"Blonde" é escrito e dirigido por Andrew Dominik ("O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford"), sendo a segunda adaptação com o mesmo nome, baseada no romance de 2000 de mesmo nome de Joyce Carol Oates. O filme é uma produção da Plan B Entertainment feito diretamente para a Netflix, com Dede Gardner ("Minari - Em Busca da Felicidade"), Jeremy Kleiner ("Se a Rua Beale Falasse"), Tracey Landon ("O Pálido Olho Azul"), Scott Robertson ("Booksmart") e Brad Pitt (fundador da Plan B) como produtores. O longa narra uma versão fictícia da vida e carreira da atriz americana Marilyn Monroe, interpretada por Ana de Armas.
Fazer uma cinebiografia, transpor para o cinema uma drama biográfico, uma história biográfica de grandes personalidades nunca foi uma tarefa fácil. Nos últimos anos tivemos alguns exemplos que deram muito certo e outros que já não foram tão bem aceitos - como é o caso de filmes como "King Richard", "Being the Ricardos", "Os Olhos de Tammy Faye", "Spencer", "Bohemian Rhapsody", "Rocketman" e o mais recente, "Elvis".
Mesmo "Blonde" atestando como um biografia de Marilyn Monroe, definitivamente não podemos considerá-lo como um filme biográfico, por justamente ser baseado em um romance (um conto) de Joyce Carol Oates. Ou seja, não sabemos até que ponto este romance pode ter ido em relação ao que foi apresentado e adaptado no filme. Dessa forma podemos considerar "Blonde" como uma reimaginação, um retrato fictício, uma releitura ficcional da vida de Marilyn Monroe. Partindo dessa premissa, eu acredito que toda produção do longa foi trabalhada em cima de um conto feito de forma especulativa, lúdica, imaginária, usando uma certa liberdade criativa, várias teorias, alguns acontecimentos, alguns relatos, algumas passagens, uma Fanfic, para poder contextualizar toda história desde a infância, passando pela vida adulta e ascensão na fama, até chegar na morte de Marilyn Monroe.
"Blonde" é uma obra fictícia possivelmente imersa em uma história verdadeira. Aquela típica obra inspirada em uma tragédia real que traz o debate em volta de uma personalidade considerada como uma verdadeira lenda, um verdadeiro ícone do cinema norte-americano, um dos símbolos mais duradouros de Hollywood, uma das maiores estrelas que já passou por Hollywood, uma das maiores sex symbol, atriz, artista e modelo que já passaram por esta terra.
Definitivamente eu não conheço absolutamente nada sobre os trabalhos desenvolvidos pelo diretor Neo-zelandês Andrew Dominik. Dessa forma eu não posso tecer uma opinião sobre a sua forma de trabalhar, a sua forma de criar, de dirigir, de escrever um roteiro, de impor a sua visão cinematográfica, de construir uma adaptação, ou seja, "Blonde" é minha primeira experiência com ele. E exatamente por ser o primeiro filme que eu assisto do diretor, eis que ao fim me surgiram inúmeras dúvidas acerca da sua forma de dirigir e roteirizar, principalmente por estarmos falando sobre sua polêmica cinebiografia. Outro ponto sobre Andrew Dominik: não imagino a forma como ele conheceu toda história da Marilyn, a forma como toda história chegou até ele, a forma como ele enxerga a pessoa Norma Jeane e a pessoa Marilyn Monroe. Ou seja, tudo que foi criado e apresentado aqui, eu realmente não sei se saiu mais das visões e conhecimentos dele, ou propriamente da Joyce Carol Oates.
O longa de Andrew Dominik inicia exatamente no ano de 1933, nos mostrando a pequenina Norma Jeane com apenas 7 aninhos. Ali já somos confrontados com uma dura e traumática infância, onde sua mãe nos conta sobre toda dificuldade que ela passou quando Norma Jeane nasceu, tendo que colocá-la para dormir na gaveta da cômoda porque não tinham um berço. Já na infância Norma Jeane era uma criança completamente traumatizada e amedrontada pela própria mãe, que era uma figura compulsiva e descontrolada, que tentou matá-la afogada na banheira. Por outro lado, Norma Jeane era constantemente traumatizada pela mãe sobre o abandono do seu pai, que era uma figura muito importante pra ela (mesmo sem ter conhecido), ou seja, aquela pequena criança foi deixada para ser criada em orfanatos e cresceu sempre imaginando a figura do seu pai e tentando de alguma forma compensar este vazio paterno.
Partindo exatamente dessa transição de infância para vida adulta de Norma Jeane, onde ela passou a usar o nome artístico de Marilyn Monroe, é onde eu me pergunto até onde Andrew Dominik vai entre os pontos verdadeiros e os pontos fictícios de sua obra. Também me pergunto qual foi a forma adotada na adaptação do romance de Joyce Carol Oates. Porque eu realmente queria entender de quem foi a decisão em nos contar uma história da vida de Marilyn fazendo uma abordagem com uma visão completamente abusiva e apelativa da sua imagem. Digo isso pelo fato do filme nos mostrar como ela se tornou atriz em uma Hollywood dos anos 50 e início dos anos 60, nos mostrar como ela se transformou em uma figura mundialmente famosa, nos mostrar seus percalços durante toda a sua vida pessoal e profissional. Porém, é nítido como o filme nos passa uma visão completamente deturpada de quem foi Marilyn Monroe.
Eu realmente não sei se essa era a visão que as pessoas tinham da Marilyn, se essa era a forma que foi abordada a sua história no livro que foi baseado, se essa foi a forma que ela foi transformada pela visão da indústria hollywoodiana. O fato é, Marilyn viveu em um casamento abusivo com o jogador de beisebol Joe DiMaggio (Bobby Cannavale), sofreu abusos físicos, sexuais e emocionais, sofreu várias tragédias, incluindo os abusos psicológicos de sua mãe na infância e as agressões sexuais que sofreu em Hollywood. O longa nos mostra como ela projetava os seus medos, seus traumas, incluindo os seus desejos pessoais e profissionais em uma realidade completamente conturbada. Por outro lado também temos todo o contexto que Marilyn vivia por trás dos holofotes da fama, que era uma vida de guerras, de exploração, de abuso de poder, de dependências químicas, uma luta contra o vício, a depressão e a ansiedade, ou seja, realmente somos elucidado em como ela enfrentava todos os seus inúmeros problemas em sua vida pessoal e profissional.
Porém, o que realmente me incomodou no filme foi o fato em como transformaram a figura da Marilyn Monroe, nos mostrando uma mulher frágil, fraca, submissa, que foi massacrada, ridicularizada, banalizada e abusada em todos os sentidos, principalmente em como transformaram em uma hiperssexualização, algo completamente sensacionalista, feito unicamente para divulgar aquelas exageros, como se pra causar alguma comoção, alguma sensação pra chocar o espectador acerca da sua história de vida, e sem nenhuma preocupação com a verdade. Outro ponto: a forma como o roteiro se utiliza gratuitamente do fato da Marilyn carregar aquele vazio paternal, algo como se ela buscasse alento paternal nos homens que passavam por sua vida naquele momento unicamente por carência, o que a transforma em marionete sexual exatamente desses homens, que usavam e abusavam sexualmente dela, praticamente a transformando em uma mera acompanhante de luxo.
A forma como retrataram a figura da Marilyn sendo abusada e violentada sexualmente me incomodou e me enojou demais. Sem falar que o roteiro ainda queria deixar claro que a própria Marilyn era permissiva, era passiva, era liberal, algo como se expor daquela forma fosse completamente natural, algo como ser praticamente estuprada fosse completamente normal, que expor sua nudez o tempo todo era um preço que devia ser pago pelo seu posto de maior sex symbol da atualidade. Aquela primeira cena em que ela sofre um abuso sexual é absurdo, é vergonhoso, ainda mais com aquela música de fundo onde dizia que toda criança precisa de um pai que a mantenha sã e salva, que ela se sentia como a chapeuzinho vermelho porque os lobos são famintos - ridículo! Outra cena desnecessária: aquela em que Marilyn transa com os filhos Gêmeos de Charlie Chaplin. Graficamente é uma exploração visual desnecessária, sem nenhum pudor, uma exposição incabível. Sem falar que temos aqueles focos de câmeras com uma visão de dentro pra fora do meio das pernas da Marilyn, algo como para contextualizar uma visão de sua vagina de dentro pra fora - completamente sem nenhum sentido! Agora a cena que quase me fez desistir de terminar o filme, foi exatamente a cena patética, ridícula, vergonhosa, vexatória, em que temos uma simulação de um sexo oral da Marilyn no Presidente John F. Kennedy (Caspar Phillipson), e com um foco bem destacado nos movimentos, como se realmente ela estivesse com algo na boca. Eu nunca vi uma cena sexual tão desnecessária como esta, uma exposição feminina tão absurda, e sem agregar em nada, sem nenhum contexto, sem nenhuma relevância, unicamente para descrever que Marilyn teve um possível envolvimento com o Presidente. Precisava mesmo de uma cena assim tão explícita?
Será que era realmente necessário transformar toda trajetória da Marilyn Monroe unicamente em uma sex symbol da época? Ela realmente só foi isso? Ela realmente só tinha isso para oferecer? Eu me recuso a aceitar uma decisão tão porca, tão mesquinha, tão indecente, tão abusiva, tão apelativa, tão ridícula, tão machista como essa. Pois obviamente desrespeitaram toda a sua história, pisaram em toda a sua trajetória, a rotularam como uma mulher fraca e submissa, sendo que em nenhum momento ela teve a grandeza e o respeito de uma mulher forte, de uma mulher imponente, independente, inteligente, respeitada, a sociedade a via unicamente como uma sex symbol e nada mais - essa foi a visão que Andrew Dominik deixou em seu filme.
Eu realmente fiquei sentido pelo tamanho da exposição sexual que a Ana de Armas foi obrigada a passar para compor sua personagem, que obviamente era ninguém menos que a Marilyn Monroe. Ana é uma das pouquíssimas coisas que salvam nesse filme, pois ela incorporou a Marilyn com uma grandeza e um talento sem igual. Ana se transformou na Marilyn ao ponto de você realmente se perguntar se era a atriz ali ou um vídeo real. Um trabalho e um estudo na personagem do mais alto nível de dedicação. Uma atuação regrada, com uma linguagem corporal magnífica, com ótimas expressões faciais, sua caracterização, seus trejeitos, sua forma de falar, de andar, de se portar, de agir, de chorar, tudo completamente condizente com a verdadeira Marilyn Monroe (destaque para a cena icônica em que o vestido dela voa sobre a grade do metrô). Ana de Armas foi gigante aqui, entregou uma atuação de altíssimo nível, mesmo que sua figura foi tão achincalhada, tão ridicularizada e tão banalizada no filme, ao ponto de ter seu corpo exposto ao máximo e desnecessariamente, como o fato dela se apresentar em inúmeras cenas com os seios completamente de fora, porém ela mostrou a grande atriz que é e segurou a sua personagem ao máximo. Palmas para Ana de Armas! Merecidamente e com justiça a sua indicação ao Oscar.
Completando o elenco ainda tivemos a Julianne Nicholson ("Mare of Easttown"), que esteve excelente no papel da Gladys, a mãe da Marilyn. Bobby Cannavale ("Eu, Tonya"), que deu vida ao Joe DiMaggio, o marido abusivo e ciumento da Marilyn. Adrien Brody ("O Pianista"), que fez o papel de Arthur Miller, outro conturbado marido da Marilyn. Além de Evan Williams ("60 Minutos Para Morrer") como Edward G. Robinson Jr. e Xavier Samuel ("Elvis") como Charles Chaplin Jr. Os filhos Gêmeos de Charlie Chaplin.
Tecnicamente o longa de Andrew Dominik é bem estruturado! Tem uma trilha sonora bem orquestrada com o ritmo do filme, ditando bem cada passagem e cada sentimento da Marilyn. Aquela mescla das cenas com o colorido e o preto e branco ficaram excelente, deixando uma fotografia mais bem caracterizada com a época. A direção de arte do filme está muito bem ajustada, conseguindo proporcionar veracidade e fidelidade com os cenários e todos os objetos de cena. Assim como todo trabalho de maquiagens, cabelos e figurinos, sendo tudo bem pensando e bem planejado, principalmente na figura da Marilyn Monroe.
"Blonde" alcançou indicações nos festivais de premiações unicamente pela sua principal estrela, Ana de Armas, que recebeu indicações ao Oscar, ao British Academy Film Award, ao Globo de Ouro e ao Screen Actors Guild Award de Melhor Atriz. Por outro lado o filme também recebeu oito indicações e liderou a lista de indicados ao Framboesa de Ouro, incluindo Pior Filme e Pior Diretor (que eu acho muito justo).
Infelizmente "Blonde" é aquele típico filme que falha miseravelmente em tudo que se propõe a fazer, pois é muito notável que todo potencial que o filme tinha foi completamente jogado no lixo. Difícil apontar o culpado (ou culpados) em toda essa tragédia, pois obviamente temos muitos envolvidos por trás, porém, cada um tem sua parcela de culpa; como a própria Plan B Entertainment e seus produtores, que fizeram escolhas erradas e precipitadas. O próprio Andrew Dominik tem sua grande parcela de culpa, por roteirizar e dirigir cenas tão apelativas, tão abusivas, tão irrelevantes, tão vulgares e tão banais. Principalmente por trazer a representação da vida da Marilyn de forma tão exploradora, covarde e antiética. Sem falar na própria figura da Marilyn, que foi transformada em fraca, frágil, submissa, sendo completamente banalizada, ridicularizada, explorada e vulgarizada. Algo como se a única coisa que ela sabia fazer na vida era expor sua nudez sem nenhum pudor e ser transformada e rotulada de sex symbol e desejo sexual de todos os homens que se aproximavam dela.
Como já mencionei anteriormente: uma visão completamente torpe, deturpada e ridícula de uma produção que sequer podemos chamar de biografia de um ícone, uma diva e uma lenda - que foi Norma Jeane Mortenson (Marilyn Monroe).
Duas estrelas unicamente pela excelente atuação da Ana de Armas e por ela ter suportado uma produção tão pífia, incompetente e vexatória como esta, e ter aguentado trabalhar com um péssimo diretor como o Sr. Andrew Dominik. [17/02/2023]
"Nada de Novo no Front" é uma produção alemã original Netflix, baseado no romance homônimo de 1929 de Erich Maria Remarque. Dirigido e roteirizado por Edward Berger ("The Corporation" e "All My Loving"), o longa é situado nos últimos dias da Primeira Guerra Mundial, onde segue a vida de um jovem soldado alemão chamado Paul Bäumer (Felix Kammerer). O adolescente é convocado para atuar na linha de frente da Primeira Guerra Mundial. O jovem começa seu serviço militar de forma idealista e entusiasmada, mas logo é confrontado pela dura realidade do combate.
Eu sempre tive uma grande paixão e um grande entusiasmo pela forma como a guerra geralmente é retratada no cinema. Sem dúvida é um dos meus gêneros cinematográficos preferido. Aqui temos uma história que se passa nos últimos momentos da Primeira Guerra Mundial, que por si só já conta como um fator histórico muito importante dentro de todo o contexto, pois obviamente contar relatos, passagens e acontecimentos baseados na Primeira Guerra Mundial é sempre mais difícil (mesmo sendo baseado em um livro). Partindo desse pensamento, o primeiro filme que me vem na cabeça é sem dúvida o excelente "1917", de Sam Mendes. Lá também tínhamos uma história que era contada a partir de uma pequena passagem durante a Primeira Guerra Mundial.
O que faz de "Nada de Novo no Front" ser um filme de guerra tão forte, tão incomodo, tão pesado e tão impactante, é justamente a forma como toda história é desenvolvida e contada, ou seja, indo direto ao ponto, sem arrodeio, sem ter que contar a história de vida de cada jovem soldado que decidiu se alistar, sem ter que humanizar cada personalidade que está envolvida dentro daquele universo. Obviamente temos a história dos jovens amigos que decidem voluntariamente se alistarem no exército alemão, e pela visão que nos foi passado, podemos considerar que a princípio eles estavam encarando tudo aquilo como uma aventura, como um desafio, ou até mesmo por uma onda de fervor patriótico. Também podemos considerar que cada um ali tinha seu objetivo pessoal, o que poderia ser por puro patriotismo, ou para seguir uma carreira dentro do exército, ou só para provar para os pais que ele era capaz de enfrentar o desafio - esse era o caso do Paul - como vimos na cena em que ele decidi forjar a própria assinatura da mãe para conseguir se alistar, uma vez que sua mãe havia proibido essa decisão. Acredito que o próprio Paul esperava algo como reconhecimento, honra e glória.
Toda essa decisão de roteiro poderá frustrar quem esperava por uma contextualização inicial acerca de quem era Paul e seus amigos, porém, eu considero como um ponto muito positivo do roteiro. Pois aqui estamos falando de guerras, estamos vivenciando a guerra, todos aqueles jovens já tinham seus destinos traçados. Na minha opinião, o maior acerto do filme é justamente não romantizar a guerra, não humanizar seus personagens, nos pegar pelo braço e nos levar para enfrentar e vivenciar a dura realidade de uma guerra, que sim, é sofrida, é dura, é seca, é cru, é mórbido, é impactante, é tenso, é completamente dilacerante e visceral.
Já no primeiro dia de Paul e seus amigos nas trincheiras do front, é onde observamos que ele se vê exposto às realidades da guerra, destruindo suas primeiras esperanças de se tornar um herói enquanto faz o possível para sobreviver. Podemos sim considerar que Paul via a guerra como um ato de heroísmo, até pela forma como seus professores o induziram a participar dela. Logo nesse primeiro dia Paul já enfrenta a dura realidade da guerra ao ser confrontado com a perda de seus amigos após um ataque de artilharia. Nesse momento Paul já estava perdendo sua inocência, sua sanidade, tudo que ele tinha pensado e construído estava sendo rapidamente dissipado ao enfrentar a dura realidade brutal da vida no front.
A partir desse ponto o longa de Edward Berger nos mergulha profundamente na realidade dolorosa de uma guerra. Passamos a vivenciar cada passo de Paul durante toda a sua jornada. Nesse quesito o filme tem uma profundidade e uma realidade incrível, pois a forma com são abordado os conflitos é de deixar qualquer um em choque e boquiaberto. Visualmente o filme é pavoroso, pois temos cenas gráficas que são de assustar, exibindo um confronto brutal sem nenhum pudor, um verdadeiro choque de realidade. É muito interessante acompanhar como o Paul vai perdendo sua inocência, como ele vai sendo confrontado com a realidade de um front, como ele vai sendo mergulhado cada vez mais no pânico, na tensão, na agonia, na depressão, como ele vai perdendo sua sanidade, e muito por ter sido praticamente jogado no meio de tudo aquilo, e sem esperar que a realidade fosse de fato aquela. E partindo dessa premissa, temos uma das cenas de maior impacto que eu já presenciei em um filme nos últimos anos. Que é justamente a cena que Paul ataca o soldado francês. Ali podemos observar como o Paul era um mero coadjuvante naquele cenário, naquela realidade, como ela agia pelo impulso da guerra, de defender o seu lado e acatar unicamente o que o seu país lhe designou. Ou seja, obviamente Paul deveria atacar aquele soldado e matá-lo antes que ele fizesse isso com ele, todavia, é nítido como Paul inicialmente ataca mas depois ele pensa melhor e recua. Ele sofre com essa decisão, ele chora por ter tomado aquela decisão, principalmente após ele encontrar no bolso do soldado a foto de sua mulher e seu filho. Definitivamente é uma cena muito pesada, muito forte, incômoda, triste, daquela que nos incomoda, daquela que nos deixa com um nó na garganta e nos faz pensar durante semanas.
Dentro de todo esse contexto podemos observar e pensar em como uma guerra é sempre muito injusta, e como os soldados que estão lá lutando são meros peões de xadrez que protegem o rei e a rainha de um ataque final. Paul e seus amigos faziam parte desse tabuleiro de xadrez, faziam parte dessa engrenagem que girava em prol dos mais fortes e dos mais conceituados. Nem sempre quem está nos fronts lutando tem a verdadeira noção pelo o que está lutando. Na maioria das vezes os soldados que dão suas vidas nos campos lutando morrem em prol do sistema, em prol das decisões governamentais. O longa de Edward Berger nos elucida exatamente nessa questão, em como tem uns que estão lutando em prol das negociações de paz e em prol da assinatura do armistício, e outros querendo continuar a guerra a qualquer custo, para inflar o seu ego enquanto milhões morriam nos campos de batalhas. Essa são as leis dos homens!
Sobre o elenco não tem muito o que destacar, acredito que todos estiveram bem dentro das suas proporções e dentro das suas limitações. Apenas Felix Kammerer que merece um destaque maior, por ter incorporado um jovem sonhador, idealista, que tinha suas ambições e suas motivações, até ser confrontado com uma dolorosa realidade.
Tecnicamente o filme é espetacular! "Nada de Novo no Front" nos aproxima da guerra com umas qualidades invejáveis, como o próprio efeito sonoro, que é absurdo, nos dá uma dimensão incrível do que está acontecendo em cena unicamente pelos efeitos sonoros (fico imaginando como deve ser este filme em uma sala IMAX). A direção de arte é outro luxo, é incrível como a direção de arte é bem trabalhada aqui, como cada detalhe está bem casado no cenário e na ambientação. Os figurinos estão muito bem ajustados, e não era pra menos, visto ser um filme que exige toda essa atenção. A fotografia é a alma do filme, a responsável em nos confrontar com toda aquela barbárie em cena, dando aquela ênfase que chegava a nos incomodar. Assim como a própria trilha sonora, que conversa conosco em 100% do tempo, e muito por nos passar um som morto, mórbido, denso, que evidenciava a morte em todo o tempo.
Além dessa adaptação baseada na obra de Erich Maria Remarque, "Nada de Novo no Front" teve outras duas adaptações - uma em 1930 intitulada "Sem Novidade no Front", que conquistou duas estatuetas do Oscar: Melhor Filme e Melhor Direção. E a outra em 1979, "All Quiet on the Western Front" ("Adeus à Inocência").
"Nada de Novo no Front" recebeu quatorze indicações principais no BAFTA, batendo o recorde de mais indicações já recebidas por um filme que não está no idioma inglês. No Oscar está indicado em nove categorias, incluindo Melhor Longa-Metragem Internacional e Melhor Filme.
Sem dúvida "Nada de Novo no Front" entra na lista dos grandes filmes sobre a Primeira Guerra Mundial, assim como o próprio "1917". Edward Berger acerta muito ao comandar um filme que narra toda perversidade humana de forma seca, crua, pesada e totalmente incomoda. Um longa-metragem extremamente importante para nos elucidar em como o ser humano é cruel, é mesquinho, é intolerante, em como uma guerra não é glorificada, não é romantizada, é bárbara, é sofrida, é sentida e lamentada por todos. Provando também que todo aquele conflito de nada significou. Em uma guerra não há honra, não há heroísmo, há apenas o patriotismo clamando que dar a sua vida e seu sangue em prol da sua pátria é algo extremamente grandioso.[12/02/2023]
"Babilônia" é escrito e dirigido por Damien Chazelle. Ele narra a ascensão e queda de vários personagens durante a transição de Hollywood dos filmes mudos para os sonoros no final da década de 1920.
Damien Chazelle é um diretor muito jovem que despontou muito cedo em Hollywood. Com apenas 32 anos foi o vencedor do troféu de Melhor Diretor (se tornando o mais novo da história nessa categoria) por "La La Land". Um fato que não podemos negar é que Chazelle realmente é um diretor meticuloso, tem um olhar mais analista em suas obras, nos mostra toda sua paixão e devoção pela arte da música e do cinema. Isso fica muito bem comprovado em seus filmes anteriores como a obra-prima "Whiplash" (2014) e o badalado "La La Land" (2016).
Em "Whiplash" temos a busca incansável, incontrolável e desumana para atingir a perfeição. Em "La La Land" temos o contraste da história do pianista de jazz e da aspirante a atriz que se conhecem e se apaixonam, enfrentando todos os conflitos do show business. E dessa vez temos um Chazelle novamente revigorado, novamente enérgico, novamente letal (eu diria), construindo um contraponto e uma mescla de suas produções anteriores ao abordar seu mais novo filme - "Babilônia".
O mundo do cinema é muito curioso e muito interessante, principalmente quando estamos nos referindo à indústria hollywoodiana, o centro da indústria cinematográfica norte-americana. Digo isso pelo simples fato de como a indústria hollywoodiana se encanta quando é homenageada, quando vira pauta, quando vira assunto em um longa-metragem, ou seja, quando temos um filme falando de filmes, a indústria relembrando os primórdios da indústria, exatamente o que "Babilônia" faz aqui. Porém, não sei bem se encantar é a palavra mais correta para se utilizar aqui, para descrever todo o sentimento que a indústria hollywoodiana teve em relação ao novo filme de Chazelle.
"Babilônia" atravessa os anos 20 (é situado no final da década de 20), quando a indústria cinematográfica hollywoodiana estava passando por uma transição do cinema mudo para o cinema falado. Ou seja, um período de grande mudança, de grande conflitos, de grande turbulência para todos os envolvidos, aquele retrato do caos que se instalava entre artistas e cineastas nos primórdios de Hollywood. Temos aqui um retrato caótico da decadência, da depravação, da ambição, da extravagância, aquela típica vergonha alheia que vai se instalando ao decorrer da trama e da forma como toda história vai sendo contada e desenrolada. Às cenas iniciais já nos mostra toda depravação e excessos escandalosos em torno daquela festa regada a drogas, álcool e sexo, e feito em planos e enquadramentos sem nenhum pudor (para nos evidenciar ainda mais toda loucura).
Chazelle está realmente decidido impactar o espectador e não sente nenhuma vergonha nisso, até por exibir seu olhar mais caótico e menos romantizado sobre todo conteúdo dos primórdios hollywoodiano. Ela força a barra em cima de sequências mirabolantes, esdrúxulas, megalomaníacas, com uma extravagância e uma grandiloquência sem limites. Realmente é um olhar mais seco, mais cru, mais tendencioso, em relação aquela "década de ouro do cinema". Algo feito realmente para impressionar e elucidar sobre uma década exuberante e deslumbrante do cinema, nos mostrando os excessos e extravagâncias da elite clássica de Hollywood, com um contraponto entre todos os envolvidos que lutaram e trabalharam duro para ajudar a formar o cinema como nós conhecemos hoje.
Damien Chazelle me impressiona por ser tão novo nessa indústria e já demonstrar um olhar tão crítico e tão apurado, que às vezes me parece que ele já é um diretor de muitas décadas. Aqui ele critica e debocha da indústria hollywoodiana mas ao mesmo tempo constrói toda uma homenagem à magia de fazer cinema, um verdadeiro apaixonado pela sétima arte. Algo como uma paixão pela arte mas uma crítica ao que fica mascarado por trás das câmeras. Algo como, tudo que vemos na sala de cinema não podemos imaginar por tudo que esse espetáculo passou pra chegar até ali e fazer valer o nosso entretenimento. Não podemos imaginar às inúmeras sujeiras que estão por debaixo do tapete, toda catástrofe e imoralidade que se constrói através de uma verdadeira Deep Web de Hollywood - impressionante!
Outro ponto que é levantando no longa de Chazelle e é extremamente necessário: como muitas coisas ficam no escuro, acabam passando despercebido, algo como temos que sacrificar uns para a diversão de outros. Pois em "Babilônia" também temos a abordagem em torno da exploração da mão de obra, a exploração do negro, dos animais, das mulheres, a exploração do talento e da beleza dos atores e atrizes em prol de toda construção do bem maior. Além, é claro, o imigrante, que inicialmente foi tão importante para toda construção desse cenário e depois acaba sendo esquecido e deixado de lado.
Chazelle foi bastante minimalista e enfático na construção do seu longa, em abordar os feitos e os desfeitos que estavam por trás da transição hollywoodiana da década de 1920. Porém, ele se perde demais, se alonga demais, se repete demais, em uma história que claramente foi esticada ao máximo para gerar entretenimento durante suas 3h de duração. Por falar em duração, as 3h de filme é bem cansativa, e não é pelo fato da duração em si mas pelas inúmeras idas e vindas do roteiro, por se alongar e embarrigar demais em algo que claramente poderia ser cortado e que geraria a mesma proporção. Outro ponto que eu considero como uma forçada do Chazelle é exatamente em querer impactar, impressionar, querer chocar o expectador ao máximo por um puro apelo estético; como é o caso das cenas das festa com sexo, drogas e bebidas. O próprio Chazelle disse que "Babilônia" foi o filme mais difícil de sua carreira, e muito por ter que construir cenas sobre uma selvageria humana incontrolável. A própria Margot Robbie disse ter dado uns toques no Chazelle justamente em suas cenas sobre o uso de cocaínas, que ela estava achando um pouco apelativo e exagerado, mas que o próprio queria extravagância e queria realmente impactar com essas cenas (e conseguiu). Acredito que Chazelle perde a mão em seu filme justamente por querer abordar um drama com elementos de comédia e sátira, mas que ao final acaba falhando em ambos os temas e sem alcançar a objetividade desejada.
Se Damien Chazelle de certa forma falha no roteiro, no elenco ele acerta em cheio. Começando pela dupla envolvente, carismática e maravilhosa de Margot Robbie e Brad Pitt. Tanto Nellie LaRoy (Robbie) quanto Jack Conrad (Pitt) eram ótimos atores quando o cinema era mudo, mas que estão enfrentando grandes dificuldades para se adaptar nesse novo estilo de cinema falado. É muito notável como ambos sofrem nessa adaptação, como ambos não conseguem se adequar à esta mudança. Margot Robbie sendo a magnífica atriz que é, era muito óbvio o que eu poderia esperar de sua personagem no filme, e jamais ela decepciona. Robbie constrói uma personagem que inicialmente se porta como extravagante, exuberante, imponente, dona de si e dominadora de todas as situações ao seu redor. Porém, é muito notável o seu desconforto e seu sofrimento quando ela se vê frente à uma nova era cinematográfica, e que ela não consegue se estabelecer como era anteriormente - aquela cena em que ela sofre para gravar a primeira cena falada em um filme é a ampla definição de tudo isso. Margot Robbie completamente linda, bela, plena, pura, leve, dinâmica, uma atuação prazerosa, fina, peculiar e requintada. Brad Pitt também anda nessa linha de extravagância, protuberância, um canastrão, um verdadeiro garanhão, algo muito próximo com os acontecimentos que permeavam o cenário hollywoodiano masculino daquela época. Pitt também demonstra toda sua maestria, toda sua objetividade na construção de um personagem que poderia ser visto com uma grande casca por fora mas completamente vazio por dentro, ou até mesmo sofrível, diga-se de passagem. Em algumas cenas seu personagem me remeteu ao seu próprio personagem em "Era uma Vez em... Hollywood" (2019).
Diego Calva é uma grata surpresa pra mim, visto que eu não conhecia seus trabalhos, pois o mexicano estreou em 2015 pelo filme "Te Prometo Anarquia". Diego deu vida ao Manny Torres, o personagem que podemos considerar como o mais próximo do público, o que possivelmente poderá conter uma maior identificação, muito por ter esse olhar mais voltado em busca dos seus sonhos e suas realizações. Jean Smart (brilhante em "Mare of Easttown") como Elinor St. John é uma personagem um tanto quanto interessante e intrigante, eu diria, principalmente em sua parte final. Jovan Adepo (excelente em "Um Limite Entre Nós") como Sidney Palmer, o trompetista de jazz afro-americano, e Li Jun Li ("De Frente com meu Ex") como Lady Fay Zhu, a cantora de cabaré lésbica sino-americana...são dois personagens que trazem uma discursão acerca do racismo e da homofobia, porém de forma bem vaga e bem rasa pelo roteiro, faltou um aprofundamento (aquela cena que a Lady Fay Zhu canta a canção "Pussy" é ironicamente engraçada dentro do contexto do filme). Ainda tivemos o sempre excelente Tobey Maguire (que também atua como produtor executivo no longa) como James McKay, um personagem muito curioso e até interessante, dependendo da visão de cada um. Max Minghella (impossível não se lembrar do Nick Blaine, "The Handmaid's Tale") como Irving Thalberg, um curioso produtor cinematográfico durante os primeiros anos do cinema. E não menos importante, a presença ilustre do Flea (o lendário baixista do Red Hot Chili Peppers) como Bob Levine.
Em questões técnicas o acerto de Chazelle é bem notado. Como seu próprio trabalho de direção, que mais uma vez é muito bem ajustado, muito bem centrado, usando toda a sua técnica que já observamos em seus longas anteriores, como no próprio "La La Land", onde tínhamos a sua clássica virada de câmera. A trilha sonora de Justin Hurwitz (um grande parceiro de Chazelle) é mais um acerto no longa, por conter uma mescla entre diversos ritmos que ditava toda a freneticidade de cada cena, ainda mais se falando de uma produção que tem a alma de um musical. A fotografia do sueco Linus Sandgren (outro parceiro de Chazelle) é eloquente, é exagerada, e justamente essa era a intenção aqui, nos levar através da fotografia para o êxtase, para uma espiral de loucuras e exageros. A direção de arte é espetacular, por criar e nos jogar em cenários surpreendentes e completamente fiéis com a época, assim como os próprios figurinos e maquiagens, ou seja, nada aqui foi poupado no quesito extravagância e eloquência.
"Babilônia" foi considerado como uma bomba de bilheteria, arrecadando $ 42 milhões contra um orçamento de produção de $ 78-80 milhões. O filme recebeu cinco indicações no 80º Globo de Ouro (incluindo Melhor Filme - Musical ou Comédia, ganhando Melhor Trilha Sonora Original), nove indicações no 28º Critics' Choice Awards (incluindo Melhor Filme), três indicações no 76º British Academy Film Prêmios e três indicações ao 95º Oscar, por Melhor Trilha Sonora Original, Melhor Figurino e Melhor Design de Produção.
Por fim, temos aqui o novo trabalho entregue por um dos novos queridinhos de Hollywood. Apesar da academia torcer um pouco o nariz em relação a forma como ele abordou toda essa época e essa transição da década de ouro para o cinema (vide as pouquíssimas indicações que o filme recebeu no Oscar). Eu acho muito válido todo esse aspecto criado por Chazelle em sua forma de abordar uma Babilônia ao nos confrontar com uma realidade de nacionalidades, gêneros, etnias, classes, origens, mesclando sentimentos, dramas, prazeres, comédias, sátiras, e nos evidenciando como foi essa passagem de época do cinema, como foi essa conturbada e extravagante transição do cinema mudo para o falado. Por outro lado, o diretor tomou várias decisões precipitadas, quis impactar e chocar o público em algo ineficiente e unicamente pelo puro apelo estético, que sim, pode ser impressionante aos olhos do espectador inicialmente, mas no fundo não passa de uma tentativa forçada.
Porém, contudo, no entanto e todavia, não há como negar que Damien Chazelle marca seu nome mais uma vez na indústria hollywoodiana, mesmo com alguns percalços ele alcança o seu principal objetivo e seu grande êxito, que é prestar uma grande homenagem para o cinema hollywoodiano das décadas de 20 e 30, mesmo soando como uma crítica ao extravagante e decadente. [10/02/2023]
"To Leslie" é dirigido por Michael Morris, com roteiro de Ryan Binaco ("3022"). O filme é estrelado por Andrea Riseborough como Leslie Rowland, uma mãe solteira que se volta para o alcoolismo depois de usar todo o prêmio em dinheiro que recebeu depois de ganhar na loteria. Ela logo encontra a chance de mudar sua vida quando o dono de um motel lhe oferece um emprego.
O diretor Michael Morris já tem um certo tempo de carreira, já trabalhou como ator, roteirista, diretor de séries, mas nunca dirigiu um longa-metragem. Desde 2008 ele já dirigiu séries como "Brothers & Sisters", "Smash", "Kingdom", "House of Cards" e "13 Reasons Why". "To Leslie" marca a sua estreia na direção.
Temos aqui um filme indie baseado em eventos reais que vem chamando bastante atenção mundo afora, vem ganhando notoriedade e sendo base de algumas discursões. "To Leslie" é uma produção independente, corajosa, audaciosa, que traz no centro da discursão a figura de uma mãe solteira que busca incansavelmente a redenção depois de ter arruinado toda a sua vida. Logo no início podemos observar como o roteiro quer nos elucidar sobre aquela história, quer nos trazer para dentro dela, para que possamos sentir todo o peso da vida de Leslie. Obviamente estou me referindo à todo o contexto dos créditos iniciais, que nos mostra fotos do seu passado familiar para nos contextualizar sobre toda sua história. Esta é uma decisão bastante interessante do roteiro, querer nos contar mais a respeito de quem foi Leslie, isso logicamente vai nos dar um ponto de partida e vai ajudar muito na sintonia e no laço que poderá se criar entre ela e o espectador.
Por outro lado eu acho que faltou uma abordagem e um aprofundamento maior justamente na parte inicial, partindo exatamente da ponto onde mostra Leslie ganhando os $ 190.000 da loteria. Acredito que poderiam ter frisado mais esta parte da história, nos mostrar como Leslie esbanjou todo o seu dinheiro, isso daria mais profundidade em seu arco de redenção.
"To Leslie" nos mergulha em uma história com um peso muito grande, um drama familiar muito forte, com um fator emocional elevado, que envolve diretamente a decadência total do ser humano e logo após a sua redenção. Leslie mostra toda sua fragilidade e vulnerabilidade de uma alcoólatra problemática, de uma mulher que chegou ao fundo do poço, de uma pessoa que conheceu de perto a miséria, a decadência, a crueldade, a degradação, a dependência química. Leslie é o típico ser humano autodestrutivo, sem amor próprio, sem amor pelo filho, que está carregada de culpa, de medo, de desconfiança, de frustração, de traumas, de raiva. Aquela pessoa que está a um passo do suicídio.
O primeiro ato do filme é muito bom ao nos confrontar com a quebra de expectativas que se cria envolvendo Leslie e seu filho James (Owen Teague). Ou seja, Leslie está no fundo do poço e busca abrigo na casa do filho, que obviamente irá tentar acreditar na sobriedade da mãe e em sua possível redenção. É exatamente nessa parte que o roteiro nos questiona ao nos apresentar cenas esperançosas, promissoras, e logo após ser quebrado por cenas melancólicas e tristes - aquele típico caso de você dá uma segunda chance e a pessoa não saber aproveitar a chance recebida. A partir daí a trama fica cada vez mais impactante, por começarmos a vivenciar todo o drama de Leslie ao ser abandonada pelo filho, ao ser jogada na sarjeta, ao ser expulsa dos locais, ao ser esnobada e ridicularizada pelas pessoas que diziam fazer parte da sua vida nos momentos bons em que ela estava por cima e tinha dinheiro. Aquele caso que todos nós já passamos na vida; quando estamos bem e temos dinheiro somos bons, somos legais, temos amigos, fazemos diferença na vida de alguém. Quando estamos na lama, no fundo do poço, na sarjeta, ai que você conhecerá seu verdadeiro amigo ou quem realmente se importa com você - quem aqui nunca passou por uma situação parecida?
Já no último ato é exatamente a parte onde temos a possível redenção de Leslie, sempre com bastante dificuldade, com bastante sofrimento, com bastante desconfiança. A chance de Leslie mudar de vida está exatamente no emprego oferecido por Sweeney (Marc Maron). Podemos dizer que Sweeney foi o anjo da guarda, a alma caridosa, que ajudou e depositou toda sua confiança em Leslie quando ninguém mais confiava e ajudava ela. Sweeney foi humanitário, foi caridoso, foi altruísta, mesmo com toda dificuldade e todos os problemas que ele sabia que Leslie iria lhe causar, porém, também temos o gesto do amor, do carinho, do afeto, da empatia e principalmente da confiança e perseverança.
"To Leslie" toca exatamente nesse ponto, que muitas pessoas são autodestrutivas por consequências dos seus atos e suas escolhas, que elas não nasceram assim, são condições desenvolvidas por toda a sua vida, e muito por falta de amor, de carinho, de atenção, de afeto, de oportunidades, sendo que um simples gesto podem salvar vidas, podem resgatar a pessoa que se encontra no fundo do poço. Eu sei que é uma situação difícil, complicada, que ninguém se importará em ajudar, que o mais fácil é virar as costas e ir embora, pois obviamente o problema não é seu. Mas precisamos entender que uma pessoa na fase da vida da Leslie precisa urgentemente de ajuda (independente do que ela fez pra estar nessa situação), de atenção, ela precisa ser notada, ela precisa sentir e entender que ela é importante e faz diferença na vida de alguém - como vimos na cena final com a presença do filho e seu novo companheiro, ou seja, as duas pessoas que fazem parte da sua vida.
Tudo que eu descrevi acima não seria possível sem a presença impecável de Andrea Riseborough ("Oblivion" e "Birdman"). Temos aqui um caso de entrega, de se doar ao máximo, de se empenhar em busca da perfeição em dar vida à uma personagem. Andrea incorpora a Leslie com uma perfeição absurda, que fazia qualquer um sentir na pele todo o seu drama, o seu desespero, a sua dor, a sua agonia. Uma atuação arrojada, competente, onde tínhamos uma personagem que nos demonstrava uma grande carga emocional, um grande peso dramático, conseguindo transcender todo sofrimento e comprar a nossa empatia instantaneamente. Pra mim uma atuação perfeita, impecável, onde só confirma que a Andrea Riseborough é digna e merecedora de todos os elogios que vem recebendo. Criou-se todo um debate, uma polêmica envolvendo a sua indicação ao Oscar de Melhor Atriz. Bem, fica na responsabilidade da academia investigar.
Owen Teague ("It - Capítulo 2") completa muito bem com a presença do filho que também sofre por consequências das escolhas da mãe. Apesar que eu não concordo com a sua escolha do abandono, existem outros métodos que podem ser utilizados nesse caso. Allison Janney (maravilhosa em "Eu, Tonya") como Nancy traz uma figura intolerante, mesquinha, prepotente, que se utilizou da Leslie e depois a abandonou e virou as costas, porém, no final foi gratificante ver o seu arrependimento e seu remorso. Allison Janney é uma belíssima atriz e aqui ela se encaixa perfeitamente na personagem. Marc Maron ("Coringa") fez um contraponto muito interessante com a Andrea Riseborough, seus personagens se conversam e se completam dentro da história, mesmo que inicialmente de forma mais turbulenta. Gostei da química de Marc e Andrea, mesmo de forma um tanto quanto conturbada, mas no final deu tudo certo. Completando o elenco ainda tivemos Stephen Root ("A Tragédia de Macbeth") muito bem como Dutch, fazendo um par perfeito com a Nancy. Andre Royo ("Interrogation") como Royal, um personagem bem inusitado, mas que no final também contribuiu positivamente na história da Leslie.
Apesar do longa trazer toda uma abordagem em torno da decadência e redenção, que realmente é um assunto de extrema importância e que conversa diretamente conosco, porém não temos algo inovador, inédito, muito pelo contrário, toda produção pode soar até como clichê. Fatalmente alguém já se deparou com alguma produção, algum conteúdo, que abordasse esse tema em questão. Por exemplo: no momento estou reassistindo uma novela de 2006 no Globoplay, "Páginas da Vida", que tem um núcleo vivido pela atriz Marjorie Estiano (novinha na época) e o ator Eduardo Lago, que trata exatamente desse contexto de decadência e redenção, que mostra todo o sofrimento da filha com a dependência alcoólica do pai - como acontece aqui. Mas por outro lado "To Leslie" nos encanta pela veracidade aplicada em cada cena, pela importância levantada em torno de um tema tão presente na atualidade, pelo discurso que nos atinge e nos comove verdadeiramente, sem falar na atuação monstruosa e impecável da Andrea Riseborough, que eleva o nível do filme para um outro patamar. [02/02/2023]
"M3GAN" é dirigido por Gerard Johnstone ("Housebound"), escrito por Akela Cooper (roteirista de "American Horror Story") a partir de uma história de Cooper e James Wan ("Invocação do Mal"), que também produziu com Jason Blum (produtor de "Halloween Ends").
