: todo aquele que não segue as premissas religiosas vigentes é visto como um desgarrado, uma espécie de pária dentro da própria sociedade. Bom mesmo é aquele que segue (cegamente, em muitos casos) os preceitos de Deus.
Contudo, isso na verdade não passa de uma grande teoria sobre o viver em sociedade. Na prática, no chamado mundo real - conceito que vem perdendo fôlego por aqui nos últimos anos - a história não é bem assim. A parábola de que esses homens e mulheres idôneos seguidores do discurso bíblico não traem, não cometem erros, não produzem falhas e distorções de caráter, é de uma ingenuidade contumaz e típica daqueles cujo único mérito em vida é o de cercear a liberdade e a opinião alheia. Ou para resumir de forma direta: não se sustenta.
Por isso, quando Joana percebe que seu casamento está ruindo e não consegue obter as respostas que almeja de seu líder religioso (ou guru, expressão mais afeita aos dias de hoje) ela sucumbe de forma tão desastrosa, que chega ao ponto de realmente se acreditar uma inútil para a sociedade como um todo. E é nesse exato momento que o filme se torna mais interessante e poderoso.
Gabriel Mascaro mostra, de forma lúcida, sem se apegar a esterótipos e modismos, a grande hipocrisia - ou lobotomia, como preferir chamar - que rege a existência de pessoas confusas, que não conseguem realizar a própria jornada com seus próprios passos, sem recorrer a "instruções" ou "versículos" como se fossem reles manuais de regras.
Ao final, mesmo com a ironia proposta pelo diretor envolvendo o nascimento de um novo messias, o que fica claro mesmo (pelo menos, ficou para mim) é que estamos vivendo num país que se transformou num delicado projeto de poder ilógico e sórdido, na medida que não permite a outras pessoas o mesmo direito de se posicionar. Viramos uma hierarquia da fé, mas uma fé tendenciosa e calcada num verborragia falha e sem sentido, usada para castrar ou silenciar todo aquele que se manifeste contra ela.
Fiquei semanas após ver o longa ruminando suas ideias, a maneira elegante com que foram defendidas, e pensando no que esperar do futuro. Colegas meus, mais derrotistas, diriam: "se ainda houver futuro depois do surgimento dessa gente". E a conclusão a que chego é: não podemos ficar calados, aguardando. Pois tenho receio do que pode vir a seguir.
Moral da história: é um filme que realça medos e censuras, que como todos os medos e censuras na história desse país, precisam ser combatidos. De frente. Agora mais do que nunca.
E pensar que, em tese, trata-se apenas de um filme de cinema. E que arte genial - e por isso tão perseguida atualmente pelo governo federal - é o cinema!
Vidas secundárias (A vida invisível, de Karim Ainouz, é praticamente um manifesto em prol das mulheres)
Por que essa eterna mania de considerarmos as mulheres seres inferiores, que precisam ser legisladas por homens fortes, viris, tementes a Deus, provedores do lar? Até quando teremos de suportar uma sociedade infame, cruel e hipócrita que defende a ideia do sexo feminino como sexo frágil? Serão elas criaturas tão perigosas assim, passíveis de serem observadas 24 horas por dia, como criminosas do mais alto escalão? Sim, infelizmente empobrecemos a este nível. Praticamente animalizamos a própria sociedade (vide o número crescente de feminicídios nos últimos anos).
E mesmo com toda essa realidade atroz e adversa a elas, não haverá quem as defenda de forma digna, que lute - mesmo que através da arte - por um espaço igualitário ou pelo direito delas expressarem suas próprias opiniões, galgarem seu próprio espaço nessa selva competitiva que é o mundo?
O cineasta Karim Ainouz (que apresentou suas mulheres fortes e decididas nos longas anteriores O céu de Suely e O abismo prateado) fez isso de novo e de forma sublime com A vida invisível, vencedor da mostra Un Certain Regard no festival de Cannes e nosso postulante à uma vaga no Oscar de melhor filme estrangeiro do ano que vem.
O filme - que é adaptado do romance A vida invisível de Eurídice Gusmão, da escritora Martha Batalha - narra a história das irmãs Guida (Júlia Stockler) e Eurídice (Carol Duarte), filhas de uma tradicional família portuguesa, baseada em ideais conservadores e por vezes extremos. Guida é a sonhadora, acredita ter encontrado o amor na figura de um jovem grego que a leva para o seu país. Em outras palavras: a clássica love story que, muitas vezes, acaba se desdobrando em consequências desastrosas. Já Eurídice é mais sensata, mas no fundo deseja mesmo é uma carreira como pianista e se prepara para os exames visando uma vaga num conservatório na Áustria.
Contudo, os planos de ambas se mostram frustrados quando Guida regressa da Grécia com um filho no ventre e é expulsa de casa pelo pai, que quer mantê-la afastada da irmã, agora casada e, na visão dele, feliz. Mal sabe ele que o matrimônio da filha se torna tudo o que ela não desejou para sua vida. Pior: ela vê no relacionamento um impedimento para seu maior sonho.
Com o passar dos anos, a única forma de contato entre as irmãs são as cartas que Guida escreve e que, ela acredita, chegam as mãos da irmã. E é nesse momento que chego à melhor reflexão oferecida dentro do filme. Trata-se de uma história sobre vidas secundárias, silenciadas pela velha moral do conservadorismo hipócrita que acredita piamente serem seus despautérios e decisões arbitrárias a melhor escolha para salvar a chamada família tradicional.
Não é dado à Guida ou a Eurídice o menor direito à fala, à expressão seja em que formato ela se apresente. Elas são, como quase todas as mulheres daqueles anos 50 (e que muitas mulheres da atual geração - pasmem! - desejam que essa cultura vigore novamente), produtos da repressão e da cultura do conformismo. A velha história do "lugar de mulher é na cozinha", "você não manda em nada aqui" ou mesmo "saiba o seu lugar, antes que eu perca a paciência".
O casamento de Eurídice em alguns momentos me lembrou a personagem de Julia Roberts no filme Dormindo com o inimigo, sempre acuada e precisando estar disponível para atender aos prazeres do marido. No entanto, quando tinha sonhos próprios era sempre indagada de maneira a castrá-la, pô-la no seu devido lugar de coadjuvante. "Você já não toca piano?", "você nunca fica satisfeita com nada".
