Bruce Beresford - o esquecível diretor de "Conduzindo Miss Daisy" - realizou em 2013 uma minissérie em dois capítulos sobre Bonnie & Clyde. A série foi compilada e reeditada e virou esse 'filmão' de três horas de duração, quase um épico televisivo. Ganha pontos pela qualidade da produção, com sua reconstituição de época e seus figurinos. Mas perde feio pelo roteiro que, tentando incluir o máximo de fatos possíveis sobre a vida do casal - ou simplesmente querendo encher linguiça - acaba se tornando moroso e cansativo. Nesse sentido, é interessante perceber como a versão de 1967 acerta, fazendo muito mais com bem menos. Desconheço o quanto há de veracidade na história e o que foi ficcionalizado, mas é curioso perceber como as personalidades de 'Bonnie e Clyde' - principalmente da primeira, que é mostrada quase como uma psicopata em formação - são bem mais indiferentes com relação à assassinatos aqui do que eram no clássico, tornando o seu destino menos condenável pela percepção do público. No fim, talvez o melhor mérito dessa obra seja esse: mostrar como o mesmo fato histórico pode desencadear respostas emocionais diferentes de acordo de como ele é contado.
Película seriada que conta com quase sete horas de duração, "Os Vampiros" é um verdadeiro épico do cinema mudo. Ainda em uma época em que a França monopolizava a produção da Sétima Arte, e Hollywood sequer sonhava em existir nas proporções que existe hoje, as cinesséries dominavam os circuitos das salas de cinema, sendo as de suspense criminal as mais populares entre o público. Ainda que o título possa levar a erro, "Os Vampiros" conta a história da dupla de jornalistas Philipe Guèrande (Édouard Mathé) e Oscar-Cloud Mazamette (Marcel Lévesque) em uma missão de desmantelar uma 'sociedade secreta' de ladrões de jóias conhecidos como 'Os Vampiros'. Seu estilo bem-humorado e com uma pitada surrealista típica dos primórdios do cinema é o que compensa boa parte de sua longa duração. O cineasta Louis Feuillade (em vida, esnobado pela crítica) foi um dos pioneiros do cinema ao sair dos estúdios e trazer seus filmes para locações reais (e é uma curiosidade a parte reparar nas ruas desertas e abandonadas de uma Paris em plena Primeira Guerra Mundial, e que conferem um ar de sombrio suspense ao longa). Destaque para a atriz Musidora vivendo a cruel e imprevisível Irma Vep (para todos os efeitos, a 'femme fatale' seminal), e para o invejável talento de Feuillade em criar cenas de ação empolgantes mesmo com a câmera parada (como acontece com as competentes perseguições automobilísticas). No entanto, ver esse filme em maratona pode se apresentar bastante desafiante, uma vez que a repetitividade de certos episódios pode lá pelas tantas se tornar um pouco enfadonha. Quatro estrelas para um filme pioneiro para história do cinema, que, assim como seus outros colegas franceses, cimentou a Sétima Arte como o caminho para os sonhos fantásticos.
Documentário não feito para cinéfilos fracos, “O.J. Made in America” é uma reconstituição cirúrgica do caso “O Povo vs. O.J. Simpson”, julgamento que parou e dividiu os EUA durante a década de 90, e recebeu – merecidamente – a alcunha de ‘O Julgamento do Século’. Minuciando em seus extensos 450 minutos (quase 7 horas e meia de documentário) todos os detalhes do maior caso de homicídio já julgado no país, o documentário também faz História na medida em que mostra como um simples caso de assassinato doméstico logo se transformou em um debate sociológico acalorado sobre a segregação racial nos Estados Unidos da América, resultando em uma obra singular em que coloca o público na estranha posição paradoxal de odiar mortalmente O.J. Simpson e, ao mesmo tempo, sentir-se um pouco vingado quando de sua absolvição.
Dividido em cinco partes de uma hora e meia cada, o ambicioso documentário dirigido por Ezra Edelman busca abarcar toda a extensa história de O.J. Simpson, desde o início de sua vida pública como jogador de futebol americano universitário, passando pelo seu conturbado casamento com Nicole Simpson – incluindo aí, a sua rápida carreira como ator de Hollywood (marcada pela série “Corra Que a Polícia Vem Aí”) – , o brutal assassinato de Nicole e de seu amigo Ronald Goldman (ocorrido enquanto os filhos do casal dormiam tranquilamente no andar de cima), o extenuante julgamento que se seguiu, a absurda absolvição do caso, e a derrocada vertiginosa da vida de O.J. após o ocorrido até este, enfim, ser condenado por outro crime completamente estapafúrdio. Não obstante, para que o público possa entender melhor a complexidade social do acontecido, Ezra Edelman busca retratar o contexto do sistema jurídico norte-americano frente à sociedade negra, nos anos que o antecederam, e assim, conseguir fazer compreender a importância e o valor do julgamento de O.J.