Quando falamos de brinquedos assassinos obviamente a primeira coisa que vêm em nossa cabeça é o lendário e icônico "Chucky". Um clássico dos anos 80 que ganhou uma enorme relevância para o cinema, conquistou milhares de fãs mundo afora, se tornou um marco, um ícone e um verdadeiro patrimônio da cultura pop. "Chucky" foi tão relevante e tão influente que a partir dele surgiram vários filmes dentro dessa temática, dentro desse universo, que se utilizavam de brinquedos (bonecas) para ilustrar o terror, o suspense e obviamente a psicopatia. Posso citar uma que sou fã - a belíssima e encantadora "Annabelle".
"M3GAN" faz parte desse universo, conversa diretamente com toda essa temática, bebe exatamente dessa fonte. Temos aqui a história clichê da família que morre em um acidente de carro e deixa sua filha órfã aos cuidados da tia. A tia é uma jovem roboticista muito inteligente que definitivamente não estava esperando por esse acontecimento e menos ainda em se tornar uma mãe - este é o ponto de partida da narrativa.
Eu diria que o enredo do filme é bastante interessante ao optar por inicialmente abordar o drama da pequena Cady (Violet McGraw) sendo confrontado com inexperiência do papel materno de sua tia Gemma (Allison Williams). É nesse ponto que entra a robô M3GAN, que foi desenvolvida por Gemma na intenção de distrair e até confortar a Cady dado ao momento que ela está passando. A primeira parte do filme é a melhor e a que mais funciona dentro de todo contexto, pois obviamente somos surpreendidos com abordagens sobre luto, solidão, traumas, afeto, carinho, atenção, amizade e amor. Nesse quesito o longa levanta algumas discursões, debates e críticas acerca dos pais que não dão a devida atenção aos filhos, sempre ocupados com o trabalho ou com qualquer outra coisa. Os filhos por sua vez sempre ficam escanteados, como é retratado no filme, quando a Gemma simplesmente acha genial a ideia da M3GAN substituir todo "trabalho" que ela teria com a Cady, uma vez que a própria chega a afirmar que ela não é sua filha.
O longa abre espaço para discutir vínculos familiares, funcionando como um drama familiar dentro de um filme que se estabelece como uma ficção científica de terror. É interessante notar como o filme aborda a teoria do apego, ou seja, quando uma criança perde os pais, elas procuram formar um forte vínculo, criar um forte laço com a próxima pessoa que entrar em sua vida (exatamente o papel da M3GAN). Ou seja, essa nova presença vai fornecer o apoio e o amor que a criança tanto deseja e sente falta pela sua perda recente, servindo até como um modelo comportamental - é exatamente isso que acontece no filme. Uma criação de um brinquedo tão real ao ponto da Cady não ver mais a M3GAN como um simples brinquedo, mas como sua cuidadora principal, substituindo totalmente o papel que foi dado para Gemma (como aconteceu na parte que a Cady preferiu desabafar e falar das suas lembranças para a M3GAN e não para sua tia). Obviamente se criou uma ligação e uma conexão emocional tão forte da Cady pela M3GAN ao ponto de isso atrapalhar em seu crescimento e obviamente em seu desenvolvimento. O que poderia ser uma ajuda para Gemma acaba por atrapalhar e ameaçar, pois em nenhum momento a M3GAN poderia ser colocada como uma solução, deveria ser apenas uma distração.
Outro ponto interessante é a forma como o filme aborda o avanço tecnológico, ou podemos dizer, o medo do avanço tecnológico desenfreado. M3GAN - "Model 3 Generative Android" - uma boneca robô que foi desenvolvida como acompanhante com uma altíssima tecnologia de inteligência artificial. Ela é capaz de se conectar com a Cady, observar tudo que está acontecendo naquele momento, ouvir tudo enquanto está desligada, agir por conta própria, assimilar os comportamentos das pessoas ao seu redor e julgá-las como ameaças. Ou seja, uma inteligência artificial capaz de mudar o mundo. Exatamente como a empresa se vangloria, como a melhor invenção depois do automóvel, afirmando ser o ápice da tecnologia do século 21.
Como eu destaquei, temos aqui uma inteligência artificial capaz de mudar o mundo, porém, toda essa inteligência é desenvolvida de forma assassina em uma autoconsciência que se torna agressiva e hostil com o passar do tempo. E todos esses acontecimentos ocorrem justamente pelo fato da robô está ligada diretamente ao subconsciente de autoproteção, de defender a sua companheira contra qualquer um que se interponha entre elas. Dessa forma a M3GAN vai desenvolvendo características violentas e assassinas.
Também podemos considerar que esse avanço tecnológico retratado no filme, e até o vínculo que é criado entre a Cady e a M3GAN, facilmente pode funcionar como uma crítica a nossa própria hipocrisia; que diariamente substituímos a relação humana por assistentes virtuais, afinal de contas quem aqui não se identifica em ter o seu celular como o seu melhor amigo do dia a dia, ignorando tudo e todos em sua volta, cortando até relações e ligações familiares. O mesmo vale para os pais que optam por deixarem seus filhos sendo educados no mundo virtual através dos Tablets e celulares. Este é o novo mundo em que vivemos.
Em questões de elenco tivemos participações ok. A jovem Violet McGraw ("Doutor Sono" e "Viúva Negra") é um doce, uma fofura extrema, com toda a sua simpatia ela conseguiu nos cativar. Allison Williams ("Corra!") contribui bem com o papel da tia/mãe inexperiente e perdida, onde ela erra tentando acertar, isso é muito perceptível ao longo da trama. Só achei que o arco entre tia e sobrinha foi bem superficial, a impressão que fica é que a Gemma se preocupa menos do que deveria com o afeto de Cady a M3GAN, algo que acaba facilitando todo desenvolvimento assassino de M3GAN. Porém, não sei se essa era a intenção que o roteiro queria nos passar, mas no final todo amor e carinho entre ambas ficou bem notado. Agora eu preciso dar o destaque merecido para as atrizes Amie Donald ("Sweet Tooth") e Jenna Davis ("Saturday at the Starlight"). Amie executou todas as cenas de M3GAN que exigiam movimentos físicos que a boneca não podia fazer e também fez todo o seu próprio trabalho de dublê - uma belíssimo trabalho corporal e gestual. Já Jenna atuou dublando a personagem, emprestando a sua voz para M3GAN atacar de companheira e psicopata.
Ao meu ver, "M3GAN" se sai muito bem ao apostar em uma mistura de ficção científica e terror pop, um trash horror comedy, um terror com alguns toques de drama e comédia, onde podemos facilmente considerar como um filme de terror para o espectador que não gosta de terror. Algo como um terror que não é terror, ou um terror sem terror, e muito se deu pelo fato da classificação indicativa do filme, que foi diminuída para 13 anos, como uma jogada para atrair o público de todas as idades. E apostando exatamente nesse quesito de público de todas as idades que os roteiristas optaram por um terror mais leve, sem violência explícita, sem gore, uma espécie de terror família. Algo que foge da temática dos filmes do "Chucky" e "Annabelle", onde a violência com requintes de crueldade eram mais explícitos. Os próprios roteiristas afirmaram que o filme teria mais gore, cujo a contagem original de corpos era muito maior, com o filme sendo muito mais sangrento. A escritora Akela Cooper espera que o filme eventualmente seja lançado sem cortes.
Por outro lado "M3GAN" foi feito para viralizar, onde fatalmente atingiria o público da nova geração das dancinhas e coreografias do TikTok. E deu muito certo, "M3GAN" viralizou, principalmente por trazer as dancinhas do TikTok, cantar um trecho da música "Titanium" do David Guetta, ser a nova queridinha da comunidade LGBTQIA+, atingir uma representatividade e uma fama mundial e vista como ícone de fãs do pop. Sem esquecer de citar que a música que M3GAN é vista tocando no piano é "Toy Soldiers", um sucesso de 1988 do artista Martika. Outro fator que contou muito para o sucesso do filme foi sua divulgação e todo trabalho de marketing, onde atores vestidos como M3GAN compareceram ao jogo Los Angeles Rams/Los Angeles Chargers NFL no domingo, 1º de janeiro de 2023, para ajudar a promover o filme. Eles até dançaram no meio-campo durante o intervalo - deve ter sido hilário e ao mesmo tempo bizarro. As novas produções de terror tem apostado bastante em todo esse trabalho de divulgação para o lançamento dos filmes, algo que já vimos recentemente no filme "Sorria".
"M3GAN" foi um sucesso comercial e de crítica, arrecadando mais de $ 104 milhões em todo o mundo contra um orçamento de $ 12 milhões, e é atualmente o filme de maior bilheteria de 2023. Em sua primeira semana de lançamento nos EUA o filme simplesmente desbancou do trono o todo poderoso "Avatar: O Caminho da Água". Uma sequência, intitulada "M3GAN 2.0", está programada para ser lançada em 17 de janeiro de 2025, com Allison Williams e Violet McGraw reprisando seus papéis e Akela Cooper voltando para escrever o roteiro.
No mais, "M3GAN" consegue cavar seu espaço na prateleira de "Brinquedos Assassinos", se estabelece de vez na indústria, viraliza e mostra suas referências e aprendizados trazido do seu antecessor boneco psicopata no quesito cultura pop. Facilmente podemos colocar "M3GAN" como um filme fofinho, bonitinho, um terror teen que traz uma certa abordagem em um drama familiar, mas por outro lado o longa também aposta em uma mistura de horror e humor, além de elementos satíricos e toda uma psicopatia nas partes finais. Uma aposta que deu certo, aquele clichezão moderno, aquele terror despretensioso e descompromissado que já estamos acostumados, aquele terror pipocão, pastelão, o típico terror de Shopping Center. Por falar em Shopping Center, o filme funcionou perfeitamente na sessão que eu estava, o público se divertiu, deram risadas, entraram no clima de suspense e até se assustaram em algumas partes. Ou seja, valeu o ingresso e a pipoca estava excelente! [27/01/2023]
"Triângulo da Tristeza" é um filme sueco co-produzido com Alemanha, França e Reino Unido. O longa é escrito e dirigido por Ruben Östlund em sua estreia no cinema em inglês.
O diretor sueco Ruben Östlund é conhecido por apostar em filmes que conversam com o espectador no sentindo de propor suas ideias, de querer construir todas as suas críticas de uma forma mais direta, mais escancarada, sem ficar criando muitas metáforas, ou situações incompreensíveis. Até por isso a sua forma de escrever um roteiro é indo exatamente na abordagem de temas contundentes, importantes, contemporâneos, que clamam por urgência, ou seja, construir e desenvolver uma crítica social batendo de frente, colocando o dedo na ferida, jogando toda merda no ventilador. Dentro desse contexto o diretor faz sua crítica social de maneira inteligente e muito provocadora.
Ruben Östlund venceu o Festival de Cannes duas vezes: uma por "The Square - A Arte da Discórdia" (2017), onde tínhamos uma comédia dramática que confrontava toda a elite, e a outra justamente por "Triângulo da Tristeza", onde recebeu aplausos de pé por oito minutos além de ser o vencedor do principal prêmio do festival, a Palma de Ouro.
"Triângulo da Tristeza" é um filme satírico, cujo seu principal ponto em questão é exatamente a crítica social, o humor negro, a intolerância, a futilidade, a superficialidade, o egocentrismo, o egoísmo, o preconceito e o pré-conceito. Temos aqui inúmeras discursões sobre o capitalismo e o comunismo, o proletariado e a burguesia, o consumismo e a futilidade, a igualdade e o empoderamento. O filme faz uma crítica irônica e bastante ácida sobre a alta sociedade, a cúpula do alto escalão, a desigualdade social, sendo exatamente a posição na sociedade quando estamos nos referindo a classe dos trabalhadores (ou a classe pobre), a classe média (como o casal que ganharam as passagens para o Cruzeiro) e consequentemente a classe dos milionários e bilionários.
O filme é construído em cima do sarcasmo, da ironia, do marxismo, da desconstrução de imagens e aparências, da quebra de estereótipos, da degradação social e os conflitos sociais. Temos também a inversão de poderes, a quebra de hierarquia, o feminismo, o machismo e o racismo. Tudo isso está ali, faz parte do roteiro, faz parte de toda história, vamos sendo confrontados na medida que a trama vai avançando e ganhando corpo.
O longa-metragem é composto por três atos que se conversam entre si - achei uma ideia um tanto quanto interessante. Logo na primeira parte do filme somos confrontados com um discurso acerca da definição do título "Triângulo da Tristeza" (bastante curioso por sinal). Logo após temos a introdução do casal disfuncional, que estão justamente discutindo sobre quem vai pagar a conta. Já iniciamos com uma crítica bem clichê porém bastante funcional dado à toda estrutura que o roteiro quer construir. Vemos ali uma relação conturbada que é movida pelo interesse de ambas às partes, logo mais uma crítica sobre a igualdade e o empoderamento. Dentro desse mesmo contexto do casal temos uma crítica social feita às pessoas e aos costumes de maneira caricata, ou seja, exatamente a toda futilidade e ambição de uma influencer. Yaya (Charlbi Dean) vive sua vida acerca dos likes, da fama e da beleza, ou seja, uma personalidade fútil, rasa, vazia, que está aprisionada nessa vida por uma escolha própria e financeira, onde a parcela de toda essa vida ambiciosa também aprisiona seu namorado, o modelo Carl (Harris Dickinson).
O segundo ato é muito intrigante ao nos revelar o Cruzeiro de luxo, onde facilmente podemos encarar o navio como uma espécie de metáfora sobre a nossa própria sociedade. Onde temos a classe operária (as pessoas que trabalham no navio) trabalhando em prol do luxo, da mordomia e do requinte da classe rica, para lhes proporcionar uma ótima viagem e uma ótima diversão. Este segundo ato é a melhor parte do filme, onde naturalmente temos o luxo e o lixo ali em nossa frente de mãos dadas. Uma sátira perfeita que se encaixa em nossos tempos atuais. Podemos observar de forma cômica como as pessoas daquele cruzeiro pouco se importavam com quem era o capitão daquele navio, ou, a forma como ele estava sendo guiado, ou, se realmente tinha alguém guiando o tal navio. Outro ponto que podemos facilmente encaixar em nossa sociedade, e sem defender nenhum lado, nenhuma posição, sem levantar nenhuma bandeira, pois obviamente ninguém naquele navio estava se importando com esta questão. Um dos pontos alto do filme foi observar toda soberba e todo luxo da classe rica sendo esvaído em vômitos e merdas por todos os lados. Isso serviu para nos frisar que ricos também cagam, ricos também vomitam, ricos também fazem coisas nojentas - sensacional!
Já no terceiro ato é onde temos as inversões de papéis, a quebra de estereótipos, o desfecho de toda hierarquia. Diante desse ponto observamos que o luxo e toda riqueza é completamente inútil quando o fator é a sobrevivência (como observamos na cena em que o magnata oferece o seu rolex). Esse terceiro ato funciona como uma forma de criticar o nosso próprio posicionamento na sociedade, as pessoas que se dizem pobres e humildes, pois até que ponto você iria se tivesse o mesmo poder da classe rica? Se você tivesse todo o poder em mãos você continuaria sendo uma pessoa humilde? Ajudaria os mais necessitados? Ou você se deixaria corromper pelo poder que está em suas mãos e se colocaria na mesma classe das pessoas que antes você criticava? Este é o ponto aqui, esta é a maior discursão desse terceiro ato, pois como observamos na inversões de papéis, a faxineira virou a líder, virou a capitã, e ainda exigiu à todos que se reportasse à ela como a nova capitã. Ou seja, dê o poder nas mãos de uma pessoa e você conhecerá quem realmente ela é.
"Triângulo da Tristeza" foi o último filme da atriz Sul-africana Charlbi Dean, a jovem de apenas 32 anos faleceu inesperadamente em agosto de 2022 após uma sépis bacteriana. Charlbi Dean construiu uma ótima personagem na pele da influencer Yaya, nos mostrando a futilidade dessas pessoas que fazem de tudo por fama e dinheiro - como na cena em que ela usa o macarrão apenas para tirar fotos e ganhar likes e não pra realmente comer. Harris Dickinson esteve bem em cena, conseguiu nos passar a realidade daquelas pessoas que se vendem e se aprisionam em outra pessoa apenas por interesse próprio. Woody Harrelson faz um personagem bastante intrigante e interessante dentro da história. Aquele capitão bêbado, aquele comunista que pouca se importa com tudo e com todos ao seu redor - realmente ele toca o foda-se dentro do navio. E completando com a ótima atriz filipina Dolly de Leon, que deu vida à faxineira Abigail, nos mostrando todas as suas facetas, desde a sua representação da classe trabalhadora, passando pelo seu empoderamento feminino, até chegar em suas atitudes tomadas quando ela se viu com o poder nas mãos.
Além de ter ganhado a Palma de Ouro no Festival de Cannes, o filme fez parte da seleção oficial do Festival Internacional de Cinema de Toronto. No Rotten Tomatoes, 70% das 211 críticas dos críticos são positivas. O Metacritic atribuiu ao filme uma pontuação de 63 em 100, com base em 47 críticos. O excelente desempenho da atriz Dolly de Leon recebeu elogios internacionais, conquistando suas primeiras indicações ao Globo de Ouro e ao BAFTA por seu papel coadjuvante. O longa também ganhou quatro European Film Awards, incluindo o prêmio de Melhor Filme, e recebeu três indicações ao Oscar 2023 - Roteiro Original, Diretor e Melhor Filme.
Temos aqui mais um filme que critica diretamente toda classe social que encontramos em nossa sociedade, e pasmem, não é uma crítica apenas direcionada para a classe dos ricos, mas para todas as classes e todas as atitudes que se aplicam à cada um dos indivíduos presentes na sociedade como um todo. Um filme que traz uma comédia sarcástica na forma de criticar cada ponto levantado dentro da trama. Uma abordagem satírica e ácida que aponta o dedo na cara de cada um ali presente na hora de inverter os papéis e expor uma quebra de hierarquia. Uma abordagem cômica que justamente não faz nenhuma questão de ser levado a sério na hora de apontar toda futilidade e superficialidade do ser humano.
Apesar da ótima direção e do ótimo roteiro, "Triângulo da Tristeza" não é um filme inovador, pois dentro desse universo de crítica social temos outras produções tão boas ou até melhores - como "Parasita", "Nós", "Corra!", "Não Olhe para Cima", "O Poço" (este eu acho até melhor como um todo) e até o mais recente "O Menu". Porém, Ruben Östlund faz um trabalho primoroso, traz um texto muito bem escrito e que conversa diretamente com o espectador, pois é impossível você não se identificar com algumas das personalidades presentes no filme. Sem falar na opção por um final em aberto, que nos dá margens para a imaginação e amplifica a nossa mente em grau ainda mais elevado de interpretação e consequentemente de autocrítica. [26/01/2023]
"Top Gun: Maverick" é dirigido por Joseph Kosinski e escrito por Ehren Kruger, Eric Warren Singer e Christopher McQuarrie a partir de uma história de Peter Craig e Justin Marks. O filme é uma sequência de "Top Gun - Ases Indomáveis" de 1986. Tom Cruise reprisa seu papel principal como o aviador naval Pete "Maverick". O longa-metragem foi baseado nos personagens do filme original criado por Jim Cash e Jack Epps Jr. No filme, Pete "Maverick" confronta seu passado enquanto treina um grupo de jovens graduados em Top Gun, incluindo o filho de seu falecido amigo, para uma missão perigosa.
Mesmo com toda falta de reconhecimento que "Top Gun - Ases Indomáveis" tem hoje em dia, não há como negar que ele é um dos maiores clássicos do cinema dos anos 80. Assim como também não há como negar o peso e a importância que o filme teve pra história do cinema, toda influência que moldou gerações e, principalmente, foi o filme responsável em catapultar a carreira do grande astro Tom Cruise. Se não fosse por todo sucesso e toda relevância que o longa fez em sua época, "Top Gun: Maverick" não existiria e Tom Cruise não estaria de volta ao posto que lhe consagrou há 36 anos atrás.
Não é sempre que uma continuação consegue superar a obra original, aqui temos este caso, pois "Top Gun: Maverick" supera o primeiro em praticamente tudo (tirando a trilha sonora, é claro). Tudo que "Ases Indomáveis" fez "Maverick" faz melhor - roteiro, enredo, desenvolvimento de personagens, atuações, romance, cenas de ação aéreas, peso dramático, ou seja, "Top Gun: Maverick" é uma verdadeira evolução de "Ases Indomáveis". Este é exatamente um dos pontos que eleva ainda mais toda qualidade alcançada por "Top Gun: Maverick", a sua essência oitentista, a sua nostalgia, o seu saudosismo, todo o seu Fan service. Isso que todo filme de continuação deveria fazer, criar, ter sua liberdade criativa, mas preservar a memória da obra original e manter toda a sua essência.
O longa já começa mexendo com a nossa memória afetiva e com o nosso coração ao entregar um verdadeiro Fan service já na primeira cena ao som da icônica "Danger Zone"(Kenny Loggins). Ali eu já sabia tudo que eu poderia esperar, tudo que estaria me aguardando, e não deu outra. O filme trabalha muito bem esse lado nostálgico, esse sentimento saudosista, principalmente ao nos entregar vários Fan service (sim, era exatamente isso que eu queria), como a cena clássica da moto contra o Jato e até revivendo a lendária cena do jogo na areia da praia.
Um dos pontos falhos do primeiro "Top Gun" estava justamente no roteiro e no desenvolvimento dos personagens, aqui o roteiro trabalha muito bem este lado ao apostar em uma trama focada em Pete "Maverick" Mitchell, nos mostrando como ele está depois de mais de 30 anos de serviço como um dos principais aviadores da Marinha. O velho Pete "Maverick" está de volta rompendo as barreiras e os limites como um piloto de testes corajoso e destemido. Porém, todo reconhecimento obtido durante toda sua vida/carreira parece ter sido em vão, uma vez que ele tinha deixado de ser capitão para se tornar um instrutor (apesar de ter demonstrado essa vontade no primeiro filme). A partir daí vamos acompanhando um Pete "Maverick" à moda antiga porém em um mundo contemporâneo das guerras modernas e avançadas.
O maior acerto do roteiro foi confrontar um Pete "Maverick" mais velho com uma turma de jovens pilotos com personalidades diferentes para serem treinados por ele. Ou seja, temos aqui um contraponto de um Pete "Maverick" com suas ideologias, suas rebeldias, sua imposição, contra um fator humano, um fator diferente do que ele estava acostumado, que era justamente ser um instrutor e ter que lidar com outras vertentes, com outras camadas, que era o fato dos seus traumas do passado envolvendo a morte do seu amigo Nick "Goose" (Anthony Edwards). Este é o ponto melhor trabalhado e melhor desenvolvido pelo roteiro do longa, que é justamente o peso da morte do "Goose" pelo fator de culpa ou não. De qualquer forma o peso está ali, os medos estão ali, os traumas estão ali, precisam ser enfrentados, precisam ser vividos, precisam ser libertados.
Todo esse desenvolvimento em cima do trauma da morte do "Goose" é ainda melhor composto com o fato do Pete "Maverick" ter que ensinar e agora conviver com o filho dele, Bradley "Rooster" Bradshaw (Miles Teller). Cria uma desconfiança, um mistério, uma tensão, um embate de ideias que explora e confronta o passado traumático de ambos. O roteiro explora e desenvolve muito bem esta parte da trama ao mesclar um filme de ação com um filme dramático, com uma construção dramática, com um peso dramático, com uma narrativa dramática. Funciona perfeitamente toda essa questão da convivência do Pete "Maverick" com o Bradley "Rooster", onde o próprio chega a afirmar que tenta ser uma espécie de pai para o filho do seu amigo "Goose". Pete "Maverick" tem toda uma carga dramática com um peso sentimental que nos emociona e nos faz sentir na pele o peso das suas decisões, da sua missão, dos seus ensinamentos, das desconfianças que vão aparecendo - é um roteiro fantástico!
A parte romântica do primeiro "Top Gun", que é vivido por Tom Cruise e Kelly McGillis, tem todo o seu charme e sua nostalgia, principalmente pela hit clássico, romântico e inesquecível de "Take My Breath Away" (Berlin). Porém, eu senti um romance raso, faltou um aprofundamento. Aqui posso dizer que o casal Tom Cruise e Jennifer Connelly me convenceu até mais, até mesmo na construção e desenvolvimento romântico, que sim, não é uma grande história de amor, mas encaixa perfeitamente com o rumo tomado pela história. E não posso deixar de destacar a belíssima canção da poderosa Mother Monster Lady Gaga - "Hold My Hand" - que embalou a parte romântica do longa.
Confesso que eu não sou um fã dos trabalhos do diretor Joseph Kosinski, o mesmo vale para seus filmes como "Tron: O Legado" (2010) e "Oblivion" (2013), que pra mim são filmes fracos. Porém, dessa vez ele me surpreendeu, me deixou encantado com todo o seu trabalho de câmeras, seus takes dentro dos Jatos, seus focos nos rostos dos pilotos, que nos transmitia a verdadeira magia e empolgação vivida em cada cena - magnífico! O filme nos empolga e nos impressiona pelo realismo alcançado nas cenas de voos e acrobacias, e justamente pelo fato do Tom Cruise também atuar como produtor e exigir que aeronaves reais fossem usadas nas sequências aéreas, não CGI. Outro ponto: os atores passaram por treinamento intenso junto com a marinha dos EUA. No treinamento o elenco aprendeu a ejetar, sobreviver embaixo d'água e teve experiências primeiro com aviões a hélice, depois jatos, para enfim entenderem como pilotar o caça F/A-18 Hornet, usado no filme. O próprio P-51 Mustang da Segunda Guerra Mundial visto neste filme é na verdade o próprio avião de Tom Cruise, ele sendo um piloto talentoso na vida real - isso que eu chamo de capacidade de ostentação.
"Top Gun: Maverick" entrega cenas aéreas belíssimas, um verdadeiro deleite, uma verdadeira magia, com combates aéreos impressionantes, alucinantes, de tirar o fôlego. Eu nunca assisti um filme que me transportasse para dentro de um voo como em "Top Gun: Maverick", que me demonstrasse a beleza exuberante através de um Jato Supersônico. Você sente na pele a mesma emoção que Pete "Maverick", você se maravilha com ele, é apaixonante, é maravilhoso, é fantástico.
Tecnicamente o filme também é perfeito! Uma verdadeira obra-prima! A fotografia é escandalosamente linda e triunfal. As tomadas aéreas nos impressiona em 100% das cenas. A direção de arte é riquíssima em detalhes que agregam ainda mais à obra. A cenografia, a montagem, a edição, a mixagem de som, a ambientação, tudo feito com perfeição, atingindo um alto nível de excelência que eu não via no cinema há alguns anos. A trilha sonora é outro ponto perfeito no filme (assim como também foi em "Ases Indomáveis"). Podemos considerar que o trabalho de Hans Zimmer, Harold Faltermeyer e Lady Gaga estão impecáveis, tanto pela trilha sonora, pela composição das letras, do fundo musical, instrumental, harmonia, sintonia, tudo 100% perfeito. Aquela típica trilha sonora que transmite o peso do filme.
Tom Cruise é o verdadeiro vinho da sétima arte, vai ficando mais velho e vai ficando cada vez melhor. No alto dos seus 60 anos o grande Tom nos surpreende por ainda manter toda sua obsessão pelo desafio pessoal. Tom ainda se desafia constantemente ao exigir gravar cenas sem o uso de dublês, como faz na franquia "Missão Impossível", e aqui não foi diferente. Isso que eu chamo de amor pela arte, amor pelo trabalho, amor pela atuação, amor pela interpretação, amor pela entrega, por se doar constantemente em prol do seu objetivo maior. Tom Cruise nos dá uma verdadeira aula de como se desafiar e se superar diariamente na vida. Em "Top Gun: Maverick" o grande Tom está soberbo, divino, magnífico, com toda sua bagagem e toda sua experiência ele simplesmente dá um show do início ao fim. Tom consegue nos passar uma postura de Pete "Maverick" mais enérgico, mais destemido, mais desafiador, porém com um lado mais descolado, mais suave, mais romântico, mais brincalhão, mais paizão mesmo. Por outro lado ele também impressiona ao carregar toda carga dramática de um personagem que está buscando se estruturar e se recuperar dos erros e traumas do passado. Temos algumas cenas envolvendo o Tom Cruise que já podem ser consideradas emblemáticas e icônicas - como a cena em que ele retorna para a base de Top Gun e rever as fotos dele com o "Iceman" no primeiro filme. Você percebe pelo próprio olhar do Tom Cruise toda a sua nostalgia e emoção. A cena em que ele reencontra o Comandante Tom "Iceman" Kazansky, o grande Val Kilmer, também é uma cena apoteótica. A própria cena em que ele veste a eterna jaqueta de "Maverick" de "Top Gun - Ases Indomáveis".
É claro que falando de "Top Gun - Ases Indomáveis", romance e a música "Take My Breath Away" vamos nos lembrar do casal Tom Cruise e Kelly McGillis. Também não há como negar o desejo de todos nós que este casal fosse revivido depois de 36 anos, porém isso definitivamente não foi possível devido a própria Kelly McGillis, que disse que começou a trabalhar menos em Hollywood para se dedicar à família e se manter sóbria e que não fazia grande questão de ver a sequela nos cinemas. Dessa forma o par romântico de Tom Cruise ficou à cargo de Jennifer Connelly, que entregou um trabalho bem feito, bem atuado, que conseguiu convencer com aquele romance problemático.
Miles Teller foi a escolha perfeita para viver o filho de "Goose", ele conseguiu incorporar bem no personagem, conseguiu transcender todos os traumas, os medos, as desconfianças, conseguiu cenas ímpar com o Tom Cruise. A cena com eles dois se ajudando para se salvar a bordo do F-14 é incrível e emocionante - que cena belíssima! Tivemos a presença ilustre do grande Val Kilmer, que apesar de estar enfrentando todos os seus problemas de saúde fez questão de está presente representando o seu icônico personagem. O grande ator Ed Harris também teve a sua contribuição com seu personagem Chester "Hammer" Cain. E completando o elenco com a equipe de jovens pilotos treinados por Pete "Maverick": Jake "Hangman" Seresin (Glen Powell), Natasha "Phoenix' Trace" (Monica Barbaro), Robert "Bob" Floyd (Lewis Pullman), Reuben "Payback" Fitch (Jay Ellis) e Javy "Coyote" Machado (Greg Tarzan Davis).
"Top Gun: Maverick" foi extremamente aclamado pela crítica, com muitos o considerando melhor que o filme original (inclusive eu, rsrs). Ganhou o prêmio de Melhor Filme do National Board of Review e também foi eleito um dos dez melhores filmes de 2022 pelo American Film Institute. O filme também recebeu vários outros prêmios, incluindo indicações ao Globo de Ouro de Melhor Filme - Drama e ao Critics' Choice Movie Award de Melhor Filme. O longa foi o segundo filme de maior bilheteria de 2022 (pois foi superado por "Avatar: O Caminho da Água") e a maior bilheteria doméstica da Paramount de todos os tempos, superando o clássico "Titanic" (1997). "Top Gun: Maverick" arrecadou USD 1,489 bilhão em todo o mundo, tornando-se o filme de maior bilheteria da carreira de Tom Cruise.
O que é considerado como uma obra-prima? Eu considero um filme como uma obra-prima quando ele me eleva a enésima sensação de satisfação, me desperta inúmeras reações, eu fico feliz, fico triste, me emociono, fico em êxtase, fico nervoso, fico eufórico, fico alucinado, fico nostálgico, fico em estado de choque, e aqui temos todos esses sentimentos aflorados em um misto de reações - é fantástico! "Top Gun: Maverick" é exatamente tudo isso.
Em "Top Gun: Maverick" é difícil julgar com a razão e não com a emoção, é difícil ser criterioso, é difícil ser mais racional e não se deixar levar pelo sentimento da nostalgia, do saudosismo, porém, o filme é tão maravilhoso e tão perfeito que você pode avaliá-lo com a razão, com a emoção, com a nostalgia, sendo criterioso, sendo racional, sendo o que você quiser. O resultado será apenas um - uma verdadeira e magnífica obra-prima do cinema moderno.
"Top Gun: Maverick" é uma belíssima obra, um filme que te empolga ao mesmo tempo que te emociona. Um filme que te desperta inúmeras sensações e reações. Um filme que te representa em vários sentidos. Um filme que une sentimentos mútuos e verdadeiros. Um filme que consegue dosar com maestria um drama, um romance, uma ação e até uma leve comédia. Uma verdadeira obra de arte, um verdadeiro clássico moderno, uma obra-prima contemporânea. Um filme que possivelmente poderá definir toda uma década, poderá influenciar, moldar e até representar toda uma geração (como o próprio "Top Gun - Ases Indomáveis" fez em sua década), e com certeza ficará marcado na história do cinema e será lembrado com uma obra-prima daqui a muitos anos.
Assim como "Avatar: O Caminho da Água" (que já assisti 3 vezes no cinema em IMAX 3D), "Top Gun: Maverick" é um dos melhores filmes do ano, da década, entrando para o hall dos melhores Blockbusters de todos os tempos.
Só me arrependo profundamente de não ter assistido esta obra-prima nos cinemas, pois com certeza eu sairia ainda mais impactado e ainda mais emocionado da sessão.
O saudoso Tony Scott ficaria extremamente orgulhoso com essa maravilhosa continuação da sua icônica obra.
"Top Gun: Maverick" já é um clássico!
Encerro ao som de "Top Gun Anthem" - Harold Faltermeyer.
"Top Gun" foi lançado em 1986, dirigido por Tony Scott, produzido por Don Simpson e Jerry Bruckheimer. O roteiro foi escrito por Jim Cash e Jack Epps Jr., e foi inspirado em um artigo intitulado "Top Guns", escrito por Ehud Yonay e publicado na revista California Magazine três anos antes. É estrelado por Tom Cruise como o tenente Pete "Maverick" Mitchell, um jovem aviador naval a bordo do porta-aviões USS Enterprise. Ele e seu oficial de interceptação de radar, tenente (grau júnior) Nick "Goose" Bradshaw (Anthony Edwards), têm a chance de treinar na Escola de Armas de Caça da Marinha dos EUA (Top Gun) na Estação Aérea Naval Miramar em San Diego, Califórnia.
Nas décadas passadas era muito comum ouvir uma certa música e associá-la diretamente à algum filme, ou vice e versa. Isso aconteceu no ano 1986 com o filme "Top Gun" e a canção "Take My Breath Away", da banda californiana Berlin. Tanto o filme quanto a música são verdadeiros patrimônios dos anos 80, a pura essência oitentista, verdadeiros clássicos daquela década.
"Top Gun: Ases Indomáveis" é a verdadeira definição de um clássico oitentista, o diretor Tony Scott (do ótimo "O Sequestro do Metrô 1 2 3") entrega tudo que um clássico daquela década precisava: um romance regado com uma belíssima trilha sonora, belas aeronaves, ótimos embates aéreos, grandes desafios cheios de tensão, sempre misturado com bastante ação (que de fato não poderia faltar). Sem falar que o roteiro elabora todo um percurso para nos confrontar com uma trama que de fato é desenvolvida como um filme de ação, porém com nuances de um drama, de um romance, tocando em pontos como o amor e a amizade, os conceitos e os valores que estão por trás de um relacionamento de amor, de amizade, de respeito, de admiração, de engrandecimento, de atitude, de caráter, de ego. Tudo é trabalhado em cima dos desafios, da ambição, da conquista, do fracasso, da vitória, da derrota, do ganho e consequentemente da perda.
Podemos considerar que "Top Gun" teve um grande peso e uma grande participação em consagrar toda mitologia em torno do piloto de caça naval e das aviações embarcada e costeira. Assim como também podemos considerar a grande influência sobre todas as pessoas que se encantaram com a aviação e decidiram seguir carreira nessa aérea usando o filme como base motivacional (sim, isso acontecia nos anos 80). O filme teve tanto peso para a história e tanta influência que até hoje é impossível você assistir um documentário, ler um livro, ou até assistir um filme sobre aviação naval e não se lembrar de "Top Gun". Por falar em influente, a produção do longa contou com a colaboração do Pentágono e da Marinha Norte Americana em seu desenvolvimento.
Todo grande clássico possui cenas emblemáticas e memoráveis, e em "Top Gun" não é diferente. Aquela abertura clássica do F-14 (hoje praticamente peça de museu) até hoje nos eleva ao extremo saudosismo. A cena épica do Tom Cruise pilotando a clássica Kawasaki GPZ900R contra o Jato. Os embate aéreos entre o F-14, o MiG 27 e o P-51 Mustang. Realmente o filme tem o poder em despertar a nossa nostalgia e o nosso saudosismo.
O diretor Tony Scott (falecido em 2012) foi muito autêntico ao nos proporcionar um trabalho de câmeras incríveis, onde tínhamos a exata dimensão de todos os confrontos aéreos, e olha que estamos falando de uma produção dos anos 80, onde consequentemente não tínhamos toda estrutura tecnológica de hoje. O trabalho de fotografia é maravilhoso, podíamos sentir toda potência dos jatos rasgando os céus em altíssima velocidade (o mesmo vale para o excelente trabalho de som). E acompanhando todo esse misto de emoção e ação temos a música chiclete dos anos 80 - "Danger Zone", de Kenny Loggins. Acima eu destaquei a canção "Take My Breath Away", que realmente ficou como a música mais conhecida e a verdadeira personificação de "Top Gun: Ases Indomáveis", até pelos prêmios que ganhou. Porém, "Danger Zone" também ficou eternizada nesse clássico oitentista.
Hoje em dia muitas pessoas classifica "Top Gun: Ases Indomáveis" como um filme superestimado (depois do lançamento de "Top Gun: Maverick" ainda mais). Realmente o filme enfrentou diversos problemas na época das suas filmagens, como o fato do estúdio querer demitir o diretor por causa da icônica cena do jogo de vôlei na praia. Sem falar que muitos executivos da Paramount começaram a considerar o trabalho de Tony Scott como largado e com pouco empenho. Confesso que em questão de enredo o longa realmente deixa a desejar, e muito por sua história ser bem rasa e pouco desenvolvida, onde o próprio desenvolvimento de personagens é pouco abrangente - como no caso do próprio embate, rivalidade e enfrentamento dos personagens "Maverick" e "Iceman" (Val Kilmer). O próprio Val Kilmer não queria atuar no filme e só participou devido a obrigações contratuais que tinha na época. Todo o romance que é vivido no filme pelos personagens do Tom Cruise e da Kelly McGillis é charmoso, é bem a cara dos anos 80, porém é bem sessão da tarde, bem raso e falta um aprofundamento. Acredito que a parte romântica do filme é mais lembrada pela trilha sonora do que propriamente pelo romance em si.
Tom Cruise estava sendo praticamente alçado ao sucesso e ao posto de galã na época, ganhando projeção para depois interpretar papéis importantes em outros filmes de destaque. Uma boa atuação condizente com um personagem rebelde porém bastante destemido. Val Kilmer, que estava praticamente estreando na carreira, compõe uma espécie de vilão (ou antagonista) até interessante, dentro das limitações do seu personagem. Kelly McGillis, que também estreava na carreira, foi uma boa escolha para o par romântico com Tom Cruise. O elenco ainda conta com Tom Skerritt (Mike "Viper" Metcalf), da obra-prima "Alien, o 8º Passageiro"(1979). Anthony Edwards (Nick "Goose"), de "O Cemitério Maldito 2" (1992). Michael Ironside (Rick "Jester" Heatherly), do clássico "O Vingador do Futuro" (1990). Tim Robbins (Sam "Merlin" Wells), que mais tarde faria o melhor filme de toda a sua carreira - "Um Sonho de Liberdade" (1994). James Tolkan (Tom "Stinger" Jardian), que vinha do icônico "De Volta para o Futuro (1985). E completando com a linda e jovem Meg Ryan (Carole Bradshaw), que três anos antes havia estreado no cinema com o clássico "Amityville 3" (1983).
"Top Gun: Ases Indomáveis" foi muito bem reconhecido em sua época e recebeu críticas mistas dos críticos de cinema envolvendo seus efeitos visuais e trilha sonora. Quatro semanas após seu lançamento, o número de cinemas exibindo-o aumentou em 45 %. Apesar de sua reação crítica inicial mista, o filme foi um grande sucesso comercial, arrecadando $ 357 milhões globalmente contra um orçamento de produção de $ 15 milhões, se tornando o filme doméstico de maior bilheteria de 1986. O filme manteve sua popularidade ao longo dos anos e ganhou um relançamento IMAX 3D em 2013. Além disso, a trilha sonora do filme se tornou uma das trilhas sonoras de filmes mais populares e inesquecíveis até hoje, alcançando a certificação 9 × Platinum. O filme ganhou um Oscar e um Globo de Ouro pela canção "Take My Breath Away". Uma sequência, "Top Gun: Maverick", foi lançada 36 anos depois, em 27 de maio de 2022.
Como já mencionei, muitos consideram "Top Gun" como um filme superestimado, já eu vou na contramão, o considero até como um filme subestimado. O longa foi muito importante pra sua época, lançou atores e atrizes, se tornou uma febre e foi completamente influente em várias mídias, marcou e moldou toda uma geração, fez história e deixou o seu legado que permanece vivo até hoje ("Top Gun: Maverick" que o diga). "Top Gun: Ases Indomáveis" é um verdadeiro clássico e um patrimônio dos anos 80. [19/01/2023]
"Elvis" é dirigido por Baz Luhrmann, escrito por Luhrmann, Sam Bromell, Craig Pearce e Jeremy Doner. Segue a vida do cantor e ator de Rock and Roll Elvis Presley, contada da visão de seu empresário, o coronel Tom Parker, cujo abuso financeiro dele é um ponto importante da trama.
O diretor Baz Luhrmann é conhecido por sua excentricidade, sua extravagância e sua grandiloquência em suas obras, como podemos comprovar em "Moulin Rouge" (2001) e a sua versão de "O Grande Gatsby" (2013). Já em "Romeu + Julieta" (1996) o diretor traz a sua versão dessa obra shakespeariana mostrando um olhar romântico porém mais modernizado. "Austrália" (2008) não tem jeito, na minha humilde opinião é o pior filme do diretor. Dito isso, o que eu poderia esperar de uma cinebiografia do Rei do Rock pela direção de Baz Luhrmann?
Eu posso afirmar que é muito complicado você contar (ou abranger) uma história de mais de 20 anos em pouco mais de duas horas e meia. Esse é o maior desafio (e ao mesmo tempo a maior falha) que encontramos na cinebiografia do Elvis, pois é complicado você condensar toda uma história de vida e música em apenas um longa-metragem. Em 2018 tivemos essa mesma experiência com "Bohemian Rhapsody", que trouxe a biografia de um dos maiores artistas de todos os tempos, mas que no final nos deixou com uma sensação de faltou um algo a mais, faltou fôlego, faltou coragem e ambição para nos entregar uma obra que mergulhasse mais na história de Freddie Mercury. E foi com esta mesma sensação que eu fiquei ao subir dos créditos de "Elvis".