Enquanto isso, Guida enfrenta a barra de trabalhar para sustentar o filho sozinha, sendo várias vezes acusada de injusta pelo sistema por reclamar das condições trabalhistas pelas quais as mulheres passam todos os dias. E encontra em outros desgarrados sociais uma segunda família, que a acolhe sem rotulá-la do que quer que seja.
Há muito tempo não vertia lágrimas ao assistir um filme e esse mereceu todas elas. Se atingirá ou não o zênite da glória na festa hollywoodiana eu não sei, mas que é uma das produções mais bem realizadas que eu vi nos últimos anos e um forte candidato a estatueta, ah isso é!
Karim Ainouz volta no tempo sete décadas para falar do hoje opressor e do que promete ser o amanhã se as mulheres desistirem da luta agora. Seu manifesto em prol delas é visível - ao contrário do título do longa - e devastadoramente gratificante para quem (ainda acredita) que é possível uma sociedade mais justa num futuro próximo.
Talvez alguns leitores me achem ingênuo ao escrever o parágrafo anterior. Honestamente... Ingenuidade para mim é acreditar que este modelo patriarcal é moderno e necessário para manter a ordem. É um direito das mulheres acreditar em sua emancipação, seja a que preço for, seja qual for o custo dessa batalha. Pois, do contrário, estaremos fadados a eterna omissão.
A sessão termina, as luzes se apagam e vejo mulheres chorando, emocionadas (não só com o desfecho do longa, mas com a verdade assustadora da interpretação de Fernanda Montenegro, nossa maior atriz, não à toa sendo justamente homenageada por seus 90 anos. Em uma palavra: magnífica!). Uma senhora bem idosa se levanta e aplaude, enquanto o fado português embala os créditos. Ela é a cereja do bolo nessa sessão de cinema gloriosa. A vitória do passado contra o conformismo.
Que filme! Que vitória da arte! E tem gente querendo acabar com isso, com essa verdade, esse direito à luta, ao debate, a pensar diferente dos demais.
Que eles, os canalhas que idolatram o passado sem reflexão, não vençam jamais!
HISTÓRIAS ASSUSTADORAS PARA CONTAR NO ESCURO, de André Øvredal, até tenta emular os suspenses adolescentes do passado, mas na boa... O problema do terror continua sendo (a meu ver) o mesmo: a ausência de escritores interessantes. E olha que esse aqui teve participação do Guillermo del Toro e tudo! Mas não deu. Falta algo nessa hollywood de hoje que os antigos filmes assustadores (remeto à Bela Lugosi, Boris Karloff, etc) tinham de lavada.
Mas foi uma tentativa interessante em meio a tanta bobagem que se produz no gênero hoje em dia...
Demorei para assistir O CLUBE, de Pablo Larraín, mas valeu cada segundo a espera. E ao final da sessão, exibida no Canal Brasil, fiquei pensando comigo: "e pensar que são esses senhores que supostamente conhecem e proferem a palavra de Deus!". O longa fala dos deslizes que esses homens de batina costumam cometer - e varrer para debaixo do tapete - enquanto se escondem atrás da imagem de homens de Deus. Retrato vivo da mentalidade religiosa hipócrita que paira no mundo nos últimos tempos. Mais um exemplo extraordinário de porque o cinema argentino está entre os mais interessantes do audiovisual contemporâneo. Apenas um arrependimento: não ter conseguido assistí-lo nos cinemas na época em que foi exibido por culpa do circuito exibidor que adora sacanear cinéfilos que querem assistir algo diferente dos blockbusters "toma dinheiro de otário!"...
ANNA: O PERIGO TEM NOME é mais do mesmo. No caso, a tara do diretor Luc Besson por mulheres matadoras e sensuais. E dessa vez ele escolheu uma que mais parece modelo do que atriz. Se LUCY já havia forçado a barra, aqui então ficou um clima meio CARGA EXPLOSIVA. A melhor coisa: a ótima atriz Helen Mirren. E até aí nenhuma novidade nisso...
DESLEMBRO é a cara do país desmemoriado no qual estamos vivendo nos últimos tempos. E tem quem se orgulhe de fingir a própria história numa versão mais interessante do que a verdade. E também é uma das razões pela qual o atual governo deixou o setor audiovisual em crise. Eles não querem esse tipo de coisa sendo produzida, pois não é chapa branca do jeito que eles gostam!
Não, não tem nada a ver com democracia, com ética, com gastar dinheiro público. Tem a ver com ser tendencioso. E o filme alfineta o país de ontem para poder falar do de hoje de forma inteligente.
VOU RIFAR MEU CORAÇÃO pôe lado a lado anônimos e famosos e realiza um pequeno grande ensaio sobre o papel da música brega dentro da sociedade brasileira. Um dos melhores documentários que eu assisti nos últimos anos (na verdade, não sei porquê demorei tanto para assistí-lo!).
P.S: eu não gosto do cantor Agnaldo Timóteo, sempre o achei um posudo, um presepeiro, mas o que ele disse sobre o rótulo de brega da música é a mais triste verdade que existe na MPB. Tudo que é do gosto das classes mais baixas da sociedade é estereotipado de forma a insultar o público.
40 anos depois e o Chile passa por revertério político de novo. Não adianta. Enquanto a sociedade mundial não entender que o interesse do Estado (seja em que país for) nunca é, de fato, o povo nada mudará.
SCARFACE, de Brian de Palma, não só coloca Tony Montana como um dos maiores personagens da história do cinema americano, como também institucionaliza o filme de máfia como um maiores grandes gêneros produzidos em hollywood. Um filme que precisa urgentemente ser redescoberto pelas novas gerações!!!
Com INTERIORES, Woody Allen apresenta ao público a difícil missão pela qual nós, seres humanos, passamos ao lidar com o casamento. E ele se mostra difícil, quase atroz, desde o início. Vendo o filme hoje e projetando a realidade com o passar dos anos, fica até fácil entender porque grande parte da humanidade prefere viver sozinha hoje em dia. A matriarca da família vê seu mundo ruir quando o esposo conhece outra mulher e ela não aceita o fato de que sua separação não será temporária e sim uma abertura para o divórcio. As filhas até tentam segurar a barra, compreendê-la, mas... A vida não é uma ciência exata. E o resultado dessa equação é trágico (bem a cara do Allen da década de 70).
p.s: embora melhore do meio para o final, ainda considero o pior filme do Allen (dos que eu assisti até hoje)
Esquadrão 6
3.0 431 Assista AgoraESQUADRÃO 6 é Michael Bay sendo Michael Bay num nível ainda mais surreal. Tive a impressão, em alguns momentos, de que os atores estavam atuando dentro de simuladores de gravidade zero da Nasa, pois pareciam quase voar. De válido mesmo somente as belas atrizes (eu sou apaixonado por Melanie Laurent desde BASTARDOS INGLÓRIOS), as piadinhas de Ryan Reynolds - o eterno Deadpool - e a certeza de que as cenas de ação vão deixar os fanáticos de cabelo em pé.