O tempo de filme realmente apavora, mas a montagem, a condução da narrativa sempre na ordem cronológica, a riqueza de detalhes (depoimentos, documentos, arquivos de áudio e vídeo), a montagem cuidadosa e precisa e, naturalmente, o fascínio despertado pelo evento histórico fazem com que os 450 minutos passem voando. O documentário convida o espectador a decifrar junto com ele o terrível mistério, de como um homem que possuía tudo e vivia literalmente como um Deus, conseguiu ir do céu ao inferno em apenas uma noite. A estrutura psicológica complexa de O.J. Simpson é mapeada com louvor pelo documentário, e percebemos estarmos diante de um homem absurdamente ególatra, cujo amor exacerbado por si próprio rompeu com sua personalidade, transformando-o em um evidente sociopata que sente um prazer imenso em brincar e manipular as pessoas a sua volta.
Naturalmente, é claro, não teria como falar de O.J. Simpson sem falar da importância que o julgamento teve na história dos precedentes criminais norte-americanos voltadas para sociedade negra. Oriundos de um passado no qual um negro raramente era inocentado de alguma coisa – qualquer coisa, mesmo que flagrantemente o fosse – a vitória de O.J. Simpson nos tribunais causa um curto-circuito emocional no espectador, que simplesmente não sabe o que sentir. Por um lado, é um alívio ver um sinal da mudança dos tempos, mas por outro é enraivecedor ver O.J. saindo do tribunal como um homem livre quando todas as provas gritavam ser ele o assassino. E tal sobreposição de sentimentos é construída com uma perfeição cruel por Edelman que intervem esporadicamente na narrativa (Principalmente das partes 1 e 2) para ressaltar outros casos de julgamentos e violência policial contra afro-americanos. Uma jogada que num primeiro momento soa protelatória, mas que quando o documentário chega ao fim, revela toda a sua genialidade.
Servindo ainda para retratar porquê o julgamento por júri popular deveria ser banido dos regramentos processuais penais do mundo (afinal, além de ser decidido por pessoas que, via de regra, não compreendem bulhufas de Direito, o julgamento acaba se transformando num joguinho teatral de dois lados, no qual o que mais importa não é fazer justiça no caso concreto, mas sim “vencer” custe o que custar), “O.J. Made in America” é uma experiência estarrecedora, complicada, mas também muito enriquecedora para nós espectadores enquanto indivíduos leigos sobre violência doméstica, segregação racial, procedimentos criminais e... até mesmo... sobre a vida de luxo de celebridade de O.J. Simpson. Muito provavelmente, foram as sete horas e meia mais bem empregadas da minha vida.
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Bonnie & Clyde
4.0 107Bruce Beresford - o esquecível diretor de "Conduzindo Miss Daisy" - realizou em 2013 uma minissérie em dois capítulos sobre Bonnie & Clyde. A série foi compilada e reeditada e virou esse 'filmão' de três horas de duração, quase um épico televisivo. Ganha pontos pela qualidade da produção, com sua reconstituição de época e seus figurinos. Mas perde feio pelo roteiro que, tentando incluir o máximo de fatos possíveis sobre a vida do casal - ou simplesmente querendo encher linguiça - acaba se tornando moroso e cansativo. Nesse sentido, é interessante perceber como a versão de 1967 acerta, fazendo muito mais com bem menos. Desconheço o quanto há de veracidade na história e o que foi ficcionalizado, mas é curioso perceber como as personalidades de 'Bonnie e Clyde' - principalmente da primeira, que é mostrada quase como uma psicopata em formação - são bem mais indiferentes com relação à assassinatos aqui do que eram no clássico, tornando o seu destino menos condenável pela percepção do público. No fim, talvez o melhor mérito dessa obra seja esse: mostrar como o mesmo fato histórico pode desencadear respostas emocionais diferentes de acordo de como ele é contado.
P.S.: Dotar Clyde de um "sentido-aranha" é de uma imbecilidade sem tamanho.
Os Vampiros
4.0 75Película seriada que conta com quase sete horas de duração, "Os Vampiros" é um verdadeiro épico do cinema mudo. Ainda em uma época em que a França monopolizava a produção da Sétima Arte, e Hollywood sequer sonhava em existir nas proporções que existe hoje, as cinesséries dominavam os circuitos das salas de cinema, sendo as de suspense criminal as mais populares entre o público. Ainda que o título possa levar a erro, "Os Vampiros" conta a história da dupla de jornalistas Philipe Guèrande (Édouard Mathé) e Oscar-Cloud Mazamette (Marcel Lévesque) em uma missão de desmantelar uma 'sociedade secreta' de ladrões de jóias conhecidos como 'Os Vampiros'. Seu estilo bem-humorado e com uma pitada surrealista típica dos primórdios do cinema é o que compensa boa parte de sua longa duração. O cineasta Louis Feuillade (em vida, esnobado pela crítica) foi um dos pioneiros do cinema ao sair dos estúdios e trazer seus filmes para locações reais (e é uma curiosidade a parte reparar nas ruas desertas e abandonadas de uma Paris em plena Primeira Guerra Mundial, e que conferem um ar de sombrio suspense ao longa). Destaque para a atriz Musidora vivendo a cruel e imprevisível Irma Vep (para todos os efeitos, a 'femme fatale' seminal), e para o invejável talento de Feuillade em criar cenas de ação empolgantes mesmo com a câmera parada (como acontece com as competentes perseguições automobilísticas). No entanto, ver esse filme em maratona pode se apresentar bastante desafiante, uma vez que a repetitividade de certos episódios pode lá pelas tantas se tornar um pouco enfadonha. Quatro estrelas para um filme pioneiro para história do cinema, que, assim como seus outros colegas franceses, cimentou a Sétima Arte como o caminho para os sonhos fantásticos.