O longa já inicia no estilo Baz Luhrmann, com o símbolo da Warner Bros transvestido de brilhos e lantejoulas no maior estilo dos magníficos trajes do Elvis. Baz nos entrega um filme lindo, dançante, contagiante, vibrante, pomposo, virtuoso, empregando toda a sua freneticidade e excentricidade que já estamos acostumados. E todas essas qualidades casam perfeitamente com a personalidade do Elvis, pois o Elvis era um artista excêntrico, energético, megalomaníaco, colossal, estratosférico, seus shows eram verdadeiros espetáculos, cheio de cores, luzes, magia, com figurinos exóticos e luxuosos, e em ambientes que eram um verdadeiro delírio para os fãs (principalmente as mulheres). Dentro desse contexto eu acredito que o Baz Luhrmann foi a escolha certa para a direção, pois ele realmente sabe criar toda uma atmosfera, todo um universo, toda uma magia que nos impacta com a grandeza do Elvis e dos seus espetáculos.
Baz Luhrmann opta por inicialmente nos contar a história do Elvis de forma mística, trabalhando a mística do personagem, construindo todo um clima misterioso que envolve uma forma de não revelar a face do Elvis nos primeiros minutos do filme, algo como uma preparação para o público para revelar o grande momento do seu primeiro show. E o primeiro contato do show já é um verdadeiro espetáculo, já emociona em nos mostrar o impacto cultural que ele teve. Partindo desse princípio da mística inicial do personagem, temos também o primeiro contato do Coronel Tom Parker com o Elvis, que mostra a forma como o Coronel vê o Elvis e o avalia. Claramente o Coronel viu algo diferente no Elvis, algo como a sua apresentação, a sua forma de cantar, o seu figurino, o jeito que ele requebrava no ritmo da música. Tudo isso impressiona o Coronel e ele vê em Elvis a grande chance da sua vida, em outras palavras, uma verdadeira mina de ouro.
O longa realmente não foge daquela estrutura narrativa de filmes biográficos, que é contar desde as suas origens até ao estrelato, desde a sua ascensão até sua queda, porém aqui temos uma camada adicional, que é justamente o ponto de vista que o filme nos dá, que é contado (e narrado) pela perspectiva do Coronel Tom Parker. Dessa forma vamos vivenciando toda a história de vida e música do Elvis pela versão do Coronel. Dentro desse universo temos os dois lados da moeda, como um filme musical contagiante, vibrante, apaixonante, por outro lado temos a construção e o desenvolvimento dramático, do relacionamento promissor ao desgastante e corrosivo do Elvis com seu empresário. O longa nos passa como era o relacionamento do Coronel com o Elvis aos olhos de outras pessoas (como a própria família do Elvis), ao mesmo tempo vamos conhecendo e desvendando a relação tumultuada, complexa e abusiva que ia se criando entre eles. Vamos descobrindo os podres do Coronel, como o abuso financeiro que ele obrigou o Elvis a se submeter.
A narrativa quer nos passar que o Coronel é o grande vilão por trás da história do Elvis, mas o interessante é notar que o próprio Coronel se recusa a acreditar nessa possibilidade, e dentro desse contexto a narrativa funciona, principalmente quando nos deparamos com os embates do Coronel com o Elvis em relação a vontade que o artista expressava em realizar apresentações fora dos Estados Unidos. E este é um ponto muito interessante na trama, pois pra quem não conhece a história do Elvis pode se perguntar se isso realmente aconteceu na carreira do astro.
Outra parte muito interessante do filme é a forma como ele nos passa como Elvis enfrentou o fato de tentarem mudar (ou moldar) a sua personalidade musical...como o fato de tentarem proibir que ele se requebrasse durante suas apresentações musicais, algo que já era uma marca registrada e incrustrada nele - Elvis era um verdadeiro Showman! Outro ponto: a sociedade não via com bons olhos o envolvimento do Elvis com pessoas negras (como o próprio envolvimento dele com o B. B. King), pois a música negra era rejeitada e proibida de tocar nas rádios e nos estabelecimentos públicos, era considerada selvagem e de contexto sexual. Por outro lado o filme nos elucida sobre as influências musicais do Elvis, em como ele misturou vários gêneros, em como ele compôs toda essa mistura de ritmos, e isso é perfeitamente bem retratado sobre o efeito que o show do Elvis causava no público.
O maior destaque e a cereja no topo do bolo de Baz Luhrmann é sem dúvida o Austin Butler. Austin começou a sua carreira em seriados como "Zoey 101", "Hannah Montana" e "iCarly", e agora posso afirmar sem nenhum receio que estamos diante do seu melhor (e maior) trabalho da carreira, da sua melhor atuação da vida. É realmente impressionante a personificação de Elvis Presley de Austin Butler, por sua caracterização, seus trejeitos, suas expressões faciais, sua voz (que se assemelha muito com a do Elvis), sua postura no palco, sua forma de cantar, toda sua veia performática e todo seu exibicionismo musical. Um verdadeiro show, um verdadeiro espetáculo nas proporções do verdadeiro Elvis, conseguindo exibir toda a sua magnitude, e olha que o Austin nem é assim tão idêntico ao Elvis, mas ele nos convence e nos ganha por incorporar tão bem o personagem ao ponto de você passar a acreditar que o Austin Butler é realmente o Elvis Presley. Austin Butler foi merecidamente premiado com o Globo de Ouro de Melhor Ator em Filme Dramático.
O grande Tom Hanks nos traz mais uma vez a figura de um personagem enigmático, controverso, intrigante. O Coronel Tom Parker era um homem de negócios, tinha ideias valiosas de como o artista poderia alcançar o estrelato. E foi esta ideia que ele incorporou no Elvis, porém da sua maneira de pensar e agir, e a verdade é que, dessa forma, ele foi destituído de todo o crédito que teve na carreira de Presley. Com relação a atuação de Tom Hanks, eu achei uma premissa boa porém muito carregada, com um personagem muito caricato, muito canastrão, até seu sotaque é um tanto quanto esquisito (não sei se o verdadeiro Coronel tinha aquele sotaque). A própria maquiagem está muito carregada, muito transformada, porém em todos os momentos não deixamos de ver que de fato é a figura do Tom Hanks ali, algo totalmente diferente do Austin Butler por exemplo. Mas de qualquer forma ele entrega um personagem bem condizente com o que o filme precisava. Tom Hanks já havia interpretado um imitador de Elvis em "Elvis Ainda Não Morreu" (2004).
No centro da jornada da vida de Elvis está uma das pessoas mais importantes e influentes, Priscilla Presley, aqui magnificamente bem interpretada pela Olivia DeJonge. Conheci a Olivia no filme "A Visita" (2015) do M. Night Shyamalan, naquela época bem novinha, com apenas 16 aninhos. Como Priscilla Presley Olivia DeJonge tem uma excelente atuação, muito bem performada nas cenas que lhe exigia uma carga mais dramática. E olha que a própria Priscilla Presley gostaria que a Lana Del Rey a interpretasse no filme. Havia rumores de que a própria Lana Del Rey queria o papel de Priscilla no filme, no entanto, esses rumores não foram confirmados. Apesar dos desejos de Priscilla, a Olivia DeJonge assumiu o papel e na minha opinião ela foi perfeita.
A trilha sonora está bem mesclada, as músicas se encaixam bem na história, apesar de achar que o filme tem poucos sucessos do Elvis, achei que deveria ter mais. Apesar das suas 2h 39min, eu achei o ritmo do filme muito acelerado, muito frenético (estamos falando de Baz Luhrmann né), parecia um videoclipe, a narrativa ia de forma interrupta que não conseguíamos sentir o peso de alguns acontecimentos importantes (como no caso da própria morte da mãe de Elvis). Tem muitos acontecimentos que foram resumidos, reduzidos, não tiveram o verdadeiro peso e atenção que mereciam. Por exemplo: a morte de Elvis, que claro foi muito jovem, e seu envolvimento com drogas, remédios, sua degradação física baseada nesses acontecimentos, que não teve um peso para nós espectadores. Algumas passagens de tempo eu achei bem inverossímil, como o caso do Austin não envelhecer, não parecer que tínhamos saltos de anos, de décadas, não se preocuparam em dar uma atenção maior nesse quesito com maquiagens e algumas técnicas.
"Elvis" foi um sucesso comercial e de crítica, arrecadando $ 286 milhões em todo o mundo contra seu orçamento de $ 85 milhões, além de ser o segundo filme biográfico musical de maior bilheteria de todos os tempos, atrás de "Bohemian Rhapsody" e o quarto filme produzido na Austrália com maior bilheteria. O American Film Institute nomeou "Elvis" um dos dez melhores filmes de 2022. No Globo de Ouro, recebeu três indicações, incluindo Melhor Filme - Drama, e recebeu sete indicações no Critics' Choice Awards, incluindo Melhor Filme.
"Elvis" é uma ótima cinebiografia dessa monstruosa personalidade. Tem uma energia incrível, uma vibe deliciosa, sendo completamente inevitável não se contagiar e não se deixar levar por toda magia que o filme te envolve e te proporciona. Uma obra dinâmica, sagaz, frenética, contagiante, apaixonante, cheia de cor, graça, dança, música, luz, espetáculo. Por outro lado a mescla com toda parte dramática é bem dosada e bem inserida na trama, apesar de faltar alguns pontos que mereciam maiores destaques e maiores relevâncias, para nos dar ainda mais a dimensão do que o Elvis foi para toda história da humanidade. Um fenômeno. Um ícone. Uma lenda. O artista solo que mais vendeu disco de todos os tempos. Seu legado, sua influência na música e na cultura continuará para todo o sempre. O Rei do Rock. Senhoras e senhores - Elvis Aaron Presley. [14/01/2023]
R.I.P Lisa Marie Presley ☆ 01/02/1968 ✟ 12/01/2023
"O Menu" é dirigido por Mark Mylod, escrito por Seth Reiss e Will Tracy, baseado em uma história original criada por Tracy e produzido por Adam McKay, Betsy Koch e Will Ferrell. Apresenta um elenco que inclui Ralph Fiennes como um chef famoso com Hong Chau interpretando sua assistente e Anya Taylor-Joy, Nicholas Hoult, Janet McTeer, Reed Birney, Judith Light e John Leguizamo interpretando clientes que frequentam seu excêntrico restaurante exclusivo.
O diretor britânico Mark Mylod é mais conhecido por seu trabalho nas séries de televisão "Succession", "Game of Thrones" e "Shameless". De fato ele sempre esteve mais envolvido com séries do que com longas-metragens. Dessa forma se criou uma grande dúvida e uma grande expectativa em como seria seu mais novo filme, o que ele poderia nos entregar.
Sendo bem sincero, o longa de Mark Mylod é requintado, é luxuoso, é extravagante, e muito pelo fato de estarmos falando de um tema que por si só já traz todo um requinte, uma beleza estética, um charme, que é justamente os mais variados pratos do menu do conceituado Chefe Julian Slowik (Ralph Fiennes). Também podemos considerar que o roteiro de Seth Reiss e Will Tracy nos confronta com a possibilidade de estarmos vivenciando um jantar em um local muito caro e muito conceituado, algo que funciona como uma analogia aos nossos próprios conceitos e desejos, afinal de contas, quem nunca desejou jantar em um restaurante caro, chique e com um renomado Chefe?
Partindo desse princípio, o roteiro nos confronta com o belo cenário do restaurante em uma ilha paradisíaca, onde a própria fotografia surge muito bela e com enquadramentos em diversos ângulos para nos situar e nos envolver naquele ambiente em que a trama está sendo desenrolada. Esse caminho que o roteiro decide desenvolver e percorrer durante toda sua apresentação inicial é muito sutil e funciona perfeitamente, até com o próprio desenvolvimento e apresentação dos personagens. Cria-se uma atmosfera misteriosa, estranha, sombria, intrigante, enigmática, ambígua, passamos a construir várias possibilidades do que realmente está por trás daquele local, daquelas pessoas, daquela estranha assistente e, principalmente, daquele exótico Chefe.
Mas do que realmente o filme fala? O que ele aborda? O que ele quer nos passar? Somos jogados dentro daquele ambiente e daquela história onde inevitavelmente irá surgir inúmeras dúvidas, inúmeras possibilidades, inúmeras interpretações, inúmeras alusões, o que nos resta é tentar desvendar o que realmente está por trás de "O Menu".
"O Menu" funciona como um suspense, um drama (em alguns personagens), um terror e principalmente como uma comédia de humor negro. Temos aqui uma sátira sutil e ao mesmo tempo complexa, que de certa forma traz uma crítica ácida para os pseudo-intelectuais, ou as pessoas que se julgam mais inteligentes, mais dominantes de certos temas, algo como uma crítica para os críticos em diversas formas, até para os próprios gastronômicos. Também podemos considerar como uma crítica de forma fria, leve, porém muito seca e muito ácida para toda arte gastronômica, especificamente para a gastronomia de restaurantes mais exóticos e mais gourmetizado (em outras palavras mais frescos mesmo), onde a principal preocupação é exibir pratos como arte, como troféus, algo como "o jantar da sua vida", e não voltado para o que deveria ser o principal propósito de um restaurante, que de fato é se satisfazer com a comida.
"O Menu" é um filme nonsense, fora do habitual, fora do convencional, onde temos uma demonstração de toda fragilidade e vulnerabilidade humana de uma forma exótica, disfuncional, indigesta, catastrófica, irracional, onde seu principal tempero é a sátira. Por outro lado toda essa sátira e essa crítica pode nos soar como uma comédia, ou algo tragicômico, pois de fato o filme está nos criticando, está apontando o dedo em algo que fazemos corriqueiramente dentro do nosso cotidiano, enquanto isso está nos divertindo de uma forma fora do convencional e até bizarra - é bem loco!
Também podemos notar críticas ao consumismo, ao classicismo, a futilidade, a inveja, a arrogância, a desigualdade social e ao egocentrismo. Temos vários personagens na trama que fazem questão de demonstrar todo o seu egocentrismo...como no caso do Tyler (Nicholas Hoult), que não tem nenhuma preocupação de levar a Margot (Anya Taylor-Joy) para o que seria o seu último jantar antes de sua morte, e unicamente por endeusar o Chefe Slowik e querer ser notado por ele a qualquer custo. O próprio Chefe Slowik é uma pessoa egocêntrica, por ter seus pensamentos e suas imaginações totalmente voltadas para si próprio, onde sua própria visão e seus conceitos o impedem e o deixa completamente incapaz de se colocar no lugar de outra pessoa.
Uma jogada de mestre do roteiro foi reunir em um mesmo ambiente um grupo de pessoas distintas na sociedade porém privilegiadas para provarem o menu exótico do restaurante. Temos empresários fraudulentos, uma crítica gastronômica que perdeu o senso do que é ser uma verdadeira crítica gastronômica, um ator que perdeu o rumo de sua carreira ao optar atuar apenas em projetos para o seu próprio bem lucrativo, pessoas fúteis que não servem para nada ali a não ser para serem os piões no jogo do Chefe Slowik, e um empresário arrogante, perdido e vazio de si próprio ao ponto de já ter frequentado o restaurantes várias vezes mas sequer se lembrar de um prato que saboreou. É muito interessante notar que filme reuniu todas essas personalidades distintas para fazer uma crítica social para o próprio trabalho de cada um ali presente - genial!
Dentro desse contexto temos o ponto fora da curva, o indivíduo que não pertence a um grupo determinado, o verdadeiro desprazer do Chefe Slowik. Margot era uma acompanhante de luxo que não tinha nada a ver com aquele universo, com aquele ambiente e com aquelas pessoas. Ela estava ali unicamente pela prepotência e o egocentrismo de Tyler em querer ser uns dos presentes no restaurante Hawthorne, pois as reservas só poderiam ser efetivadas para duas pessoas. Dessa forma a presença de Margot era considerada como uma ameaça para o Chefe Slowik, pois ela não estava na lista e o Chefe era todo meticuloso e minimalista no preparo dos seus pratos para cada personalidade que ele sabia que estaria presente naquele momento. Por outro lado a Margot sempre contestava o Chefe e desvalidava os seus pratos que ele chamava de artes culinárias, o que podemos notar claramente na cena em que ela diz não estar satisfeita com os pratos requintados e pedir um hambúrguer com batatas fritas. Esta cena funciona como uma arte de libertação para o próprio Chefe Slowik, pois o pedido do hambúrguer agia em sua mente como uma memória boa da época em que ele trabalhava em uma hamburgueria. Isso soou como algo simples na mente de um Chefe hoje renomado, requintado, conceituado, porém completamente fútil, raso e vazio. Essa foi a forma genial que a Margot encontrou para se libertar daquele ambiente hostil.
Anya Taylor-Joy (a dona do meu coração, que recentemente esteve presente em "O Homem do Norte") é a personificação da Margot, pois essa personagem lhe caiu como uma luva e ela tem todo um charme, uma técnica, uma habilidade para atuar em personagens tensos, carregados, que lhe exige uma aura misteriosa, intrigante e ambígua (Vide a Thomasin de "A Bruxa"). Anya atua com a alma e o coração, sempre nos surpreende pela sua técnica, pela sua entrega, pela sua leveza em construir personagens que conversam com o espectador (como no caso da Sandie em "Noite Passada em Soho"), e aqui temos mais uma performance em alto nível, com uma personalidade que se demonstrava passiva e agressiva, onde até seu figurino condizia perfeitamente com todo seu universo na trama. Anya Taylor-Joy é uma atriz perfeita!
Ralph Fiennes (eterno Lord Voldemort) é um poço de mistério na pele do excêntrico Chefe Slowik. Fiennes atua com uma leveza invejável, sempre conduzindo aquela postura sisuda, misteriosa, inabalável, sempre preso dentro do seu universo, como um ser exótico, egocêntrico, inatingível, imponente, dominador, cheio de regras, de conceitos, que nunca sorri, que não expressa emoções, que não demonstra reações, verdadeiramente uma pessoa fútil, vazia, completamente morta por dentro. Uma atuação completamente impecável do mestre Ralph Fiennes!
Nicholas Hoult (recentemente esteve em "Aqueles que me Desejam a Morte") faz muito bem a figura do Tyler, como uma pessoa irritante, intragável, invejosa, que só olha para o seu próprio umbigo e só pensa em si próprio. Temos que enaltecer a atuação do Nicholas Hoult, pois ele consegue fazer o espectador pegar ranço do seu personagem instantaneamente. Eu acho o Nicholas Hoult um bom ator mas eu o considero muito subestimado no mundo hollywoodiano. Houng Chau (da série "Homecoming") é a personagem mais intragável do início da história, pois toda aquela postura de recepcionista robotizada chegava a irritar (a cena da luta dela com a personagem da Anya é uma das melhores partes do filme).
No Globo de Ouro "O Menu" foi indicado em duas categorias: Melhor Ator em Filme de Comédia ou Musical (Ralph Fiennes) e Melhor Atriz em Filme de Comédia ou Musical (Anya Taylor-Joy).
"O Menu" é filme que surpreende pela sua ousadia em navegar pelo suspense, pelo terror, pela tragicomédia, nos elucidando com sátiras, com críticas ácidas e pertinentes, com críticas sociais enraizadas nas entrelinhas do roteiro. Uma obra extravagante, protuberante, analítica, que mostra uma verdadeira quebra de estereótipos em um thriller gastronômico com um tempero satírico e indigesto. Um verdadeiro deleite! Um verdadeiro show! [12/01/2023]
"TÁR" é escrito, produzido e dirigido por Todd Field e estrelado por Cate Blanchett. É o primeiro filme do diretor desde o lançamento do excelente "Pecados Íntimos" (2006). O filme mostra a queda de uma compositora e maestrina, Lydia Tár.
Lydia Tár - uma renomada maestrina e compositora no mundo internacional da música clássica. Uma das figuras mais importantes da música nos tempos atuais. Formada com habilitação em piano clássico. Ela tem PhD em musicologia na universidade de Viena. É especializada na música indígena. Como regente ela iniciou sua carreira na Orquestra de Cleveland, depois ocupou cargos importantes na Orquestra da Filadélfia, na Orquestra Sinfônica de Chicago e de Boston, até chegar na Filarmônica de Nova York. Lydia Tár já compôs para o teatro e para o cinema e é uma "EGOT", por ganhar os quatros principais prêmios do entretenimento - o Emmy, o Grammy, o Tony e o Oscar.
Como podemos observar, Lydia Tár é um verdadeiro fenômeno, uma das figuras mais importantes da história. É óbvio que todos nós vamos nos perguntar quem definitivamente é Lydia Tár, se de fato ela é uma pessoa real. Inúmeras perguntas vão surgir. É muito curioso como o longa de Todd Field tem sido vendido como um filme biográfico, com a mídia e os telespectadores falando sobre Lydia como se ela fosse uma pessoa real. E contando com as inúmeras cinebiografias que tem sido lançadas nos últimos anos, o apelo de ver uma dramatização de fatos reais tem sido cada vez maior.
Dentro desse contexto surgi "TÁR", uma cinebiografia baseada em uma personalidade fictícia - mas como assim? É possível? O roteiro escrito por Todd Field é de uma genialidade incrível, nos impressiona como toda história da vida de Lydia é nos passado, e de uma forma verdadeira, que transmite veracidade em cada fato apresentado. A forma como o roteiro começa a nos apresentar quem é a Lydia Tár e como surgiu todo esse fenômeno é instigante, é impressionante, com um misto de confuso e complexo. Vamos acompanhando todo o drama da vida, do legado e da queda dessa premiada diretora/compositora. É muito interessante de acompanhar como ela vai do estrelato ao fundo do poço (praticamente), como o roteiro faz questão de compartilhar a forma que se deu sua trágica história e como ela perdeu tudo.
O roteiro brilha por nos obrigar a querer desvendar e entender quem é esta figura tão renomada e tão cultuada. E muito por observarmos como a Lydia serve de base de inspiração, serve como mentora e modelo para várias mulheres jovens que desejam ingressar nesse mundo dos maestros, o que geralmente é uma carreira predominantemente dominada por homens. Este já é um ponto bastante curioso, a maneira como Lydia se comporta dentro desse ambiente, a forma como o filme exibe os paradoxos e vícios do poder no mundo artístico. O longa toca exatamente nesse ponto e levanta questões sobre a moralidade da arte e dos artistas, assim como a cultura do cancelamento e da exclusão.
É incrível como o roteiro nos mergulha em um verdadeiro drama psicológico, nos estabelece em um universo complexo e desafiador, nos apresentando a queda, a perda, a degradação e a descaracterização de Lydia Tár. Lydia era um ser humano brilhante, genial, mas ao mesmo tempo era autodestrutiva, uma bomba relógio. O comportamento inadequado de Lydia com suas ex-alunas, a forma como sua carreira e sua vida pessoal se desmorona quando sua esposa a deixa com sua filha adotiva. Tudo vai acontecendo em sua vida e colocando seu mundo de cabeça para baixo. Na medida que ela tenta controlar sua vida ela vai lentamente sendo destruída, ela vai perdendo o controle sobre toda situação, sua máscara cai, seus segredos vão sendo revelados, sua natureza abusiva e corrosiva do poder começam a vir à tona. Aquela típica expressão cair do pedestal se encaixa perfeitamente aqui.
"TÁR" é aquele típico filme feito para a sua protagonista brilhar, no caso aqui, a maravilhosa e impecável Cate Blanchett. Cate carrega o filme nas costas e nos mostra a verdadeira personificação da Lydia Tár. Temos aqui um excelente estudo de personagem, um excelente estudo do alter ego, pois a própria Lydia se depositava a máxima confiança, se identificava como uma segunda personalidade através de uma espécie de múltiplas identidades. É incrível como a Cate incorporou uma personagem com múltiplas facetas, com múltiplas camadas, que era leve como uma pena e ao mesmo tempo pesada como uma rocha. Uma atuação grandiosa, precisa, compenetrada, requintada, elegante, com um gestual maravilhoso, com uma linguagem corporal absoluta, com expressões faciais incríveis, com uma performance que ia do encantamento ao espanto, do surpreendente ao incrédulo, do mágico ao morto, da alegria à dor e da singularidade ao avassalador. Eu nunca me canso de elogiar às atuações da Cate Blanchett, pois ela é uma atriz incrível, uma atriz maravilhosa, uma atriz talentosíssima, que sempre entrega trabalhos impecáveis, grandiosos, que sempre foi consagrada e premiada pelas inúmeras personagens memoráveis que fez ao longo da sua invejável carreira cinematográfica. Todd Field disse que escreveu o roteiro especificamente para Cate Blanchett e que, se ela dissesse não, "o filme nunca teria visto a luz do dia" - eu concordo plenamente com esta decisão.
Tecnicamente o longa de Todd Field beira a perfeição! Começando pela maravilhosa trilha sonora da compositora islandesa Hildur Guðnadóttir (que é citada no filme como uma personalidade que já trabalhou com a Lydia Tár). Em um filme onde temos todas as atenções voltadas para os números musicais, é praticamente impossível a trilha sonora não se destacar, não se sobressair, e aqui é exatamente o que acontece...com uma trilha sonora perfeita e muito bem encaixada, que dava ainda mais destaque e dinâmica para as cenas performáticas da Lydia Tár. A fotografia salta aos nossos olhos em cada cena, em cada detalhe de estética e de enquadramento, méritos todos do alemão Florian Hoffmeister ("Segredos Oficiais"). A direção de arte também é um charme de qualidades e detalhes, que exemplificam ainda mais os cenários e engloba a cenografia, figurino, maquiagem e efeitos.
"TÁR" estreou no 79º Festival Internacional de Cinema de Veneza em setembro de 2022 e foi aplaudido de pé por seis minutos pelo público, onde a Cate Blanchett ganhou a Copa Volpi de Melhor Atriz. Teve um lançamento limitado nos cinemas nos Estados Unidos em 7 de outubro de 2022, antes de um amplo lançamento em 28 de outubro, pela Focus Features. O longa foi aclamado pela crítica especializada, que elogiou a performance de Blanchett, a direção e roteiro de Field, e sua cinematografia, edição e design de som. Tanto o New York Film Critics Circle quanto a Los Angeles Film Critics Association o consideraram o melhor filme de 2022, e foi considerado um dos melhores do ano pelo American Film Institute. No próximo Globo de Ouro, o filme recebeu indicações para Melhor Filme - Drama, Melhor Roteiro e Melhor Atriz em Filme - Drama (merecidamente para a Cate Blanchett). No Critics Choice Awards o longa foi nomeado em 7 categorias, incluindo Direção, Atriz e Melhor Filme. O longa-metragem foi nomeado "Melhor Filme do Ano" pela Vanity Fair, The Atlantic, Variety, The Hollywood Reporter, Entertainment Weekly, e pela pesquisa anual da IndieWire com 165 críticos em todo o mundo.
Apesar das críticas positivas, o filme arrecadou US$ 5,6 milhões contra um orçamento combinado de produção e marketing de US$ 35 milhões. O marketing de pré-lançamento de "TÁR", junto com o uso de críticos da vida real como Adam Gopnik no filme falando do personagem central como uma pessoa real, deixou a impressão de que o filme era uma cinebiografia tradicional sobre um maestro real e não uma obra de ficção.
Todd Field nos entrega uma cinebiografia fictícia extraordinária. "TÁR" é um filme filosófico, um drama psicológico que vai sendo construído com o passar do tempo e vai sendo desenvolvido com os acontecimentos que permeia a vida de Lydia Tár. Realmente é um filme difícil de ser digerido e interpretado, principalmente em sua primeira hora, onde temos um roteiro mais centrado na apresentação e desenvolvimento da história da Lydia Tár, onde necessariamente vai exigir mais paciência e mais concentração do espectador, onde fatalmente pode cansar outros que não tenham essa paciência. Mas por outro lado temos um excelente drama biográfico, uma produção rica em temas pertinentes em nosso cotidiano, como é o caso da abordagem sobre a cultura do cancelamento, que atualmente está em bastante evidência. "TÁR" é um filme mais seco, mais cru, mais pesado, mais intimista, que aborda temas como o estudo de personagens e o alter ego entre suas mais variadas camadas, dentre elas a obsessão pela arte perfeita e a imposição corrosiva do perfeccionismo - algo que está ligado diretamente e me remete para duas obras-primas geniais - "Whiplash" e "Cisne Negro". "TÁR" é uma experiência incrível! [06/01/2023]
"Sorria" é escrito e dirigido por Parker Finn em sua estreia na direção de longas-metragens, baseado em seu curta-metragem de 2020, "Laura Has not Slept". É estrelado por Sosie Bacon como uma terapeuta chamada Rose Cotter, que, após testemunhar o bizarro suicídio de um paciente, passa por experiências cada vez mais perturbadoras e assustadoras, levando-a a acreditar que o que está vivenciando é sobrenatural.
Temos aqui a nova aposta da Paramount na intenção de criar uma nova franquia de terror. Muito dessa questão também se deve ao fato do filme ter ido super bem nas bilheterias, arrecadando $ 216 milhões em todo o mundo contra um orçamento de $ 17 milhões. Ou seja, mesmo sem um grande elenco (além da Sosie Bacon), o estúdio fez um grande trabalho de marketing para divulgar sua nova produção. Para promover o filme antes do lançamento, os produtores começaram a colocar pessoas aleatórias em diferentes ambientes públicos exibindo o sorriso perturbador do filme, inclusive atrás da home plate em vários jogos da Major League Baseball e até mesmo durante uma transmissão do "Good Morning America" da ABC. Logo todo esse trabalho de divulgação transformou o filme em uma nova febre na internet, pois a principio a Paramount originalmente fez o longa-metragem como um filme de streaming e planejava estreá-lo apenas no Paramount +. Mas o filme foi exibido para o público de teste e as pontuações foram ainda mais altas do que o previsto, levando a Paramount a dar ao filme um lançamento nos Estados Unidos. O que um grande trabalho de marketing não faz.
Mesmo sem experiências em longas-metragens, o diretor Parker Finn mostra toda sua autenticidade na estética de criar cenas apavorantes, intrigantes, que mexem com o nosso psicológico e nos perturba em determinados pontos. Por outro lado eu acredito que a sua falta de experiência implica diretamente em sua forma adotada na hora de nos confrontar com sua história, por me parecer que ele ainda não encontrou o seu estilo próprio e acaba ficando perdido em sua própria trama.
Eu divido o filme em duas partes distintas; a primeira hora que é muito boa e a segunda hora que é totalmente trágica. A forma como Parker Finn decide começar a abordar a sua história é perfeita, por nos passar uma trama que navega no terror sobrenatural, no suspense psicológico, que flerta diretamente com o mistério, com o lúdico, com o oculto, algo mais ligado com a relação da mente humana e suas variações perturbadoras, e as causas que isso podem implicar em cada um. Pois de fato o longa começa como um terror psicológico ligado ao luto, a superação e doenças mentais. Um dos traumas da protagonista é exatamente ter presenciado o suicídio da própria mãe quando era criança. Ela faz de tudo para seguir em frente, inclusive ser tornar médica para ajudar outras pessoas a enfrentar situações como a que ela passou.
Realmente a premissa é muito boa e muito instigante, pois todo tratamento que o roteiro decide nos envolver condiz com cada fato bizarro que acontece após o choque da protagonista com o suicídio da vítima. E partindo do princípio do trauma que a protagonista sofreu quando criança, isso passa a ser base de justificativas das pessoas ao seu redor para seu provável estado de perturbação e loucura. Este é um ponto bastante incisivo na história, o fato de começarmos a lidar com o surto psicótico, com a perda da sanidade mental, tudo sendo progressivamente bem dosado em cada parte da história.
Porém, na segunda parte do filme é onde o roteiro desanda, o diretor perde a mão e a qualidade despenca drasticamente. Toda ambientação misteriosa e psicológica que foi muito bem utilizada na primeira parte é deixado de lado para dar espaço para o terror genérico. Pois como acompanhamos: o longa conta a história de uma maldição que assombra suas vítimas se manifestando através de um sorriso assustador. Quando estamos nos encaminhando para o final, esperamos que a protagonista se liberte da entidade, ou ainda escolha assassinar alguém antes que a maldição a faça cometer suicídio. De certa forma, até podemos teorizar que devido à sua diferença de comportamento, a entidade é um colecionador de almas, consumindo rapidamente suas vítimas e passando para a próxima, só ganhando mais força com cada uma (algo no estilo do filme "Corrente do Mal").
Dessa forma eu acredito que o diretor inicialmente quis construir uma atmosfera mais misteriosa e mais psicológica para nos ambientar sobre a proposta da sua entidade, porém na segunda parte ele já desisti do psicológico e do misterioso para entrar de cabeça no clichezão, no terror genérico, no terror pastelão. Por isso eu reitero que o diretor ainda não se decidiu em qual estilo adotar dentro do subgênero terror, pois enquanto seu estilo ainda estava no terreno do sobrenatural, do suspense, do psicológico, ainda estava aceitável, mas logo após ele perde a mão e começa a adotar a forçação de barra em cima dos jumpscare, das aparições de figuras demoníacas afim de forçar o susto gratuito, de impressionar.
É realmente incrível como o filme perde toda a sua relevância na segunda hora, como ele passa a usar uma máscara de terror psicológico quando na verdade não passa de um terror genérico que se disfarça de sobrenatural. Sem falar do pouco (ou nenhum) desenvolvimento sobre a mitologia da maldição, como no caso dos sorrisos e de toda parte mística que se criou em volta da história. Outro ponto: o roteiro embarriga demais pra contar uma história simples e bem aquém do foi proposto incialmente. Aquele típico encheção de linguiça, onde 1h30m era mais do que suficiente para o desenrolar desse roteiro pífio e genérico. Por falar em genérico, seria completamente impossível não mencionar as inúmeras semelhanças de "Sorria" com os filmes "Corrente do Mal" e "O Chamado".
Sosie Bacon (a filha de Kevin Bacon que recentemente esteve na série da HBO Max, "Mare of Easttown") traz uma personagem que possui seus traumas de infância e luta diariamente contra eles. Rose é uma psicóloga que inicialmente tenta se manter centrada em sua função perante sua paciente, mas aos poucos vamos acompanhando a sua degradação psicológica, a perda da sua sanidade, se tornando uma pessoa mentalmente desequilibrada e aterrorizada. Sosie Bacon tem uma atuação ok, nada surpreendente ou fora do comum, apenas uma atuação ok que condiz com a proposta imposta pelo roteiro. Dentro dessas condições ela segura bem a sua personagem. Quem me chamou muito atenção foi a participação da atriz Caitlin Stasey (da série "Please Like Me"). Aquela cena inicial me surpreendeu pela sua interpretação tenebrosa, sádica e maquiavélica, principalmente com aquele sorriso maligno estampado em seu rosto - sensacional!
Por fim: "Sorria" é mais um filme de terror com um grande potencial completamente desperdiçado e subaproveitado. O longa parte de uma premissa muito interessante ao abordar um terror sobrenatural envolto em um suspense psicológico, mas tenta ser mais do que pode ao usar o terror psicológico como metáfora para mascarar um terror genérico e pastelão afim de impressionar e causar medos reais. Aquela típica Coca-Cola de 3L, que começa boa mas na metade já perdeu completamente o gás. [05/01/2023]
"Os Fabelmans" é dirigido por Steven Spielberg e escrito e produzido por Tony Kushner e Spielberg. É uma história semiautobiográfica vagamente baseada na infância e adolescência de Spielberg e nos primeiros anos como cineasta, contada por meio de uma história original do fictício Sammy Fabelman, um jovem aspirante a cineasta que explora como o poder dos filmes pode ajudá-lo a ver a verdade sobre sua disfuncional família e as pessoas ao seu redor. O filme é dedicado às memórias dos pais da vida real de Spielberg, Leah Adler e Arnold Spielberg, que morreram em 2017 e 2020, respectivamente.
É inegável que o mestre Steven Spielberg é um dos maiores diretores de toda a história dos cinemas. Ao longo da sua premiada e respeitada carreira ele já nos brindou com inúmeras obras-primas, como o clássico "Tubarão" (1975), "E.T. - O Extraterrestre" (1982), "Jurassic Park" (1993), "O Resgate do Soldado Ryan" (1999), "Cavalo de Guerra" (2011) e a sua maior obra-prima de toda a carreira - a pérola cinematográfica de todos os tempos, "A Lista de Schindler" (1993). Sem falar em seu último filme, "Amor, Sublime Amor" (2021), que é um excelente remake musical. Obviamente faltava uma biografia cinematográfica do mestre, algo que está cada vez mais comum entre os diretores de Hollywood, como é o caso do Kenneth Branagh com "Belfast" no ano passado, James Gray com "Armageddon Time" também no ano passado e Alfonso Cuarón com "Roma" em 2018.
Temos aqui a obra mais intimista de Spielberg, o seu relato mais pessoal da carreira, o seu coming-of-age, que narra o seu amadurecimento, o seu aprendizado, que gira em torno da sua juventude e, ao mesmo tempo, vamos acompanhando o seu crescimento e todo o seu descobrimento. É muito lindo e muito peculiar acompanharmos todo magia e inocência do pequeno Sammy (Mateo Zoryna Francis-Deford) ao desvendar e descobrir todo o seu amor e seu encantamento pela arte, pelo cinema - aquela cena em que ele assisti o filme "O Maior Espetáculo da Terra" junto da sua família e depois recria a cena do trem com sua autorama locomotiva, é simplesmente uma das coisas mais belas e singelas que eu já assisti em um filme em toda a minha vida. Igualmente posso destacar aquela cena em que ele ganha a sua primeira câmera e vai se autodescobrindo com ela nas mãos, cuja cena também é belíssima e muito singular. Algo relatado pelo próprio Spielberg, que ganhou sua primeira câmera com apenas 12 anos de idade.
Como o longa se baseia nas memórias afetivas da infância do diretor, mais especificamente em um garoto vivendo no Arizona, passando pela adolescência do jovem aspirante a cineasta no centro da história, seria óbvio que teríamos uma abordagem sobre todo drama e conflito familiar da sua família judaica de classe média. O roteiro faz questão de nos apresentar todo o processo de formação de um cineasta, as rotinas no cotidiano familiar, o peso e a importância da figura central da mãe na construção subjetiva de um jovem, os valores e os conceitos familiares para a formação do caráter humano. Outro ponto que vale ressaltar, especificamente falando do peso dramático e da carga emocional que sempre encontramos nas obras do Spielberg, aqui realmente temos um filme que nos cativa, que nos emociona, que nos comove instantaneamente, que nos faz criar empatia e nos simpatizarmos com cada personagem em sua específica história dentro da trama - é genial!
Um ponto que eu considero um grande acerto do Spielberg, é o fato da forma como ele decide nos contar a sua a biografia, ou seja, indo direto ao ponto, sem criar uma grande novela, sem eventos melodramáticos, sendo mais objetivo em nos passar as verdadeiras ações e reações que basicamente constituem o cotidiano de nossas vidas. Como estamos diante de uma obra que narra o aprendizado, o conhecimento e consequentemente o descobrimento, é muito interessante a forma como o Sammy (agora já adulto, sendo vivido por Gabriel LaBelle) vai descobrindo que nem tudo está em seu controle. Como no caso da figura da sua mãe, que antes ele a encarava como uma espécie de super-heroína, de super protetora, porém ele vai descobrindo que ela também é vulnerável e também está propícia à falhas como todos nós. Outro grande destaque: os diálogos e monólogos internos que enfatizam algo que aconteceu no passado ou que ainda irão acontecer - como no caso da cena emblemática em que o Sammy está magoado com sua mãe e ela o pressiona para obter um diálogo com ele, onde ele simplesmente se comunica com ela através de um filme que ele gravou.
Outro ponto genial do roteiro de Spielberg e Kushner, é a forma como o filme se dividi em dois tons, em duas mensagens distintas, em duas partes que são diferentes mas que no final se conversam e se completam inteiramente. Estou me referindo na forma como recebemos inicialmente a história do pequeno Sammy, com toda aquela magia pelo descobrimento do amor pela sétima arte. Logo na segunda parte o filme muda totalmente de tom, de ambiente, ficando mais pesado, mais carregado, mais dramático, dado às circunstância pela qual a família está passando com o relacionamento conturbado do pai com a mãe. Realmente é um roteiro muito inteligente e muito bem construído, que consegue sair de uma magia e uma inocência para um drama carregado com um conflito familiar - nota 10 para o roteiro do filme.
Um grande filme merece um grande elenco, e "Os Fabelmans" trouxe um elenco à altura dessa obra maravilhosa de Steven Spielberg. Começando pela a melhor atuação de todo o filme...simplesmente Michelle Williams (recentemente em "Venom - Tempo de Carnificina"). Eu fiquei boquiaberto com sua performance, como todo espetáculo entregue, com a forma como ela vivenciou a personagem, completamente incrível e perfeito. Michelle personifica uma personagem que é vulnerável, que tem fragilidades, que tem ambiguidades, mas que ao mesmo tempo tem aquela projeção de carinho e de proteção de mãe pelo filho. Michelle Williams realmente tem uma atuação muito linda, extremamente rica em expressões faciais, em gestuais, em linguagem corporal, ela dá um verdadeiro show em cena. Linda, graciosa, meiga, mas ao mesmo tempo sofrida, carregada emocionalmente e com um peso dramático muito grande.
Paul Dano (recentemente em "Batman") sempre foi um ator de grande renome e grande destaque em seus trabalhos. Aqui Paul traz um personagem que também tem seus conflitos internos, seus traumas, também passa pelo seu processo de aceitação, de ressignificar suas relações. Obviamente a Michelle Williams tem a melhor atuação de todo o filme, mas o Paul Dano não fica atrás, também entrega um excelente trabalho. Gabriel LaBelle (da versão de 2018 de "O Predador") obviamente não está no mesmo nível da Michelle e do Paul, mas consegue segurar bem o seu personagem, consegue nos passar veracidade em suas cenas - como nas cenas em que ele contracena com a Michelle Williams. Mateo Zoryna Francis-Deford é uma fofura e uma graciosidade extrema ao interpretar o pequenino Sammy aos 7 anos. Completando com Seth Rogen ("Steve Jobs"), que tem um personagem com um papel fundamental na trama, e corresponde muito bem com ele - destaque para aquela bela cena em que o Sammy confronta com ele, seu tio.
Tecnicamente a obra de Spielberg tem uma perfeição que salta aos nossos olhos! Começando pelo excelente trabalho de câmeras do diretor, que se destaca pela leveza das cenas, pela a forma como sua câmera ganha vida própria ao passear pelos cenários, pelas expressões faciais de cada personagem - magnífico! A trilha sonora do gênio John Williams (pra mim o melhor compositor ainda vivo) é avassaladora, daquela que destrói com as nossas estruturas sentimentais e com os nossos corações (marcando sua 29ª colaboração cinematográfica com Spielberg). Uma fotografia belíssima, esplendorosa, significativa com todo propósito da obra - mais um trabalho perfeito de outro gênio, Janusz Kamiński.
Spielberg concebeu o projeto do filme com sua irmã Anne já em 1999, escrevendo um roteiro intitulado "I'll Be Home". Ele tinha ressalvas em explorar a história de sua família por causa da preocupação de que seus pais fossem feridos, e o projeto foi retido. Spielberg revisitou o projeto com seu roteirista e colaborador frequente Tony Kushner em 2019 enquanto eles trabalhavam em "Amor, Sublime Amor", e completou o roteiro no final de 2020. O desenvolvimento do filme começou oficialmente logo depois, com o elenco ocorrendo entre março e maio de 2021. As filmagens começaram em meio à pandemia em Los Angeles em julho de 2021.