Klaus
4.3 610 Assista AgoraKLAUS é dos melhores filmes natalinos que eu vi nos últimos anos. Desde o clássico SANTA CLAUS: O FILME, com Dudley Moore, que era exibido insistentemente no SBT nos anos 90, eu não me emocionava tanto com uma versão sobre a origem de papai noel. Mais um ponto certeiro dentro do catálogo da Netflix.
Acordar para a Vida
4.3 789O chato de WAKING LIFE, filme de Richard Linklater, é que ele deveria ser um marco cinematográfico do início do século XXI e acaba por se bastar com uma sucessão de discussões filosóficas e existenciais que não levam a lugar nenhum.
Uma pena, pois o diretor sabe fazer coisa melhor que isso.
O Relatório
3.5 111 Assista AgoraPolítica é uma doença social mesmo.
Durante toda a projeção de O RELATÓRIO, de Scott Z. Burns, me peguei fazendo um paralelo entre a discussão proposta pelo roteiro do filme e as recentes discussões que povoaram a votação da Reforma da Previdência aqui no Brasil e cheguei a uma terrível conclusão: não há compromisso com a verdade da parte da classe política. Tudo se resume a um jogo que visa acobertar os crimes perpetrados por eles mesmos. E que o mundo continue girando desse jeito torto mesmo!
As atuações de Adam Driver e Annette Bening são magníficas e exploram o que existe de mais torpe e tendencioso no mundo.
E podem ter certeza: será sumariamente boicotado no Oscar do ano que vem justamente por incomodar o sistema de forma tão direta...
O Fantástico Mundo do Dr. Kellogg
2.9 12O FANTÁSTICO MUNDO DO DR.KELLOGG é o filme mais louco da carreira do diretor Alan Parker (cineasta fantástico que nos entregou obras-primas como MISSISSIPI EM CHAMAS, O EXPRESSO DA MEIA-NOITE e CORAÇÃO SATÂNICO). E acreditem: isso não é um demerito para o filme. Anthony Hopkins entrega um alucinado estereótipo do puritanismo que sempre governou a América, a dita "maior nação do mundo" e o traveste de um humor ácido para que não percebamos o quanto esta sociedade apegada a aparências e fórmulas mágicas está, isso sim, mais doente do que nunca.
Recomendo para cinéfilos que adoram filmes exóticos.
Asas do Desejo
4.3 493 Assista AgoraEm ASAS DO DESEJO os anjos são testemunhas oculares da miséria humana e de nossa eterna mania de fazermos escolhas infelizes. À medida em que um deles se apaixona por uma trapezista começa a incorporar muitos de nossos delitos e falhas morais, uma prova viva de que até eles são incapazes de entender a alma humana como um todo. Brilhante produção de Wim Wenders que há anos não entrega um trabalho desse nível para seu público!
Atlantique
3.6 129ATLANTIQUE tenta ser um drama investigativo e um suspense na linha zumbi e falha em ambas as tentativas. Acaba por se tornar um filme que prometia tanto e acabou por não entregar nada.
Negócio Arriscado
3.3 192 Assista AgoraRever NEGÓCIO ARRISCADO depois de tantos anos me fez pensar no quanto o cinema feito para adolescentes naquela época era muito melhor do que essa babaquice do politicamente correto atual. Os jovens tinham uma sétima arte para chamar de sua e não se davam conta. Agora nego perde tempo com essas bobagens de super-heróis e zumbis...
Os Mortos Não Morrem
2.5 465 Assista AgoraOS MORTOS NÃO MORREM, de Jim Jarmusch, abrindo um festival de cinema (como abriu) é a prova viva de que a sétima arte se rendeu a filmes pobres de significado e experimentalismos babacas.
P.S: a melhor coisa do filme é a personagem da Tilda Swinton, uma versão dark da noiva tarantinesca de KILL BILL.
História de um Casamento
4.0 1,9K Assista AgoraAté que a dúvida os separe
(História de um casamento, de Noah Baumbach, e a difícil jornada do fim de um relacionamento)
O divórcio - assim como os triângulos amorosos, as brigas por herança, o adultério e o cerimonial que envolve o casamento em si - são temas recorrentes e sempre bem vindos dentro da seara cinematográfica norte-americana. Em outras palavras: tudo o que esmiuça a instituição família, seja para melhor ou para pior, seja ironizando ou exorcizando demônios, normalmente ganha eco em hollywood através do discurso de diretores brilhantes, que conseguem falar sobre o tema sem cair no piegas e no tendencioso.
Contudo, desde o final dos anos 1970, com o extraordinário Kramer vs. Kramer, de Robert Benton (vencedor de cinco Oscars) eu não me deparava com um exemplar do gênero tão bem realizado e impactante quanto História de um casamento, do diretor Noah Baumbach (que já havia falado sobre o assunto, sob outro prisma - no caso, o olhar do filho diante da situação - no também ótimo A lula e a baleia).
E pode parecer louco para muitos leitores de meus artigos e críticas postados aqui que um colunista solteiro, que nunca se interessou por matrimônio em toda a sua vida, tenha tamanho fascínio pelo assunto. Pois é... Quando esse assunto é bem defendido, eu tenho interesse sim e muito!
História de um casamento se debruça sobre o fim do relacionamento de Charlie (Adam Driver, uma grata surpresa nessa temporada de prêmios), um diretor de teatro um tanto ególatra que coloca sua carreira e realizações à frente de qualquer outro aspecto de sua vida e Nicole (Scarlett Johansson, no melhor papel de sua carreira em anos!), um atriz que poderia atingir o zênite de sua carreira e sua vida familiar se não se sentisse tão preterida dentro do próprio casamento. E com a traição do marido ela encontra o estopim que precisava para pôr um basta na relação, mais do que desgastada.