O.J.: Made in America
4.7 122Documentário não feito para cinéfilos fracos, “O.J. Made in America” é uma reconstituição cirúrgica do caso “O Povo vs. O.J. Simpson”, julgamento que parou e dividiu os EUA durante a década de 90, e recebeu – merecidamente – a alcunha de ‘O Julgamento do Século’. Minuciando em seus extensos 450 minutos (quase 7 horas e meia de documentário) todos os detalhes do maior caso de homicídio já julgado no país, o documentário também faz História na medida em que mostra como um simples caso de assassinato doméstico logo se transformou em um debate sociológico acalorado sobre a segregação racial nos Estados Unidos da América, resultando em uma obra singular em que coloca o público na estranha posição paradoxal de odiar mortalmente O.J. Simpson e, ao mesmo tempo, sentir-se um pouco vingado quando de sua absolvição.
Dividido em cinco partes de uma hora e meia cada, o ambicioso documentário dirigido por Ezra Edelman busca abarcar toda a extensa história de O.J. Simpson, desde o início de sua vida pública como jogador de futebol americano universitário, passando pelo seu conturbado casamento com Nicole Simpson – incluindo aí, a sua rápida carreira como ator de Hollywood (marcada pela série “Corra Que a Polícia Vem Aí”) – , o brutal assassinato de Nicole e de seu amigo Ronald Goldman (ocorrido enquanto os filhos do casal dormiam tranquilamente no andar de cima), o extenuante julgamento que se seguiu, a absurda absolvição do caso, e a derrocada vertiginosa da vida de O.J. após o ocorrido até este, enfim, ser condenado por outro crime completamente estapafúrdio. Não obstante, para que o público possa entender melhor a complexidade social do acontecido, Ezra Edelman busca retratar o contexto do sistema jurídico norte-americano frente à sociedade negra, nos anos que o antecederam, e assim, conseguir fazer compreender a importância e o valor do julgamento de O.J.
O tempo de filme realmente apavora, mas a montagem, a condução da narrativa sempre na ordem cronológica, a riqueza de detalhes (depoimentos, documentos, arquivos de áudio e vídeo), a montagem cuidadosa e precisa e, naturalmente, o fascínio despertado pelo evento histórico fazem com que os 450 minutos passem voando. O documentário convida o espectador a decifrar junto com ele o terrível mistério, de como um homem que possuía tudo e vivia literalmente como um Deus, conseguiu ir do céu ao inferno em apenas uma noite. A estrutura psicológica complexa de O.J. Simpson é mapeada com louvor pelo documentário, e percebemos estarmos diante de um homem absurdamente ególatra, cujo amor exacerbado por si próprio rompeu com sua personalidade, transformando-o em um evidente sociopata que sente um prazer imenso em brincar e manipular as pessoas a sua volta.
Naturalmente, é claro, não teria como falar de O.J. Simpson sem falar da importância que o julgamento teve na história dos precedentes criminais norte-americanos voltadas para sociedade negra. Oriundos de um passado no qual um negro raramente era inocentado de alguma coisa – qualquer coisa, mesmo que flagrantemente o fosse – a vitória de O.J. Simpson nos tribunais causa um curto-circuito emocional no espectador, que simplesmente não sabe o que sentir. Por um lado, é um alívio ver um sinal da mudança dos tempos, mas por outro é enraivecedor ver O.J. saindo do tribunal como um homem livre quando todas as provas gritavam ser ele o assassino. E tal sobreposição de sentimentos é construída com uma perfeição cruel por Edelman que intervem esporadicamente na narrativa (Principalmente das partes 1 e 2) para ressaltar outros casos de julgamentos e violência policial contra afro-americanos. Uma jogada que num primeiro momento soa protelatória, mas que quando o documentário chega ao fim, revela toda a sua genialidade.
Servindo ainda para retratar porquê o julgamento por júri popular deveria ser banido dos regramentos processuais penais do mundo (afinal, além de ser decidido por pessoas que, via de regra, não compreendem bulhufas de Direito, o julgamento acaba se transformando num joguinho teatral de dois lados, no qual o que mais importa não é fazer justiça no caso concreto, mas sim “vencer” custe o que custar), “O.J. Made in America” é uma experiência estarrecedora, complicada, mas também muito enriquecedora para nós espectadores enquanto indivíduos leigos sobre violência doméstica, segregação racial, procedimentos criminais e... até mesmo... sobre a vida de luxo de celebridade de O.J. Simpson. Muito provavelmente, foram as sete horas e meia mais bem empregadas da minha vida.