"Os Fabelmans" teve sua estreia mundial no Festival Internacional de Cinema de Toronto em 10 de setembro de 2022, onde ganhou o People's Choice Award. Teve um lançamento limitado nos cinemas nos Estados Unidos em 11 de novembro de 2022 e foi expandido em 23 de novembro pela Universal Pictures. O filme foi amplamente aclamado pela crítica pelas atuações do elenco, direção de Spielberg, roteiro, cinematografia e trilha sonora de John Williams. Foi nomeado um dos dez melhores filmes de 2022 pelo National Board of Review e pelo American Film Institute, sendo o segundo filme consecutivo dirigido por Spielberg a receber essas honras depois de "Amor, Sublime Amor". No entanto, o filme foi uma decepção de bilheteria, arrecadando $ 9,7 milhões em um orçamento de $ 40 milhões, tornando-se o filme de menor bilheteria da carreira de Spielberg - uma pena.
O longa recebeu 5 indicações no Globo de Ouro: Trilha Sonora (John Williams), Roteiro (Steven Spielberg & Tony Kushner), Direção (Spielberg), Atriz (Michelle Williams) e Melhor Filme – Drama. Teve 10 indicações no Critics' Choice Awards: Trilha Sonora, Direção de Arte, Fotografia, Roteiro Original, Direção, Elenco, Ator Jovem (Gabriel LaBelle), Ator Coadjuvante (Paul Dano), Atriz (Williams) e Melhor Filme.
Ainda temos uma cena que conta com uma presença ilustre de ninguém mais ninguém menos que o grande cineasta David Lynch interpretando um dos maiores diretores de todos os tempos - o eterno mestre, o eterno gênio John Ford. O filme termina de forma épica e apoteótica, pois esta cena já se torna icônica unicamente por ilustrar e simbolizar o encontro entre um mestre do cinema (Steven Spielberg) com uma lenda da história do cinema e seu maior ídolo - John Ford. Belíssima homenagem de Spielberg para John Ford.
"Os Fabelmans" é uma verdadeira ode à paixão de Spielberg pela 7ª Arte, é também uma linda carta de amor a própria indústria e a arte de fazer cinema. Uma belíssima homenagem a toda magia, a todo encantamento, a toda peculiaridade de um verdadeiro artista em sua forma mais plena e sublime. Pois Spielberg relembra-nos que quem faz cinema é um artista e também sofre como um artista, luta pela sua arte e luta para sempre atuar na arte que tanto ama. Obrigado Steven Spielberg por compartilhar conosco esta cinebiografia linda, inspiradora, encantadora, primorosa e singela, nos atingindo com a verdadeira magia do cinema nessa magnífica obra. [01/01/2023]
Os Banshees de Inisherin (The Banshees of Inisherin)
"Os Banshees de Inisherin" é escrito e dirigido por Martin McDonagh. O filme segue amigos de longa data (Colin Farrell e Brendan Gleeson) em uma ilha remota na costa oeste da Irlanda, que se encontram em um impasse quando um decide por fim na amizade repentinamente e a decisão gera consequências alarmantes para ambos.
Martin McDonagh foi um diretor que me surpreendeu positivamente em seu último filme - "Três Anúncios para um Crime" (2017). Em "Três Anúncios" McDonagh trouxe uma trama com uma pegada mais a cara hollywoodiana, com uma história muito bem desenvolvida e muito bem contada. Em "Os Banshees de Inisherin" temos o inverso, a começar pela própria narrativa que é desenvolvida de forma mais lenta e mais cadenciada, sendo que o diretor utiliza uma forma que tudo esteja nas entrelinhas, que necessariamente ocorra em subtextos durante toda a história.
Martin McDonagh traz um filme onde sua principal característica é a abordagem da solidão, onde ele explora as variadas camadas da solidão, as variadas facetas da solidão. McDonagh constrói um drama subversivo onde temos melancolia, depressão, tristeza, frustração, egoísmo, medo, sofrimento. Um drama que funciona em várias camadas, como o elo da verdadeira amizade, a interação social, a carência de atenção, a carência afetiva, e muita das vezes se referindo ao estado solitário de forma peculiar e poética, onde necessariamente temos um estado de privacidade que pode representar o isolamento e a reclusão.
Um ponto muito interessante é a forma como McDonagh faz uma releitura da solitude em seu estado mais pleno, ou seja, aquela forma de não sentir medo do silêncio, de estar sozinho e gostar de estar com você mesmo, com seu eu interior. Este é o principal foco do roteiro, nos mostrar como a solidão é uma permanência, uma condição, enquanto a solitude é um estado passageiro e deliberado, pois na solitude você pode ter alguém mas preferir estar só, enquanto na solidão você realmente não possui ninguém - exatamente como acompanhamos cada personagem no decorrer da trama.
"Os Banshees de Inisherin" é um longa com um tema mais intimista, mais psicológico, que faz questão de nos apresentar seus personagens e seus conflitos, que aborda toda sua história com um certo nível de complexidade. Temos uma abordagem com um lado mais poético, mais minimalista até nas próprias facetas de se sentir solitário, em como isso pode ser bom e ao mesmo tempo ruim. Também podemos observar como a interação social é muito diferente de conexões reais, pois você pode estar cercado de pessoas que se conhecem (como naquele pequeno vilarejo), pode ter uma certa interação com elas mas também pode não ter conexões com elas - é nesse ponto que se cria toda uma complexidade.
Outro ponto muito interessante desse sentimento de solidão abordado pelo roteiro é o fato das variadas formas de como ele se estabelece na história com o passar do tempo...pois inicialmente ele começa entre o conflito de ideias e atitudes entre os dois amigos, onde cada um tem suas visões e definições sobre o que de fato esse sentimento significa pra cada um. Com o decorrer da história vamos observando como cada um pensa, enxerga, encara, como cada um tem sua visão completamente diferente um do outro. Dito isso, devo reiterar como o roteiro de Martin McDonagh é bom, como ele é funcional dentro das suas proporções, onde obviamente não temos uma profundidade, ou um famoso plot twist, mas por outro lado temos a imersão em personagens densos, carregados dramaticamente, cheios de camadas para serem explorados, algo que nos ganha e compra a nossa atenção instantaneamente.
Falando do elenco: McDonagh sempre tem o seu elenco nas mãos e aqui não é diferente. Temos um Colin Farrell (recentemente em "Batman") diferente do que geralmente costuma nos apresentar em questão de personagem. Pádraic inicialmente pode parecer simples, ingênuo, mas seu papel é crucial ao discutir essa dependência emocional que todos nós temos, que todos nós sentimos e apresentamos ao longo das nossas vidas. Pádraic é a personificação do medo de ficar sozinho, de estar sozinho, da carência de atenção. Colin Farrell entrega um excelente personagem com uma atuação primorosa, que ora nos ganha pela sua simplicidade e ora nos dá raiva pela sua arrogância. Sinceramente eu colocaria essa atuação do Colin Farrell entre as melhores de toda a sua carreira.
Brendan Gleeson (recentemente em "A Tragédia de Macbeth") traz um personagem que é um contraponto muito interessante dentro da história. Colm, diferentemente de Pádraic, vê a solidão como algo bom, como uma paz necessária. Realmente é um personagem que nos expõe uma certa maturidade, uma certa sabedoria, que inicialmente questionamos as suas atitudes (principalmente em relação com a sua atitude dos seus próprios dedos), que fatalmente não iremos criar muita empatia por ele, porém como o desenrolar da trama até conseguimos entender alguns dos seus posicionamentos. Brendan Gleeson também nos proporciona uma ótima atuação.
Kerry Condon ("Três Anúncios para um Crime") mantém perfeitamente o nível de atuações da obra e até se supera em algumas cenas. Siobhán é a irmã de Pádraic, ela vive em uma constante luta interna entre suas projeções no irmão e seus deveres como irmã. Ela também sente a ameaça da solidão, mas da sua forma de sentir, porém é interessante observar a sua relação com seu irmão, que muita das vezes pode ser encarada como uma relação amorosa e ao mesmo tempo conturbada. Kerry está perfeita na personagem, ela se sobressai em várias cenas, principalmente nas cenas em que debate com um embate de ideias com o Colin Farrell.
Barry Keoghan (recentemente em "Eternos") também consegue um grande destaque no filme. Dominic é uma pessoa perturbada, traumatizada, principalmente pela condições impostas pelo seu próprio pai. A solidão pra ele é algo contornável, em até certo ponto é aceitável, pois visivelmente ele é a própria consequência da solidão, pela sua decadência afetiva, pela sua dificuldade em conseguir interagir com as pessoas, pela sua agressividade e pela sua falta de conexões. Um personagem incrível que foi perfeitamente interpretado com maestria por Barry Keoghan.
"Os Banshees de Inisherin" tem uma direção ajustada, competente e impecável do Martin McDonagh (mais uma vez, assim como já havia feito em "Três Anúncios para um Crime"). A trilha sonora de Carter Burwell (também foi o compositor em "Três Anúncios para um Crime") é excelente. Incrível como a composição é bem feita, bem harmoniosa, bem peculiar, condiz perfeitamente com a obra e dita muito bem todo o seu ritmo. Outro acerto é a fotografia de Ben Davis (também trabalhou em "Três Anúncios para um Crime"), que está muito bem casada no filme, sendo a principal responsável em nos fazer sentir toda ambientação naqueles cenários incríveis. A direção de arte é absurda, assim como a montagem, cenografia, edição de som, tudo feito com muita riqueza, com muitos detalhes, com uma construção funcional e impecável.
O longa de Martin McDonagh vem ganhando forças expressivas mundo afora. Teve sua estreia mundial no 79º Festival Internacional de Cinema de Veneza em 5 de setembro de 2022, onde Colin Farrell ganhou a Copa Volpi de Melhor Ator e Martin McDonagh ganhou o Golden Osella de Melhor Roteiro, além do filme ter sido aplaudido em êxtase por quinze minutos. O filme foi amplamente aclamado pela crítica, que elogiou o roteiro e a direção de McDonagh, a trilha sonora de Burwell e as atuações do elenco. No Rotten Tomatoes o filme possui uma aprovação de 97% baseada em 267 resenhas. Já no Metacritic o filme possui uma média ponderada de 87/100 baseada em 61 resenhas. Também foi eleito um dos melhores filmes de 2022 pelo National Board of Review. O longa-metragem recebeu oito indicações principais no 80º Globo de Ouro, sendo para Trilha Sonora, Roteiro, Direção, Atriz Coadjuvante (Kerry Condon), Ator Coadjuvante (Brendan Gleeson e Barry Keoghan), Ator (Colin Farrell) e Melhor Filme - Musical ou Comédia. No Critics Choice Awards o filme teve nove indicações, incluindo Ator, Ator e Atriz Coadjuvante, Direção e Melhor Filme.
"Os Banshees de Inisherin" é um ótimo filme, Martin McDonagh consegue todos os holofotes para si mais uma vez, assim como em "Três Anúncios para um Crime". O longa se destaca e se sobressai principalmente por nos apresentar uma trama rica, com um texto muito bem escrito, onde temos um elenco afiadíssimo, com um roteiro muito funcional, que traz abordagens contundentes e pertinentes sobre as mais variadas camadas e facetas do ser humano. [29/12/2022]
Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (Everything Everywhere All at Once)
"Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo" é escrito e dirigido por Daniel Kwan e Daniel Scheinert (coletivamente conhecidos como "Daniels", e ambos são diretores do filme "Um Cadáver Para Sobreviver"), que o produziram com Anthony e Joe Russo ("Vingadores: Guerra Infinita" e "Ultimato"). A trama gira em torno de uma imigrante sino-americana (interpretada por Michelle Yeoh) que, ao ser auditada pelo IRS (o serviço de receita do Governo Federal dos Estados Unidos), descobre que deve se conectar com versões do universo paralelo de si mesma para evitar que um ser poderoso destrua o multiverso.
A A24 é uma produtora independente que tem apenas 10 anos de existência e já se mostrou extremamente competente, com trabalhos inteligentes e contundentes, que se utiliza de um liberdade na hora de criar suas histórias e seus roteiros, sempre visando o inédito e o surpreendente. O estúdio já entregou obras incríveis como "A Bruxa", "Midsommar", "Hereditário" e "O Farol". Além de já ter recebido inúmeras nomeações para o Oscar, já ter ganhado o Oscar de Melhor Atriz com a Brie Larson em "O Quarto de Jack" e o Oscar de melhor ator coadjuvante com o Mahershala Ali em "Moonlight" (filme que também deu o inédito Oscar de Melhor Filme para o estúdio em 2017).
Agora estamos diante do principal lançamento da A24. "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo" estreou com uma aprovação incrível de 97% das opiniões no Rotten Tomatoes. No Metacritic o filme teve uma pontuação de 82 entre 100, com a indicação de "aclamação universal". Na pesquisa realizada pelo PostTrak o filme teve uma pontuação positiva de 89%. Após o lançamento o filme se tornou o mais bem avaliado no Letterboxd, substituindo nada mais nada menos que "Parasita". O mestre Guillermo del Toro deu declarações positivas sobre o longa, além dos vários elogios e recomendações. O longa-metragem arrecadou mais de $ 103 milhões em todo o mundo, tornando-se o primeiro filme da A24 a ultrapassar a marca de $ 100 milhões e superando "Hereditário" como seu filme de maior bilheteria.
Mas qual é o verdadeiro motivo de "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo" ter se tornado um filme de tanto sucesso?
Eu diria que a principal característica é a ousadia dos diretores. Os Daniels foram ousados, inteligentes, competentes, construíram um roteiro que traz o seu principal conceito, o ineditismo, e aplicou uma eficácia surpreendente, algo pouco visto no cinema atualmente (pelo menos pra mim). O roteiro do filme nos surpreende pela sua inovação, pela sua criatividade, por apostar no intrigante, no complexo, no diferente, no inédito, por criar um universo que flerta com a bizarrice, com a demência, com cenas absurdas, doentias e esquizofrênicas. Por outro lado o filme não faz nenhuma questão de ser levado a sério, ou se preocupar em como as pessoas irão reagir ao receber tudo que o roteiro quer nos entregar e da forma como ele decide nos entregar.
O longa traz um verdadeiro redemoinho de acontecimentos, um verdadeiro misto de ideias que nos cativa pela sua forma labiríntica em criar uma história com elementos de comédia negra, ficção científica, fantasia, filmes de artes marciais e animação. O filme é multifuncional, nos oferece diversas possibilidades funcionais, que tem variadas funções, funcionando como ação, drama, aventura, comédia, fantasia e ficção Científica. Tudo isso está inserido no filme, tudo dentro desse novo conceito de Multiverso. Por falar em Multiverso, aqui temos o verdadeiro "Multiverso da Loucura" (sorry Marvel), que funciona perfeitamente no conceito de inovação estética, de efeitos visuais, e olha que nenhum membro da equipe de efeitos visuais tiveram aulas ou se especializaram em efeitos visuais em escolas ou algo do tipo. Eram todos amigos que aprenderam sozinhos com tutoriais que encontraram online gratuitamente - incrível!
Além de todo loucura, bizarrice e demência apresentado na primeira hora do filme, temos aqui uma verdadeira reflexão sobre os conceitos familiares. Toda forma apresentada no Multiverso serviu para nos elucidar como o roteiro queria focar no relacionamento familiar, no relacionamento humano, nos falar sobre o amor, o perdão, a solidão, a frustração, a aceitação familiar. Podemos observar como o filme lida com a questão do "seu eu interior", como ele busca representar quem verdadeiramente somos: nossa essência, nossos sonhos, qualidades e pontos de melhoria. Tiramos aprendizados do filme, tiramos reflexões sobre nossas vidas com questões profundas humanas e familiares, que definem e evidenciam sobre nossa posição no mundo, na sociedade, na vida de outras pessoas ao nosso redor e, principalmente, em nossa família. Olha, faz muito tempo que eu não me deparo com um roteiro tão inteligente e funcional como este. Certamente um dos roteiros do ano - nota 10!
Além do filme possuir um roteiro certeiro, o elenco é completamente absurdo! Temos aqui um elenco competente, funcional, que entregam atuações em um nível de excelência que colabora com perfeição para todo o sucesso do filme.
Michelle Yeoh é uma atriz renomada, conceituada, com uma carreira bem-sucedida em filmes de ação e artes marciais, que se destacou em filmes como "O Tigre e o Dragão", "Memórias de uma Gueixa" e "Podres de Ricos". Aqui Michelle tem um papel super importante como o centro das atenções, e ela se destaca maravilhosamente bem, com uma desenvoltura, um carisma, uma presença e um talento sem igual - a verdadeira cereja do bolo (e olha que originalmente o personagem foi escrito para Jackie Chan, porém o papel principal foi posteriormente retrabalhado e oferecido para ela). Ke Huy Quan ("Os Goonies" de 1985) também entrega um trabalho e uma atuação primorosa, com uma ótima química com a Michelle Yeoh (tem várias cenas com os dois que são impagáveis). Stephanie Hsu ("Shang Chi e a Lenda dos Dez Anéis") está muito bem em sua personagem, trazendo uma atuação que contrasta com vários momentos que ela passa durante toda a história, e ela tira de letra, uma ótima atriz. Já a maravilhosa Jamie Lee Curtis (recentemente esteve em "Halloween Ends") é outro nível, é outro patamar. Uma atriz do calibre da veterana Jamie não tem muito o que elogiar, é praticamente chover no molhado, pois tudo que ela entrega é algo que já esperávamos, já estamos acostumados. Posso afirmar que a Jamie Lee Curtis tem a melhor atuação no filme, na minha modesta opinião, até um pouquinho melhor que a própria Michelle Yeoh.
"Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo" recebeu seis indicações no 80º Globo de Ouro, que são de Melhor Roteiro, Melhor Atriz Musical ou Comédia para Michelle Yeoh, Ator Coadjuvante para Ke Huy Quan, Atriz Coadjuvante para Jamie Lee Curtis, Melhor Filme - Musical ou Comédia e Melhor Diretor. O longa se destaca como o mais indicado com quatorze indicações no 28º Critics' Choice Awards, incluindo Melhor Atriz, Melhor Ator e Atriz Coadjuvante, Melhor Roteiro Original, Melhor Direção e Melhor Filme.
O longa-metragem dos Daniels foi considerado um dos melhores filmes de 2022, recebeu ampla aclamação da crítica por sua imaginação, efeitos visuais, humor, direção, edição, atuação e manejo de temas como existencialismo, niilismo e identidade asiático-americana. Organizações como o 'National Board of Review' e o 'American Film Institute' o nomearam um dos dez melhores filmes de 2022.
O longa ainda traz várias referências um tanto quanto inusitadas de filmes como "Matrix", "2001 - Uma Odisseia no Espaço", "O Clã das Adagas Voadoras", "A Bela e a Fera", "Kung-Fusão", "Ratatouille" e, claro, "Doutor Estranho no Multiverso da Loucura".
"Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo" é um filme muito bom, pois ele consegue se destacar ao mesclar uma forma bizarra e doentia entre conceitos extremamente importantes em nosso cotidiano. Realmente é um trabalho muito imponente e muito poderoso dos Daniels, que agrega um roteiro muito original e muito rico, com um elenco muito carismático e muito funcional, com uma história que nos afronta com cenas em situações hilárias, intrigantes, cômicas, complexas e extremamente bizarras - daquelas pra você se perguntar: que P@#$% é essa! Mais uma ótima produção da A24! [23/12/2022]
Avatar: O Caminho da Água (Avatar: The Way of Water)
"Avatar: O Caminho da Água" é co-escrito, co-editado, co-produzido e dirigido pelo mestre James Cameron. O longa-metragem é a sequência direta de "Avatar" de 2009. Cameron o produziu com Jon Landau (Produtor de "Titanic") e escreveu o roteiro com Rick Jaffa (roteirista da franquia "Planeta dos Macacos") e Amanda Silver (roteirista do clássico "A Mão Que Balança o Berço"), baseado em uma história que os três escreveram com Josh Friedman (roteirista de "Guerra dos Mundos") e Shane Salerno (roteirista do clássico "Armageddon"). Os membros do elenco Sam Worthington, Zoë Saldaña, Stephen Lang, Joel David Moore, CCH Pounder, Giovanni Ribisi, Dileep Rao e Matt Gerald reprisam seus papéis do filme original, com Sigourney Weaver retornando em um papel diferente. Os novos membros do elenco incluem Kate Winslet, Cliff Curtis, Edie Falco e Jemaine Clement.
O gênio James Cameron entrou para a história ao lançar "Avatar" em 2009. Um longa que revolucionou os efeitos visuais e a tecnologia inovadora em 3D. Um verdadeiro marco na história do cinema que mudou para sempre a forma de se fazer cinema e de se criar grandes histórias com o uso de tecnologias visuais avançadas. Foi o primeiro filme que eu tive o prazer de assistir em 3D. Foi mágico, foi encantador, foi épico tudo que eu vivi na sala do cinema na semana de estreia lá em Dezembro de 2009. "Avatar" está no hall dos maiores blockbusters da história e ocupa o posto de maior bilheteria de todos os tempos.
James Cameron sempre foi um dos meus diretores favorito. O cineasta por trás de 3 obras-primas que integra não só a minha lista de filmes da vida como a lista de maiores filmes de todos os tempos - "O Exterminador do Futuro 2", "Titanic" e "Aliens - O Resgate". "Avatar" está nessa prateleira de obras-primas do diretor com muita dignidade. Realmente é muito difícil lançar uma continuação de uma obra-prima e conseguir se manter no mesmo nível ou até superar, porém James Cameron consegue. O homem que simplesmente superou o primeiro "Alien - O 8.º Passageiro" com "Aliens - O Resgate" e o primeiro "O Exterminador do Futuro" com "O Exterminador do Futuro 2". Com "Avatar 2" eu posso afirmar que Cameron continua entregando uma sequência que mantém o mesmo nível da primeira e até supera em alguns pontos.
Com todo o sucesso e toda grandeza de "Avatar", seria muito óbvio que Cameron trouxesse uma sequência, porém jamais poderíamos imaginar que esta sequência demoraria longos 13 anos para finalmente acontecer. Posso afirmar que conhecendo bem o diretor, jamais ele iria fazer uma sequência de "Avatar" unicamente pelo dinheiro, ou pela imposição dos estúdios. Cameron queria ir mais além, queria se reinventar mais uma vez, queria alçar voos ainda maiores, por isso esta sequência demorou muitos anos para ser lançada. Além, é claro, pelo fato da tecnologia que era necessária para construir o filme e fazer todas as filmagens subaquáticas. Porém, devo reiterar que James Cameron é um verdadeiro mestre das continuações com longos anos de espera, e ele estava muito otimista com o fato de que os atrasos não prejudicariam o sucesso de seu filme, algo que já aconteceu no passado com os lançamentos das continuações de "Alien - O 8.º Passageiro" e "O Exterminador do Futuro 2", que foram sequências comerciais de sucesso lançadas sete anos após os filmes originais.
"Avatar: O Caminho da Água" é a sequência que todos nós esperávamos, que todos nós desejávamos, que todos nós aguardávamos com muita ansiedade durante todos esses anos. Posso afirmar que a mesma magia que eu vivi na sala de cinema em 2009 novamente eu vivi hoje. Cameron é o mestre do 3D e aqui ele nos prova novamente todo o seu poder e todo o seu domínio dessa incrível e magnífica tecnologia. Cameron nos entrega uma película que necessariamente nos obriga a assistir em uma sala de cinema 3D, para que você possa sentir e usufruir de toda magnitude de sua obra. Eu assisti em uma sala 3D XD e posso afirmar com louvor que "Avatar 2" foi a maior experiência que eu já tive em uma sala de cinema em toda a minha vida. Foi a experiência mais bela e mais bem feita que eu já vivi na vida. Foi o melhor filme em 3D que eu já assisti na vida.
"Avatar: O Caminho da Água" é belo, é encantador, é magnífico, é exuberante, é esplendoroso, é sublime, é peculiar, é deslumbrante, é perfeito. O longa nos mergulha na magia, na fantasia, na aventura, no lúdico, nos comovendo e nos emocionando em 100% das cenas. Uma verdadeira fábula teatral épica e lendária com a assinatura do mestre James Cameron. Por falar em assinatura, Cameron sempre foi um apaixonado pelos oceanos, o que é visualmente 100% comprovado aqui. Cameron nos traz a magia dos oceanos de uma forma épica e avassaladora, pois se no primeiro "Avatar" erámos confrontados com o poder da beleza encantadora das floresta de Pandora, aqui somos literalmente mergulhados na magnitude profunda e soberana dos oceanos. Essa é a verdadeira magia de "Avatar 2", o poder dos oceanos de Pandora, o que deixa a trama completamente encantadora e fantástica.
Com relação ao roteiro, temos a volta do mesmo vilão do primeiro com a mesma sede de vingança contra Jake Sully (Sam Worthington). Dessa vez o Coronel Miles Quaritch (Stephen Lang) está diferente, pois ele habita o corpo de um Na'vi após ter sido derrotado no final do primeiro "Avatar". Esse é o ponto mais discutível do roteiro, continuar com a mesma história do primeiro filme e até com o mesmo vilão, porém, eu vejo diferente, eu vejo uma grande evolução no roteiro de "Avatar 2". Dessa vez o roteiro não foca somente na guerra mas sim na enorme exploração de Pandora, como as partes dos oceanos e o encontro com outra tribo, o que deixa a trama ainda mais interessante. Sem falar que agora temos a adição da família Sully, o que traz uma grande imersão no lado poético, romântico e amoroso do filme. É completamente gratificante poder acompanhar esse vínculo familiar, da importância da família, de defender cada membro da família, dos valores de ter uma família, dos conflitos familiares. Dessa forma eu considero um avanço e uma sacada genial no roteiro de "Avatar 2".
Cameron usou todo o seu amor e toda a sua paixão pelo cinema para a construção de cada cena, de cada detalhe, para nos entregar a magia em forma de cinema. A princípio "Avatar 2" estava programado para ser lançado o mais breve possível, porém Cameron encontrou diversas dificuldades na construção do filme e principalmente na tecnologia para as filmagens. Obviamente a necessidade de desenvolver novas tecnologias para filmar cenas de captura de desempenho debaixo d'água, um feito nunca antes realizado, levou a atrasos significativos para permitir que a equipe tivesse mais tempo para trabalhar na escrita, pré-produção e efeitos visuais. Cameron planejava fazer algumas filmagens 11 quilômetros debaixo d'água no 'Challenger Deep', o ponto mais profundo da Fossa das Marianas e também o local mais profundo da Terra. A própria Sony construiu uma nova câmera chamada Câmera "Veneza" a pedido de Cameron, que seria utilizada nas gravações de "Avatar 2" e dos próximos.
Tecnicamente "Avatar 2" é de encher os nossos olhos com a magia alcançada através dos belíssimos cenários tanto das florestas e principalmente dos cenários aquáticos. Como foi incrível acompanhar a exploração aquática totalmente imergida em uma paleta de cores vivas, vibrantes, profundas, com uma combinação extremamente poética e singular. O CGI e a captura de movimentos foram parte da fama do filme de 2009, dessa vez Cameron nos entrega uma produção ainda mais ambiciosa com boa parte da narrativa em ambientes aquáticos. A fotografia é simplesmente magnífica, Russell Carpenter (o mesmo diretor de fotografia de "Titanic") entrega um trabalho primoroso, impecável, com uma magia que é sentida em 100% do belíssimo trabalho de fotografia do longa. A trilha sonora de Simon Franglen (Moulin Rouge) é outra maravilha, é outro luxo extremamente impecável. Como a trilha sonora de "Avatar 2" é sublime, como a composição é bela e faz um casamento perfeito entre os acontecimentos de cada cena - maravilhoso!
Temos a volta do elenco maravilhoso do primeiro filme com algumas adições que foram muito importantes para a história. Sam Worthington traz um Jake Sully que já faz parte dos Na'vis e já está completamente incorporado no seu clã e na sua nova família. Mais uma excelente atuação de Sam, assim como já havia entregado no primeiro filme. Zoë Saldaña é a dona do meu coração com a sua incrível Neytiri. Eu sou completamente apaixonado pela Neytiri e em todas as suas aparições eu suspirava de emoção. Que papel incrível de Zoë Saldaña, que personagem maravilhosa, que entrega fenomenal. Sigourney Weaver deu um show como a Dra. Grace Augustine no primeiro filme, e aqui ela está em uma personagem diferente e nos encanta mais uma vez com a doce e incrível Kiri. Tirando a Neytiri, a Kiri foi a personagem que eu mais amei em "Avatar 2", e ainda fiquei muito feliz pelo James Cameron conseguir encaixar a Sigourney Weaver (sua parceira de décadas) em uma personagem nesse segundo filme.
Realmente o Stephen Lang é o antagonista perfeito em "Avatar", isso ele mostrou claramente no primeiro filme e aqui ele vai ainda mais além, ele se supera no personagem. O Coronel Miles Quaritch foi o ser perverso e doentio no primeiro filme e aqui ele se mantém exatamente nessa postura ao adotar o corpo de um Na'vi e partir para cima de Jake Sully e toda sua família. Kate Winslet foi a escolha certeira para viver a personagem Ronal. É incrível como a Kate se doa e se entrega em um trabalho, tanto que ela fez questão de aprender todas as suas acrobacias subaquáticas sem o uso de dublês. Kate Winslet sempre foi uma atriz fantástica. Cliff Curtis foi o par perfeito de Kate Winslet. Juntos eles formaram o casal e líder do novo clã dos Na'vis, e o Cliff viveu o personagem Tonowari com muita propriedade e muita segurança.
Cameron fez questão que todo o seu elenco aprendesse a mergulhar para realizar as cenas que estivessem envolvidos no oceano de Pandora. Isso contou muito para a entrega de cenas com cada vez menos uso do digital. Sem falar que o próprio Cameron sempre foi um diretor meticuloso e muito perfeccionista quando o assunto é atingir a perfeição de suas obras e principalmente de seu elenco.
Quando o assunto é um alto orçamento James Cameron é o principal nome, pois seus filmes são extremamente caros, como é o caso aqui. "Avatar 2" teve um orçamento estimado de $ 350-400 milhões, se destacando como um dos filmes mais caros de todos os tempos. Obviamente obras excepcionais demandam dinheiro e as sequências de "Avatar" vão custar pelo menos US $ 1 bilhão coletivamente. Porém, devo afirmar que todo esse gasto é compreensível, pois fazer o que Cameron fez e entregar uma produção no nível que ele entregou não poderia ser diferente.
É realmente incrível a magia que "Avatar 2" nos envolve e nos proporciona dentro da sala de cinema. Digo isso pelo fato do filme conseguir me prender durante 3 horas e 12 minutos e eu sequer sentir o tempo passar. Era como se o filme tivesse uma duração de 30 minutos, pois eu poderia ficar facilmente umas 5 horas ali que jamais sentiria cansaço. Eu estava completamente preso, eu estava fora de mim, eu estava em estado de choque e paralisado por toda a magia daquele universo incrível.
Para completar, Cameron ainda quis brincar com os nossos sentimentos ao nos proporcionar várias referências ao "Titanic" nas cenas em que aquela espécie de nave/navio do Coronel Miles Quaritch começou a afundar no oceano. Ali realmente eu não conseguir conter as lágrimas, sem falar na presença ilustre de ninguém menos que a Kate Winslet, foi demais pra mim.
"Avatar: O Caminho da Água" recebeu indicações para Melhor Filme - Drama e Melhor Diretor no Globo de Ouro do próximo ano. No Critics Choice Awards 2023 o longa recebeu indicações para Efeitos Visuais, Edição, Design de Produção, Fotografia, Direção e Melhor Filme. No Satellite Awards 2023 o longa ganhou nomeações para Efeitos Visuais, Som, Direção de Arte, Fotografia, Direção e Melhor Filme. A princípio mais três sequências do filme estão programadas para 2024, 2026 e 2028.
James Cameron é um verdadeiro mestre, um verdadeiro gênio da sétima arte e eu o considero como o maior diretor de cinema do mundo ainda vivo. É impossível você não se maravilhar e não se deliciar com o nível de suas obras. Em "Avatar: O Caminho da Água" ele faz o que sabe de melhor e nos dá mais uma completa e magnífica aula de cinema. Um trabalho em alto nível, com uma alta entrega, com uma alta performance, atingindo o ápice da magnitude da tecnologia visual do 3D - uma qualidade estratosférica!
Como um verdadeiro fã de "Avatar" eu só posso dizer que valeu a pena esperar 13 anos para a continuação dessa obra-prima da fantasia. Foi épico, foi mágico, foi encantador, foi apoteótico, foi colossal. Um trabalho rico, lindo, exuberante, primoroso, genial, emocionante. Por falar em emocionante, foi impossível não se emocionar durante todo o filme. Em todos os momentos eu me pegava enxugando as lágrimas por baixo do óculos 3D. Assim como o primeiro, "Avatar: O Caminho da Água" ficará marcado em minha vida. Ficará marcado como o melhor filme 3D que eu já assisti no cinema. Ficará marcado como um dos melhores filmes que eu já tive o prazer de assistir no cinema. Ficará marcado como o melhor filme do ano de 2022. E acaba de entrar para a minha seleta lista de filmes da minha vida.
Uma obra-prima poética! Uma obra de arte épica! A verdadeira magia do cinema!
James Cameron eu te amo! [17/12/2022] ⭐⭐⭐⭐⭐ ❤️❤️❤️❤️❤️ 👏👏👏👏👏
Uma biografia, um documentário, um filme sobre os Racionais MC's dirigido por Juliana Vicente direto para a plataforma de streaming Netflix, com seu lançamento em 16 de Novembro de 2022.
Racionais MC's é um grupo de rap fundado em 1988 na cidade de São Paulo. Formado por Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay.
Conheci os Racionais em meados da década de 1990, em uma época que eu estava em uma transição para a minha adolescência. Me lembro que entre os anos de 1998 e 1999 eu escutava incansavelmente o álbum "Sobrevivendo no Inferno". Me lembro que eu chegava da escola a tarde e já parava na frente do velho rádio sintonizado na 105 FM para escutar o lendário Espaço Rap. Eu praticamente cresci escutando a letra dos caras ao lado do bairro do Capão Redondo (onde praticamente era a casa do grupo). Ou seja, Racionais MC's teve uma participação direta na formação da minha vida.
Tenho orgulho em falar que eu acompanhei o grupo praticamente do início, passando por todas as fases da minha vida. Racionais MC's fez parte das minhas ideias, dos meus conceitos, das minhas atitudes, dos meus ensinamentos, fez eu entender como funcionava o sistema em relação as pessoas pobres que nasceram, cresceram e sobreviveram em uma periferia de São Paulo. E também tenho orgulho em falar que nem por isso eu me tornei um bandido, um delinquente, um drogado, como muitos pensam em relação ao grupo, como muitos acham que suas letras e suas atitudes fazem apologia ao crime, ou transformam as pessoas em bandidos. Bem...ai é uma opinião de cada um. É uma atitude de cada um.
Dessa vez eu tenho que aplaudir de pé a Netflix por entregar um material tão rico, por nos mostrar praticamente o início, a formação, os primeiros shows do grupo. O documentário foi gravado ao longo de trinta anos e passa por todas as fases do grupo, nos mostrando arquivos, entrevistas, filmagens, imagens inéditas, um material completamente histórico. Todo esse material trazido serve para nos mostrar o surgimento e o crescimento do maior grupo de rap do Brasil. Racionais MC's está entre os grupos musicais mais influentes do país e da música brasileira de toda a história.
Racionais MC's sempre esteve presente no cenário brasileiro, eles sempre estiveram lutando contra o sistema, contra o governo, contra a sociedade. Suas letras e seus movimentos sempre foram voltados para a destruição e a degradação dos jovens negros das periferias, da brutalidade policial, do estado, da exclusão social. Sempre mostrando as consequências do preconceito, do racismo, da miséria, da violência, do crime organizado e principalmente das drogas, soando diretamente como uma denúncia e como um protesto. O próprio Brown fala: "Nós viemos com uma missão através da música. Nossa música era um grito entalado na garganta".
Eles são muito gigantes, eles são muito fortes, eles incomodam o sistema, eles incomodam os governos, eles incomodam a polícia, eles incomodam os poderosos, eles incomodam os politicamente corretos, eles incomodam os usuários aqui do Filmow, e eles são isso, eles vieram para incomodar e nunca irão se calar. A verdadeira história dos 4 jovens negros das periferias de São Paulo que levaram seu legado para o mundo através das suas letras fortes e explosivas, através de um cotidiano de opressão e descriminação, transformando a dor, o ódio e a repudia em verdadeiras poesias das ruas, mostrando um movimento muito poderoso tanto dentro do Brasil como fora dele.
Racionais MC's são verdadeiras lendas, são verdadeiros ícones, um marco no cenário da cultura musical brasileira. Os caras são artísticos, são políticos, são revolucionários, são influentes, são afiados, mudaram o conceito das pessoas sobre elas mesmas e sobre seus próprios pensamentos e suas atitudes.
Esse documentário só reforça e potencializa ainda mais todo o legado, toda importância, todo o impacto que as letras dos Racionais introduziram e influenciaram no gênero musical do nosso país.
Racionais MC's não é somente o maior grupo de rap do Brasil, mas é um dos maiores grupos musicais de todo o planeta. Eles fizeram suas vozes e suas palavras serem ouvidas e sentidas pelos quatro cantos do mundo. Verdadeiros poetas das periferias.
"Racionais MC's - Das Ruas de São Paulo pro Mundo" é um belíssimo documentário, uma verdadeira obra-prima da cultura musical do nosso país. Viemos para incomodar e não vamos nos calar! [19/11/2022]
"Carrie" foi lançado em 1976, dirigido por Brian De Palma a partir de um roteiro escrito por Lawrence D. Cohen, adaptado do romance epistolar de 1974 de Stephen King com o mesmo nome. O filme é estrelado por Sissy Spacek como Carrie White, uma tímida garota de 16 anos que é constantemente ridicularizada e intimidada na escola. O filme também apresenta Piper Laurie, Amy Irving, Nancy Allen, William Katt, P. J. Soles, Betty Buckley e John Travolta em papéis coadjuvantes. É o primeiro filme da franquia "Carrie".
"Carrie" foi o primeiro livro oficialmente publicado por Stephen King, sendo o responsável em apresentar ao público o autor revolucionário que passaria a ser reconhecido como o mestre do terror. Além de ser o primeiro romance de King, "Carrie" também foi a primeira adaptação da sua obra para o cinema. Devo dizer que o primeiro livro do mestre King é simplesmente fantástico, nos envolve em uma história que se passa nos anos 70 mas que em nenhum momento ficou datada, ultrapassada, permanece muito recente e bastante atual para os dias de hoje.
Não há nenhuma dúvida que "Carrie" é um dos melhores livros do mestre king, assim como também é uma de suas melhores adaptações até hoje. E olha que esta é apenas a primeira de mais de 100 produções cinematográficas e televisivas adaptadas ou baseadas nas obras publicadas de King.
Carrie White é uma adolescente tímida, solitária, oprimida, menosprezada pelas colegas e amedrontada pela própria mãe. Carrie nos mostra uma menina comum, com uma aparência fora dos padrões de beleza (que é imposto até hoje), tentando se socializar numa escola, com pessoas, para que não viva só na realidade da mãe, uma cristã ferrenha que vê pecado em tudo, a fanática religiosa Margaret (Piper Laurie). Este é o ponto que deixa "Carrie" como uma obra atemporal, exatamente por abordar o bullying, a opressão, a obsessão, a violência, o abuso, o massacre, o fanatismo religioso. De Palma nos entrega uma obra extremamente melancólica, dramática, niilista, soturna, nos expondo aos traumas enfrentados por Carrie. E olha que Carrie vivia em um verdadeiro tormento, tanto em casa, com uma mãe enlouquecida por uma fé religiosa deturpada, quanto na escola, onde era constantemente humilhada por suas colegas simplesmente por ter uma postura que a rotulava como "a diferente", "a estranha" (como o subtítulo do filme no Brasil). Este subtítulo se encaixa perfeitamente na história da Carrie, pois ter essa barreira e ser rotulada de "a estranha" não condizia com o seu verdadeiro desejo, que era justamente ser aceita, ser querida, ser uma adolescente comum e normal como qualquer garota da sua idade.
Por outro lado Carrie é diferente das garotas de sua idade pelo fato dos seus poderes telecinéticos, ou psicocinéticos. Carrie tinha um talento telecinético latente, comumente referido como TC. Esse dito "talento descontrolado" é uma característica hereditária, produzida por um gene que costuma ser recessivo, isso quando está presente e aflorado. A Telecinese é definida como a capacidade de mover objetos ou provocar mudanças em objetos pela força da mente (exatamente como Carrie fazia). A Telecinese é vista como um função empírica da mente, possivelmente da natureza eletroquímica. Dessa forma a história não há muito adorno, ela simplesmente acontece usando artifícios geniais para deixar o espectador por dentro do que seria a Telecinese, enquanto descobrimos junto com Carrie o que estava acontecendo com ela.
De Palma ficou intrigado com a história logo que leu o romance de King, o que logo o levou a tomar a decisão de pressionar para que o estúdio a dirigisse. De Palma faz constantemente homenagens ao mestre do suspense Alfred Hitchcock em seus filmes, geralmente usando a mesma decupagem de planos e mesmas locações. E em "Carrie" não é diferente, pois De Palma faz uma verdadeira ode à obra icônica e lendária do mestre - "Psicose" (1960). Podemos sentir "Psicose" em várias partes do filme, como a icônica musiquinha estridente da cena do chuveiro, onde De Palma utiliza algumas faixas em sua obra, e justamente por ele ter desejado que o compositor Bernard Herrmann tivesse composto a trilha sonora de "Carrie", porém ele faleceu em 1975, impossibilitando que De Palma o chamasse para trabalhar em seu filme. O nome da escola que Carrie estuda, Bates High Scool (no livro o nome da escola é Ewen), e a fábrica de carne, Bates Packing, são uma referência a Norman Bates, de "Psicose".
Como já mencionei anteriormente, "Carrie" é considerada como uma das melhores adaptações de uma obra de Stephen King. Porém, tanto De Palma quanto Lawrence D. Cohen optaram por usar uma certa liberdade criativa, optaram por fazerem algumas mudanças em relação à obra de King (o que é normal, afinal o livro sempre é mais detalhado e mais abrangente). O roteirista optou por uma narrativa mais linear, mais direta, mais conclusiva, o que deixou alguns detalhes de fora e outros foram mudados. De Palma por sua vez aumentou a violência e o horror em algumas cenas e diminuiu em outras. Por exemplo:
A forma como a mãe de Carrie morre no livro, que é causada por uma parada cardíaca causada pela própria Carrie. Já no filme ela morre atingida por vários talheres que Carrie lançou com o poder de sua mente, o que a deixou em uma posição crucificada, exatamente como a imagem que ela tinha em seu local de orações.
O final da história foi onde teve mais mudanças: no livro, o atentado contra Carrie que aconteceu durante o baile, quando derrubaram um balde com sangue de porco sobre ela, fazendo com que os seus poderes cinéticos fossem liberados numa descrição de fúria impiedosa e imbatível. Todo o ocorrido no baile desencadeou uma fúria incontrolável em Carrie, onde o incêndio atingiu não só o salão mas toda a cidade, como postos de gasolinas, lojas e outros estabelecimentos. Tomando uma proporção gigantesca, o que logo chamou a atenção dos bombeiros e outras autoridades das cidades vizinhas, fazendo com que todos se dirigissem para a cidade de Chamberlain pelo ocorrido. Ou seja, no livro King quis dar uma proporção maior para o final devastador da história de Carrie White. Tanto que a cidade fictícia de Chamberlain, no Maine, quase desapareceu do mapa pelo fato da proporção atingida pelo incêndio. Morreram 440 pessoas, 18 estavam desaparecidas e 67 dos mortos eram alunos do último ano da escola.