Contudo, há aquele velho porém que sempre assombrará a vida dos casais que entendem que não é mais possível seguir adiante juntos: com quem ficará o filho, Henry (Azhy Robertson)?
É nesse momento que entram em cena os advogados e a eterna guerra conjugal que leva, na maioria dos casos, à luta por muito mais do que apenas a guarda da criança. E nesse sentido, há que destacar a atuação da ambiciosa Nora Fanshaw (Laura Dern, fantástica e forte candidata ao Oscar de atriz coadjuvante), advogada de Nicole. Ela é o retrato vivo do que eu penso a respeito do meio jurídico desde que eu era um reles adolescente: uma gente sempre apta a pensar através de cifras e não necessariamente de forma racional.
À medida em que fica claro para os espectadores o desfecho agonizante da narrativa (afinal de contas, nunca conheci uma história de divórcio que terminasse realmente em final feliz) eu chego a conclusão de que, mais do que as agruras e consequências trágicas provocadas pelo término de um relacionamento amoroso, História sobre um casamento é um filme sobre a dúvida e como lidamos com ela nessa sociedade contemporânea controversa como a que estamos vivendo atualmente.
Desconstruindo a frase "até que a morte os separe" proferida pelo padre no altar no dia do matrimônio até suas últimas consequências, o que se vê na prática é a desilusão e a dificuldade de manter um casamento vivo em meio a tantas dúvidas, a tantos "e se".
Bem lá no fundo, sabemos o quanto Nicole e Charlie gostariam de permanecer juntos. Há algo na psique deles, na forma como se relacionam mesmo separados, que me faz acreditar em alguns momentos: "eles gostariam de tentar de novo". Contudo, como acreditar que os erros não se repetirão, que as traições não voltarão a acontecer? E esse é o grande legado oferecido pelo filme de Baumbach. Mostrar que casamento não é uma ciência exata e não se resume a noites tórridas de amor, beijos acalorados e abraços de conforto. E mais: respeito não resume a situação, por mais que muitos casais costumem colocar a culpa pelo fim nesse conceito exclusivamente. Não, meus caros leitores! Vai muito além disso.
O longa - outro acerto no catálogo da Netflix, empresa da qual sou cada dia mais fã - é um tapa na cara dos moralistas que adoram pontuar problemas e soluções para tudo na vida. Entretanto, viver a dois nunca é comparável ao tempo que você, meu amigo leitor, passou sozinho, curtindo a solteirice. É preciso abdicar muitas vezes. E atualmente, num mundo tão neoliberal como o atual, está cada vez mais difícil abrir mão em prol de outra pessoa.
E tem o meu mais sincero respeito - agora sim a palavra cabe como uma luva! - qualquer artista que decida meter a mão nessa cumbuca para expurgar sentimentos e certas verdades, muitas vezes varridas para debaixo do tapete.
P.S (este espaço a cada dia que passa vira mais e mais um grande desabafo): como é fácil fazer um filme sem CGI, sem tantos efeitos especiais ou tecnologias que só servem para encarecer o ingresso. Basta criar uma boa história. Pena que certos diretores ditos "do primeiro escalão" em hollywood não conseguem entender isso!
Parasita
4.5 3,6K Assista AgoraSobreviventes
(Parasita, de Bong Joon Ho, é um retrato seco e impressionante de uma sociedade capaz de ir até as últimas consequências para mudar o padrão de vida)
Não é de hoje que a sociedade contemporânea dá sinais de cafajestismo. Digo mais: acredito piamente que o mau caratismo ao redor do mundo se sofisticou com o passar dos anos e o advento das novas tecnologias. É possível, meus caros leitores, fazer disso uma escolha de vida, uma profissão. E há - acreditem! - quem ainda os idolatre, os chame de "cidadãos de bem". Contudo, em muitos casos, essa índole para o oportunismo e a vontade de vencer na vida a qualquer custo mostra-se de forma irônica, quase flertando com uma espécie de humor negro. E nesses momentos há quem fique na dúvida sobre a real intenção dessas pessoas. Pior: há quem duvide que eles (ou elas) estejam de fato perpetrando o mal.
O filme Parasita, do diretor sul-coreano Bong Joon Ho (de longas extraordinários como O expresso do amanhã, Mother - a busca pela verdade e Okja) - e para muitos o grande favorito ao Oscar de melhor filme estrangeiro do ano que vem - se encaixa de maneira brilhante dentro desse contexto. Ao ponto de me deixar realmente perturbado (e preocupado) com o futuro da humanidade daqui para frente.
O longa se debruça sobre a vida de uma família de baixa renda, que vive em condições extremamente precárias dentro de um porão num subúrbio inóspito. E mediante um estilo de vida tão deficitário e carente eles são capazes de fazer qualquer coisa (qualquer uma mesmo) que os leve para um padrão de vida melhor.
E essa oportunidade aparece quando um amigo do filho Kim-woo (Woo-sik choi) que está partindo em viagem oferece para ele um emprego como professor de inglês para sua aluna. E é nesse exato momento que começa toda a indústria de artimanhas que envolve a família, capaz de tudo para sair daquela realidade financeira.
Sua irmã é uma especialista em fraudes, poderia dar aulas sobre o assunto em universidades se quisesse. Seu pai é um homem falido capaz de endossar qualquer truque que o faça sair daquela vida miserável. E sua mãe nada tem de genitora séria e (como costumamos ver aqui na nossa cultura) um exemplo vivo de alicerce familiar. Resultado: seu emprego conquistado é apenas um passaporte para que, com o tempo, ele consiga ajudar todos os parentes a se darem bem também.
Seus patrões são o clássico caso da elite esnobe que existe em qualquer lugar do mundo, que gasta qualquer quantia para resolver os menores (e os maiores) problemas, contanto que não tenham de pôr a mão na massa eles mesmos. Logo, as vítimas perfeitas para qualquer estrategista do crime.
À medida que a família que busca sua redenção financeira consegue tomar o controle da casa e da situação, tudo parece caminhar para um plano B ainda mais sórdido quando um segredo envolvendo um antigo funcionário da casa vem à tona para desestabilizar todo o planejamento. E a consequência dessa notícia tem repercussões desastrosas e violentas.
Há uma sequência do filme que fez eu me lembrar de um dos segmentos do filme Short Cuts, do diretor Robert Altman, e reforçou ainda mais o contexto que defendi no primeiro parágrafo. Detalhe: prestem atenção na conversa da família quando se imaginam imbatíveis e com a parada decidida a favor deles.
Em outras palavras: Parasita é um filme sobre sobreviventes. Não. É isso mesmo que vocês leram. E talvez muitos leitores que chegaram à esse ponto da crítica me acusem de fazer vista grossa para o comportamento antiético desses personagens. Contudo, ratifico minha opinião e explico o porquê.
Num mundo como o nosso, pautado pelo status social nocivo e extremista, capaz de fazer a humanidade perder a cabeça por qualquer motivo, fica difícil para mim rotular a família protagonista de meros cafajestes ou canalhas. Como já dizia a compadecida na peça de Ariano Suassuna: "a esperteza é a arma do pobre". Não vejo aquele seio familiar exclusivamente como vilões e sim como receptáculos de um mundo destruído pela ganância e pela eterna mania de levarmos a vantagem sobre os demais.
Vemos nossos semelhantes - e tenho percebido isso mais claramente de uma década para cá - como objetos de nossos planos sórdidos para vencer na vida. Tudo bem, muitos dirão: "não somos todos assim". É uma grande verdade. Mas dizer que isso não representa uma grande esfera da sociedade também é uma grande mentira. Existem, infelizmente, setores da sociedade que visam a exploração do outro em nome de um projeto de vida. É triste, cruel, mas verídico.
Ao final da sessão, que tinha poucos espectadores (uma pena!), vejo os olhares ao redor. Muita perplexidade, mas também estão extasiados com a verdade contida naquela história. Não se trata de uma narrativa sobre torcemos por nossos heróis e rezarmos para que os vilões se estrepam. Nada disso. É o mundo real com todas as dificuldades impostas à sociedade. E ainda tem quem defenda isso em nome de conceitos como globalização ou meritocracia.
Como disse no segundo parágrafo: o filme me deixou preocupado com o futuro da humanidade, com o que sobrará de nós nesse planeta terra cada vez mais controverso. Entretanto, acho que o maior problema é que nós, sociedade, estamos tratando esse mundo e as histórias horrendas que ele nos mostra dia a dia como meras ilusões, invenções ou teorias conspiratórias. E enquanto o debate social se der neste nível a tendência é piorar. E muito.
Por outro lado, como é bom saber que ainda há artistas lúcidos, sem vergonha de mostrar a realidade nua e crua, doa a quem doer. Que filmaço!
P.S (quer dizer: é mais um pedido ou sonho): como é que eu faço para conhecer pessoalmente o diretor Bong Joon Ho? Eu dava tudo para conversar com ele, nem que fosse só meia-hora. O cara é foda. Um dos melhores da atual geração.
O Irlandês
4.0 1,5K Assista AgoraO homem que pintava casas
(O irlandês é Martin Scorsese reinventando o gênero filme de gângster)
Martin Scorsese, não à toa, nem por acidente, é o grande gênio em atividade da atual hollywood e construiu seu celebritismo tanto através de longas que marcaram época seja por sua visceralidade, seu arrojo estético ou por sua denúncia à religião, como também através de seu trabalho por trás da fundação que criou para restaurar filmes antigos (e este é provavelmente seu maior legado para o futuro do cinema). O mestre, que nos apresentou obras-primas como Táxi driver, Bons companheiros, Touro Indomável, Caminhos perigosos, Cassino, bem como o mais recente e não menos extraordinário O lobo de Wall Street, se consagrou de forma definitiva para muitos por seus filmes de gângster.
Pergunte a qualquer fanático scorsesiano que você conheça e ele dificilmente deixará de lhe dizer: "...e quando ele faz filme de máfia, de gangue, é outro departamento; o cara é foda! não tem pra ninguém!!!".
Pois bem: nos últimos anos Scorsese veio deixando seu público mais fanático de lado em prol de outros projetos cinematográficos (alguns não obtiveram o mesmo prestígio de muitos de seus maiores sucessos) e isso os deixou angustiados. Eu, que acompanhei a parceria do diretor com os atores Robert de Niro e Joe Pesci, volta e meia me pegava perguntando: "será que eu ainda vou ter a honra de ver esse trio juntos novamente?".
E eis que para a minha alegria e a de muitos - e graças também, é claro, à contribuição da Netflix nesse processo - ele realiza O irlandês, seu projeto mais ambicioso em muitos anos.
Adaptado do romance homônimo de Charles Brandt, O irlandês nos traz a história de Frank Sheeran (Robert de Niro, confortável e em seu elemento, como há bastante tempo não o via nos cinemas), um homem de vida simples que trabalhava como entregador de carne, isso quando não realizava pequenos bicos para sobreviver e sustentar a sua família. Isso até sua vida esbarrar com a do mafioso Russell Bufalino (Joe Pesci) que o contrata para trabalhos maiores e mais perigosos.
Porém, o que Frank não sabia é que os seus serviços bem prestados e sua discrição chamariam a atenção do todo poderoso do Sindicato dos caminhoneiros, o lendário Jimmy Hoffa (Al Pacino, impecável em todos os sentidos!). Hoffa é um homem controlador, que não gosta de ser passado para trás, muito menos feito de palhaço por quem quer seja. Logo, o contrário de Frank, que prefere permanecer na encolha e observar qualquer situação com cuidado. E dessa parceria inusitada surge uma grande amizade.
Mais do que simplesmente isso: é através de Hoffa que ele passa a conhecer o mundo podre dos sindicatos, sua ligação com a máfia, o enfrentamento que teve com o governo Kennedy, em outras palavras, a velha indústria da "troca de favores". À medida que vai galgando postos dentro dessa hierarquia, Frank pretere sua própria família, e vai se tornando um homem cada vez mais frio, sem sentimentos.
E é nesse momento que a genialidade de Scorsese - aliada à monumental edição de Thelma Shoonmaker - ganha corpo. O filme, cheio de digressões e metáforas as mais diversas, delineia o controverso mundo no qual Frank está inserido. E tudo isso muito bem ilustrado por planos-sequência magistrais e cenas em câmera lenta de tirar o fôlego. Dois aspectos me tornaram fã da película logo de cara: os olhares incriminadores de Peggy (Anna Paquin), filha de Frank, que representaram claramente o papel da mulher nesse universo sombrio e a maneira como o diretor desacelera a narrativa - a violência é mais calculada aqui, diferentemente de Bons companheiros e Cassino - com o intuito de revelar para o espectador que se tratam das confissões de um homem envelhecido, derrotado pelo tempo, portanto não há porquê mostrar um barbárie tão fetichizada.