Realmente esta cena emblemática do baile é diferente exatamente nesse aspecto: no livro a cena é mais colossal, mais furiosa, mais avassaladora, tem um massacre visual muito maior. Já no filme De Palma conduz esta cena exatamente com mais suspense do que matança, como se premeditando todo o terror que estava por vir exatamente na casa da Carrie.
Já De Palma teve uma outra visão para o final do seu longa-metragem, consequentemente menos caótica e mais imersa no terror, sendo que até a morte de Carrie é diferente. No livro Sue Snell encontra Carrie na rua com a faca cravada em seu corpo depois da luta com sua mãe, e ela morre ali mesmo. Já no filme Carrie morre quando sua casa é atingida por uma chuva de pedras e sucumbida (como por forças das trevas), onde logo em seguida temos aquela cena icônica da Sue (Amy Irving) indo visitar o local e sendo agarrada no braço pela Carrie. O próprio Stephen King chegou a elogiar a direção de De Palma, considerando o seu trabalho mais leve e mais artístico do que o seu próprio livro.
A atriz Sissy Spacek inicialmente não estava cotada para o papel de Carrie White, até que o diretor de arte - e também seu marido - Jack Fisk solicitou uma audição para a atriz. De Palma gostou tanto de Spacek que resolveu dar a ela o papel principal no filme. E devo dizer que De Palma acertou em cheio na escolha, pois Spacek é a personificação perfeita da Carrie do livro. Spacek consegue atingir todos os momentos de Carrie com muita excelência e com muita competência, pois ela ia da alegria ao pânico com uma facilidade absurda. Genial, uma atuação completamente perfeita de Sissy Spacek ao incorporar a melhor Carrie de todas até hoje. Piper Laurie está em um nível de excelência tanto quanto a Sissy Spacek, pois é dela a figura de mãe autoritária, severa, ranzinza, aquela monstruosidade que sempre amedrontava a Carrie com seus regimes bíblicos doentios. Uma atuação completamente esplendorosa de Piper Laurie. Tanto Sissy Spacek quanto Piper Laurie receberam indicações de Melhor Atriz e Melhor Atriz Coadjuvante na edição 49º do Oscar.
Amy Irving fez o papel da amiga arrependida de Carrie com uma ótima participação. Nancy Allen performou muito bem ao incorporar a inescrupulosa e impiedosa Chris Hargensen. William Katt era o Tommy Ross, que fez um par perfeito com a Carrie durante o baile (aquela cena com eles dançando é belíssima). John Travolta novinho e no início da carreira fez o Billy Nolan. Um personagem muito louco, o famoso "porra loca", que assim como a Sissy Spacek, também personificou com perfeição o personagem do livro. E pra fechar a atriz Betty Buckley como Srta. Collins (no livro a Srta. Desjardin), que também atuou com perfeição como a professora de educação física que às vezes ajudava a Carrie em algumas situações.
"Carrie" se tornou um sucesso comercial e crítico, arrecadando mais de US$ 33,8 milhões com um orçamento de US$ 1,8 milhão. O longa é considerado amplamente como a melhor adaptação do romance entre os inúmeros filmes e programas de televisão baseados na personagem Carrie. O filme influenciou significativamente a cultura popular, com várias publicações considerando-o como um dos maiores filmes de terror já feitos. Em 2008, "Carrie" ficou em 86º lugar na lista dos 500 Maiores Filmes de Todos os Tempos da Empire. Foi classificado em 15º na lista dos 50 melhores filmes do ensino médio da Entertainment Weekly e em 46º na lista do American Film Institute, 100 Years...100 Thrills. A cena apoteótica e icônica do baile teve uma grande influência na cultura popular e ficou em oitavo lugar no programa de 2004 da Bravo, The 100 Scariest Movie Moments.
"Carrie" ganhou uma versão musical na Broadway em 1988 e uma peça off-Broadway de 2012, uma continuação em 1999 ("A Maldição de Carrie") e mais duas novas adaptações: para a TV em 2002, estrelada por Angela Bettis e com roteiro de Bryan Fuller, e para os cinemas em 2013, com Chloë Grace Moretz como Carrie.
"Carrie" é um filme completamente atemporal por todos os assuntos abordados na trama. Uma obra influente onde mescla um suspense e terror, com um drama e uma fantasia sobrenatural. "Carrie" vai muito além de um simples filme de terror, pois ele nos confronta com os nossos limites, com as nossas loucuras, com os nossos demônios, com os nossos traumas, com o nosso fanatismo religioso e com a nossa obsessão pela fé. Uma obra extremamente peculiar, pertinente, melancólica, sombria, densa, que pode ser bela, poética e assustadoramente trágica. Um verdadeiro clássico dos cinemas. Uma verdadeira obra-prima dos anos 70. [08/11/2022]
Uma Noite Alucinante: A Morte do Demônio (The Evil Dead)
"The Evil Dead" foi lançado em 1981, escrito e dirigido por Sam Raimi, produzido por Robert Tapert e produzido por Raimi, Tapert e Bruce Campbell. O filme se concentra em cinco estudantes universitários de férias em uma cabana isolada em uma área remota e arborizada. Ao descobrirem o "Necronomicon - O Livro dos Mortos" e depois de encontrarem uma fita de áudio que, quando tocada, libera uma legião de demônios e espíritos, quatro membros do grupo sofrem de possessão demoníaca, forçando o quinto membro, Ash Williams (Campbell), a sobreviver a um ataque de caos cada vez mais sangrento e lutar pela sobrevivência durante a noite mais alucinante de toda sua existência.
Podemos considerar que a estreia de "Doutor Estranho no Multiverso da Loucura" trouxe os holofotes mais uma vez ao lendário diretor Sam Raimi. Também se tornou uma oportunidade perfeita para que essa "nova geração" saiba de fato quem é Sam Raimi de verdade. Raimi é um dos grandes nomes da história do cinema de terror (um verdadeiro mestre do horror), um diretor de ideias criativas, com um humor bastante peculiar e um estilo próprio de cinema tão provocador quanto incômodo. Raimi é o homem por trás de obras como "Darkman - Vingança Sem Rosto" (1990) e a gloriosa trilogia "Homem Aranha" (2002 / 2007). Aqui temos o seu filme de estreia que é considerado até hoje a obra-prima do cineasta. Foi com ela que Raimi gravou seu nome na indústria hollywoodiana e segue sendo reverenciado por isso quatro décadas depois.
"The Evil Dead" é sem dúvida um dos maiores filmes de terror independente da década de 1980 e de todos os tempos. O longa se tornou uma febre, um fenômeno, e justamente por não ter nada a perder e poder arriscar tudo, tomando decisões criativas e surpreendendo a todos. Raimi e seus amigos produziram o curta-metragem "Within the Woods" (1978) como uma prova de conceito para despertar o interesse de potenciais investidores, que conseguiram US$ 90.000 para começar a trabalhar em "The Evil Dead". Ou seja, o orçamento do longa foi conseguido praticamente através de uma "vaquinha" organizada pelo próprio Sam Raimi. Raimi uniu vários temas do terror sobrenatural em seu filme, como possessão, demônios, zumbis, casa mal-assombrada, muito gore e uma violência totalmente explícita. E se pensarmos no baixo orçamento do filme, toda essa mistura de ideias é muito bem feita e funciona perfeitamente.
Raimi não tem medo de arriscar ao entregar um trash que exagera no gore e na violência. Realmente "The Evil Dead" é caracterizado pela presença de cenas extremamente violentas, com muito sangue, vísceras e restos mortais, além de serem extremamente nojentas. Apesar de hoje em dia ficar bastante evidente o tamanho da dificuldade que tiveram para fazer às cenas de esquartejamento, onde fica nítido que hoje são cenas que não funcionam tão bem, até pelo orçamento do filme e por estarmos em uma outra época de se fazer cinema. Assim como a própria maquiagem protética (o uso da massinha moldável) e cenas que eram para serem assustadoras, mas que já não causam o mesmo efeito. Porém, tudo isso pouco importa, pois era realmente isso que queríamos, era realmente disso que precisávamos, e Raimi entregou um slasher autêntico, um verdadeiro deleite para os fãs do gore e do trash oitentista.
"The Evil Dead" é um clássico do terror e do horror justamente por mexer com o nosso psicológico, nos colocando na ameaça do perigo, do oculto, do mistério, exatamente uma aflição ao temor. Por outro lado temos aquela repulsa ao grotesco visual e nojento. E Raimi elaborou tudo isso com muitas dificuldades ao filmar em uma floresta à noite e sem muitas condições. A filmagem principal ocorreu em uma cabana remota localizada em Morristown, Tennessee, em um processo de filmagem difícil que se mostrou extremamente desconfortável para o elenco e a equipe. Porém, temos aqui uma verdadeira aula de como se filmar com baixo orçamento, pois Raimi empregou uma filmagem diferente, onde tínhamos takes de fora da cabana para dentro nos colocando diretamente na aflição do oculto e do imaginário. Por outro lado tínhamos focos nos rostos do personagens para nos evidenciar o pânico e a agonia de cada um ali presente. A fotografia também era responsável pelo clima sombrio e soturno, e muito por se destacar em um tom mais acinzentado, mais denso, mais morto. A trilha sonora é inquietante e estridente, o que já é um costume nas produções do gênero. A edição/mixagem de som é excelente, pois ouvíamos cada detalhe com muita clareza: como ao descer em uma escada de madeira velha, o som estridente de uma porta se abrindo, o som do vento batendo contra a janela, uma respiração ofegante, um coração acelerado. Ou seja, tudo muito bem feito para a época.
Raimi traz um roteiro autêntico, funcional, onde ele mistura cenas que fazem uma verdadeira ode aos clássicos como "O Massacre da Serra Elétrica", "A Profecia", "Sexta-Feira 13" e "O Exorcista". Temos várias cenas que são bastante curiosas e intrigantes: como a cena que foi censurada e banida em alguns países, em que a personagem Cheryl (Ellen Sandweiss) é estuprada por árvores possuídas. O roteiro previa que todos os personagens estivessem fumando maconha ao ouvirem pela 1ª vez a fita. Os atores resolveram fumar de verdade ao rodar a cena, mas a ideia não deu certo. O comportamento deles obrigou que a cena fosse posteriormente regravada. Raimi queria que o título original fosse "Book of the Dead", mas o produtor Irvin Shapiro o modificou para "The Evil Dead". O motivo foi que o título proposto afastasse o público adolescente, pouco afeito à literatura.
O elenco do filme foi muito bem escolhido: Raimi e o ator Bruce Campbell eram amigos de colégio, tendo feito vários filmes B antes da realização de "The Evil Dead". Campbell foi eternizado e imortalizado após "The Evil Dead", o que o colocou como um dos personagens mais inesquecíveis do terror, e também é considerado um ícone cultural. O elenco ainda contou com Ellen Sandweiss, Richard DeManicor, Betsy Baker e Theresa Tilly. Todos estiveram muito bem em seus respectivos personagens.
O Longa atraiu o interesse do produtor Irvin Shapiro, que ajudou a exibir o filme no Festival de Cinema de Cannes de 1982. O mestre do terror Stephen King deu uma ótima crítica do filme, o que resultou na New Line Cinema adquirindo seus direitos de distribuição.
"The Evil Dead" gerou uma franquia de mídias, começando com duas sequências diretas escritas e dirigidas por Raimi, "Evil Dead II" (1987) e "Army of Darkness" (1992), um quarto filme, "Evil Dead", que serve como um recomeço, remake e sequela foi lançado em 2013. Fede Alvarez foi o diretor e Raimi co-produziu o filme com Campbell e Robert Tapert. Foi Adaptado como um musical da Broadway em 2006, e uma série de TV de acompanhamento, "Ash vs Evil Dead", que foi ao ar de 2015 a 2018; também criada e produzida por Raimi e pelo seu irmão Ivan Raimi com Campbell como produtor executivo. E ainda teremos o lançamento do quinto filme da franquia, "Evil Dead Rise", que será escrito e dirigido por Lee Cronin, e contará com Campbell, Tapert e Raimi como produtores. Originalmente o filme está destinado a um lançamento digital na HBO Max, e está programado para ser lançado nos cinemas em 21 de abril de 2023. A franquia "The Evil Dead" ainda inclui videogames e histórias em quadrinhos.
"The Evil Dead" arrecadou US $ 2,4 milhões nos EUA e entre US $ 2,7 e US $ 29,4 milhões em todo o mundo. A recepção crítica inicial e posterior foi universalmente positiva; nos anos desde seu lançamento, o filme desenvolveu uma reputação como um dos filmes Cult mais significativos, citado entre os maiores filmes de terror de todos os tempos e um dos filmes independentes de maior sucesso. O longa-metragem foi o responsável em lançar as carreiras de Raimi, Tapert e Campbell, que continuaram a trabalhar juntos em vários filmes, incluindo a própria trilogia "Homem-Aranha".
Sam Raimi nos entrega aqui o suprassumo, a quinta-essência do terror e do horror. "The Evil Dead" continua sendo um dos filmes mais inovadores e audaciosos do terror dos anos 80. Um verdadeiro clássico do trash e do gore oitentista. Um terror Cult. O filme responsável em lançar a carreira de um dos melhores diretores do gênero. Uma obra-prima do terror dos anos 80 e da história do cinema. [29/10/2022]
"Clube da Luta" foi lançado em 1999, dirigido por David Fincher, adaptado por Jim Uhls (roteirista de "Jumper", 2008) e estrelado por Brad Pitt, Edward Norton e Helena Bonham Carter. O longa-metragem é baseado no romance de mesmo nome de Chuck Palahniuk de 1996. Um homem deprimido que sofre de insônia conhece um estranho vendedor de sabonetes chamado Tyler Durden (Brad Pitt) e se vê morando em uma casa suja depois que seu perfeito apartamento é destruído. A dupla forma um clube com regras rígidas onde homens lutam. A parceria perfeita é comprometida quando uma mulher, Marla (Helena Bonham Carter), atrai a atenção de Tyler.
Recentemente eu comentei na crítica de "O Sexto Sentido" do quanto o ano de 1999 foi importante e maravilhoso para o cinema, lançando verdadeiras pérolas como o próprio "O Sexto Sentido", "Matrix", "À Espera de um Milagre" "Garota, Interrompida" e "Beleza Americana". E aqui temos mais uma obra-prima daquele ano de ouro para a sétima arte - "Clube da Luta" - simplesmente o melhor filme de toda a carreira do diretor David Fincher.
"Clube da Luta" faz uma crítica ácida à sociedade capitalista e, principalmente, ao modo de vida consumista e vazio que as pessoas acabam levando e que corrói suas almas. Portanto, o longa não traz somente uma crítica severa ao consumismo, mas também abrange o condicionamento social, a masculinidade tóxica, a individualidade, a dualidade, a sociedade caótica, o ódio, a opressão, a ambição e o capitalismo. A mensagem aqui não é propriamente sobre ganhar ou perder. Trata-se antes de combater seus medos internos, seus traumas, suas obsessões e seu grande vilão, você mesmo. A grande briga e o maior desafio na vida acontece dentro de você, ou seja, o nosso maior inimigo somos nós mesmo. Na vida real não há vitórias ou derrotas, porém, precisamos alcançar o nosso equilíbrio mental e espiritual antes de mais nada.
David Fincher foi completamente cirúrgico ao abordar o alter ego, a dualidade, o nosso "eu interior", a libertação dos nossos próprios demônios, ou seja, uma forma de libertação da nossa própria escravidão mental. E justamente dentro desse contexto que encontramos as pessoas que estão aprisionadas em crenças disfuncionais que limitam a forma de enxergar e atuar no mundo. Aos poucos elas vão criando o seu próprio cativeiro mental, encarcerando seus próprios sonhos por conta de ideias que herdaram e que já não servem mais - exatamente como somos apresentados a personalidade dúbia do protagonista, pois ele criou um superego perdedor para se sentir melhor.
Fincher tinha a clara intenção em nos passar um olhar mais crítico, mais ácido, mais dissecado sobre a realidade das mazelas de uma sociedade totalitarista e controlada pelo consumismo. A ideia inicial de Fincher era que seu longa servisse como alusão, como metáfora entre os conflitos de uma sociedade com os conflitos de uma geração baseado em um sistema de valores, principalmente pela violência abordada durante o filme. Exatamente a forma idealizada por Tyler Durden, que acredita ter encontrado uma maneira de viver fora dos limites da sociedade e das regras sem sentido em um mundo caótico.
O maior trunfo do "Clube da Luta" é a forma como é abordada e analisada a personalidade anônima do protagonista (ou Narrador), que nos mostra o homem comum, a personalidade genérica, ou seja, a forma como qualquer pessoa se identifica. O Narrador é apenas um sujeito comum, trabalhando em uma empresa de seguros e levando uma vida confortável, porém vazia e medíocre, o que o leva a viver em uma crise existencial, uma falta de propósito, uma autodestruição imposta por si próprio e por estar preso em uma rotina repetitiva em seu cotidiano (como a maioria das pessoas se identificam). Além da crise existencial que ele enfrenta, outro problema em sua vida é a insônia, que chega a deixá-lo dias sem dormir. Ao longo da trama o Narrador expõe características semelhantes ao Transtorno Dissociativo e de Identidade (TDI), anteriormente conhecido como Transtorno de Personalidade Múltiplas. O Narrador sofre de esquizofrenia, ele elabora uma desestruturação psíquica, alterações comportamentais, sofre uma clivagem no ego, na qual, parte da realidade é substituída por uma alucinação que melhor se relacione com os seus desejos íntimos.
David Fincher, que começou a sua carreira como diretor sendo bastante contestado em "Alien 3" (1992), já nos entregou obras maravilhosas como "O Curioso Caso de Benjamin Button" (2008) e "A Rede Social" (2010). Porém, na minha opinião nada chega perto da proporção e da perfeição que ele atingiu em "Clube da Luta". Fincher desenvolveu um trabalho colossal, apoteótico, como uma direção segura, enérgica, arrojada, onde incluiu um excelente trabalho de câmeras e inúmeros takes bem trabalhados. O diretor usou cerca de 1500 rolos de filme, mais de três vezes do que a quantidade normal utilizada em um filme de 120 minutos - ou seja, um verdadeiro perfeccionismo no maior estilo Stanley Kubrick. O roteirista Jim Uhls adapta perfeitamente a essência presente na obra de Chuck Palahniuk, pois o próprio autor afirmou que o filme é uma boa complementação ao seu livro. E realmente temos aqui um dos maiores e mais importantes roteiros da história do cinema.
Com relação ao elenco, temos aqui um verdadeiro trio de ouro! Edward Norton (o eterno Incrível Hulk) vive, talvez, um dos seus melhores personagem da carreira. Norton se entregou de corpo e alma para o projeto, se destacando com sua excelente narração, que contou com uma incrível quebra da quarta parede, e por se submeter a perder cerca de 8 quilos para atuar no filme. Ele tinha ganhado muita massa corporal para interpretar um skinhead em seu filme anterior, "A Outra História Americana" (1998). Brad Pitt (que recentemente protagonizou o filme "Trem-Bala") é sem dúvida o melhor personagem do filme. Pitt estava em seu auge, em sua melhor forma, e aqui ele nos impacta com uma belíssima atuação. Pitt e Norton estavam em uma ótima sintonia, ambos se completavam perfeitamente em cena. Tanto que ambos estavam realmente alcoolizados na cena em que seus personagens aparecem bêbados rebatendo bolas de golfe. Helena Bonham Carter (a eterna Bellatrix Lestrange) é uma lady, uma dama, tem uma atuação requintada, peculiar, ao mesmo tempo enérgica e avassaladora. Bonham Carter faz o contraponto perfeito com Norton e Pitt, ela consegue alcançar uma química perfeita com ambos, sempre sendo a peça-chave na história e se destacando notavelmente. Pelo seu ótimo desempenho, Helena Bonham Carter venceu o Empire Award na categoria de Melhor Atriz Britânica, em 2000. Ainda tivemos a participação de Jared Leto (que no mesmo ano esteve em "Garota, Interrompida") como Angel Face, se destacando em uma cena um tanto quanto curiosa.
Tecnicamente o longa de David Fincher é perfeito! Temos uma excelente trilha sonora bastante arrojada e compenetrada. A fotografia é um show à parte, principalmente durante às cenas de lutas, onde ela se destacava ainda mais em meio aquela violência sem nenhum pudor. Uma direção de arte muito bem organizada. Uma montagem perfeita. Uma edição muito limpa. Uns efeitos sonoros bem destacados. Tecnicamente "Clube da Luta" é uma obra-prima.
Como o ano de 1999 foi o ano responsável por um dos melhores Plot twists da história do cinema - obviamente estou me referindo a obra-prima "O Sexto Sentido" - "Clube da Luta" não fica atrás e também nos entrega um Plot inovador, intrigante, avassalador, daqueles que nos fazem pensar por semanas, daqueles que nos surpreende como um verdadeiro soco no estômago.
A grande reviravolta na trama acontece quando o Narrador (Edward Norton) quer dar um basta nas proporções que o clube tomou. Nesse momento, Tyler Durden (que até então era o Brad Pitt) desaparece e o Narrador descobre que ele e Tyler são a mesma pessoa, fruto do seu distúrbio de personalidade. Tyler, o duplo, criado pelo personagem de Norton é uma alucinação, pois, só existe enquanto produção imaginária do seu criador.
"Clube da Luta" foi um filme que ficou conhecido por algumas polêmicas e algumas curiosidades: Como por exemplo a controvérsia à respeito do nome do Narrador (Norton). Muitos acreditam que ele se chama Jack por causa da frase "I am Jack's...", mas outros argumentam que "Jack" é apenas um apelido que ele escolheu usar após ler o nome em algum lugar. Curiosamente, na época do lançamento, um catálogo promocional foi entregue para a imprensa em que o personagem de Norton era chamado de Jack. Além disso, no roteiro original, Jim Uhls se refere a ele como Jack. Por outro lado, nas legendas originais do filme ele é chamado de Rupert.
"Clube da Luta" foi comparado com os filme "Juventude Transviada" (1955) e "A Primeira Noite de Um Homem" (1967), como um tema de conflito entre a Geração X (que é uma expressão que se refere, segundo alguns, aos indivíduos nascidos entre meados da década de 1960 e o início da década de 1980) e o sistema de valores da publicidade.
O longa de David Fincher ficou estigmatizado aqui no Brasil pelo "Massacre no Morumbi Shopping" em São Paulo, que ocorreu no dia 3 de novembro de 1999. Quando um psicopata efetuou vários disparos que matou 3 pessoas que estavam na sala durante a sessão e feriu outras 4. Naquela época houve uma grande polêmica em cima do filme, pelo fato da sua violência explícita, e a sua capacidade de despertar e incentivar o lado violento das pessoas.
"Clube da Luta" teve inúmeras críticas e recebeu reações polarizadas dos críticos. Além de não atender às expectativas do estúdio nas bilheterias. Foi classificado como um dos filmes mais controversos e discutido da década de 1990. O jornal The Guardian o classificou como um prenúncio de mudança da vida política americana, e descreveu o seu estilo visual como inovador. O filme tornou-se mais tarde um sucesso comercial com o lançamento do DVD, que o estabeleceu como um clássico Cult, e fazendo com que a mídia revisitasse o filme. Em 2009, no décimo aniversário do lançamento do filme, o The New York Times o consagrou de "filme Cult que define o nosso tempo". O longa-metragem é considerado amplamente como um dos maiores e mais influentes filmes de todos os tempos.
Entre várias polêmicas e críticas, o longa de David Fincher obteve apenas uma indicação no primeiro Oscar dos anos 2000 - Melhores Efeitos Sonoros.
Considerado como um verdadeiro clássico moderno desde sua publicação em 1996, "Clube da luta" consagrou Chuck Palahniuk como um dos mais importantes e criativos autores contemporâneos, além do próprio livro como um cânone da cultura Pop. Em 2013, o autor anunciou, durante a edição da ComicCon de São Diego, uma continuação de seu romance homônimo. A continuação foi lançada em maio de 2015, intitulada "Clube da Luta 2". Porém, até o momento, não há nenhum rumor sobre uma possível versão cinematográfica.
"Clube da Luta" continua sendo um filme extremamente popular, e muito por seus arquétipos niilistas, seu humor negro, sua abordagem sobre o alter ego, sobre a crise existencialista, sobre a autodestruição, que envolve uma sociedade consumista e uma masculinidade tóxica. Além, é claro, por provocar nos espectadores reflexões profundas acerca da nossa sociedade e a forma como vivemos. "Clube da Luta" é um verdadeiro clássico do cinema moderno. Uma verdadeira aula cinematográfica. Um clássico Cult. Uma obra-prima icônica. Uma lenda da sétima arte. Uma obra que está entre os melhores filmes dos saudosos anos 90, e entre os melhores filmes de todos os tempos.
"Clube da Luta" foi lançado no Brasil dia 29/10/1999. Temos aqui um aniversário de 23 anos de lançamento. [28/10/2022]
"O Aviador" foi lançado em 2004, dirigido por Martin Scorsese e escrito por John Logan. Baseado no livro de não-ficção de 1993 "Howard Hughes: The Secret Life" de Charles Higham, o filme retrata a vida de Howard Hughes. É estrelado por Leonardo DiCaprio como Howard Hughes, Cate Blanchett como Katharine Hepburn e Kate Beckinsale como Ava Gardner.
Muitas pessoas e críticos de cinema consideram Martin Scorsese como o "maior diretor de cinema do mundo ainda vivo". O diretor foi responsável por algumas das maiores obras do que hoje é conhecido como "cinema moderno". "Taxi Driver", "Touro Indomável", "Os Bons Companheiros", "Gangues de Nova York" e a linda homenagem à história dos primórdios da sétima arte, "A invenção de Hugo Cabret", figuram entre alguns dos filmes mais adorados e premiados pelo público e pela crítica. Eu sou um fã apaixonado pelas obras do mestre Scorsese.
Em "O Aviador" Scorsese nos traz uma biografia, uma releitura da vida de Howard Hughes. Howard foi um pioneiro da aviação, engenheiro aeronáutico, industrial, produtor de cinema e diretor cinematográfico norte-americano, além de um dos homens mais ricos do mundo. O filme retrata sua vida de 1927 a 1947, período que ficou famoso por se tornar um magnata da aviação, por quebrar o recorde mundial de velocidade em um avião, produzir o filme "Hell's Angels" e por se tornar dono de uma das maiores empresas aéreas norte-americana, a TWA (Trans World Airlines).
Howard Hughes era um ser humano ambicioso, perfeccionista, volúvel, um playboy excêntrico, uma figura megalomaníaca. Um jovem que se tornou milionário da noite para o dia, devido a uma herança deixada por seu pai, e utilizou o dinheiro para conciliar uma carreira de diretor de cinema e construir um verdadeiro império da aviação nos EUA, tudo sempre muito grandioso, muito estratosférico e, consequentemente, muito caro. Porém, ao mesmo tempo que Howard exibia todo o sucesso e fama, ele se tornava mais instável devido ao grave transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Que é caracterizado pela presença de obsessões, compulsões, ideias, pensamentos, imagens ou impulsos repetitivos e persistentes que são vivenciados como intrusivos e provocam ansiedade. Howard não tinha apenas preocupações excessivas em relação aos seus problemas cotidianos, ele desenvolveu uma doença, um transtorno, uma obsessão, um trauma.
O longa de Scorsese ainda nos elucida sobre a otosclerose. Howard havia herdado a surdez parcial que acontecia na família. A condição de otosclerose hereditária se tornaria progressivamente pior ao longo de sua vida, pois quando jovem, fez com que ele se tornasse isolado e introspectivo (exatamente como vemos na primeira cena do filme). "O Aviador" ainda funciona como um ótimo exemplo ilustrativo de como se manifestam os sintomas da neurose obsessiva, que era exatamente a compulsão desenvolvida por Howard para designar um distúrbio que produz sofrimento psíquico e que aponta para os impasses com o seu desejo inconsciente, compondo, juntamente com a histeria, as suas neuroses. Ao longo da trama constatamos desde o estilo excêntrico e megalômano de Howard, passando por sua dificuldade com decisões e dúvidas extremas, até a evolução de seus atos ritualísticos.
Leonardo DiCaprio no entrega aqui simplesmente uma das maiores atuações de toda a sua carreira. DiCaprio com certeza está entre os melhores atores da sua geração e de todos os tempos. Ao longo da sua carreira cinematográfica já tivemos várias atuações com um nível de excelência absurda, como o próprio longa do Scorsese - "O Lobo de Wall Street" (2013), onde pra mim o DiCaprio entrega a sua melhor atuação. Em "O Aviador" DiCaprio tem um nível de entrega ao personagem altíssimo, desenvolve uma relação entre o personagem e o espectador completamente fantástica, pois sua interpretação condiz exatamente com uma personalidade ambiciosa, megalomaníaca, com um perfeccionismo completamente doentio e desfavorável à sua mente. Aqui o Scorsese usa o DiCaprio para nos trazer um estudo aprofundado sobre o perfeccionismo, que muita das vezes poder ser visto como algo bom, necessário para o ser humano em seu cotidiano, mas também pode acarretar consequências desfavoráveis, doentias, com manipulações perigosas e indesejáveis. Ao longo dos anos, DiCaprio já poderia (e deveria) ter ganhado o Oscar em várias ocasiões, como por exemplo aqui e na obra-prima "O Lobo de Wall Street". Porém, esse Oscar veio tardiamente e pelo o conjunto da obra em "O Regresso" (2015), que de fato DiCaprio entrega mais uma belíssima atuação, mas inferior se comparada com suas performances anteriores. Por sua atuação magnífica em "O Aviador", DiCaprio ganhou o Globo de Ouro e foi indicado ao Oscar. Curioso que o Jim Carrey esteve cotado para interpretar Howard Hughes.
Cate Blanchett é uma atriz que está no hall das melhores atrizes de todos os tempos (incontestavelmente), aquela típica atriz que é completamente impossível achar um trabalho ruim ou mediano, e aqui ela simplesmente nos exibe uma das suas melhores atuações da carreira. Cate traz uma atuação segura, arrojada, compenetrada, rica em detalhes técnicos e expressivos, onde soube aproveitar muito bem o seu tempo de tela ao lado do DiCaprio, cuja harmonia e sintonia era sentida notavelmente. Perfeição é a palavra que define o trabalho entregue aqui por Cate Blanchett. E olha que inicialmente Nicole Kidman interpretaria a Katharine Hepburn, mas devido a conflitos de agenda com as filmagens de "Mulheres Perfeitas" (2004) teve que desistir do papel. De fato a Nicole Kidman é outra belíssima atriz, mas devo afirmar que a Katharine Hepburn nasceu para ser interpretada pela Cate Blanchett, com certeza ninguém faria melhor que ela. Naquele ano a Cate Blanchett ganhou o seu primeiro Oscar da carreira, além de também ter ganhado o BAFTA.
Kate Beckinsale é uma atriz talentosa, extremamente bela, onde ela também exibiu a sua personagem com muita grandeza e muita peculiaridade ao longo da trama. Gwyneth Paltrow chegou a assinar o contrato para interpretar Ava Gardner, mas desistiu do papel, o deixando nas mãos da competente Kate Beckinsale. Kate entrega uma performance elegante, eloquente, acertada, que também esteve com uma química perfeita ao contracenar com o Leonardo DiCaprio. O longa ainda contou com a presença ilustre do mestre Willem Dafoe, se destacando notavelmente mesmo com o seu pouco tempo de tela. John C. Reilly muito bem interpretando o personagem Noah Dietrich. Alec Baldwin que também esteve muito bem como Juan Trippe. Além de ser o filme de estreia de Gwen Stefani, vocalista da banda americana No Doubt, como atriz.
Inicialmente seria Michael Mann o diretor de "O Aviador", mas como ele havia dirigido recentemente duas outras cinebiografias, "O Informante" (1999) e "Ali" (2001), decidiu ser apenas produtor do filme e ofereceu o projeto a Martin Scorsese. E devo dizer que esta foi uma decisão muito acertada, pois um projeto desse calibre nas mãos do mestre Scorsese, só poderia render uma obra com o nível que presenciamos. O roteiro de John Logan ("Gladiador" e "O Último Samurai") é outro ponto de destaque no longa, bem montado e bem construído. A trilha sonora de Howard Shore (simplesmente o compositor da obra-prima "O Silêncio dos Inocentes") é bela, é rica, é muito bem idealizada e se alterna com excelência ao longo de cada cena. A fotografia de Robert Richardson ("Ilha do Medo" e "A Invenção de Hugo Cabret") é magnífica, perfeita, se destacando com uma paleta de cores que nos remetia diretamente à obras do passado. A direção de arte é excelente, assim como a montagem, edição, som, figurinos, todos funcionando como um verdadeiro deleite para o espectador.
Apesar de todas às excelências destacadas, Scorsese peca no ritmo e na duração do longa-metragem. Eu vejo "O Aviador" dividido em duas partes: a primeira é composta pela apresentação dos personagens e principalmente do Howard Hughes, onde temos todo um trabalho feito em cima de cada cena com uma certa exigência de detalhes imposta pelo próprio Scorsese. O que definitivamente deixou essa parte cansativa, com um ritmo lento, morno, que nos exige mais concentração e mais paciência. Já a segunda, que é exatamente após o acidente quase fatal de Howard, é aonde o filme ganha um fôlego extremo, se destaca com bastante excelência, principalmente por impor um ritmo dinâmico, fluido, acertado. E muito por essa parte especificamente abordar o transtorno em seu estado mais aflorado, toda desconstrução e queda do Howard baseado em sua doença. E ainda temos aquela parte final que aborda a sessão do julgamento, que é simplesmente uma das melhores cenas de todo o filme.
"O Aviador" arrecadou US $ 214 milhões com um orçamento de US $ 110 milhões. Na temporada de premiações em 2005, o longa foi indicado a onze Oscars, incluindo Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Original, Melhor Som, Melhor Ator para DiCaprio e Melhor Ator Coadjuvante para Alda, ganhando cinco: Melhor Fotografia, Melhor Edição, Melhor Figurino, Melhor Direção de Arte e Melhor Atriz Coadjuvante para Blanchett. No BAFTA, foi indicado a quatorze prêmios, ganhando quatro: Melhor Filme, Melhor Atriz Coadjuvante para Blanchett, Melhor Design de Produção e Melhor Maquiagem e Cabelo. No Globo de Ouro, foi indicado a seis prêmios, ganhando três: Melhor Filme - Drama, Melhor Ator - Filme Dramático para DiCaprio e Melhor Trilha Sonora Original para Howard Shore. Além disso, DiCaprio foi indicado para Melhor Ator Masculino em um Papel Principal e Blanchett ganhou Melhor Ator Feminino em um Papel Coadjuvante no Screen Actors Guild Awards. O longa ainda faturou o MTV Movie Awards de Melhor Ator (DiCaprio), além de ter sido indicado na categoria de Melhor Cena de Ação.
O mestre Scorsese nos brinda com mais uma de suas pérolas cinematográficas, mais um trabalho extremamente importante dentro da sua consagrada e premiada filmografia. "O Aviador" é uma obra seca, crua, tensa, verdadeira, que nos exibe em forma de biografia um profundo estudo da psicanálise, das doenças mentais e suas consequências, das camadas de um ser humano em seu estado obsessivo, compulsivo, degradante e decadente. Um verdadeiro show, um verdadeiro espetáculo dessa dupla que já é considerada histórica para a sétima arte - Martin Scorsese e Leonardo DiCaprio. [22/10/2022]
"Doutor Sono" foi lançado em 2019, escrito e dirigido por Mike Flanagan. É baseado no romance homônimo de mesmo nome de Stephen King de 2013, é uma sequência do romance de 1977 de King, "O Iluminado", e é uma sequência de "O Iluminado" (1980), de Stanley Kubrick. Situado várias décadas após os eventos de "O Iluminado", "Doutor Sono" é estrelado por Ewan McGregor como Danny Torrance, que na infância conseguiu sobreviver a uma tentativa de homicídio por parte do pai, um escritor perturbado por espíritos malignos do Hotel Overlook. Danny cresceu e agora trava uma luta contra o alcoolismo. Um homem com habilidades psíquicas que luta com traumas de sua infância.
Devo começar mencionando que li o livro de Stephen King - "Doutor Sono". O livro em si é bom, tem uma história relativamente boa, tem personagens cativantes e funcionais com a história. Porém, tem certas partes que a leitura soa um tanto quanto confusa, tem certas partes que a história se perde um pouco e se embaralha na cabeça do leitor. A própria apresentação e desenvolvimento do grupo "O Verdadeiro Nó" é um tanto quanto confusa, melhorando bastante nos últimos 5 capítulos do livro.
"O Iluminado" de Stanley Kubrick é simplesmente um dos maiores filmes de suspense/terror já feito na história do cinema. Assim como o próprio livro de Stephen King, que pra mim entra na lista das suas melhores obras literárias da carreira. Então, como seria a vida e a cabeça de Mike Flanagan ao aceitar o maior desafio da sua carreira cinematográfica, que era justamente dirigir e roteirizar a continuação de uma das maiores obras de todos os tempos, tanto pelos olhares de Kubrick quanto pelos olhares de King. Mike Flanagan tem uma certa experiência dentro do gênero de suspense e terror, já dirigiu e roteirizou algumas obras que tratava exatamente dessa temática, como "O Espelho" (2013), "O Sono da Morte" (2016) e "A Maldição da Residência Hill" (2018). Portanto, devo dizer que Flanagan fez um trabalho muito competente, jogou na segurança, ao entregar uma obra fiel ao livro de King e homenageando o icônico filme de Kubrick.
Devo dizer que em nenhum momento o filme de Flanagan faz uma disputa com o filme de Kubrick, pra vê quem é melhor ou quem chega aos pés de quem. Muito pelo contrário, a obra de Flanagan (assim como o livro de King) exerce o seu universo, funciona como uma continuação direta (30 anos após os eventos em Overlook), conta a sua história. De fato tanto o livro do King quanto o filme do Kubrick tem mais suspense e terror, aborda mais esse lado do suspense psicológico, do terror sobrenatural, do mistério e da psicopatia. Já o livro "Doutor Sono" sai um pouco dessa temática, aborda outras histórias, outros acontecimentos, outras nuances, principalmente sobre a vida adulta do Danny Torrance. Danny é um adulto traumatizado e alcoólatra que vive de cidade em cidade, até que se estabelece em uma onde consegue um emprego no hospital. Porém, ele começa a ter contatos e cria um vínculo telepático com Abra Stone (Kyliegh Curran), uma garota com um dom espetacular, a iluminação mais forte que já se viu. Ela desperta os demônios de seu passado, e Danny se vê envolvido em uma batalha pela alma e pela sobrevivência dela. Sendo assim, consequentemente o filme "Doutor Sono" vai navegar dentro desse contexto, dentro desse universo, obviamente sendo menos terror e menos suspense (somente na parte final que o filme mergulha mais nesse gênero).
"Doutor Sono" já começa na nostalgia ao iniciar com a mesma música de "O Iluminado". Temos um começo que retrata muito bem o filme icônico de Kubrick, iniciando com Danny andando em seu triciclo pelos corredores do Overlook e se deparando com o quarto 237 e com a banheira. Achei muito interessante o Danny Torrance de Roger Dale Floyd (Stranger Things) e a Wendy Torrance de Alex Essoe (House of Lies). Tanto o Danny quanto a Wendy me lembrou bastante as versões icônicas e lendárias de Danny Lloyd e Shelley Duvall - achei muito bom mesmo. Inicialmente o longa ainda nos exibe uma certa ligação entre Rose, a Cartola (Rebecca Ferguson) e os membros do Verdadeiro Nó, com o Hotel Overlook e a família Torrance. Era como se na mesma época em que Jack, Wendy e Danny estavam no Hotel, Rose e seu grupo já existiam e já estavam ao seu redor.
Quando eu disse que Mike Flanagan jogou na segurança, eu estava me referindo exatamente ao roteiro de "Doutor Sono", que segue com uma adaptação completamente fiel ao livro de King. Devo afirmar que aqui temos umas das adaptações mais fiéis em relação à uma obra literária. Na verdade Flanagan decidiu seguir em duas vertentes, uma seguindo fielmente a obra de Stephen King e a outra usando a parte final para prestar uma verdadeira homenagem a obra de Stanley Kubrick. Era como se ele quisesse agradar à todos os lados, tanto os leitores do livro, quanto o próprio King e os fãs mais saudosos e nostálgicos da obra de Kubrick. E devo afirmar que Mike Flanagan conseguiu executar muito bem esse desafio!
Mike Flanagan adapta muito bem a obra de Stephen King, pois praticamente todas as cenas do livro estão no filme (tirando somente a parte final no Hotel). Inicialmente temos a cena com Danny conversando no banco de frente pro mar com Dick Hallorann (Carl Lumbly), quando ele o ensina a aprisionar todos os seus medos e monstros em uma espécie de cofre em sua mente. É uma cena que começa exatamente como no livro, ainda no passado com Danny ainda uma criança. Esta parte já concerta um pouco o final do filme "O Iluminado" pela visão e opinião de Stephen King, pois no longa de Kubrick Hallorann foi morto por Jack dentro do Overlook. Sendo assim, se Flanagan decidisse seguir nos moldes do filme do Kubrick esta cena jamais existiria. A cena das colheres no teto com Abra com apenas 5 anos. Rose recrutando a Andi Cascavel (Emily Alyn Lind). Quando o Nó rapta o garoto do Beisebol e retiram todo o seu vapor. A primeira vez que Rose tem contato com Abra e tenta entrar em sua mente, Abra simplesmente a expulsa de sua mente com muita violência. Tudo acontece no supermercado, exatamente como no livro. A cena que Rose vai até o quarto de Abra e ela a ataca dilacerando sua mão na gaveta, e a expulsando de volta até o grupo do Nó. É uma parte que não existe no livro, foi uma criação do roteirista, mas ficou uma cena muito boa, encaixou perfeitamente na história.
Mesmo com o claro desejo de Mike Flanagan em seguir uma linha que não desapontasse o King, como aconteceu na época de "O Iluminado". Porém, ele mudou alguns pontos da história: quando o Corvo (Zahn McClarnon) vai até a casa da Abra e mata o pai dela com uma facada no peito e a leva embora com ele - no livro não é assim que acontece, primeiro porque o pai da Abra não morre e segundo porque na verdade o Corvo também é morto no ataque da floresta junto com os outros do grupo do Nó. No filme o Corvo é morto ao tentar levar Abra até Rose, ela o faz bater o carro em uma árvore. Quando Andi Cascavel está morrendo ela entra na mente de Billy Freeman (Cliff Curtis) o fazendo se suicidar com um tiro no queixo, isso também não acontece, no livro o Billy não morre. Ou seja, duas mortes que acontecem no filme e que não acontecem no livro.