A própria metáfora que o diretor constrói com a figura do pintor de casas (ou seja: do homem apto a fazer qualquer coisa, qualquer tipo de trabalho, pelo seu próprio sustento e sobrevivência) é muito bem vinda e reflete o amadurecimento do diretor, que consegue reinventar o gênero que ele próprio celebrizou com um brilhantismo contumaz. Sheeran é um "garoto de recados" que soube entrar e sair dessa hierarquia com extrema elegância, respeitando a todos e por isso mesmo sendo respeitado também.
Mas como nem tudo são glórias e comemorações na vida desses homens do crime o final da vida cobra o preço por seus pecados e, em alguns momentos, me fez lembrar do desfecho de vida de Michael Corleone em O poderoso chefão, de Francis Ford Coppola. O abandono, o arrependimento por escolhas mal feitas, o deslize por não ter sido um bom pai quando teve tempo para isso e finalmente a sensação de estar sendo seguido e espionado pelo resto da vida, à espera de alguém que se vingue dos seus atos.
Terminadas as mais de três horas de projeção (que passaram de forma extraordinaria, sem me deixar cansado em momento algum, tamanho meu envolvimento com a trama) chego à conclusão de estar diante do primeiro grande candidato ao Oscar de melhor filme do ano que vem.
O irlandês é a redescoberta de Scorsese como diretor, apresentando uma nova faceta para um gênero que ele próprio praticamente criou. E para tal narra a história de um homem comum que por se afiliar a um mundo obscuro, onde todos desconfiam de todos, acabou tornando sua própria vida invisível e carente de significado.
Dito isto, que comece agora a temporada de prêmios!
Purple Rain
3.1 86 Assista AgoraVenho perseguindo PURPLE RAIN para rever há anos, sem sucesso. Já ouvi o álbum com a trilha do filme inesgotáveis vezes no youtube, mas o longa em si escapou de minhas mãos várias vezes. Agora, depois de reassistí-lo fica aqui o meu sentimento de nostalgia pura. A sensação clara de que ouvíamos uma música pop coerente com minha adolescente e não essa sucessão de vulgaridades que vemos hoje em dia na indústria cultural.
Uma pena saber que Prince não está mais entre nós. O rapaz era talentoso!
As Golpistas
3.5 538 Assista AgoraSabe aquela expressão "ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão"? Vai se fiando nisso...
Em AS GOLPISTAS o que se vê é que o crime sempre está mais perto daqueles que não tem costas quentes junto a elite. O mercado financeiro está cheio de ladrões que arruinaram a vida de milhões de famílias na crise de 2008 e saíram numa boa (prender pra quê!). Já com as strippers lideradas por Jennifer Lopez (no melhor personagem de toda a sua carreira) a banda toca diferente. Elas não tem o pedigree necessária para permanecerem livres. Precisam, isso sim, ser vigiadas, pois enganaram cidadãos "ilustres". E o mundo sórdido em que vivemos continua girando!
A princípio fiquei meio em cima do muro com esse longa, quando falaram da possível indicação de J-LO aos prêmios da temporada. Achei exagerado, forçado. Nos últimos anos, em hollywood e ao redor do mundo, as strippers viraram um fenômeno cult. Logo todo esse burburinho em cima do filme me soava injustificado. Erro meu.
AS GOLPISTAS vem para encerrar o ano com brilhantismo e cheio de belas mulheres. Normalmente eu não recomendaria uma produção dessas. Mas nesse caso específico, procurem! Vale - e muito - o preço do ingresso.
Divino Amor
3.3 240Na prática não é bem assim...
(Divino amor, religião e projeto de poder)
Está difícil conversar (que dirá debater!) sobre praticamente tudo no país, mas quando o assunto em questão é a fé as pessoas normalmente descambam para a religião, pois a grande maioria da sociedade só consegue entender a conotação de fé pelo viés de pessoas frequentando igrejas, templos, mesquitas, etc. Ou seja: para muitos você só tem fé quando pertence a um grupo que pensa exatamente como você e frequenta um determinado lugar.
E quando essa realidade - que já é incômoda por si só - ganha ares de fanatismo e cegueira ideológica proposital, aí então meus caros leitores, é um Deus nos acuda.
Quando assisti o primeiro trailer de Divino amor, do diretor Gabriel Mascaro (do excelente Boi neón) pensei comigo logo de cara: "vem problema por aí". E disse isso muito pelo fato de estarmos vivendo um momento de muita polarização no Brasil. Pois bem: o filme estreou, a crítica em grande parte elogiou e eu fui correndo aos cinemas para conferir. No entanto, quis dar um tempo para emitir a minha opinião sobre o longa, pois minha relação com dogmas e discursos religiosos é sempre tensa e fadada a discussões (muitas delas desnecessárias). E eis que, após muita autoreflexão, chega o momento de manifestar meu pensamento sobre o que vi.
Divino amor é crítico, sem no entanto ser desrespeitoso (e vi algumas pessoas escrevendo na internet sobre o filme que ele até poderia, se quisesse). Traz na figura de Joana (Dira Paes, ótima) o fio condutor de uma história que dialoga muito com o país no qual estamos vivendo depois das últimas eleições.
No longa de Mascaro o Brasil deixou de ser o país do carnaval, da folia, do maracanã lotado, dos feriados prolongados, para se tornar um grande ritual gospel. A festa que agita os "cidadãos de bem" brasileiros não envolve batucadas e samba e sim um ritmo, digamos, mais leve, clean, politicamente correto. Mais do que apenas isso: tudo, absolutamente tudo, é visto sob a ótica da religião. Desde a forma como os filhos serão educados até a disputa por uma vaga de emprego.
Pior: todo aquele que não segue as premissas religiosas vigentes é visto como um desgarrado, uma espécie de pária dentro da própria sociedade. Bom mesmo é aquele que segue (cegamente, em muitos casos) os preceitos de Deus.
Contudo, isso na verdade não passa de uma grande teoria sobre o viver em sociedade. Na prática, no chamado mundo real - conceito que vem perdendo fôlego por aqui nos últimos anos - a história não é bem assim. A parábola de que esses homens e mulheres idôneos seguidores do discurso bíblico não traem, não cometem erros, não produzem falhas e distorções de caráter, é de uma ingenuidade contumaz e típica daqueles cujo único mérito em vida é o de cercear a liberdade e a opinião alheia. Ou para resumir de forma direta: não se sustenta.
Por isso, quando Joana percebe que seu casamento está ruindo e não consegue obter as respostas que almeja de seu líder religioso (ou guru, expressão mais afeita aos dias de hoje) ela sucumbe de forma tão desastrosa, que chega ao ponto de realmente se acreditar uma inútil para a sociedade como um todo. E é nesse exato momento que o filme se torna mais interessante e poderoso.
Gabriel Mascaro mostra, de forma lúcida, sem se apegar a esterótipos e modismos, a grande hipocrisia - ou lobotomia, como preferir chamar - que rege a existência de pessoas confusas, que não conseguem realizar a própria jornada com seus próprios passos, sem recorrer a "instruções" ou "versículos" como se fossem reles manuais de regras.
Ao final, mesmo com a ironia proposta pelo diretor envolvendo o nascimento de um novo messias, o que fica claro mesmo (pelo menos, ficou para mim) é que estamos vivendo num país que se transformou num delicado projeto de poder ilógico e sórdido, na medida que não permite a outras pessoas o mesmo direito de se posicionar. Viramos uma hierarquia da fé, mas uma fé tendenciosa e calcada num verborragia falha e sem sentido, usada para castrar ou silenciar todo aquele que se manifeste contra ela.
Fiquei semanas após ver o longa ruminando suas ideias, a maneira elegante com que foram defendidas, e pensando no que esperar do futuro. Colegas meus, mais derrotistas, diriam: "se ainda houver futuro depois do surgimento dessa gente". E a conclusão a que chego é: não podemos ficar calados, aguardando. Pois tenho receio do que pode vir a seguir.
Moral da história: é um filme que realça medos e censuras, que como todos os medos e censuras na história desse país, precisam ser combatidos. De frente. Agora mais do que nunca.
E pensar que, em tese, trata-se apenas de um filme de cinema. E que arte genial - e por isso tão perseguida atualmente pelo governo federal - é o cinema!
A Vida Invisível
4.3 645Vidas secundárias
(A vida invisível, de Karim Ainouz, é praticamente um manifesto em prol das mulheres)
Por que essa eterna mania de considerarmos as mulheres seres inferiores, que precisam ser legisladas por homens fortes, viris, tementes a Deus, provedores do lar? Até quando teremos de suportar uma sociedade infame, cruel e hipócrita que defende a ideia do sexo feminino como sexo frágil? Serão elas criaturas tão perigosas assim, passíveis de serem observadas 24 horas por dia, como criminosas do mais alto escalão? Sim, infelizmente empobrecemos a este nível. Praticamente animalizamos a própria sociedade (vide o número crescente de feminicídios nos últimos anos).
E mesmo com toda essa realidade atroz e adversa a elas, não haverá quem as defenda de forma digna, que lute - mesmo que através da arte - por um espaço igualitário ou pelo direito delas expressarem suas próprias opiniões, galgarem seu próprio espaço nessa selva competitiva que é o mundo?
O cineasta Karim Ainouz (que apresentou suas mulheres fortes e decididas nos longas anteriores O céu de Suely e O abismo prateado) fez isso de novo e de forma sublime com A vida invisível, vencedor da mostra Un Certain Regard no festival de Cannes e nosso postulante à uma vaga no Oscar de melhor filme estrangeiro do ano que vem.
O filme - que é adaptado do romance A vida invisível de Eurídice Gusmão, da escritora Martha Batalha - narra a história das irmãs Guida (Júlia Stockler) e Eurídice (Carol Duarte), filhas de uma tradicional família portuguesa, baseada em ideais conservadores e por vezes extremos. Guida é a sonhadora, acredita ter encontrado o amor na figura de um jovem grego que a leva para o seu país. Em outras palavras: a clássica love story que, muitas vezes, acaba se desdobrando em consequências desastrosas. Já Eurídice é mais sensata, mas no fundo deseja mesmo é uma carreira como pianista e se prepara para os exames visando uma vaga num conservatório na Áustria.
Contudo, os planos de ambas se mostram frustrados quando Guida regressa da Grécia com um filho no ventre e é expulsa de casa pelo pai, que quer mantê-la afastada da irmã, agora casada e, na visão dele, feliz. Mal sabe ele que o matrimônio da filha se torna tudo o que ela não desejou para sua vida. Pior: ela vê no relacionamento um impedimento para seu maior sonho.
Com o passar dos anos, a única forma de contato entre as irmãs são as cartas que Guida escreve e que, ela acredita, chegam as mãos da irmã. E é nesse momento que chego à melhor reflexão oferecida dentro do filme. Trata-se de uma história sobre vidas secundárias, silenciadas pela velha moral do conservadorismo hipócrita que acredita piamente serem seus despautérios e decisões arbitrárias a melhor escolha para salvar a chamada família tradicional.
Não é dado à Guida ou a Eurídice o menor direito à fala, à expressão seja em que formato ela se apresente. Elas são, como quase todas as mulheres daqueles anos 50 (e que muitas mulheres da atual geração - pasmem! - desejam que essa cultura vigore novamente), produtos da repressão e da cultura do conformismo. A velha história do "lugar de mulher é na cozinha", "você não manda em nada aqui" ou mesmo "saiba o seu lugar, antes que eu perca a paciência".
O casamento de Eurídice em alguns momentos me lembrou a personagem de Julia Roberts no filme Dormindo com o inimigo, sempre acuada e precisando estar disponível para atender aos prazeres do marido. No entanto, quando tinha sonhos próprios era sempre indagada de maneira a castrá-la, pô-la no seu devido lugar de coadjuvante. "Você já não toca piano?", "você nunca fica satisfeita com nada".
Enquanto isso, Guida enfrenta a barra de trabalhar para sustentar o filho sozinha, sendo várias vezes acusada de injusta pelo sistema por reclamar das condições trabalhistas pelas quais as mulheres passam todos os dias. E encontra em outros desgarrados sociais uma segunda família, que a acolhe sem rotulá-la do que quer que seja.
Há muito tempo não vertia lágrimas ao assistir um filme e esse mereceu todas elas. Se atingirá ou não o zênite da glória na festa hollywoodiana eu não sei, mas que é uma das produções mais bem realizadas que eu vi nos últimos anos e um forte candidato a estatueta, ah isso é!