Já na parte final, onde claramente Mike Flanagan deixa de lado a adaptação da obra de Stephen King para nos levar de volta até a obra de Stanley Kubrick, temos a parte do Hotel Overlook. Devo lembrar que está parte não existe no livro. No livro a luta final contra Rose, a Cartola acontece no mirante do 'Teto do Mundo', o local onde ficava o Overlook antes da explosão da caldeira. Já no filme Flanagan nos leva novamente para dentro do lendário Hotel, onde a luta final contra Rose acontece. Eu achei uma ideia muito boa, pois como o próprio Danny disse para Abra, o Hotel tinha um forte poder sobre as pessoas que o adentrava, então poderia ser perigoso contra eles dois, mas também poderia ser perigoso contra Rose. É nessa hora que temos uma verdadeira viagem no tempo de volta aos corredores do icônico Overlook.
Danny adentra ao Hotel ainda intacto, ainda da forma que ele deixou quando fugiu com sua mãe na infância, sendo que até a porta do banheiro ainda permanece com a parte quebrada com o machado pelo seu pai (JackTorrance). É nessa hora que o diretor presta uma verdadeira homenagem ao filme do Kubrick, ao colocar o rosto de Danny no mesmo local onde Jack havia colocado o seu rosto e proferido a icônica frase - "Heeeere's Johnny!". E ainda tem um flashback dessa cena - sensacional e memorável! Juro que nessa hora eu queria que o saudoso Stanley Kubrick ainda estivesse vivo, só pra saber qual seria a sua opinião em relação ao filme e especificamente esta cena. Temos uma espécie de remake do filme do Kubrick daquela cena icônica em que Jack Torrance bebe no bar do Hotel sendo servido pelo fantasma do Lloyd. Aqui é Danny que está sentado no lugar do pai e sendo servido pelo próprio pai, onde temos uma incrível cena de diálogos, onde Jack tenta obrigar o filho a beber novamente - mais uma cena fantástica.
Nessa hora Flanagan despeja uma cena icônica atrás da outra: às cenas dentro do Overlook, com Danny empunhando um machado igual seu pai. Rose perseguindo Abra no Labirinto de neve, igual Jack fez com Danny. A cena que Danny corre atrás da Abra pelos corredores do Hotel gritando o seu nome e com o machado na mão, como aconteceu no filme do Kubrick com Jack com o machado gritando o nome do Danny. E o que aconteceu no final do livro "O Iluminado", com a caldeira do Hotel explodindo e matando Jack Torrance (e que não acontece no final do filme do Kubrick), aconteceu aqui e matando o Danny (antes, ele teve uma visão de sua versão criança abraçando Wendy). Nos momentos finais do filme, Abra é vista conversando com o fantasma de Dan e ele diz que agora, está em paz. No entanto, a garota começou a ser atormentada pelo fantasma da mulher do quarto 237 do Hotel Overlook, exatamente como acontecia com Danny quando era criança. Era como se Abra Stone de fato estivesse revivendo os passos de Danny Torrance.
Mesmo com toda adaptação fiel e toda liberdade criativa ao final, Flanagan deixou a desejar em alguns pontos. Faltou retratar mais o poder e a capacidade de Abra. No livro ela é muito mais poderosa, mais forte, mais ameaçadora, até para a própria Rose. A mãe de Abra, Lucy Stone (Jocelin Donahue), também ficou muito escanteada no filme, no livro ela é mais importante e tem muito mais relevância dentro da história. Ficou devendo uma abordagem maior aos integrantes do Verdadeiro Nó, como a própria Andi Cascavel e o Corvo. Fora outros personagens muito importantes na história do livro que sequer apareceram no filme, como a personagem Sarey Shhh, que no livro é peça-chave na parte final do embate, ajudando diretamente Rose, a Cartola. Temos também a parte do Dr. John Dalton (Bruce Greenwood), o líder do grupo AA de Danny e seu chefe no hospício. Ele aparece no início, quando Danny lhe fala sobre seu relógio perdido, sendo que depois ele é simplesmente abandonado pelo roteiro, e olha que no livro ele é uma figura muito importante para Abra e para os pais dela entenderem melhor todo o seu processo de iluminação. Pontos negativos do roteiro.
Ewan McGregor (Star Wars: A Ascensão Skywalker) traz a personificação do Danny Torrance adulto, agora conhecido somente por Dan. Uma escolha muito acertada, pois McGregor é um ótimo ator e esteve muito bem em todas as cenas, representou muito bem o Dan do livro. Kyliegh Curran (Segredos Em Sulphur Springs) dá vida a Abra Stone, que no filme é negra mas no livro Dan a descreve como: "tinha pernas longas para a sua idade (12 anos) e tinha mechas de cabelos louros cacheados. Ela era bonita mas não linda e tinha belos olhos azuis." Kyliegh faz muito bem o seu papel de protagonista, acerta em praticamente todas as cenas, está em uma boa sintonia com Ewan McGregor. Só acho que ela poderia ter sido um pouco mais ambiciosa nas cenas finais, poderia ter sido um pouco mais incisiva no embate final contra Rose. Rebecca Ferguson (Duna) pra mim é dona da melhor atuação do filme, ela é de longe a que mais representa a Rose, a Cartola do livro. Com toda certeza Rebecca deve ter estudado profundamente a personagem, pois ela traz a personificação mais fiel, se destacando como fria, perversa, maldosa, ambiciosa, prepotente, exatamente com a Rose do livro. Este é o típico filme que podemos dizer que temos 3 protagonistas na história - Danny Torrance, Abra Stone e Rose, a Cartola - mesmo que uma seja a vilã. Ainda tivemos a presença ilustre de Danny Lloyd, o Danny Torrance na versão da obra de Kubrick. Ele tem uma breve aparição no jogo de Beisebol.
Mike Flanagan ainda ganhou a aprovação do mestre Stephen King por tentar "reparar" as falhas que Stanley Kubrick havia cometido. King sempre reclamou abertamente sobre sua antipatia ao modo como Kubrick adaptou seu icônico romance de terror, "O Iluminado". O próprio King admitiu que o livro havia sido inspirado na própria batalha dele contra o vício, ou seja, era extremamente importante que Jack capturasse a simpatia do público. No entanto, Kubrick transformou Jack em um monstro, onde o filme é radicalmente diferente do livro em alguns aspectos. Felizmente, Flanagan superou as disparidades entre o livro de King e o filme de Kubrick ao adotar elementos presentes no final de "O Iluminado" para abordar as nuances da dependência química. Em "Doutor Sono", Danny luta contra o alcoolismo, assim como seu pai, mas consegue mudar sua vida para melhor. No discurso que ele dá para celebrar oito anos de sobriedade, Danny fala sobre o vício de seu pai, mas também relembra os momentos genuínos de amor e compaixão que ele experimentou, mostrando ao público que Jack nem sempre era um monstro (diferente da forma como Kubrick o retratou, ao evidenciar para o público que Jack era realmente um monstro).
Stephen King ainda deu a sua opinião na obra de Mike Flanagan. O autor influenciou o cineasta a mudar uma cena que estaria "muito brutal". Flanagan explicou que na cena em que o personagem de Bradley Trevor, interpretado por Jacob Tremblay (O Quarto de Jack), é assassinado pelo Verdadeiro Nó ficou extremamente violenta, a ponto de incomodar King.
"Doutor Sono" foi muito bem elogiado pelo roteiro de Flanagan, pela adaptação da obra de Stephen King e as atuações do elenco (especialmente os três protagonistas), mas recebeu fortes críticas em relação a duração do filme (e olha que a versão estendida ainda tem mais 30 min). O longa arrecadou US $ 72,3 milhões em todo o mundo, seu desempenho nas bilheterias foi considerado uma decepção em comparação com as outras adaptações de King lançadas em 2019, como "It – Capítulo Dois" e "Cemitério Maldito".
No mais, "Doutor Sono" é um filme muito bom, funciona muito bem como uma sequência de "O Iluminado". Na verdade o longa funciona tanto como continuação da história original, quanto como um filme isolado, com um universo próprio e personagens que envolvem o espectador através de uma nova história e nova revelações. Mesmo que o filme não nos envolva com o mesmo suspense e o mesmo terror de "O Iluminado", mas ainda assim podemos considerá-lo como uma obra que está inserida diretamente na fantasia, no mistério, no suspense psicológico e no terror sobrenatural. Mike Flanagan consegue entregar uma ótima adaptação para agradar Stephen King e ainda consegue fazer uma bela homenagem para a obra icônica de Stanley Kubrick. [16/10/200]
"O Farol" foi lançado em 2019, dirigido e produzido por Robert Eggers, a partir de um roteiro que ele co-escreveu com seu irmão Max Eggers. O longa-Metragem é uma produção da A24 Films, sendo diretamente influenciado pelo terror cósmico do escritor americano H.P. Lovecraft, autor que chocou o mundo com suas obras literárias nefastas, repletas de criaturas marítimas, espaciais e demoníacas. "O Farol" surgiu pela primeira vez da releitura de Max Eggers do conto inacabado de Edgar Allan Poe com o mesmo nome. Robert Eggers ajudou no desenvolvimento quando Max não conseguiu completar a adaptação de "The Light-House", originando o enredo de um mito do século XIX de um assassinato em um farol galês. "O Farol" se baseia visualmente na fotografia da Nova Inglaterra da década de 1890, no cinema francês com tema marítimo da década de 1930 e na arte simbolista. O longa é estrelado por Willem Dafoe e Robert Pattinson como wickies do século XIX (faróis) envolvidos em turbulência psicológica depois de serem abandonados em um remoto posto avançado da Nova Inglaterra por uma tempestade destrutiva.
Robert Eggers hoje é um dos principais nomes dentro da indústria hollywoodiana, é uma das grandes revelações do cinema de horror nos últimos anos. É considerado como um diretor muito promissor e com bastante potencial, e que já demonstrou todo o seu talento em seus três ótimos filmes. Em seu primeiro longa - "A Bruxa" - ele impactou à todos com uma obra imersa no terror psicológico, uma fábula imaginária, mística, sombria, que desafiava a sanidade de todos. Já este ano ele nos trouxe o seu terceiro filme - "O Homem do Norte" - um longa que desafiou Eggers a sair da sua zona de conforto (o suspense e o terror) e trilhar os caminhos de um épico viking.
"O Farol" é um filme diferente de tudo que eu já assisti. Uma obra que desafiou a categorização nas mídias digitais, muito pela sua variação entre um filme de terror, um thriller psicológico, um filme de sobrevivência e um estudo de personagem. Na verdade estamos diante de uma obra que nos traz um estudo aprofundado sobre psicologia, psicanálise, nos confrontando com as mais variadas camadas do ser humano. O longa está imerso no drama, na fantasia, no suspense, no terror, sempre buscando o imaginário, o mistério, o místico, o lúdico, nos entregando uma obra que fala diretamente sobre o isolamento, sobre a descaracterização do ser humano, sobre a destrutividade da solidão. "O Farol" também traz uma abordagem sobre a solidão em seu aspecto mais destrutivo, pois estar sozinho na história representa o distanciamento de si mesmo, e portanto, a ascensão de um estado psicótico e puramente instintivo - exatamente como observamos nos personagens com o passar do tempo.
O longa de Robert Eggers faz uma verdadeira homenagem ao cinema antigo, das décadas de 40 e 50, principalmente por ser em uma película em preto e branco e ter sido filmado com uma proporção quase quadrada com um formato 1.19:1. Ou seja, técnicas fora do comum e que hoje em dia estão praticamente extintas. A filmagem em preto e branco funciona como uma obra estilizada, arcaica, que faz uma referência ao terror de contos antigos sobre embarcações, marinheiros, criaturas marítimas, além de nos explicitar sobre a perda de sanidade em locais isolados e inóspitos como uma ilha deserta ou até mesmo um farol. Já esse formato mais próximo de um quadrado (como as antigas TV’s de tubo) nos imerge diretamente ao enclausuramento, ao isolamento, a sensação de claustrofobia, que acredito ter sido uma clara decisão do Eggers. Também podemos considerar que este formato de filmagem pode agregar ainda mais na situação desconfortável, limitada, sufocante, na exigência da aproximação dos personagens com a câmera para nos evidenciar sobre suas histórias - decisão incrível e completamente acertada do diretor.
Sobre a filmagem em preto e branco e um formato de tela um tanto quando inusitado e ousado, eu posso afirmar que Robert Eggers faz um trabalho de direção incrível e impecável. Eggers consegue tirar o melhor de cada personagem com seus takes em locais apertados, sufocantes, onde sua câmera sempre buscava o foco no rosto de cada um. A fotografia por sua vez é magnífica, delicada, ao mesmo tempo é tensa, pesada, incômoda, principalmente por se tratar de uma fotografia em preto e branco, onde realça ainda mais a qualidade de cada cena. A trilha sonora é sufocante, inquietante, horripilante, onde tínhamos aquela sirene estridente do farol, que nos sufocava e nos incomodava ainda mais. O longa tem uma bela direção de arte, pois tudo que estava em cena condizia perfeitamente para a montagem e a estruturação dos cenários. Além de contar com uma bela montagem e uma ótima edição, onde tínhamos cenas quase que em sequências e quase sem cortes. A ambientação também se destaca notavelmente, principalmente por ser fiel com o lugar, a época, o contexto onde a história se passa. A ambientação do longa contextualiza muito bem as cenas com a relação entre as personagens e o cenário - como podemos observar na primeira cena do filme.
"O Farol" é uma obra complexa, intrigante, desconcertante, ambígua, que exige diferentes interpretações, com diferentes menções, alusões e alegorias.
Podemos associar que a obra está inserida em simbologias e referências mitológicas, como a própria mitologia grega - pois nela o jovem Thomas Howard/Ephraim Winslow (Robert Pattinson) é a personificação de Prometeu, que no mito foi um titã que roubou o fogo dos deuses para dividir com a humanidade - como vimos na cena em que o Thomas Wake (Willem Dafoe) faz uma alusão personificando uma figura egocêntrica. Também temos a cena quando Thomas amaldiçoa Winslow por ofendê-lo, e ele invoca os sete mares e até Poseidon. Temos outra cena onde aparece Thomas com tentáculos, algas marinhas espalhadas pelo corpo, e até um chifre de coral saindo de sua testa. Para muitos, o personagem está caracterizado como Proteu, filho de Poseidon. Na mitologia, um dos principais traços da entidade é a violência e a imprevisibilidade - algo que foi muito bem destacado no personagem durante a trama. Sendo assim podemos dizer que "O Farol" faz uma alegoria à perda do controle e a degradação do ser humano através da mitologia grega.
Também podemos fazer uma alusão ao que significa o símbolo do farol para a história: como algo que lida de uma maneira muito forte com a masculinidade velada, o machismo em um alto nível, principalmente com o comportamento masculino, seja ele afetivo ou sexual. Exatamente como vimos ao longo da trama entre os dois personagens, que ora pareciam amigos ora pareciam inimigos. Tinham partes que eles pareciam despertar um interesse mútuo, onde tem uma cena que os dois estão embriagados e seus rostos se aproximam quase que se tocando em um improvável beijo. Também podemos associar o farol com uma fonte de vida daquela ilha, onde o próprio Thomas Wake o protege para manter o equilíbrio das criaturas. Talvez isso explique o motivo de Winslow sempre estar proibido de se aproximar do local.
Também é possível associar aquele farol como um estudo da psicanálise, onde o próprio pode representar como estado de consciência absoluta. Acredito que Thomas e Winslow sejam a mesma pessoa, até por isso aquele farol pode significar a quebra das ilusões para ambos. Também acredito que até por isso quando Winslow consegue finalmente acessar o farol ele é morto por sua luz intensa. O estado mental que o local oferece é mais do que ele poderia suportar, pois ele já está entregue a uma profunda perda de si.
Duas curiosidades bastante interessantes que o próprio diretor Robert Eggers confirmou: A cena que o Thomas Howard acaba matando o Thomas Wake com o machado é inspirado na obra-prima do Stanley Kubrick, "O Iluminado". Assim como a última cena do filme, aquela cena bizarra das gaivotas bicando os restos mortais do cadáver, também é uma homenagem ao filme "Os Pássaros", do mestre Alfred Hitchcock.
Willem Dafoe e Robert Pattinson é o coração da obra de Robert Eggers! Ouso afirmar que aqui temos a melhor atuação de toda a carreira do Robert Pattinson. Pattinson se destaca ao incorporar um personagem inexperiente ao início, mas com o passar do tempo ele vai criando uma casca, uma ambição, uma projeção muito grande, sempre almejando ir mais além em busca do que estar por trás daquele farol e principalmente do Thomas Wake. Pattinson está em uma perfeita química, uma perfeita sintonia com Dafoe, algo que engrandeceu ainda mais a sua atuação. Robert Pattinson é um belíssimo ator e não é de hoje que ele vem demonstrando todo o seu talento na arte de atuar, como constatamos recentemente com seu excelente Batman.
Willem Dafoe é, provavelmente, um dos maiores atores da sua geração, e um dos maiores da história do cinema. É completamente incrível o poder de atuação de Dafoe, pois tudo que ele faz fica perfeito, com uma atuação perfeita, com uma interpretação perfeita. Aqui Dafoe dá mais um show, mais uma aula de interpretação cinematográfica, seu personagem é o ponto alto de toda história. Dafoe dá vida ao velho Thomas Wake, um homem já muito cansado, muito estagnado da vida, que está se definhando por tudo que a vida lhe impôs ao longo dos anos solitários naquele farol. Dafoe nos impõe uma personalidade fria, sombria, misteriosa, ao mesmo tempo que nos impressiona com uma postura enérgica, rústica, aguerrida, principalmente entre os diálogos e as discursões com Winslow. Por falar em diálogos, este é um dos pontos alto da atuação de Dafoe - sua forma de conversar, de discutir, de resmungar, sempre carregado com um sotaque britânico pesado. Temos cenas entre Dafoe e Pattinson que soava com um mestre e seu aluno, por outro lado também soava como uma verdadeira disputa pelo poder - atuação completamente absurda do sempre impecável Willem Dafoe. Verdadeiramente uma disputa entre o novo Batman e o Duende Verde!
"O Farol" arrecadou mais de US $ 18 milhões contra um orçamento de US $ 11 milhões. O filme foi indicado para Melhor Fotografia no 92º Oscar e 73º British Academy Film Awards, além de inúmeras indicações e vitórias em outras cerimônias de premiação. Muitos dizem que é um dos melhores filmes de 2019 e um dos melhores da década.
É completamente incrível como Robert Eggers criou um longa que nos confronta com loucura, insanidade, demência, paranoia, ainda sendo muito bem contextualizado com ótimos diálogos, monólogos e um vocabulário antiquado entre a figura dos dois personagens. Uma obra visceral, grandiosa, enérgica, que nos explicita sobre uma monstruosidade real ou imaginária, pois de fato jamais saberemos se as visões de Thomas e Winslow são alucinações. Porém, posso afirmar que o isolamento e a solidão intensifica o surgimento de conflitos e a ruptura com a realidade.
O longa de Robert Eggers é difícil, é complexo, é intrigante, requer muita atenção e muita interpretação. Mas sem dúvida este é o maior acerto de Eggers - a sua ambiguidade, ousadia e ambição. De fato esta é uma obra que precisa ser assistida mais de uma vez, para ser melhor analisada e interpretada. Pois independente das suas conclusões, não há uma explicação definitiva para o filme, o que deixa "O Farol" como uma obra completamente ressignificada. [14/10/2022]
"O Sexto Sentido" foi lançado em 1999, escrito e dirigido por M. Night Shyamalan. Um garoto vê o espírito de pessoas mortas à sua volta. Um dia, ele conta o segredo ao psicólogo Malcolm Crowe (Bruce Willis), que tenta ajudá-lo a descobrir o que está por trás dos distúrbios. A pesquisa de Malcolm sobre os poderes do garoto causa consequências inesperadas para ambos.
O ano de 1999 foi marcado pelo lançamento de algumas pérolas da sétima arte como: "Matrix", "Clube da Luta", "À Espera de um Milagre" e "Beleza Americana". Também ficou marcado por algumas produções de terror que impactou o espectador, produções essas como o clássico "A Bruxa de Blair", que se destacou como um fenômeno de bilheterias naquela época. Nesse mesmo ano surge "O Sexto Sentido", sendo o filme responsável por estabelecer M. Night Shyamalan como roteirista e diretor, e introduzir o seu trabalho ao grande público do cinema. Shyamalan até então era um diretor desconhecido e foi exatamente aqui que ele alavancou a sua carreira dentro do cenário hollywoodiano. Quando "O Sexto Sentido" foi lançado muitos colocaram o Shyamalan como o novo Hitchcock, muitos o compararam com o mestre do suspense, principalmente pela sua afinidade para o final surpreendente - realmente ele foi um verdadeiro fenômeno.
"O Sexto Sentido" é uma verdadeira obra-prima do horror psicológico, do terror sobrenatural, do mistério e do suspense. Um drama envolto em uma atmosfera sombria, espantosa, inquietante, intrigante, complexa, que tem o dom e o poder de mexer com o nosso imaginário e despertar a nossa curiosidade. O longa trouxe ao cinema uma inovação na forma de mesclar suspense e drama, com uma história totalmente incomum em ambos os gêneros, pois aqui temos o caso do psicólogo infantil que abraça com dedicação o caso do garoto de 8 anos. Cole (Haley Joel Osment) tem dificuldades de entrosamento no colégio, sofre bullying por ser considerado como um anormal e vive paralisado pelo medo que o persegue incessantemente. Malcolm, por sua vez, busca se recuperar de um trauma sofrido anos antes, quando um de seus pacientes se suicidou na sua frente.
Este é o ponto-chave desse brilhante roteiro, a forma como ele nos conduz em diferentes vertentes até o resultado final de toda história. Shyamalan cria uma atmosfera de suspense funcional durante toda história e, o mais importante, sabe desenvolver muito bem os seus personagens, pois cada um tem um sofrimento diferente, que é explorado e que ajuda a trama a fluir. O pequeno Cole sofre de alucinações visuais, paranoia e algum tipo de esquizofrenia infantil. Malcolm sofre com seus traumas do passado e com o fato de se dedicar a ajudar o pequeno Cole enquanto observa o seu casamento ruir. A mãe (Lynn, interpretada por Toni Collette) é uma mulher forte, batalhadora, mas não sabe como ajudar seu filho, o que a deixa profundamente frustrada.
'Sexto sentido' pode referir-se a percepção extrassensorial - chamada popularmente de intuição, conhecimento hipotético ou teórico alicerçado no pressentimento - exatamente a forma comportamental do pequeno Cole.
E agora eu preciso destacar uma das cenas mais icônicas da história do cinema, que é a cena do Cole contando para o Malcolm sobre o seu segredo:
- Eu vejo gente morta. - Com que frequência você as vê? - O tempo todo.
Temos aqui uma cena apoteótica, emblemática, épica, clássica, marcante. "I See Dead People" virou um marco no cinema, na cultura Pop, na década, no milênio, uma frase imortalizada e eternizada nos mesmos padrões da mundialmente famosa "Hasta la vista, baby". Esta cena é tão icônica em "O Sexto Sentido" quanto a cena lendária do chuveiro em "Psicose".
Agora preciso mencionar o melhor Plot twist da década de 1990 e um dos melhores de todos os tempos! "O Sexto Sentido" ficou marcado pela forma visionária como o Shyamalan idealizou a reviravolta da sua história, a forma como ele trabalhou cada detalhe muito bem amarrado ao final da trama. Realmente o final do longa-metragem deixou a audiência espantada e completamente boquiaberta, fato que ajudou na ótima bilheteria da produção. Muitas pessoas voltavam aos cinemas para assisti-lo novamente na tentativa de confirmar o que haviam visto. E essa era exatamente uma das preocupações do próprio Shyamalan, o fato do público não ser enganado, ou seja, os que assistem pela segunda vez poderiam tirar a prova real de que tudo o que foi apresentado estava na frente dos seus olhos o tempo todo - sensacional!
O Plot twist de "O Sexto Sentido" foi tão criativo, tão perspicaz, tão inovador, tão original, ao ponto de até hoje ser comparado com um dos melhores Plots da história, simplesmente a obra-prima do mestre Hitchcock - "Psicose". O Plot de "O Sexto Sentido" é tão marcante para o cinema, tão influente, ao ponto de ter inspirado várias outras obras ao longo dos anos - como o clássico "Os Outros" (2001). Além de ter ficado marcado como um dos Plots mais copiados da história do cinema, pois até hoje tem vários filmes que tentam copiar o Plot de "O Sexto Sentido" mas falham miseravelmente.
Malcolm esteve morto o filme inteiro, ele morreu na primeira cena em que Vincent Gray (Donnie Wahlberg, irmão do Mark Wahlberg) atirou nele, e apenas Cole podia vê-lo ou ouvi-lo. Malcolm relembra tudo o que Cole lhe disse sobre pessoas mortas e Shyamalan habilmente conecta tudo e tudo começa a fazer sentido - maravilhoso!
Shyamalan apostou no Bruce Willis, pois na época ele estava fazendo filmes que não estavam chamando a atenção da audiência. Por outro lado o Bruce Willis também apostou no Shyamalan, ao encabeçar o filme de um diretor até então desconhecido. Porém, devo afirmar que aqui temos uma das melhores atuações da magnífica carreira do Bruce Willis. Realmente foi uma grande pena quando ele anunciou afastamento da carreira por questões de saúde. Haley Joel Osment virou um verdadeiro ícone ao dar vida ao pequeno Cole. Haley já havia ganhado um prêmio por sua interpretação do filho de Tom Hanks em "Forrest Gump" (1994), mas sua consagração veio com este thriller sobrenatural e sua poderosa interpretação, que lhe permitiu obter inúmeros prêmios, além de citações no Oscar, no Globo de Ouro e no Screen Actors Guild Award. Realmente Haley Joel Osment teve uma atuação esplendorosa naquela cena icônica, conseguindo nos deixar assustados e incomodados somente pela suas expressões enquanto dialogava com o Bruce Willis. Haley foi impedido por sua mãe de assistir ao filme por um motivo simples, a censura era 14 anos. Poderia ser que as cenas impressionassem o garoto, que na época tinha 11 anos de idade, por isso Haley não teve a oportunidade de se ver nas telas.
Toni Collette já havia se destacado na comédia dramática "O Casamento de Muriel" (1994), conquistando inclusive uma indicação ao Globo de Ouro como Melhor Atriz em Comédia. Mas todas as atenções se voltaram para ela ao dar vida a mãe do pequeno Cole - Lynn Sear. Uma atuação muito forte em um papel muito importante dentro da trama do Shyamalan, conseguindo puxar todo o protagonismo para si em todas às suas cenas. Por sua atuação, ela foi aclamada pelos críticos e recebeu a primeira indicação ao Oscar. Olivia Williams ("Meu Pai", de 2020) completou o elenco ao dar vida a Anna Crowe, mulher do Dr. Malcolm. Olivia conseguiu se destacar muito bem ao contracenar com o Bruce Willis.
A trilha sonora do mestre James Newton Howard (parceiro de longa data nas produções do Shyamalan) é excelente e nos imergi com grandiosidade dentro da história. A fotografia de Tak Fujimoto (responsável pela fotografia da obra-prima "O Silêncio dos Inocentes") é bela, é clássica, é contemporânea, casa perfeitamente com a obra. A direção de arte é muito bem executada e administrada em cada cena. A Direção do Shyamalan é rica em detalhes, pois ele trabalha com muita maestria cada cena, cada tomada de câmera, cada take, o que lhe rendeu uma indicação ao Oscar (merecidamente).
O longa de Shyamalan recebeu 6 indicações ao Oscar 2000: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator Coadjuvante (Haley Joel Osment), Melhor Atriz Coadjuvante (Toni Collette), Melhor Roteiro Original e Melhor Montagem. Ganhou 2 indicações ao Globo de Ouro: Melhor Ator Coadjuvante (Haley) e Melhor Roteiro.
Nos Estados Unidos, o filme liderou o ranking semanal de público durante 6 semanas, sendo ainda a 2ª maior bilheteria de 1999 nos EUA, perdendo apenas para "Star Wars: Episódio 1 - A Ameaça-fantasma". No Brasil, o filme foi líder absoluto de público, tendo liderado o ranking semanal por mais de 2 meses e levando aos cinemas mais de 4 milhões de pessoas, tornando-se o filme que mais expectadores teve em 1999. Foi o segundo filme de maior bilheteria de 1999, arrecadando cerca de US$ 293 milhões nos EUA e US$ 379 milhões em outros mercados.
Shyamalan conseguiu criar um clássico até hoje lembrado e presente em listas de filmes obrigatórios. "O Sexto Sentido" até hoje é considerado como um dos filmes que mudaram o terror para sempre, e uma das maiores histórias de fantasmas já filmadas. Um clássico, uma obra Cult, uma obra influente na cultura Pop, uma obra de arte cultuada e respeitada mundialmente. Temos aqui o melhor roteiro do Shyamalan e, consequentemente, o seu melhor filme de toda a carreira. Uma verdadeira obra-prima do final dos anos 90 e um dos melhores suspenses de todos os tempos. [06/10/2022] ⭐⭐⭐⭐⭐
Blonde
2.6 443 Assista AgoraBlonde
"Blonde" é escrito e dirigido por Andrew Dominik ("O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford"), sendo a segunda adaptação com o mesmo nome, baseada no romance de 2000 de mesmo nome de Joyce Carol Oates. O filme é uma produção da Plan B Entertainment feito diretamente para a Netflix, com Dede Gardner ("Minari - Em Busca da Felicidade"), Jeremy Kleiner ("Se a Rua Beale Falasse"), Tracey Landon ("O Pálido Olho Azul"), Scott Robertson ("Booksmart") e Brad Pitt (fundador da Plan B) como produtores. O longa narra uma versão fictícia da vida e carreira da atriz americana Marilyn Monroe, interpretada por Ana de Armas.
Fazer uma cinebiografia, transpor para o cinema uma drama biográfico, uma história biográfica de grandes personalidades nunca foi uma tarefa fácil. Nos últimos anos tivemos alguns exemplos que deram muito certo e outros que já não foram tão bem aceitos - como é o caso de filmes como "King Richard", "Being the Ricardos", "Os Olhos de Tammy Faye", "Spencer", "Bohemian Rhapsody", "Rocketman" e o mais recente, "Elvis".
Mesmo "Blonde" atestando como um biografia de Marilyn Monroe, definitivamente não podemos considerá-lo como um filme biográfico, por justamente ser baseado em um romance (um conto) de Joyce Carol Oates. Ou seja, não sabemos até que ponto este romance pode ter ido em relação ao que foi apresentado e adaptado no filme. Dessa forma podemos considerar "Blonde" como uma reimaginação, um retrato fictício, uma releitura ficcional da vida de Marilyn Monroe. Partindo dessa premissa, eu acredito que toda produção do longa foi trabalhada em cima de um conto feito de forma especulativa, lúdica, imaginária, usando uma certa liberdade criativa, várias teorias, alguns acontecimentos, alguns relatos, algumas passagens, uma Fanfic, para poder contextualizar toda história desde a infância, passando pela vida adulta e ascensão na fama, até chegar na morte de Marilyn Monroe.
"Blonde" é uma obra fictícia possivelmente imersa em uma história verdadeira. Aquela típica obra inspirada em uma tragédia real que traz o debate em volta de uma personalidade considerada como uma verdadeira lenda, um verdadeiro ícone do cinema norte-americano, um dos símbolos mais duradouros de Hollywood, uma das maiores estrelas que já passou por Hollywood, uma das maiores sex symbol, atriz, artista e modelo que já passaram por esta terra.
Definitivamente eu não conheço absolutamente nada sobre os trabalhos desenvolvidos pelo diretor Neo-zelandês Andrew Dominik. Dessa forma eu não posso tecer uma opinião sobre a sua forma de trabalhar, a sua forma de criar, de dirigir, de escrever um roteiro, de impor a sua visão cinematográfica, de construir uma adaptação, ou seja, "Blonde" é minha primeira experiência com ele. E exatamente por ser o primeiro filme que eu assisto do diretor, eis que ao fim me surgiram inúmeras dúvidas acerca da sua forma de dirigir e roteirizar, principalmente por estarmos falando sobre sua polêmica cinebiografia. Outro ponto sobre Andrew Dominik: não imagino a forma como ele conheceu toda história da Marilyn, a forma como toda história chegou até ele, a forma como ele enxerga a pessoa Norma Jeane e a pessoa Marilyn Monroe. Ou seja, tudo que foi criado e apresentado aqui, eu realmente não sei se saiu mais das visões e conhecimentos dele, ou propriamente da Joyce Carol Oates.
O longa de Andrew Dominik inicia exatamente no ano de 1933, nos mostrando a pequenina Norma Jeane com apenas 7 aninhos. Ali já somos confrontados com uma dura e traumática infância, onde sua mãe nos conta sobre toda dificuldade que ela passou quando Norma Jeane nasceu, tendo que colocá-la para dormir na gaveta da cômoda porque não tinham um berço. Já na infância Norma Jeane era uma criança completamente traumatizada e amedrontada pela própria mãe, que era uma figura compulsiva e descontrolada, que tentou matá-la afogada na banheira. Por outro lado, Norma Jeane era constantemente traumatizada pela mãe sobre o abandono do seu pai, que era uma figura muito importante pra ela (mesmo sem ter conhecido), ou seja, aquela pequena criança foi deixada para ser criada em orfanatos e cresceu sempre imaginando a figura do seu pai e tentando de alguma forma compensar este vazio paterno.
Partindo exatamente dessa transição de infância para vida adulta de Norma Jeane, onde ela passou a usar o nome artístico de Marilyn Monroe, é onde eu me pergunto até onde Andrew Dominik vai entre os pontos verdadeiros e os pontos fictícios de sua obra. Também me pergunto qual foi a forma adotada na adaptação do romance de Joyce Carol Oates. Porque eu realmente queria entender de quem foi a decisão em nos contar uma história da vida de Marilyn fazendo uma abordagem com uma visão completamente abusiva e apelativa da sua imagem. Digo isso pelo fato do filme nos mostrar como ela se tornou atriz em uma Hollywood dos anos 50 e início dos anos 60, nos mostrar como ela se transformou em uma figura mundialmente famosa, nos mostrar seus percalços durante toda a sua vida pessoal e profissional. Porém, é nítido como o filme nos passa uma visão completamente deturpada de quem foi Marilyn Monroe.
Eu realmente não sei se essa era a visão que as pessoas tinham da Marilyn, se essa era a forma que foi abordada a sua história no livro que foi baseado, se essa foi a forma que ela foi transformada pela visão da indústria hollywoodiana. O fato é, Marilyn viveu em um casamento abusivo com o jogador de beisebol Joe DiMaggio (Bobby Cannavale), sofreu abusos físicos, sexuais e emocionais, sofreu várias tragédias, incluindo os abusos psicológicos de sua mãe na infância e as agressões sexuais que sofreu em Hollywood. O longa nos mostra como ela projetava os seus medos, seus traumas, incluindo os seus desejos pessoais e profissionais em uma realidade completamente conturbada. Por outro lado também temos todo o contexto que Marilyn vivia por trás dos holofotes da fama, que era uma vida de guerras, de exploração, de abuso de poder, de dependências químicas, uma luta contra o vício, a depressão e a ansiedade, ou seja, realmente somos elucidado em como ela enfrentava todos os seus inúmeros problemas em sua vida pessoal e profissional.
Porém, o que realmente me incomodou no filme foi o fato em como transformaram a figura da Marilyn Monroe, nos mostrando uma mulher frágil, fraca, submissa, que foi massacrada, ridicularizada, banalizada e abusada em todos os sentidos, principalmente em como transformaram em uma hiperssexualização, algo completamente sensacionalista, feito unicamente para divulgar aquelas exageros, como se pra causar alguma comoção, alguma sensação pra chocar o espectador acerca da sua história de vida, e sem nenhuma preocupação com a verdade.
Outro ponto: a forma como o roteiro se utiliza gratuitamente do fato da Marilyn carregar aquele vazio paternal, algo como se ela buscasse alento paternal nos homens que passavam por sua vida naquele momento unicamente por carência, o que a transforma em marionete sexual exatamente desses homens, que usavam e abusavam sexualmente dela, praticamente a transformando em uma mera acompanhante de luxo.
A forma como retrataram a figura da Marilyn sendo abusada e violentada sexualmente me incomodou e me enojou demais. Sem falar que o roteiro ainda queria deixar claro que a própria Marilyn era permissiva, era passiva, era liberal, algo como se expor daquela forma fosse completamente natural, algo como ser praticamente estuprada fosse completamente normal, que expor sua nudez o tempo todo era um preço que devia ser pago pelo seu posto de maior sex symbol da atualidade.
Aquela primeira cena em que ela sofre um abuso sexual é absurdo, é vergonhoso, ainda mais com aquela música de fundo onde dizia que toda criança precisa de um pai que a mantenha sã e salva, que ela se sentia como a chapeuzinho vermelho porque os lobos são famintos - ridículo!
Outra cena desnecessária: aquela em que Marilyn transa com os filhos Gêmeos de Charlie Chaplin. Graficamente é uma exploração visual desnecessária, sem nenhum pudor, uma exposição incabível.
Sem falar que temos aqueles focos de câmeras com uma visão de dentro pra fora do meio das pernas da Marilyn, algo como para contextualizar uma visão de sua vagina de dentro pra fora - completamente sem nenhum sentido!
Agora a cena que quase me fez desistir de terminar o filme, foi exatamente a cena patética, ridícula, vergonhosa, vexatória, em que temos uma simulação de um sexo oral da Marilyn no Presidente John F. Kennedy (Caspar Phillipson), e com um foco bem destacado nos movimentos, como se realmente ela estivesse com algo na boca. Eu nunca vi uma cena sexual tão desnecessária como esta, uma exposição feminina tão absurda, e sem agregar em nada, sem nenhum contexto, sem nenhuma relevância, unicamente para descrever que Marilyn teve um possível envolvimento com o Presidente. Precisava mesmo de uma cena assim tão explícita?
Será que era realmente necessário transformar toda trajetória da Marilyn Monroe unicamente em uma sex symbol da época? Ela realmente só foi isso? Ela realmente só tinha isso para oferecer? Eu me recuso a aceitar uma decisão tão porca, tão mesquinha, tão indecente, tão abusiva, tão apelativa, tão ridícula, tão machista como essa. Pois obviamente desrespeitaram toda a sua história, pisaram em toda a sua trajetória, a rotularam como uma mulher fraca e submissa, sendo que em nenhum momento ela teve a grandeza e o respeito de uma mulher forte, de uma mulher imponente, independente, inteligente, respeitada, a sociedade a via unicamente como uma sex symbol e nada mais - essa foi a visão que Andrew Dominik deixou em seu filme.
Eu realmente fiquei sentido pelo tamanho da exposição sexual que a Ana de Armas foi obrigada a passar para compor sua personagem, que obviamente era ninguém menos que a Marilyn Monroe.
Ana é uma das pouquíssimas coisas que salvam nesse filme, pois ela incorporou a Marilyn com uma grandeza e um talento sem igual. Ana se transformou na Marilyn ao ponto de você realmente se perguntar se era a atriz ali ou um vídeo real. Um trabalho e um estudo na personagem do mais alto nível de dedicação. Uma atuação regrada, com uma linguagem corporal magnífica, com ótimas expressões faciais, sua caracterização, seus trejeitos, sua forma de falar, de andar, de se portar, de agir, de chorar, tudo completamente condizente com a verdadeira Marilyn Monroe (destaque para a cena icônica em que o vestido dela voa sobre a grade do metrô).
Ana de Armas foi gigante aqui, entregou uma atuação de altíssimo nível, mesmo que sua figura foi tão achincalhada, tão ridicularizada e tão banalizada no filme, ao ponto de ter seu corpo exposto ao máximo e desnecessariamente, como o fato dela se apresentar em inúmeras cenas com os seios completamente de fora, porém ela mostrou a grande atriz que é e segurou a sua personagem ao máximo. Palmas para Ana de Armas! Merecidamente e com justiça a sua indicação ao Oscar.
Completando o elenco ainda tivemos a Julianne Nicholson ("Mare of Easttown"), que esteve excelente no papel da Gladys, a mãe da Marilyn. Bobby Cannavale ("Eu, Tonya"), que deu vida ao Joe DiMaggio, o marido abusivo e ciumento da Marilyn. Adrien Brody ("O Pianista"), que fez o papel de Arthur Miller, outro conturbado marido da Marilyn. Além de Evan Williams ("60 Minutos Para Morrer") como Edward G. Robinson Jr. e Xavier Samuel ("Elvis") como Charles Chaplin Jr. Os filhos Gêmeos de Charlie Chaplin.
Tecnicamente o longa de Andrew Dominik é bem estruturado!
Tem uma trilha sonora bem orquestrada com o ritmo do filme, ditando bem cada passagem e cada sentimento da Marilyn. Aquela mescla das cenas com o colorido e o preto e branco ficaram excelente, deixando uma fotografia mais bem caracterizada com a época. A direção de arte do filme está muito bem ajustada, conseguindo proporcionar veracidade e fidelidade com os cenários e todos os objetos de cena. Assim como todo trabalho de maquiagens, cabelos e figurinos, sendo tudo bem pensando e bem planejado, principalmente na figura da Marilyn Monroe.
"Blonde" alcançou indicações nos festivais de premiações unicamente pela sua principal estrela, Ana de Armas, que recebeu indicações ao Oscar, ao British Academy Film Award, ao Globo de Ouro e ao Screen Actors Guild Award de Melhor Atriz. Por outro lado o filme também recebeu oito indicações e liderou a lista de indicados ao Framboesa de Ouro, incluindo Pior Filme e Pior Diretor (que eu acho muito justo).
Infelizmente "Blonde" é aquele típico filme que falha miseravelmente em tudo que se propõe a fazer, pois é muito notável que todo potencial que o filme tinha foi completamente jogado no lixo. Difícil apontar o culpado (ou culpados) em toda essa tragédia, pois obviamente temos muitos envolvidos por trás, porém, cada um tem sua parcela de culpa; como a própria Plan B Entertainment e seus produtores, que fizeram escolhas erradas e precipitadas. O próprio Andrew Dominik tem sua grande parcela de culpa, por roteirizar e dirigir cenas tão apelativas, tão abusivas, tão irrelevantes, tão vulgares e tão banais. Principalmente por trazer a representação da vida da Marilyn de forma tão exploradora, covarde e antiética. Sem falar na própria figura da Marilyn, que foi transformada em fraca, frágil, submissa, sendo completamente banalizada, ridicularizada, explorada e vulgarizada. Algo como se a única coisa que ela sabia fazer na vida era expor sua nudez sem nenhum pudor e ser transformada e rotulada de sex symbol e desejo sexual de todos os homens que se aproximavam dela.
Como já mencionei anteriormente: uma visão completamente torpe, deturpada e ridícula de uma produção que sequer podemos chamar de biografia de um ícone, uma diva e uma lenda - que foi Norma Jeane Mortenson (Marilyn Monroe).
Duas estrelas unicamente pela excelente atuação da Ana de Armas e por ela ter suportado uma produção tão pífia, incompetente e vexatória como esta, e ter aguentado trabalhar com um péssimo diretor como o Sr. Andrew Dominik. [17/02/2023]
Nada de Novo no Front
4.0 612 Assista AgoraNada de Novo no Front (Im Westen Nichts Neues)
"Nada de Novo no Front" é uma produção alemã original Netflix, baseado no romance homônimo de 1929 de Erich Maria Remarque. Dirigido e roteirizado por Edward Berger ("The Corporation" e "All My Loving"), o longa é situado nos últimos dias da Primeira Guerra Mundial, onde segue a vida de um jovem soldado alemão chamado Paul Bäumer (Felix Kammerer). O adolescente é convocado para atuar na linha de frente da Primeira Guerra Mundial. O jovem começa seu serviço militar de forma idealista e entusiasmada, mas logo é confrontado pela dura realidade do combate.