Karim Ainouz volta no tempo sete décadas para falar do hoje opressor e do que promete ser o amanhã se as mulheres desistirem da luta agora. Seu manifesto em prol delas é visível - ao contrário do título do longa - e devastadoramente gratificante para quem (ainda acredita) que é possível uma sociedade mais justa num futuro próximo.
Talvez alguns leitores me achem ingênuo ao escrever o parágrafo anterior. Honestamente... Ingenuidade para mim é acreditar que este modelo patriarcal é moderno e necessário para manter a ordem. É um direito das mulheres acreditar em sua emancipação, seja a que preço for, seja qual for o custo dessa batalha. Pois, do contrário, estaremos fadados a eterna omissão.
A sessão termina, as luzes se apagam e vejo mulheres chorando, emocionadas (não só com o desfecho do longa, mas com a verdade assustadora da interpretação de Fernanda Montenegro, nossa maior atriz, não à toa sendo justamente homenageada por seus 90 anos. Em uma palavra: magnífica!). Uma senhora bem idosa se levanta e aplaude, enquanto o fado português embala os créditos. Ela é a cereja do bolo nessa sessão de cinema gloriosa. A vitória do passado contra o conformismo.
Que filme! Que vitória da arte! E tem gente querendo acabar com isso, com essa verdade, esse direito à luta, ao debate, a pensar diferente dos demais.
Que eles, os canalhas que idolatram o passado sem reflexão, não vençam jamais!
Histórias Assustadoras para Contar no Escuro
3.1 551 Assista AgoraHISTÓRIAS ASSUSTADORAS PARA CONTAR NO ESCURO, de André Øvredal, até tenta emular os suspenses adolescentes do passado, mas na boa... O problema do terror continua sendo (a meu ver) o mesmo: a ausência de escritores interessantes. E olha que esse aqui teve participação do Guillermo del Toro e tudo! Mas não deu. Falta algo nessa hollywood de hoje que os antigos filmes assustadores (remeto à Bela Lugosi, Boris Karloff, etc) tinham de lavada.
Mas foi uma tentativa interessante em meio a tanta bobagem que se produz no gênero hoje em dia...
O Clube
3.9 146Demorei para assistir O CLUBE, de Pablo Larraín, mas valeu cada segundo a espera. E ao final da sessão, exibida no Canal Brasil, fiquei pensando comigo: "e pensar que são esses senhores que supostamente conhecem e proferem a palavra de Deus!". O longa fala dos deslizes que esses homens de batina costumam cometer - e varrer para debaixo do tapete - enquanto se escondem atrás da imagem de homens de Deus. Retrato vivo da mentalidade religiosa hipócrita que paira no mundo nos últimos tempos. Mais um exemplo extraordinário de porque o cinema argentino está entre os mais interessantes do audiovisual contemporâneo.
Apenas um arrependimento: não ter conseguido assistí-lo nos cinemas na época em que foi exibido por culpa do circuito exibidor que adora sacanear cinéfilos que querem assistir algo diferente dos blockbusters "toma dinheiro de otário!"...
Anna: O Perigo Tem Nome
3.4 288 Assista AgoraANNA: O PERIGO TEM NOME é mais do mesmo. No caso, a tara do diretor Luc Besson por mulheres matadoras e sensuais. E dessa vez ele escolheu uma que mais parece modelo do que atriz. Se LUCY já havia forçado a barra, aqui então ficou um clima meio CARGA EXPLOSIVA. A melhor coisa: a ótima atriz Helen Mirren. E até aí nenhuma novidade nisso...
Deslembro
3.7 40DESLEMBRO é a cara do país desmemoriado no qual estamos vivendo nos últimos tempos. E tem quem se orgulhe de fingir a própria história numa versão mais interessante do que a verdade. E também é uma das razões pela qual o atual governo deixou o setor audiovisual em crise. Eles não querem esse tipo de coisa sendo produzida, pois não é chapa branca do jeito que eles gostam!
Não, não tem nada a ver com democracia, com ética, com gastar dinheiro público. Tem a ver com ser tendencioso. E o filme alfineta o país de ontem para poder falar do de hoje de forma inteligente.
Vou Rifar Meu Coração
4.1 214VOU RIFAR MEU CORAÇÃO pôe lado a lado anônimos e famosos e realiza um pequeno grande ensaio sobre o papel da música brega dentro da sociedade brasileira. Um dos melhores documentários que eu assisti nos últimos anos (na verdade, não sei porquê demorei tanto para assistí-lo!).
P.S: eu não gosto do cantor Agnaldo Timóteo, sempre o achei um posudo, um presepeiro, mas o que ele disse sobre o rótulo de brega da música é a mais triste verdade que existe na MPB. Tudo que é do gosto das classes mais baixas da sociedade é estereotipado de forma a insultar o público.
P.S 2: Odair José brega? no meu vocabulário, não!
Machuca
4.3 28140 anos depois e o Chile passa por revertério político de novo. Não adianta. Enquanto a sociedade mundial não entender que o interesse do Estado (seja em que país for) nunca é, de fato, o povo nada mudará.
Belíssimo filme!
Scarface
4.4 1,8K Assista AgoraSCARFACE, de Brian de Palma, não só coloca Tony Montana como um dos maiores personagens da história do cinema americano, como também institucionaliza o filme de máfia como um maiores grandes gêneros produzidos em hollywood. Um filme que precisa urgentemente ser redescoberto pelas novas gerações!!!
Interiores
4.0 230Com INTERIORES, Woody Allen apresenta ao público a difícil missão pela qual nós, seres humanos, passamos ao lidar com o casamento. E ele se mostra difícil, quase atroz, desde o início. Vendo o filme hoje e projetando a realidade com o passar dos anos, fica até fácil entender porque grande parte da humanidade prefere viver sozinha hoje em dia. A matriarca da família vê seu mundo ruir quando o esposo conhece outra mulher e ela não aceita o fato de que sua separação não será temporária e sim uma abertura para o divórcio. As filhas até tentam segurar a barra, compreendê-la, mas... A vida não é uma ciência exata. E o resultado dessa equação é trágico (bem a cara do Allen da década de 70).
p.s: embora melhore do meio para o final, ainda considero o pior filme do Allen (dos que eu assisti até hoje)