Eu sempre tive uma grande paixão e um grande entusiasmo pela forma como a guerra geralmente é retratada no cinema. Sem dúvida é um dos meus gêneros cinematográficos preferido. Aqui temos uma história que se passa nos últimos momentos da Primeira Guerra Mundial, que por si só já conta como um fator histórico muito importante dentro de todo o contexto, pois obviamente contar relatos, passagens e acontecimentos baseados na Primeira Guerra Mundial é sempre mais difícil (mesmo sendo baseado em um livro). Partindo desse pensamento, o primeiro filme que me vem na cabeça é sem dúvida o excelente "1917", de Sam Mendes. Lá também tínhamos uma história que era contada a partir de uma pequena passagem durante a Primeira Guerra Mundial.
O que faz de "Nada de Novo no Front" ser um filme de guerra tão forte, tão incomodo, tão pesado e tão impactante, é justamente a forma como toda história é desenvolvida e contada, ou seja, indo direto ao ponto, sem arrodeio, sem ter que contar a história de vida de cada jovem soldado que decidiu se alistar, sem ter que humanizar cada personalidade que está envolvida dentro daquele universo.
Obviamente temos a história dos jovens amigos que decidem voluntariamente se alistarem no exército alemão, e pela visão que nos foi passado, podemos considerar que a princípio eles estavam encarando tudo aquilo como uma aventura, como um desafio, ou até mesmo por uma onda de fervor patriótico. Também podemos considerar que cada um ali tinha seu objetivo pessoal, o que poderia ser por puro patriotismo, ou para seguir uma carreira dentro do exército, ou só para provar para os pais que ele era capaz de enfrentar o desafio - esse era o caso do Paul - como vimos na cena em que ele decidi forjar a própria assinatura da mãe para conseguir se alistar, uma vez que sua mãe havia proibido essa decisão. Acredito que o próprio Paul esperava algo como reconhecimento, honra e glória.
Toda essa decisão de roteiro poderá frustrar quem esperava por uma contextualização inicial acerca de quem era Paul e seus amigos, porém, eu considero como um ponto muito positivo do roteiro. Pois aqui estamos falando de guerras, estamos vivenciando a guerra, todos aqueles jovens já tinham seus destinos traçados. Na minha opinião, o maior acerto do filme é justamente não romantizar a guerra, não humanizar seus personagens, nos pegar pelo braço e nos levar para enfrentar e vivenciar a dura realidade de uma guerra, que sim, é sofrida, é dura, é seca, é cru, é mórbido, é impactante, é tenso, é completamente dilacerante e visceral.
Já no primeiro dia de Paul e seus amigos nas trincheiras do front, é onde observamos que ele se vê exposto às realidades da guerra, destruindo suas primeiras esperanças de se tornar um herói enquanto faz o possível para sobreviver. Podemos sim considerar que Paul via a guerra como um ato de heroísmo, até pela forma como seus professores o induziram a participar dela. Logo nesse primeiro dia Paul já enfrenta a dura realidade da guerra ao ser confrontado com a perda de seus amigos após um ataque de artilharia. Nesse momento Paul já estava perdendo sua inocência, sua sanidade, tudo que ele tinha pensado e construído estava sendo rapidamente dissipado ao enfrentar a dura realidade brutal da vida no front.
A partir desse ponto o longa de Edward Berger nos mergulha profundamente na realidade dolorosa de uma guerra. Passamos a vivenciar cada passo de Paul durante toda a sua jornada. Nesse quesito o filme tem uma profundidade e uma realidade incrível, pois a forma com são abordado os conflitos é de deixar qualquer um em choque e boquiaberto. Visualmente o filme é pavoroso, pois temos cenas gráficas que são de assustar, exibindo um confronto brutal sem nenhum pudor, um verdadeiro choque de realidade. É muito interessante acompanhar como o Paul vai perdendo sua inocência, como ele vai sendo confrontado com a realidade de um front, como ele vai sendo mergulhado cada vez mais no pânico, na tensão, na agonia, na depressão, como ele vai perdendo sua sanidade, e muito por ter sido praticamente jogado no meio de tudo aquilo, e sem esperar que a realidade fosse de fato aquela.
E partindo dessa premissa, temos uma das cenas de maior impacto que eu já presenciei em um filme nos últimos anos. Que é justamente a cena que Paul ataca o soldado francês.
Ali podemos observar como o Paul era um mero coadjuvante naquele cenário, naquela realidade, como ela agia pelo impulso da guerra, de defender o seu lado e acatar unicamente o que o seu país lhe designou. Ou seja, obviamente Paul deveria atacar aquele soldado e matá-lo antes que ele fizesse isso com ele, todavia, é nítido como Paul inicialmente ataca mas depois ele pensa melhor e recua. Ele sofre com essa decisão, ele chora por ter tomado aquela decisão, principalmente após ele encontrar no bolso do soldado a foto de sua mulher e seu filho. Definitivamente é uma cena muito pesada, muito forte, incômoda, triste, daquela que nos incomoda, daquela que nos deixa com um nó na garganta e nos faz pensar durante semanas.
Dentro de todo esse contexto podemos observar e pensar em como uma guerra é sempre muito injusta, e como os soldados que estão lá lutando são meros peões de xadrez que protegem o rei e a rainha de um ataque final. Paul e seus amigos faziam parte desse tabuleiro de xadrez, faziam parte dessa engrenagem que girava em prol dos mais fortes e dos mais conceituados. Nem sempre quem está nos fronts lutando tem a verdadeira noção pelo o que está lutando. Na maioria das vezes os soldados que dão suas vidas nos campos lutando morrem em prol do sistema, em prol das decisões governamentais. O longa de Edward Berger nos elucida exatamente nessa questão, em como tem uns que estão lutando em prol das negociações de paz e em prol da assinatura do armistício, e outros querendo continuar a guerra a qualquer custo, para inflar o seu ego enquanto milhões morriam nos campos de batalhas. Essa são as leis dos homens!
Sobre o elenco não tem muito o que destacar, acredito que todos estiveram bem dentro das suas proporções e dentro das suas limitações.
Apenas Felix Kammerer que merece um destaque maior, por ter incorporado um jovem sonhador, idealista, que tinha suas ambições e suas motivações, até ser confrontado com uma dolorosa realidade.
Tecnicamente o filme é espetacular!
"Nada de Novo no Front" nos aproxima da guerra com umas qualidades invejáveis, como o próprio efeito sonoro, que é absurdo, nos dá uma dimensão incrível do que está acontecendo em cena unicamente pelos efeitos sonoros (fico imaginando como deve ser este filme em uma sala IMAX). A direção de arte é outro luxo, é incrível como a direção de arte é bem trabalhada aqui, como cada detalhe está bem casado no cenário e na ambientação. Os figurinos estão muito bem ajustados, e não era pra menos, visto ser um filme que exige toda essa atenção. A fotografia é a alma do filme, a responsável em nos confrontar com toda aquela barbárie em cena, dando aquela ênfase que chegava a nos incomodar. Assim como a própria trilha sonora, que conversa conosco em 100% do tempo, e muito por nos passar um som morto, mórbido, denso, que evidenciava a morte em todo o tempo.
Além dessa adaptação baseada na obra de Erich Maria Remarque, "Nada de Novo no Front" teve outras duas adaptações - uma em 1930 intitulada "Sem Novidade no Front", que conquistou duas estatuetas do Oscar: Melhor Filme e Melhor Direção. E a outra em 1979, "All Quiet on the Western Front" ("Adeus à Inocência").
"Nada de Novo no Front" recebeu quatorze indicações principais no BAFTA, batendo o recorde de mais indicações já recebidas por um filme que não está no idioma inglês. No Oscar está indicado em nove categorias, incluindo Melhor Longa-Metragem Internacional e Melhor Filme.
Sem dúvida "Nada de Novo no Front" entra na lista dos grandes filmes sobre a Primeira Guerra Mundial, assim como o próprio "1917". Edward Berger acerta muito ao comandar um filme que narra toda perversidade humana de forma seca, crua, pesada e totalmente incomoda. Um longa-metragem extremamente importante para nos elucidar em como o ser humano é cruel, é mesquinho, é intolerante, em como uma guerra não é glorificada, não é romantizada, é bárbara, é sofrida, é sentida e lamentada por todos. Provando também que todo aquele conflito de nada significou.
Em uma guerra não há honra, não há heroísmo, há apenas o patriotismo clamando que dar a sua vida e seu sangue em prol da sua pátria é algo extremamente grandioso.[12/02/2023]
Babilônia
3.6 332 Assista AgoraBabilônia (Babylon)
"Babilônia" é escrito e dirigido por Damien Chazelle. Ele narra a ascensão e queda de vários personagens durante a transição de Hollywood dos filmes mudos para os sonoros no final da década de 1920.
Damien Chazelle é um diretor muito jovem que despontou muito cedo em Hollywood. Com apenas 32 anos foi o vencedor do troféu de Melhor Diretor (se tornando o mais novo da história nessa categoria) por "La La Land". Um fato que não podemos negar é que Chazelle realmente é um diretor meticuloso, tem um olhar mais analista em suas obras, nos mostra toda sua paixão e devoção pela arte da música e do cinema. Isso fica muito bem comprovado em seus filmes anteriores como a obra-prima "Whiplash" (2014) e o badalado "La La Land" (2016).
Em "Whiplash" temos a busca incansável, incontrolável e desumana para atingir a perfeição. Em "La La Land" temos o contraste da história do pianista de jazz e da aspirante a atriz que se conhecem e se apaixonam, enfrentando todos os conflitos do show business. E dessa vez temos um Chazelle novamente revigorado, novamente enérgico, novamente letal (eu diria), construindo um contraponto e uma mescla de suas produções anteriores ao abordar seu mais novo filme - "Babilônia".
O mundo do cinema é muito curioso e muito interessante, principalmente quando estamos nos referindo à indústria hollywoodiana, o centro da indústria cinematográfica norte-americana. Digo isso pelo simples fato de como a indústria hollywoodiana se encanta quando é homenageada, quando vira pauta, quando vira assunto em um longa-metragem, ou seja, quando temos um filme falando de filmes, a indústria relembrando os primórdios da indústria, exatamente o que "Babilônia" faz aqui. Porém, não sei bem se encantar é a palavra mais correta para se utilizar aqui, para descrever todo o sentimento que a indústria hollywoodiana teve em relação ao novo filme de Chazelle.
"Babilônia" atravessa os anos 20 (é situado no final da década de 20), quando a indústria cinematográfica hollywoodiana estava passando por uma transição do cinema mudo para o cinema falado. Ou seja, um período de grande mudança, de grande conflitos, de grande turbulência para todos os envolvidos, aquele retrato do caos que se instalava entre artistas e cineastas nos primórdios de Hollywood. Temos aqui um retrato caótico da decadência, da depravação, da ambição, da extravagância, aquela típica vergonha alheia que vai se instalando ao decorrer da trama e da forma como toda história vai sendo contada e desenrolada. Às cenas iniciais já nos mostra toda depravação e excessos escandalosos em torno daquela festa regada a drogas, álcool e sexo, e feito em planos e enquadramentos sem nenhum pudor (para nos evidenciar ainda mais toda loucura).
Chazelle está realmente decidido impactar o espectador e não sente nenhuma vergonha nisso, até por exibir seu olhar mais caótico e menos romantizado sobre todo conteúdo dos primórdios hollywoodiano. Ela força a barra em cima de sequências mirabolantes, esdrúxulas, megalomaníacas, com uma extravagância e uma grandiloquência sem limites. Realmente é um olhar mais seco, mais cru, mais tendencioso, em relação aquela "década de ouro do cinema". Algo feito realmente para impressionar e elucidar sobre uma década exuberante e deslumbrante do cinema, nos mostrando os excessos e extravagâncias da elite clássica de Hollywood, com um contraponto entre todos os envolvidos que lutaram e trabalharam duro para ajudar a formar o cinema como nós conhecemos hoje.
Damien Chazelle me impressiona por ser tão novo nessa indústria e já demonstrar um olhar tão crítico e tão apurado, que às vezes me parece que ele já é um diretor de muitas décadas. Aqui ele critica e debocha da indústria hollywoodiana mas ao mesmo tempo constrói toda uma homenagem à magia de fazer cinema, um verdadeiro apaixonado pela sétima arte. Algo como uma paixão pela arte mas uma crítica ao que fica mascarado por trás das câmeras. Algo como, tudo que vemos na sala de cinema não podemos imaginar por tudo que esse espetáculo passou pra chegar até ali e fazer valer o nosso entretenimento. Não podemos imaginar às inúmeras sujeiras que estão por debaixo do tapete, toda catástrofe e imoralidade que se constrói através de uma verdadeira Deep Web de Hollywood - impressionante!
Outro ponto que é levantando no longa de Chazelle e é extremamente necessário: como muitas coisas ficam no escuro, acabam passando despercebido, algo como temos que sacrificar uns para a diversão de outros. Pois em "Babilônia" também temos a abordagem em torno da exploração da mão de obra, a exploração do negro, dos animais, das mulheres, a exploração do talento e da beleza dos atores e atrizes em prol de toda construção do bem maior. Além, é claro, o imigrante, que inicialmente foi tão importante para toda construção desse cenário e depois acaba sendo esquecido e deixado de lado.
Chazelle foi bastante minimalista e enfático na construção do seu longa, em abordar os feitos e os desfeitos que estavam por trás da transição hollywoodiana da década de 1920. Porém, ele se perde demais, se alonga demais, se repete demais, em uma história que claramente foi esticada ao máximo para gerar entretenimento durante suas 3h de duração. Por falar em duração, as 3h de filme é bem cansativa, e não é pelo fato da duração em si mas pelas inúmeras idas e vindas do roteiro, por se alongar e embarrigar demais em algo que claramente poderia ser cortado e que geraria a mesma proporção. Outro ponto que eu considero como uma forçada do Chazelle é exatamente em querer impactar, impressionar, querer chocar o expectador ao máximo por um puro apelo estético; como é o caso das cenas das festa com sexo, drogas e bebidas. O próprio Chazelle disse que "Babilônia" foi o filme mais difícil de sua carreira, e muito por ter que construir cenas sobre uma selvageria humana incontrolável. A própria Margot Robbie disse ter dado uns toques no Chazelle justamente em suas cenas sobre o uso de cocaínas, que ela estava achando um pouco apelativo e exagerado, mas que o próprio queria extravagância e queria realmente impactar com essas cenas (e conseguiu). Acredito que Chazelle perde a mão em seu filme justamente por querer abordar um drama com elementos de comédia e sátira, mas que ao final acaba falhando em ambos os temas e sem alcançar a objetividade desejada.
Se Damien Chazelle de certa forma falha no roteiro, no elenco ele acerta em cheio. Começando pela dupla envolvente, carismática e maravilhosa de Margot Robbie e Brad Pitt. Tanto Nellie LaRoy (Robbie) quanto Jack Conrad (Pitt) eram ótimos atores quando o cinema era mudo, mas que estão enfrentando grandes dificuldades para se adaptar nesse novo estilo de cinema falado. É muito notável como ambos sofrem nessa adaptação, como ambos não conseguem se adequar à esta mudança.
Margot Robbie sendo a magnífica atriz que é, era muito óbvio o que eu poderia esperar de sua personagem no filme, e jamais ela decepciona. Robbie constrói uma personagem que inicialmente se porta como extravagante, exuberante, imponente, dona de si e dominadora de todas as situações ao seu redor. Porém, é muito notável o seu desconforto e seu sofrimento quando ela se vê frente à uma nova era cinematográfica, e que ela não consegue se estabelecer como era anteriormente - aquela cena em que ela sofre para gravar a primeira cena falada em um filme é a ampla definição de tudo isso. Margot Robbie completamente linda, bela, plena, pura, leve, dinâmica, uma atuação prazerosa, fina, peculiar e requintada.
Brad Pitt também anda nessa linha de extravagância, protuberância, um canastrão, um verdadeiro garanhão, algo muito próximo com os acontecimentos que permeavam o cenário hollywoodiano masculino daquela época. Pitt também demonstra toda sua maestria, toda sua objetividade na construção de um personagem que poderia ser visto com uma grande casca por fora mas completamente vazio por dentro, ou até mesmo sofrível, diga-se de passagem. Em algumas cenas seu personagem me remeteu ao seu próprio personagem em "Era uma Vez em... Hollywood" (2019).
Diego Calva é uma grata surpresa pra mim, visto que eu não conhecia seus trabalhos, pois o mexicano estreou em 2015 pelo filme "Te Prometo Anarquia". Diego deu vida ao Manny Torres, o personagem que podemos considerar como o mais próximo do público, o que possivelmente poderá conter uma maior identificação, muito por ter esse olhar mais voltado em busca dos seus sonhos e suas realizações.
Jean Smart (brilhante em "Mare of Easttown") como Elinor St. John é uma personagem um tanto quanto interessante e intrigante, eu diria, principalmente em sua parte final. Jovan Adepo (excelente em "Um Limite Entre Nós") como Sidney Palmer, o trompetista de jazz afro-americano, e Li Jun Li ("De Frente com meu Ex") como Lady Fay Zhu, a cantora de cabaré lésbica sino-americana...são dois personagens que trazem uma discursão acerca do racismo e da homofobia, porém de forma bem vaga e bem rasa pelo roteiro, faltou um aprofundamento (aquela cena que a Lady Fay Zhu canta a canção "Pussy" é ironicamente engraçada dentro do contexto do filme).
Ainda tivemos o sempre excelente Tobey Maguire (que também atua como produtor executivo no longa) como James McKay, um personagem muito curioso e até interessante, dependendo da visão de cada um.
Max Minghella (impossível não se lembrar do Nick Blaine, "The Handmaid's Tale") como Irving Thalberg, um curioso produtor cinematográfico durante os primeiros anos do cinema.
E não menos importante, a presença ilustre do Flea (o lendário baixista do Red Hot Chili Peppers) como Bob Levine.
Em questões técnicas o acerto de Chazelle é bem notado. Como seu próprio trabalho de direção, que mais uma vez é muito bem ajustado, muito bem centrado, usando toda a sua técnica que já observamos em seus longas anteriores, como no próprio "La La Land", onde tínhamos a sua clássica virada de câmera. A trilha sonora de Justin Hurwitz (um grande parceiro de Chazelle) é mais um acerto no longa, por conter uma mescla entre diversos ritmos que ditava toda a freneticidade de cada cena, ainda mais se falando de uma produção que tem a alma de um musical. A fotografia do sueco Linus Sandgren (outro parceiro de Chazelle) é eloquente, é exagerada, e justamente essa era a intenção aqui, nos levar através da fotografia para o êxtase, para uma espiral de loucuras e exageros. A direção de arte é espetacular, por criar e nos jogar em cenários surpreendentes e completamente fiéis com a época, assim como os próprios figurinos e maquiagens, ou seja, nada aqui foi poupado no quesito extravagância e eloquência.
"Babilônia" foi considerado como uma bomba de bilheteria, arrecadando $ 42 milhões contra um orçamento de produção de $ 78-80 milhões. O filme recebeu cinco indicações no 80º Globo de Ouro (incluindo Melhor Filme - Musical ou Comédia, ganhando Melhor Trilha Sonora Original), nove indicações no 28º Critics' Choice Awards (incluindo Melhor Filme), três indicações no 76º British Academy Film Prêmios e três indicações ao 95º Oscar, por Melhor Trilha Sonora Original, Melhor Figurino e Melhor Design de Produção.
Por fim, temos aqui o novo trabalho entregue por um dos novos queridinhos de Hollywood. Apesar da academia torcer um pouco o nariz em relação a forma como ele abordou toda essa época e essa transição da década de ouro para o cinema (vide as pouquíssimas indicações que o filme recebeu no Oscar).
Eu acho muito válido todo esse aspecto criado por Chazelle em sua forma de abordar uma Babilônia ao nos confrontar com uma realidade de nacionalidades, gêneros, etnias, classes, origens, mesclando sentimentos, dramas, prazeres, comédias, sátiras, e nos evidenciando como foi essa passagem de época do cinema, como foi essa conturbada e extravagante transição do cinema mudo para o falado.
Por outro lado, o diretor tomou várias decisões precipitadas, quis impactar e chocar o público em algo ineficiente e unicamente pelo puro apelo estético, que sim, pode ser impressionante aos olhos do espectador inicialmente, mas no fundo não passa de uma tentativa forçada.
Porém, contudo, no entanto e todavia, não há como negar que Damien Chazelle marca seu nome mais uma vez na indústria hollywoodiana, mesmo com alguns percalços ele alcança o seu principal objetivo e seu grande êxito, que é prestar uma grande homenagem para o cinema hollywoodiano das décadas de 20 e 30, mesmo soando como uma crítica ao extravagante e decadente. [10/02/2023]
A Sorte Grande
3.4 89 Assista AgoraTo Leslie
"To Leslie" é dirigido por Michael Morris, com roteiro de Ryan Binaco ("3022"). O filme é estrelado por Andrea Riseborough como Leslie Rowland, uma mãe solteira que se volta para o alcoolismo depois de usar todo o prêmio em dinheiro que recebeu depois de ganhar na loteria. Ela logo encontra a chance de mudar sua vida quando o dono de um motel lhe oferece um emprego.
O diretor Michael Morris já tem um certo tempo de carreira, já trabalhou como ator, roteirista, diretor de séries, mas nunca dirigiu um longa-metragem. Desde 2008 ele já dirigiu séries como "Brothers & Sisters", "Smash", "Kingdom", "House of Cards" e "13 Reasons Why". "To Leslie" marca a sua estreia na direção.
Temos aqui um filme indie baseado em eventos reais que vem chamando bastante atenção mundo afora, vem ganhando notoriedade e sendo base de algumas discursões. "To Leslie" é uma produção independente, corajosa, audaciosa, que traz no centro da discursão a figura de uma mãe solteira que busca incansavelmente a redenção depois de ter arruinado toda a sua vida. Logo no início podemos observar como o roteiro quer nos elucidar sobre aquela história, quer nos trazer para dentro dela, para que possamos sentir todo o peso da vida de Leslie. Obviamente estou me referindo à todo o contexto dos créditos iniciais, que nos mostra fotos do seu passado familiar para nos contextualizar sobre toda sua história. Esta é uma decisão bastante interessante do roteiro, querer nos contar mais a respeito de quem foi Leslie, isso logicamente vai nos dar um ponto de partida e vai ajudar muito na sintonia e no laço que poderá se criar entre ela e o espectador.
Por outro lado eu acho que faltou uma abordagem e um aprofundamento maior justamente na parte inicial, partindo exatamente da ponto onde mostra Leslie ganhando os $ 190.000 da loteria. Acredito que poderiam ter frisado mais esta parte da história, nos mostrar como Leslie esbanjou todo o seu dinheiro, isso daria mais profundidade em seu arco de redenção.
"To Leslie" nos mergulha em uma história com um peso muito grande, um drama familiar muito forte, com um fator emocional elevado, que envolve diretamente a decadência total do ser humano e logo após a sua redenção. Leslie mostra toda sua fragilidade e vulnerabilidade de uma alcoólatra problemática, de uma mulher que chegou ao fundo do poço, de uma pessoa que conheceu de perto a miséria, a decadência, a crueldade, a degradação, a dependência química. Leslie é o típico ser humano autodestrutivo, sem amor próprio, sem amor pelo filho, que está carregada de culpa, de medo, de desconfiança, de frustração, de traumas, de raiva. Aquela pessoa que está a um passo do suicídio.
O primeiro ato do filme é muito bom ao nos confrontar com a quebra de expectativas que se cria envolvendo Leslie e seu filho James (Owen Teague). Ou seja, Leslie está no fundo do poço e busca abrigo na casa do filho, que obviamente irá tentar acreditar na sobriedade da mãe e em sua possível redenção. É exatamente nessa parte que o roteiro nos questiona ao nos apresentar cenas esperançosas, promissoras, e logo após ser quebrado por cenas melancólicas e tristes - aquele típico caso de você dá uma segunda chance e a pessoa não saber aproveitar a chance recebida. A partir daí a trama fica cada vez mais impactante, por começarmos a vivenciar todo o drama de Leslie ao ser abandonada pelo filho, ao ser jogada na sarjeta, ao ser expulsa dos locais, ao ser esnobada e ridicularizada pelas pessoas que diziam fazer parte da sua vida nos momentos bons em que ela estava por cima e tinha dinheiro. Aquele caso que todos nós já passamos na vida; quando estamos bem e temos dinheiro somos bons, somos legais, temos amigos, fazemos diferença na vida de alguém. Quando estamos na lama, no fundo do poço, na sarjeta, ai que você conhecerá seu verdadeiro amigo ou quem realmente se importa com você - quem aqui nunca passou por uma situação parecida?
Já no último ato é exatamente a parte onde temos a possível redenção de Leslie, sempre com bastante dificuldade, com bastante sofrimento, com bastante desconfiança. A chance de Leslie mudar de vida está exatamente no emprego oferecido por Sweeney (Marc Maron). Podemos dizer que Sweeney foi o anjo da guarda, a alma caridosa, que ajudou e depositou toda sua confiança em Leslie quando ninguém mais confiava e ajudava ela. Sweeney foi humanitário, foi caridoso, foi altruísta, mesmo com toda dificuldade e todos os problemas que ele sabia que Leslie iria lhe causar, porém, também temos o gesto do amor, do carinho, do afeto, da empatia e principalmente da confiança e perseverança.
"To Leslie" toca exatamente nesse ponto, que muitas pessoas são autodestrutivas por consequências dos seus atos e suas escolhas, que elas não nasceram assim, são condições desenvolvidas por toda a sua vida, e muito por falta de amor, de carinho, de atenção, de afeto, de oportunidades, sendo que um simples gesto podem salvar vidas, podem resgatar a pessoa que se encontra no fundo do poço. Eu sei que é uma situação difícil, complicada, que ninguém se importará em ajudar, que o mais fácil é virar as costas e ir embora, pois obviamente o problema não é seu. Mas precisamos entender que uma pessoa na fase da vida da Leslie precisa urgentemente de ajuda (independente do que ela fez pra estar nessa situação), de atenção, ela precisa ser notada, ela precisa sentir e entender que ela é importante e faz diferença na vida de alguém - como vimos na cena final com a presença do filho e seu novo companheiro, ou seja, as duas pessoas que fazem parte da sua vida.
Tudo que eu descrevi acima não seria possível sem a presença impecável de Andrea Riseborough ("Oblivion" e "Birdman"). Temos aqui um caso de entrega, de se doar ao máximo, de se empenhar em busca da perfeição em dar vida à uma personagem. Andrea incorpora a Leslie com uma perfeição absurda, que fazia qualquer um sentir na pele todo o seu drama, o seu desespero, a sua dor, a sua agonia. Uma atuação arrojada, competente, onde tínhamos uma personagem que nos demonstrava uma grande carga emocional, um grande peso dramático, conseguindo transcender todo sofrimento e comprar a nossa empatia instantaneamente. Pra mim uma atuação perfeita, impecável, onde só confirma que a Andrea Riseborough é digna e merecedora de todos os elogios que vem recebendo. Criou-se todo um debate, uma polêmica envolvendo a sua indicação ao Oscar de Melhor Atriz. Bem, fica na responsabilidade da academia investigar.
Owen Teague ("It - Capítulo 2") completa muito bem com a presença do filho que também sofre por consequências das escolhas da mãe. Apesar que eu não concordo com a sua escolha do abandono, existem outros métodos que podem ser utilizados nesse caso. Allison Janney (maravilhosa em "Eu, Tonya") como Nancy traz uma figura intolerante, mesquinha, prepotente, que se utilizou da Leslie e depois a abandonou e virou as costas, porém, no final foi gratificante ver o seu arrependimento e seu remorso. Allison Janney é uma belíssima atriz e aqui ela se encaixa perfeitamente na personagem. Marc Maron ("Coringa") fez um contraponto muito interessante com a Andrea Riseborough, seus personagens se conversam e se completam dentro da história, mesmo que inicialmente de forma mais turbulenta. Gostei da química de Marc e Andrea, mesmo de forma um tanto quanto conturbada, mas no final deu tudo certo.
Completando o elenco ainda tivemos Stephen Root ("A Tragédia de Macbeth") muito bem como Dutch, fazendo um par perfeito com a Nancy.
Andre Royo ("Interrogation") como Royal, um personagem bem inusitado, mas que no final também contribuiu positivamente na história da Leslie.
Apesar do longa trazer toda uma abordagem em torno da decadência e redenção, que realmente é um assunto de extrema importância e que conversa diretamente conosco, porém não temos algo inovador, inédito, muito pelo contrário, toda produção pode soar até como clichê. Fatalmente alguém já se deparou com alguma produção, algum conteúdo, que abordasse esse tema em questão. Por exemplo: no momento estou reassistindo uma novela de 2006 no Globoplay, "Páginas da Vida", que tem um núcleo vivido pela atriz Marjorie Estiano (novinha na época) e o ator Eduardo Lago, que trata exatamente desse contexto de decadência e redenção, que mostra todo o sofrimento da filha com a dependência alcoólica do pai - como acontece aqui.
Mas por outro lado "To Leslie" nos encanta pela veracidade aplicada em cada cena, pela importância levantada em torno de um tema tão presente na atualidade, pelo discurso que nos atinge e nos comove verdadeiramente, sem falar na atuação monstruosa e impecável da Andrea Riseborough, que eleva o nível do filme para um outro patamar. [02/02/2023]
M3gan
3.0 799 Assista AgoraM3GAN (MΞGAN)
"M3GAN" é dirigido por Gerard Johnstone ("Housebound"), escrito por Akela Cooper (roteirista de "American Horror Story") a partir de uma história de Cooper e James Wan ("Invocação do Mal"), que também produziu com Jason Blum (produtor de "Halloween Ends").
Quando falamos de brinquedos assassinos obviamente a primeira coisa que vêm em nossa cabeça é o lendário e icônico "Chucky". Um clássico dos anos 80 que ganhou uma enorme relevância para o cinema, conquistou milhares de fãs mundo afora, se tornou um marco, um ícone e um verdadeiro patrimônio da cultura pop. "Chucky" foi tão relevante e tão influente que a partir dele surgiram vários filmes dentro dessa temática, dentro desse universo, que se utilizavam de brinquedos (bonecas) para ilustrar o terror, o suspense e obviamente a psicopatia. Posso citar uma que sou fã - a belíssima e encantadora "Annabelle".
"M3GAN" faz parte desse universo, conversa diretamente com toda essa temática, bebe exatamente dessa fonte.
Temos aqui a história clichê da família que morre em um acidente de carro e deixa sua filha órfã aos cuidados da tia. A tia é uma jovem roboticista muito inteligente que definitivamente não estava esperando por esse acontecimento e menos ainda em se tornar uma mãe - este é o ponto de partida da narrativa.
Eu diria que o enredo do filme é bastante interessante ao optar por inicialmente abordar o drama da pequena Cady (Violet McGraw) sendo confrontado com inexperiência do papel materno de sua tia Gemma (Allison Williams). É nesse ponto que entra a robô M3GAN, que foi desenvolvida por Gemma na intenção de distrair e até confortar a Cady dado ao momento que ela está passando. A primeira parte do filme é a melhor e a que mais funciona dentro de todo contexto, pois obviamente somos surpreendidos com abordagens sobre luto, solidão, traumas, afeto, carinho, atenção, amizade e amor. Nesse quesito o longa levanta algumas discursões, debates e críticas acerca dos pais que não dão a devida atenção aos filhos, sempre ocupados com o trabalho ou com qualquer outra coisa. Os filhos por sua vez sempre ficam escanteados, como é retratado no filme, quando a Gemma simplesmente acha genial a ideia da M3GAN substituir todo "trabalho" que ela teria com a Cady, uma vez que a própria chega a afirmar que ela não é sua filha.
O longa abre espaço para discutir vínculos familiares, funcionando como um drama familiar dentro de um filme que se estabelece como uma ficção científica de terror. É interessante notar como o filme aborda a teoria do apego, ou seja, quando uma criança perde os pais, elas procuram formar um forte vínculo, criar um forte laço com a próxima pessoa que entrar em sua vida (exatamente o papel da M3GAN). Ou seja, essa nova presença vai fornecer o apoio e o amor que a criança tanto deseja e sente falta pela sua perda recente, servindo até como um modelo comportamental - é exatamente isso que acontece no filme. Uma criação de um brinquedo tão real ao ponto da Cady não ver mais a M3GAN como um simples brinquedo, mas como sua cuidadora principal, substituindo totalmente o papel que foi dado para Gemma (como aconteceu na parte que a Cady preferiu desabafar e falar das suas lembranças para a M3GAN e não para sua tia). Obviamente se criou uma ligação e uma conexão emocional tão forte da Cady pela M3GAN ao ponto de isso atrapalhar em seu crescimento e obviamente em seu desenvolvimento. O que poderia ser uma ajuda para Gemma acaba por atrapalhar e ameaçar, pois em nenhum momento a M3GAN poderia ser colocada como uma solução, deveria ser apenas uma distração.
Outro ponto interessante é a forma como o filme aborda o avanço tecnológico, ou podemos dizer, o medo do avanço tecnológico desenfreado.
M3GAN - "Model 3 Generative Android" - uma boneca robô que foi desenvolvida como acompanhante com uma altíssima tecnologia de inteligência artificial. Ela é capaz de se conectar com a Cady, observar tudo que está acontecendo naquele momento, ouvir tudo enquanto está desligada, agir por conta própria, assimilar os comportamentos das pessoas ao seu redor e julgá-las como ameaças. Ou seja, uma inteligência artificial capaz de mudar o mundo. Exatamente como a empresa se vangloria, como a melhor invenção depois do automóvel, afirmando ser o ápice da tecnologia do século 21.
Como eu destaquei, temos aqui uma inteligência artificial capaz de mudar o mundo, porém, toda essa inteligência é desenvolvida de forma assassina em uma autoconsciência que se torna agressiva e hostil com o passar do tempo. E todos esses acontecimentos ocorrem justamente pelo fato da robô está ligada diretamente ao subconsciente de autoproteção, de defender a sua companheira contra qualquer um que se interponha entre elas. Dessa forma a M3GAN vai desenvolvendo características violentas e assassinas.
Também podemos considerar que esse avanço tecnológico retratado no filme, e até o vínculo que é criado entre a Cady e a M3GAN, facilmente pode funcionar como uma crítica a nossa própria hipocrisia; que diariamente substituímos a relação humana por assistentes virtuais, afinal de contas quem aqui não se identifica em ter o seu celular como o seu melhor amigo do dia a dia, ignorando tudo e todos em sua volta, cortando até relações e ligações familiares. O mesmo vale para os pais que optam por deixarem seus filhos sendo educados no mundo virtual através dos Tablets e celulares. Este é o novo mundo em que vivemos.
Em questões de elenco tivemos participações ok.
A jovem Violet McGraw ("Doutor Sono" e "Viúva Negra") é um doce, uma fofura extrema, com toda a sua simpatia ela conseguiu nos cativar. Allison Williams ("Corra!") contribui bem com o papel da tia/mãe inexperiente e perdida, onde ela erra tentando acertar, isso é muito perceptível ao longo da trama. Só achei que o arco entre tia e sobrinha foi bem superficial, a impressão que fica é que a Gemma se preocupa menos do que deveria com o afeto de Cady a M3GAN, algo que acaba facilitando todo desenvolvimento assassino de M3GAN. Porém, não sei se essa era a intenção que o roteiro queria nos passar, mas no final todo amor e carinho entre ambas ficou bem notado.
Agora eu preciso dar o destaque merecido para as atrizes Amie Donald ("Sweet Tooth") e Jenna Davis ("Saturday at the Starlight"). Amie executou todas as cenas de M3GAN que exigiam movimentos físicos que a boneca não podia fazer e também fez todo o seu próprio trabalho de dublê - uma belíssimo trabalho corporal e gestual. Já Jenna atuou dublando a personagem, emprestando a sua voz para M3GAN atacar de companheira e psicopata.
Ao meu ver, "M3GAN" se sai muito bem ao apostar em uma mistura de ficção científica e terror pop, um trash horror comedy, um terror com alguns toques de drama e comédia, onde podemos facilmente considerar como um filme de terror para o espectador que não gosta de terror. Algo como um terror que não é terror, ou um terror sem terror, e muito se deu pelo fato da classificação indicativa do filme, que foi diminuída para 13 anos, como uma jogada para atrair o público de todas as idades. E apostando exatamente nesse quesito de público de todas as idades que os roteiristas optaram por um terror mais leve, sem violência explícita, sem gore, uma espécie de terror família. Algo que foge da temática dos filmes do "Chucky" e "Annabelle", onde a violência com requintes de crueldade eram mais explícitos.
Os próprios roteiristas afirmaram que o filme teria mais gore, cujo a contagem original de corpos era muito maior, com o filme sendo muito mais sangrento. A escritora Akela Cooper espera que o filme eventualmente seja lançado sem cortes.
Por outro lado "M3GAN" foi feito para viralizar, onde fatalmente atingiria o público da nova geração das dancinhas e coreografias do TikTok. E deu muito certo, "M3GAN" viralizou, principalmente por trazer as dancinhas do TikTok, cantar um trecho da música "Titanium" do David Guetta, ser a nova queridinha da comunidade LGBTQIA+, atingir uma representatividade e uma fama mundial e vista como ícone de fãs do pop. Sem esquecer de citar que a música que M3GAN é vista tocando no piano é "Toy Soldiers", um sucesso de 1988 do artista Martika.
Outro fator que contou muito para o sucesso do filme foi sua divulgação e todo trabalho de marketing, onde atores vestidos como M3GAN compareceram ao jogo Los Angeles Rams/Los Angeles Chargers NFL no domingo, 1º de janeiro de 2023, para ajudar a promover o filme. Eles até dançaram no meio-campo durante o intervalo - deve ter sido hilário e ao mesmo tempo bizarro. As novas produções de terror tem apostado bastante em todo esse trabalho de divulgação para o lançamento dos filmes, algo que já vimos recentemente no filme "Sorria".
"M3GAN" foi um sucesso comercial e de crítica, arrecadando mais de $ 104 milhões em todo o mundo contra um orçamento de $ 12 milhões, e é atualmente o filme de maior bilheteria de 2023. Em sua primeira semana de lançamento nos EUA o filme simplesmente desbancou do trono o todo poderoso "Avatar: O Caminho da Água". Uma sequência, intitulada "M3GAN 2.0", está programada para ser lançada em 17 de janeiro de 2025, com Allison Williams e Violet McGraw reprisando seus papéis e Akela Cooper voltando para escrever o roteiro.
No mais, "M3GAN" consegue cavar seu espaço na prateleira de "Brinquedos Assassinos", se estabelece de vez na indústria, viraliza e mostra suas referências e aprendizados trazido do seu antecessor boneco psicopata no quesito cultura pop. Facilmente podemos colocar "M3GAN" como um filme fofinho, bonitinho, um terror teen que traz uma certa abordagem em um drama familiar, mas por outro lado o longa também aposta em uma mistura de horror e humor, além de elementos satíricos e toda uma psicopatia nas partes finais.
Uma aposta que deu certo, aquele clichezão moderno, aquele terror despretensioso e descompromissado que já estamos acostumados, aquele terror pipocão, pastelão, o típico terror de Shopping Center. Por falar em Shopping Center, o filme funcionou perfeitamente na sessão que eu estava, o público se divertiu, deram risadas, entraram no clima de suspense e até se assustaram em algumas partes. Ou seja, valeu o ingresso e a pipoca estava excelente! [27/01/2023]
Triângulo da Tristeza
3.6 730 Assista AgoraTEM SPOILERS!
Triângulo da Tristeza (Triangle of Sadness)
"Triângulo da Tristeza" é um filme sueco co-produzido com Alemanha, França e Reino Unido. O longa é escrito e dirigido por Ruben Östlund em sua estreia no cinema em inglês.
O diretor sueco Ruben Östlund é conhecido por apostar em filmes que conversam com o espectador no sentindo de propor suas ideias, de querer construir todas as suas críticas de uma forma mais direta, mais escancarada, sem ficar criando muitas metáforas, ou situações incompreensíveis. Até por isso a sua forma de escrever um roteiro é indo exatamente na abordagem de temas contundentes, importantes, contemporâneos, que clamam por urgência, ou seja, construir e desenvolver uma crítica social batendo de frente, colocando o dedo na ferida, jogando toda merda no ventilador. Dentro desse contexto o diretor faz sua crítica social de maneira inteligente e muito provocadora.
Ruben Östlund venceu o Festival de Cannes duas vezes: uma por "The Square - A Arte da Discórdia" (2017), onde tínhamos uma comédia dramática que confrontava toda a elite, e a outra justamente por "Triângulo da Tristeza", onde recebeu aplausos de pé por oito minutos além de ser o vencedor do principal prêmio do festival, a Palma de Ouro.
"Triângulo da Tristeza" é um filme satírico, cujo seu principal ponto em questão é exatamente a crítica social, o humor negro, a intolerância, a futilidade, a superficialidade, o egocentrismo, o egoísmo, o preconceito e o pré-conceito. Temos aqui inúmeras discursões sobre o capitalismo e o comunismo, o proletariado e a burguesia, o consumismo e a futilidade, a igualdade e o empoderamento. O filme faz uma crítica irônica e bastante ácida sobre a alta sociedade, a cúpula do alto escalão, a desigualdade social, sendo exatamente a posição na sociedade quando estamos nos referindo a classe dos trabalhadores (ou a classe pobre), a classe média (como o casal que ganharam as passagens para o Cruzeiro) e consequentemente a classe dos milionários e bilionários.
O filme é construído em cima do sarcasmo, da ironia, do marxismo, da desconstrução de imagens e aparências, da quebra de estereótipos, da degradação social e os conflitos sociais. Temos também a inversão de poderes, a quebra de hierarquia, o feminismo, o machismo e o racismo. Tudo isso está ali, faz parte do roteiro, faz parte de toda história, vamos sendo confrontados na medida que a trama vai avançando e ganhando corpo.
O longa-metragem é composto por três atos que se conversam entre si - achei uma ideia um tanto quanto interessante.
Logo na primeira parte do filme somos confrontados com um discurso acerca da definição do título "Triângulo da Tristeza" (bastante curioso por sinal). Logo após temos a introdução do casal disfuncional, que estão justamente discutindo sobre quem vai pagar a conta. Já iniciamos com uma crítica bem clichê porém bastante funcional dado à toda estrutura que o roteiro quer construir. Vemos ali uma relação conturbada que é movida pelo interesse de ambas às partes, logo mais uma crítica sobre a igualdade e o empoderamento. Dentro desse mesmo contexto do casal temos uma crítica social feita às pessoas e aos costumes de maneira caricata, ou seja, exatamente a toda futilidade e ambição de uma influencer. Yaya (Charlbi Dean) vive sua vida acerca dos likes, da fama e da beleza, ou seja, uma personalidade fútil, rasa, vazia, que está aprisionada nessa vida por uma escolha própria e financeira, onde a parcela de toda essa vida ambiciosa também aprisiona seu namorado, o modelo Carl (Harris Dickinson).
O segundo ato é muito intrigante ao nos revelar o Cruzeiro de luxo, onde facilmente podemos encarar o navio como uma espécie de metáfora sobre a nossa própria sociedade. Onde temos a classe operária (as pessoas que trabalham no navio) trabalhando em prol do luxo, da mordomia e do requinte da classe rica, para lhes proporcionar uma ótima viagem e uma ótima diversão. Este segundo ato é a melhor parte do filme, onde naturalmente temos o luxo e o lixo ali em nossa frente de mãos dadas. Uma sátira perfeita que se encaixa em nossos tempos atuais. Podemos observar de forma cômica como as pessoas daquele cruzeiro pouco se importavam com quem era o capitão daquele navio, ou, a forma como ele estava sendo guiado, ou, se realmente tinha alguém guiando o tal navio. Outro ponto que podemos facilmente encaixar em nossa sociedade, e sem defender nenhum lado, nenhuma posição, sem levantar nenhuma bandeira, pois obviamente ninguém naquele navio estava se importando com esta questão.
Um dos pontos alto do filme foi observar toda soberba e todo luxo da classe rica sendo esvaído em vômitos e merdas por todos os lados. Isso serviu para nos frisar que ricos também cagam, ricos também vomitam, ricos também fazem coisas nojentas - sensacional!
Já no terceiro ato é onde temos as inversões de papéis, a quebra de estereótipos, o desfecho de toda hierarquia. Diante desse ponto observamos que o luxo e toda riqueza é completamente inútil quando o fator é a sobrevivência (como observamos na cena em que o magnata oferece o seu rolex). Esse terceiro ato funciona como uma forma de criticar o nosso próprio posicionamento na sociedade, as pessoas que se dizem pobres e humildes, pois até que ponto você iria se tivesse o mesmo poder da classe rica? Se você tivesse todo o poder em mãos você continuaria sendo uma pessoa humilde? Ajudaria os mais necessitados? Ou você se deixaria corromper pelo poder que está em suas mãos e se colocaria na mesma classe das pessoas que antes você criticava? Este é o ponto aqui, esta é a maior discursão desse terceiro ato, pois como observamos na inversões de papéis, a faxineira virou a líder, virou a capitã, e ainda exigiu à todos que se reportasse à ela como a nova capitã. Ou seja, dê o poder nas mãos de uma pessoa e você conhecerá quem realmente ela é.
"Triângulo da Tristeza" foi o último filme da atriz Sul-africana Charlbi Dean, a jovem de apenas 32 anos faleceu inesperadamente em agosto de 2022 após uma sépis bacteriana. Charlbi Dean construiu uma ótima personagem na pele da influencer Yaya, nos mostrando a futilidade dessas pessoas que fazem de tudo por fama e dinheiro - como na cena em que ela usa o macarrão apenas para tirar fotos e ganhar likes e não pra realmente comer.
Harris Dickinson esteve bem em cena, conseguiu nos passar a realidade daquelas pessoas que se vendem e se aprisionam em outra pessoa apenas por interesse próprio.
Woody Harrelson faz um personagem bastante intrigante e interessante dentro da história. Aquele capitão bêbado, aquele comunista que pouca se importa com tudo e com todos ao seu redor - realmente ele toca o foda-se dentro do navio. E completando com a ótima atriz filipina Dolly de Leon, que deu vida à faxineira Abigail, nos mostrando todas as suas facetas, desde a sua representação da classe trabalhadora, passando pelo seu empoderamento feminino, até chegar em suas atitudes tomadas quando ela se viu com o poder nas mãos.
Além de ter ganhado a Palma de Ouro no Festival de Cannes, o filme fez parte da seleção oficial do Festival Internacional de Cinema de Toronto. No Rotten Tomatoes, 70% das 211 críticas dos críticos são positivas. O Metacritic atribuiu ao filme uma pontuação de 63 em 100, com base em 47 críticos. O excelente desempenho da atriz Dolly de Leon recebeu elogios internacionais, conquistando suas primeiras indicações ao Globo de Ouro e ao BAFTA por seu papel coadjuvante. O longa também ganhou quatro European Film Awards, incluindo o prêmio de Melhor Filme, e recebeu três indicações ao Oscar 2023 - Roteiro Original, Diretor e Melhor Filme.
Temos aqui mais um filme que critica diretamente toda classe social que encontramos em nossa sociedade, e pasmem, não é uma crítica apenas direcionada para a classe dos ricos, mas para todas as classes e todas as atitudes que se aplicam à cada um dos indivíduos presentes na sociedade como um todo.
Um filme que traz uma comédia sarcástica na forma de criticar cada ponto levantado dentro da trama. Uma abordagem satírica e ácida que aponta o dedo na cara de cada um ali presente na hora de inverter os papéis e expor uma quebra de hierarquia. Uma abordagem cômica que justamente não faz nenhuma questão de ser levado a sério na hora de apontar toda futilidade e superficialidade do ser humano.
Apesar da ótima direção e do ótimo roteiro, "Triângulo da Tristeza" não é um filme inovador, pois dentro desse universo de crítica social temos outras produções tão boas ou até melhores - como "Parasita", "Nós", "Corra!", "Não Olhe para Cima", "O Poço" (este eu acho até melhor como um todo) e até o mais recente "O Menu". Porém, Ruben Östlund faz um trabalho primoroso, traz um texto muito bem escrito e que conversa diretamente com o espectador, pois é impossível você não se identificar com algumas das personalidades presentes no filme. Sem falar na opção por um final em aberto, que nos dá margens para a imaginação e amplifica a nossa mente em grau ainda mais elevado de interpretação e consequentemente de autocrítica. [26/01/2023]
Top Gun: Maverick
4.1 1,1K Assista AgoraTop Gun: Maverick
"Top Gun: Maverick" é dirigido por Joseph Kosinski e escrito por Ehren Kruger, Eric Warren Singer e Christopher McQuarrie a partir de uma história de Peter Craig e Justin Marks. O filme é uma sequência de "Top Gun - Ases Indomáveis" de 1986. Tom Cruise reprisa seu papel principal como o aviador naval Pete "Maverick". O longa-metragem foi baseado nos personagens do filme original criado por Jim Cash e Jack Epps Jr. No filme, Pete "Maverick" confronta seu passado enquanto treina um grupo de jovens graduados em Top Gun, incluindo o filho de seu falecido amigo, para uma missão perigosa.
Mesmo com toda falta de reconhecimento que "Top Gun - Ases Indomáveis" tem hoje em dia, não há como negar que ele é um dos maiores clássicos do cinema dos anos 80. Assim como também não há como negar o peso e a importância que o filme teve pra história do cinema, toda influência que moldou gerações e, principalmente, foi o filme responsável em catapultar a carreira do grande astro Tom Cruise. Se não fosse por todo sucesso e toda relevância que o longa fez em sua época, "Top Gun: Maverick" não existiria e Tom Cruise não estaria de volta ao posto que lhe consagrou há 36 anos atrás.
Não é sempre que uma continuação consegue superar a obra original, aqui temos este caso, pois "Top Gun: Maverick" supera o primeiro em praticamente tudo (tirando a trilha sonora, é claro). Tudo que "Ases Indomáveis" fez "Maverick" faz melhor - roteiro, enredo, desenvolvimento de personagens, atuações, romance, cenas de ação aéreas, peso dramático, ou seja, "Top Gun: Maverick" é uma verdadeira evolução de "Ases Indomáveis". Este é exatamente um dos pontos que eleva ainda mais toda qualidade alcançada por "Top Gun: Maverick", a sua essência oitentista, a sua nostalgia, o seu saudosismo, todo o seu Fan service. Isso que todo filme de continuação deveria fazer, criar, ter sua liberdade criativa, mas preservar a memória da obra original e manter toda a sua essência.
O longa já começa mexendo com a nossa memória afetiva e com o nosso coração ao entregar um verdadeiro Fan service já na primeira cena ao som da icônica "Danger Zone"(Kenny Loggins). Ali eu já sabia tudo que eu poderia esperar, tudo que estaria me aguardando, e não deu outra. O filme trabalha muito bem esse lado nostálgico, esse sentimento saudosista, principalmente ao nos entregar vários Fan service (sim, era exatamente isso que eu queria), como a cena clássica da moto contra o Jato e até revivendo a lendária cena do jogo na areia da praia.
Um dos pontos falhos do primeiro "Top Gun" estava justamente no roteiro e no desenvolvimento dos personagens, aqui o roteiro trabalha muito bem este lado ao apostar em uma trama focada em Pete "Maverick" Mitchell, nos mostrando como ele está depois de mais de 30 anos de serviço como um dos principais aviadores da Marinha. O velho Pete "Maverick" está de volta rompendo as barreiras e os limites como um piloto de testes corajoso e destemido. Porém, todo reconhecimento obtido durante toda sua vida/carreira parece ter sido em vão, uma vez que ele tinha deixado de ser capitão para se tornar um instrutor (apesar de ter demonstrado essa vontade no primeiro filme). A partir daí vamos acompanhando um Pete "Maverick" à moda antiga porém em um mundo contemporâneo das guerras modernas e avançadas.
O maior acerto do roteiro foi confrontar um Pete "Maverick" mais velho com uma turma de jovens pilotos com personalidades diferentes para serem treinados por ele. Ou seja, temos aqui um contraponto de um Pete "Maverick" com suas ideologias, suas rebeldias, sua imposição, contra um fator humano, um fator diferente do que ele estava acostumado, que era justamente ser um instrutor e ter que lidar com outras vertentes, com outras camadas, que era o fato dos seus traumas do passado envolvendo a morte do seu amigo Nick "Goose" (Anthony Edwards). Este é o ponto melhor trabalhado e melhor desenvolvido pelo roteiro do longa, que é justamente o peso da morte do "Goose" pelo fator de culpa ou não. De qualquer forma o peso está ali, os medos estão ali, os traumas estão ali, precisam ser enfrentados, precisam ser vividos, precisam ser libertados.
Todo esse desenvolvimento em cima do trauma da morte do "Goose" é ainda melhor composto com o fato do Pete "Maverick" ter que ensinar e agora conviver com o filho dele, Bradley "Rooster" Bradshaw (Miles Teller). Cria uma desconfiança, um mistério, uma tensão, um embate de ideias que explora e confronta o passado traumático de ambos. O roteiro explora e desenvolve muito bem esta parte da trama ao mesclar um filme de ação com um filme dramático, com uma construção dramática, com um peso dramático, com uma narrativa dramática. Funciona perfeitamente toda essa questão da convivência do Pete "Maverick" com o Bradley "Rooster", onde o próprio chega a afirmar que tenta ser uma espécie de pai para o filho do seu amigo "Goose". Pete "Maverick" tem toda uma carga dramática com um peso sentimental que nos emociona e nos faz sentir na pele o peso das suas decisões, da sua missão, dos seus ensinamentos, das desconfianças que vão aparecendo - é um roteiro fantástico!
A parte romântica do primeiro "Top Gun", que é vivido por Tom Cruise e Kelly McGillis, tem todo o seu charme e sua nostalgia, principalmente pela hit clássico, romântico e inesquecível de "Take My Breath Away" (Berlin). Porém, eu senti um romance raso, faltou um aprofundamento. Aqui posso dizer que o casal Tom Cruise e Jennifer Connelly me convenceu até mais, até mesmo na construção e desenvolvimento romântico, que sim, não é uma grande história de amor, mas encaixa perfeitamente com o rumo tomado pela história. E não posso deixar de destacar a belíssima canção da poderosa Mother Monster Lady Gaga - "Hold My Hand" - que embalou a parte romântica do longa.
Confesso que eu não sou um fã dos trabalhos do diretor Joseph Kosinski, o mesmo vale para seus filmes como "Tron: O Legado" (2010) e "Oblivion" (2013), que pra mim são filmes fracos. Porém, dessa vez ele me surpreendeu, me deixou encantado com todo o seu trabalho de câmeras, seus takes dentro dos Jatos, seus focos nos rostos dos pilotos, que nos transmitia a verdadeira magia e empolgação vivida em cada cena - magnífico! O filme nos empolga e nos impressiona pelo realismo alcançado nas cenas de voos e acrobacias, e justamente pelo fato do Tom Cruise também atuar como produtor e exigir que aeronaves reais fossem usadas nas sequências aéreas, não CGI. Outro ponto: os atores passaram por treinamento intenso junto com a marinha dos EUA. No treinamento o elenco aprendeu a ejetar, sobreviver embaixo d'água e teve experiências primeiro com aviões a hélice, depois jatos, para enfim entenderem como pilotar o caça F/A-18 Hornet, usado no filme. O próprio P-51 Mustang da Segunda Guerra Mundial visto neste filme é na verdade o próprio avião de Tom Cruise, ele sendo um piloto talentoso na vida real - isso que eu chamo de capacidade de ostentação.
"Top Gun: Maverick" entrega cenas aéreas belíssimas, um verdadeiro deleite, uma verdadeira magia, com combates aéreos impressionantes, alucinantes, de tirar o fôlego. Eu nunca assisti um filme que me transportasse para dentro de um voo como em "Top Gun: Maverick", que me demonstrasse a beleza exuberante através de um Jato Supersônico. Você sente na pele a mesma emoção que Pete "Maverick", você se maravilha com ele, é apaixonante, é maravilhoso, é fantástico.
Tecnicamente o filme também é perfeito! Uma verdadeira obra-prima!
A fotografia é escandalosamente linda e triunfal. As tomadas aéreas nos impressiona em 100% das cenas. A direção de arte é riquíssima em detalhes que agregam ainda mais à obra. A cenografia, a montagem, a edição, a mixagem de som, a ambientação, tudo feito com perfeição, atingindo um alto nível de excelência que eu não via no cinema há alguns anos. A trilha sonora é outro ponto perfeito no filme (assim como também foi em "Ases Indomáveis"). Podemos considerar que o trabalho de Hans Zimmer, Harold Faltermeyer e Lady Gaga estão impecáveis, tanto pela trilha sonora, pela composição das letras, do fundo musical, instrumental, harmonia, sintonia, tudo 100% perfeito. Aquela típica trilha sonora que transmite o peso do filme.
Tom Cruise é o verdadeiro vinho da sétima arte, vai ficando mais velho e vai ficando cada vez melhor. No alto dos seus 60 anos o grande Tom nos surpreende por ainda manter toda sua obsessão pelo desafio pessoal. Tom ainda se desafia constantemente ao exigir gravar cenas sem o uso de dublês, como faz na franquia "Missão Impossível", e aqui não foi diferente. Isso que eu chamo de amor pela arte, amor pelo trabalho, amor pela atuação, amor pela interpretação, amor pela entrega, por se doar constantemente em prol do seu objetivo maior. Tom Cruise nos dá uma verdadeira aula de como se desafiar e se superar diariamente na vida.
Em "Top Gun: Maverick" o grande Tom está soberbo, divino, magnífico, com toda sua bagagem e toda sua experiência ele simplesmente dá um show do início ao fim. Tom consegue nos passar uma postura de Pete "Maverick" mais enérgico, mais destemido, mais desafiador, porém com um lado mais descolado, mais suave, mais romântico, mais brincalhão, mais paizão mesmo. Por outro lado ele também impressiona ao carregar toda carga dramática de um personagem que está buscando se estruturar e se recuperar dos erros e traumas do passado.
Temos algumas cenas envolvendo o Tom Cruise que já podem ser consideradas emblemáticas e icônicas - como a cena em que ele retorna para a base de Top Gun e rever as fotos dele com o "Iceman" no primeiro filme. Você percebe pelo próprio olhar do Tom Cruise toda a sua nostalgia e emoção. A cena em que ele reencontra o Comandante Tom "Iceman" Kazansky, o grande Val Kilmer, também é uma cena apoteótica. A própria cena em que ele veste a eterna jaqueta de "Maverick" de "Top Gun - Ases Indomáveis".
É claro que falando de "Top Gun - Ases Indomáveis", romance e a música "Take My Breath Away" vamos nos lembrar do casal Tom Cruise e Kelly McGillis. Também não há como negar o desejo de todos nós que este casal fosse revivido depois de 36 anos, porém isso definitivamente não foi possível devido a própria Kelly McGillis, que disse que começou a trabalhar menos em Hollywood para se dedicar à família e se manter sóbria e que não fazia grande questão de ver a sequela nos cinemas. Dessa forma o par romântico de Tom Cruise ficou à cargo de Jennifer Connelly, que entregou um trabalho bem feito, bem atuado, que conseguiu convencer com aquele romance problemático.
Miles Teller foi a escolha perfeita para viver o filho de "Goose", ele conseguiu incorporar bem no personagem, conseguiu transcender todos os traumas, os medos, as desconfianças, conseguiu cenas ímpar com o Tom Cruise. A cena com eles dois se ajudando para se salvar a bordo do F-14 é incrível e emocionante - que cena belíssima!
Tivemos a presença ilustre do grande Val Kilmer, que apesar de estar enfrentando todos os seus problemas de saúde fez questão de está presente representando o seu icônico personagem.
O grande ator Ed Harris também teve a sua contribuição com seu personagem Chester "Hammer" Cain.
E completando o elenco com a equipe de jovens pilotos treinados por Pete "Maverick": Jake "Hangman" Seresin (Glen Powell), Natasha "Phoenix' Trace" (Monica Barbaro), Robert "Bob" Floyd (Lewis Pullman), Reuben "Payback" Fitch (Jay Ellis) e Javy "Coyote" Machado (Greg Tarzan Davis).
"Top Gun: Maverick" foi extremamente aclamado pela crítica, com muitos o considerando melhor que o filme original (inclusive eu, rsrs). Ganhou o prêmio de Melhor Filme do National Board of Review e também foi eleito um dos dez melhores filmes de 2022 pelo American Film Institute. O filme também recebeu vários outros prêmios, incluindo indicações ao Globo de Ouro de Melhor Filme - Drama e ao Critics' Choice Movie Award de Melhor Filme. O longa foi o segundo filme de maior bilheteria de 2022 (pois foi superado por "Avatar: O Caminho da Água") e a maior bilheteria doméstica da Paramount de todos os tempos, superando o clássico "Titanic" (1997). "Top Gun: Maverick" arrecadou USD 1,489 bilhão em todo o mundo, tornando-se o filme de maior bilheteria da carreira de Tom Cruise.
O que é considerado como uma obra-prima? Eu considero um filme como uma obra-prima quando ele me eleva a enésima sensação de satisfação, me desperta inúmeras reações, eu fico feliz, fico triste, me emociono, fico em êxtase, fico nervoso, fico eufórico, fico alucinado, fico nostálgico, fico em estado de choque, e aqui temos todos esses sentimentos aflorados em um misto de reações - é fantástico! "Top Gun: Maverick" é exatamente tudo isso.
Em "Top Gun: Maverick" é difícil julgar com a razão e não com a emoção, é difícil ser criterioso, é difícil ser mais racional e não se deixar levar pelo sentimento da nostalgia, do saudosismo, porém, o filme é tão maravilhoso e tão perfeito que você pode avaliá-lo com a razão, com a emoção, com a nostalgia, sendo criterioso, sendo racional, sendo o que você quiser. O resultado será apenas um - uma verdadeira e magnífica obra-prima do cinema moderno.
"Top Gun: Maverick" é uma belíssima obra, um filme que te empolga ao mesmo tempo que te emociona. Um filme que te desperta inúmeras sensações e reações. Um filme que te representa em vários sentidos. Um filme que une sentimentos mútuos e verdadeiros. Um filme que consegue dosar com maestria um drama, um romance, uma ação e até uma leve comédia. Uma verdadeira obra de arte, um verdadeiro clássico moderno, uma obra-prima contemporânea. Um filme que possivelmente poderá definir toda uma década, poderá influenciar, moldar e até representar toda uma geração (como o próprio "Top Gun - Ases Indomáveis" fez em sua década), e com certeza ficará marcado na história do cinema e será lembrado com uma obra-prima daqui a muitos anos.
Assim como "Avatar: O Caminho da Água" (que já assisti 3 vezes no cinema em IMAX 3D), "Top Gun: Maverick" é um dos melhores filmes do ano, da década, entrando para o hall dos melhores Blockbusters de todos os tempos.
Só me arrependo profundamente de não ter assistido esta obra-prima nos cinemas, pois com certeza eu sairia ainda mais impactado e ainda mais emocionado da sessão.
O saudoso Tony Scott ficaria extremamente orgulhoso com essa maravilhosa continuação da sua icônica obra.
"Top Gun: Maverick" já é um clássico!
Encerro ao som de "Top Gun Anthem" - Harold Faltermeyer.
In Memory of Tony Scott!
[20/01/2023]
⭐⭐⭐⭐⭐
👏👏👏👏👏
Top Gun: Ases Indomáveis
3.5 922 Assista AgoraTop Gun: Ases Indomáveis
"Top Gun" foi lançado em 1986, dirigido por Tony Scott, produzido por Don Simpson e Jerry Bruckheimer. O roteiro foi escrito por Jim Cash e Jack Epps Jr., e foi inspirado em um artigo intitulado "Top Guns", escrito por Ehud Yonay e publicado na revista California Magazine três anos antes. É estrelado por Tom Cruise como o tenente Pete "Maverick" Mitchell, um jovem aviador naval a bordo do porta-aviões USS Enterprise. Ele e seu oficial de interceptação de radar, tenente (grau júnior) Nick "Goose" Bradshaw (Anthony Edwards), têm a chance de treinar na Escola de Armas de Caça da Marinha dos EUA (Top Gun) na Estação Aérea Naval Miramar em San Diego, Califórnia.
Nas décadas passadas era muito comum ouvir uma certa música e associá-la diretamente à algum filme, ou vice e versa. Isso aconteceu no ano 1986 com o filme "Top Gun" e a canção "Take My Breath Away", da banda californiana Berlin. Tanto o filme quanto a música são verdadeiros patrimônios dos anos 80, a pura essência oitentista, verdadeiros clássicos daquela década.
"Top Gun: Ases Indomáveis" é a verdadeira definição de um clássico oitentista, o diretor Tony Scott (do ótimo "O Sequestro do Metrô 1 2 3") entrega tudo que um clássico daquela década precisava: um romance regado com uma belíssima trilha sonora, belas aeronaves, ótimos embates aéreos, grandes desafios cheios de tensão, sempre misturado com bastante ação (que de fato não poderia faltar). Sem falar que o roteiro elabora todo um percurso para nos confrontar com uma trama que de fato é desenvolvida como um filme de ação, porém com nuances de um drama, de um romance, tocando em pontos como o amor e a amizade, os conceitos e os valores que estão por trás de um relacionamento de amor, de amizade, de respeito, de admiração, de engrandecimento, de atitude, de caráter, de ego. Tudo é trabalhado em cima dos desafios, da ambição, da conquista, do fracasso, da vitória, da derrota, do ganho e consequentemente da perda.
Podemos considerar que "Top Gun" teve um grande peso e uma grande participação em consagrar toda mitologia em torno do piloto de caça naval e das aviações embarcada e costeira. Assim como também podemos considerar a grande influência sobre todas as pessoas que se encantaram com a aviação e decidiram seguir carreira nessa aérea usando o filme como base motivacional (sim, isso acontecia nos anos 80). O filme teve tanto peso para a história e tanta influência que até hoje é impossível você assistir um documentário, ler um livro, ou até assistir um filme sobre aviação naval e não se lembrar de "Top Gun". Por falar em influente, a produção do longa contou com a colaboração do Pentágono e da Marinha Norte Americana em seu desenvolvimento.
Todo grande clássico possui cenas emblemáticas e memoráveis, e em "Top Gun" não é
diferente. Aquela abertura clássica do F-14 (hoje praticamente peça de museu) até hoje nos eleva ao extremo saudosismo. A cena épica do Tom Cruise pilotando a clássica Kawasaki GPZ900R contra o Jato. Os embate aéreos entre o F-14, o MiG 27 e o P-51 Mustang. Realmente o filme tem o poder em despertar a nossa nostalgia e o nosso saudosismo.
O diretor Tony Scott (falecido em 2012) foi muito autêntico ao nos proporcionar um trabalho de câmeras incríveis, onde tínhamos a exata dimensão de todos os confrontos aéreos, e olha que estamos falando de uma produção dos anos 80, onde consequentemente não tínhamos toda estrutura tecnológica de hoje. O trabalho de fotografia é maravilhoso, podíamos sentir toda potência dos jatos rasgando os céus em altíssima velocidade (o mesmo vale para o excelente trabalho de som). E acompanhando todo esse misto de emoção e ação temos a música chiclete dos anos 80 - "Danger Zone", de Kenny Loggins. Acima eu destaquei a canção "Take My Breath Away", que realmente ficou como a música mais conhecida e a verdadeira personificação de "Top Gun: Ases Indomáveis", até pelos prêmios que ganhou. Porém, "Danger Zone" também ficou eternizada nesse clássico oitentista.
Hoje em dia muitas pessoas classifica "Top Gun: Ases Indomáveis" como um filme superestimado (depois do lançamento de "Top Gun: Maverick" ainda mais). Realmente o filme enfrentou diversos problemas na época das suas filmagens, como o fato do estúdio querer demitir o diretor por causa da icônica cena do jogo de vôlei na praia. Sem falar que muitos executivos da Paramount começaram a considerar o trabalho de Tony Scott como largado e com pouco empenho. Confesso que em questão de enredo o longa realmente deixa a desejar, e muito por sua história ser bem rasa e pouco desenvolvida, onde o próprio desenvolvimento de personagens é pouco abrangente - como no caso do próprio embate, rivalidade e enfrentamento dos personagens "Maverick" e "Iceman" (Val Kilmer). O próprio Val Kilmer não queria atuar no filme e só participou devido a obrigações contratuais que tinha na época. Todo o romance que é vivido no filme pelos personagens do Tom Cruise e da Kelly McGillis é charmoso, é bem a cara dos anos 80, porém é bem sessão da tarde, bem raso e falta um aprofundamento. Acredito que a parte romântica do filme é mais lembrada pela trilha sonora do que propriamente pelo romance em si.
Tom Cruise estava sendo praticamente alçado ao sucesso e ao posto de galã na época, ganhando projeção para depois interpretar papéis importantes em outros filmes de destaque. Uma boa atuação condizente com um personagem rebelde porém bastante destemido.
Val Kilmer, que estava praticamente estreando na carreira, compõe uma espécie de vilão (ou antagonista) até interessante, dentro das limitações do seu personagem.
Kelly McGillis, que também estreava na carreira, foi uma boa escolha para o par romântico com Tom Cruise.
O elenco ainda conta com Tom Skerritt (Mike "Viper" Metcalf), da obra-prima "Alien, o 8º Passageiro"(1979).
Anthony Edwards (Nick "Goose"), de "O Cemitério Maldito 2" (1992).
Michael Ironside (Rick "Jester" Heatherly), do clássico "O Vingador do Futuro" (1990).
Tim Robbins (Sam "Merlin" Wells), que mais tarde faria o melhor filme de toda a sua carreira - "Um Sonho de Liberdade" (1994).
James Tolkan (Tom "Stinger" Jardian), que vinha do icônico "De Volta para o Futuro (1985).
E completando com a linda e jovem Meg Ryan (Carole Bradshaw), que três anos antes havia estreado no cinema com o clássico "Amityville 3" (1983).
"Top Gun: Ases Indomáveis" foi muito bem reconhecido em sua época e recebeu críticas mistas dos críticos de cinema envolvendo seus efeitos visuais e trilha sonora. Quatro semanas após seu lançamento, o número de cinemas exibindo-o aumentou em 45 %. Apesar de sua reação crítica inicial mista, o filme foi um grande sucesso comercial, arrecadando $ 357 milhões globalmente contra um orçamento de produção de $ 15 milhões, se tornando o filme doméstico de maior bilheteria de 1986. O filme manteve sua popularidade ao longo dos anos e ganhou um relançamento IMAX 3D em 2013. Além disso, a trilha sonora do filme se tornou uma das trilhas sonoras de filmes mais populares e inesquecíveis até hoje, alcançando a certificação 9 × Platinum. O filme ganhou um Oscar e um Globo de Ouro pela canção "Take My Breath Away". Uma sequência, "Top Gun: Maverick", foi lançada 36 anos depois, em 27 de maio de 2022.
Como já mencionei, muitos consideram "Top Gun" como um filme superestimado, já eu vou na contramão, o considero até como um filme subestimado. O longa foi muito importante pra sua época, lançou atores e atrizes, se tornou uma febre e foi completamente influente em várias mídias, marcou e moldou toda uma geração, fez história e deixou o seu legado que permanece vivo até hoje ("Top Gun: Maverick" que o diga).
"Top Gun: Ases Indomáveis" é um verdadeiro clássico e um patrimônio dos anos 80. [19/01/2023]
Elvis
3.8 759Elvis
"Elvis" é dirigido por Baz Luhrmann, escrito por Luhrmann, Sam Bromell, Craig Pearce e Jeremy Doner. Segue a vida do cantor e ator de Rock and Roll Elvis Presley, contada da visão de seu empresário, o coronel Tom Parker, cujo abuso financeiro dele é um ponto importante da trama.
O diretor Baz Luhrmann é conhecido por sua excentricidade, sua extravagância e sua grandiloquência em suas obras, como podemos comprovar em "Moulin Rouge" (2001) e a sua versão de "O Grande Gatsby" (2013). Já em "Romeu + Julieta" (1996) o diretor traz a sua versão dessa obra shakespeariana mostrando um olhar romântico porém mais modernizado. "Austrália" (2008) não tem jeito, na minha humilde opinião é o pior filme do diretor. Dito isso, o que eu poderia esperar de uma cinebiografia do Rei do Rock pela direção de Baz Luhrmann?
Eu posso afirmar que é muito complicado você contar (ou abranger) uma história de mais de 20 anos em pouco mais de duas horas e meia. Esse é o maior desafio (e ao mesmo tempo a maior falha) que encontramos na cinebiografia do Elvis, pois é complicado você condensar toda uma história de vida e música em apenas um longa-metragem. Em 2018 tivemos essa mesma experiência com "Bohemian Rhapsody", que trouxe a biografia de um dos maiores artistas de todos os tempos, mas que no final nos deixou com uma sensação de faltou um algo a mais, faltou fôlego, faltou coragem e ambição para nos entregar uma obra que mergulhasse mais na história de Freddie Mercury. E foi com esta mesma sensação que eu fiquei ao subir dos créditos de "Elvis".
O longa já inicia no estilo Baz Luhrmann, com o símbolo da Warner Bros transvestido de brilhos e lantejoulas no maior estilo dos magníficos trajes do Elvis. Baz nos entrega um filme lindo, dançante, contagiante, vibrante, pomposo, virtuoso, empregando toda a sua freneticidade e excentricidade que já estamos acostumados. E todas essas qualidades casam perfeitamente com a personalidade do Elvis, pois o Elvis era um artista excêntrico, energético, megalomaníaco, colossal, estratosférico, seus shows eram verdadeiros espetáculos, cheio de cores, luzes, magia, com figurinos exóticos e luxuosos, e em ambientes que eram um verdadeiro delírio para os fãs (principalmente as mulheres). Dentro desse contexto eu acredito que o Baz Luhrmann foi a escolha certa para a direção, pois ele realmente sabe criar toda uma atmosfera, todo um universo, toda uma magia que nos impacta com a grandeza do Elvis e dos seus espetáculos.
Baz Luhrmann opta por inicialmente nos contar a história do Elvis de forma mística, trabalhando a mística do personagem, construindo todo um clima misterioso que envolve uma forma de não revelar a face do Elvis nos primeiros minutos do filme, algo como uma preparação para o público para revelar o grande momento do seu primeiro show. E o primeiro contato do show já é um verdadeiro espetáculo, já emociona em nos mostrar o impacto cultural que ele teve. Partindo desse princípio da mística inicial do personagem, temos também o primeiro contato do Coronel Tom Parker com o Elvis, que mostra a forma como o Coronel vê o Elvis e o avalia. Claramente o Coronel viu algo diferente no Elvis, algo como a sua apresentação, a sua forma de cantar, o seu figurino, o jeito que ele requebrava no ritmo da música. Tudo isso impressiona o Coronel e ele vê em Elvis a grande chance da sua vida, em outras palavras, uma verdadeira mina de ouro.
O longa realmente não foge daquela estrutura narrativa de filmes biográficos, que é contar desde as suas origens até ao estrelato, desde a sua ascensão até sua queda, porém aqui temos uma camada adicional, que é justamente o ponto de vista que o filme nos dá, que é contado (e narrado) pela perspectiva do Coronel Tom Parker. Dessa forma vamos vivenciando toda a história de vida e música do Elvis pela versão do Coronel. Dentro desse universo temos os dois lados da moeda, como um filme musical contagiante, vibrante, apaixonante, por outro lado temos a construção e o desenvolvimento dramático, do relacionamento promissor ao desgastante e corrosivo do Elvis com seu empresário. O longa nos passa como era o relacionamento do Coronel com o Elvis aos olhos de outras pessoas (como a própria família do Elvis), ao mesmo tempo vamos conhecendo e desvendando a relação tumultuada, complexa e abusiva que ia se criando entre eles. Vamos descobrindo os podres do Coronel, como o abuso financeiro que ele obrigou o Elvis a se submeter.
A narrativa quer nos passar que o Coronel é o grande vilão por trás da história do Elvis, mas o interessante é notar que o próprio Coronel se recusa a acreditar nessa possibilidade, e dentro desse contexto a narrativa funciona, principalmente quando nos deparamos com os embates do Coronel com o Elvis em relação a vontade que o artista expressava em realizar apresentações fora dos Estados Unidos. E este é um ponto muito interessante na trama, pois pra quem não conhece a história do Elvis pode se perguntar se isso realmente aconteceu na carreira do astro.
Outra parte muito interessante do filme é a forma como ele nos passa como Elvis enfrentou o fato de tentarem mudar (ou moldar) a sua personalidade musical...como o fato de tentarem proibir que ele se requebrasse durante suas apresentações musicais, algo que já era uma marca registrada e incrustrada nele - Elvis era um verdadeiro Showman! Outro ponto: a sociedade não via com bons olhos o envolvimento do Elvis com pessoas negras (como o próprio envolvimento dele com o B. B. King), pois a música negra era rejeitada e proibida de tocar nas rádios e nos estabelecimentos públicos, era considerada selvagem e de contexto sexual. Por outro lado o filme nos elucida sobre as influências musicais do Elvis, em como ele misturou vários gêneros, em como ele compôs toda essa mistura de ritmos, e isso é perfeitamente bem retratado sobre o efeito que o show do Elvis causava no público.
O maior destaque e a cereja no topo do bolo de Baz Luhrmann é sem dúvida o Austin Butler. Austin começou a sua carreira em seriados como "Zoey 101", "Hannah Montana" e "iCarly", e agora posso afirmar sem nenhum receio que estamos diante do seu melhor (e maior) trabalho da carreira, da sua melhor atuação da vida. É realmente impressionante a personificação de Elvis Presley de Austin Butler, por sua caracterização, seus trejeitos, suas expressões faciais, sua voz (que se assemelha muito com a do Elvis), sua postura no palco, sua forma de cantar, toda sua veia performática e todo seu exibicionismo musical. Um verdadeiro show, um verdadeiro espetáculo nas proporções do verdadeiro Elvis, conseguindo exibir toda a sua magnitude, e olha que o Austin nem é assim tão idêntico ao Elvis, mas ele nos convence e nos ganha por incorporar tão bem o personagem ao ponto de você passar a acreditar que o Austin Butler é realmente o Elvis Presley. Austin Butler foi merecidamente premiado com o Globo de Ouro de Melhor Ator em Filme Dramático.
O grande Tom Hanks nos traz mais uma vez a figura de um personagem enigmático, controverso, intrigante. O Coronel Tom Parker era um homem de negócios, tinha ideias valiosas de como o artista poderia alcançar o estrelato. E foi esta ideia que ele incorporou no Elvis, porém da sua maneira de pensar e agir, e a verdade é que, dessa forma, ele foi destituído de todo o crédito que teve na carreira de Presley. Com relação a atuação de Tom Hanks, eu achei uma premissa boa porém muito carregada, com um personagem muito caricato, muito canastrão, até seu sotaque é um tanto quanto esquisito (não sei se o verdadeiro Coronel tinha aquele sotaque). A própria maquiagem está muito carregada, muito transformada, porém em todos os momentos não deixamos de ver que de fato é a figura do Tom Hanks ali, algo totalmente diferente do Austin Butler por exemplo. Mas de qualquer forma ele entrega um personagem bem condizente com o que o filme precisava. Tom Hanks já havia interpretado um imitador de Elvis em "Elvis Ainda Não Morreu" (2004).
No centro da jornada da vida de Elvis está uma das pessoas mais importantes e influentes, Priscilla Presley, aqui magnificamente bem interpretada pela Olivia DeJonge. Conheci a Olivia no filme "A Visita" (2015) do M. Night Shyamalan, naquela época bem novinha, com apenas 16 aninhos. Como Priscilla Presley Olivia DeJonge tem uma excelente atuação, muito bem performada nas cenas que lhe exigia uma carga mais dramática. E olha que a própria Priscilla Presley gostaria que a Lana Del Rey a interpretasse no filme. Havia rumores de que a própria Lana Del Rey queria o papel de Priscilla no filme, no entanto, esses rumores não foram confirmados. Apesar dos desejos de Priscilla, a Olivia DeJonge assumiu o papel e na minha opinião ela foi perfeita.
A trilha sonora está bem mesclada, as músicas se encaixam bem na história, apesar de achar que o filme tem poucos sucessos do Elvis, achei que deveria ter mais. Apesar das suas 2h 39min, eu achei o ritmo do filme muito acelerado, muito frenético (estamos falando de Baz Luhrmann né), parecia um videoclipe, a narrativa ia de forma interrupta que não conseguíamos sentir o peso de alguns acontecimentos importantes (como no caso da própria morte da mãe de Elvis). Tem muitos acontecimentos que foram resumidos, reduzidos, não tiveram o verdadeiro peso e atenção que mereciam. Por exemplo: a morte de Elvis, que claro foi muito jovem, e seu envolvimento com drogas, remédios, sua degradação física baseada nesses acontecimentos, que não teve um peso para nós espectadores. Algumas passagens de tempo eu achei bem inverossímil, como o caso do Austin não envelhecer, não parecer que tínhamos saltos de anos, de décadas, não se preocuparam em dar uma atenção maior nesse quesito com maquiagens e algumas técnicas.
"Elvis" foi um sucesso comercial e de crítica, arrecadando $ 286 milhões em todo o mundo contra seu orçamento de $ 85 milhões, além de ser o segundo filme biográfico musical de maior bilheteria de todos os tempos, atrás de "Bohemian Rhapsody" e o quarto filme produzido na Austrália com maior bilheteria. O American Film Institute nomeou "Elvis" um dos dez melhores filmes de 2022. No Globo de Ouro, recebeu três indicações, incluindo Melhor Filme - Drama, e recebeu sete indicações no Critics' Choice Awards, incluindo Melhor Filme.
"Elvis" é uma ótima cinebiografia dessa monstruosa personalidade. Tem uma energia incrível, uma vibe deliciosa, sendo completamente inevitável não se contagiar e não se deixar levar por toda magia que o filme te envolve e te proporciona. Uma obra dinâmica, sagaz, frenética, contagiante, apaixonante, cheia de cor, graça, dança, música, luz, espetáculo. Por outro lado a mescla com toda parte dramática é bem dosada e bem inserida na trama, apesar de faltar alguns pontos que mereciam maiores destaques e maiores relevâncias, para nos dar ainda mais a dimensão do que o Elvis foi para toda história da humanidade.
Um fenômeno. Um ícone. Uma lenda. O artista solo que mais vendeu disco de todos os tempos. Seu legado, sua influência na música e na cultura continuará para todo o sempre. O Rei do Rock. Senhoras e senhores - Elvis Aaron Presley. [14/01/2023]
R.I.P
Lisa Marie Presley
☆ 01/02/1968 ✟ 12/01/2023
O Menu
3.6 1,0K Assista AgoraTEM SPOILERS!
O Menu (The Menu)
"O Menu" é dirigido por Mark Mylod, escrito por Seth Reiss e Will Tracy, baseado em uma história original criada por Tracy e produzido por Adam McKay, Betsy Koch e Will Ferrell. Apresenta um elenco que inclui Ralph Fiennes como um chef famoso com Hong Chau interpretando sua assistente e Anya Taylor-Joy, Nicholas Hoult, Janet McTeer, Reed Birney, Judith Light e John Leguizamo interpretando clientes que frequentam seu excêntrico restaurante exclusivo.
O diretor britânico Mark Mylod é mais conhecido por seu trabalho nas séries de televisão "Succession", "Game of Thrones" e "Shameless". De fato ele sempre esteve mais envolvido com séries do que com longas-metragens. Dessa forma se criou uma grande dúvida e uma grande expectativa em como seria seu mais novo filme, o que ele poderia nos entregar.
Sendo bem sincero, o longa de Mark Mylod é requintado, é luxuoso, é extravagante, e muito pelo fato de estarmos falando de um tema que por si só já traz todo um requinte, uma beleza estética, um charme, que é justamente os mais variados pratos do menu do conceituado Chefe Julian Slowik (Ralph Fiennes). Também podemos considerar que o roteiro de Seth Reiss e Will Tracy nos confronta com a possibilidade de estarmos vivenciando um jantar em um local muito caro e muito conceituado, algo que funciona como uma analogia aos nossos próprios conceitos e desejos, afinal de contas, quem nunca desejou jantar em um restaurante caro, chique e com um renomado Chefe?
Partindo desse princípio, o roteiro nos confronta com o belo cenário do restaurante em uma ilha paradisíaca, onde a própria fotografia surge muito bela e com enquadramentos em diversos ângulos para nos situar e nos envolver naquele ambiente em que a trama está sendo desenrolada. Esse caminho que o roteiro decide desenvolver e percorrer durante toda sua apresentação inicial é muito sutil e funciona perfeitamente, até com o próprio desenvolvimento e apresentação dos personagens. Cria-se uma atmosfera misteriosa, estranha, sombria, intrigante, enigmática, ambígua, passamos a construir várias possibilidades do que realmente está por trás daquele local, daquelas pessoas, daquela estranha assistente e, principalmente, daquele exótico Chefe.
Mas do que realmente o filme fala? O que ele aborda? O que ele quer nos passar?
Somos jogados dentro daquele ambiente e daquela história onde inevitavelmente irá surgir inúmeras dúvidas, inúmeras possibilidades, inúmeras interpretações, inúmeras alusões, o que nos resta é tentar desvendar o que realmente está por trás de "O Menu".
"O Menu" funciona como um suspense, um drama (em alguns personagens), um terror e principalmente como uma comédia de humor negro. Temos aqui uma sátira sutil e ao mesmo tempo complexa, que de certa forma traz uma crítica ácida para os pseudo-intelectuais, ou as pessoas que se julgam mais inteligentes, mais dominantes de certos temas, algo como uma crítica para os críticos em diversas formas, até para os próprios gastronômicos. Também podemos considerar como uma crítica de forma fria, leve, porém muito seca e muito ácida para toda arte gastronômica, especificamente para a gastronomia de restaurantes mais exóticos e mais gourmetizado (em outras palavras mais frescos mesmo), onde a principal preocupação é exibir pratos como arte, como troféus, algo como "o jantar da sua vida", e não voltado para o que deveria ser o principal propósito de um restaurante, que de fato é se satisfazer com a comida.
"O Menu" é um filme nonsense, fora do habitual, fora do convencional, onde temos uma demonstração de toda fragilidade e vulnerabilidade humana de uma forma exótica, disfuncional, indigesta, catastrófica, irracional, onde seu principal tempero é a sátira. Por outro lado toda essa sátira e essa crítica pode nos soar como uma comédia, ou algo tragicômico, pois de fato o filme está nos criticando, está apontando o dedo em algo que fazemos corriqueiramente dentro do nosso cotidiano, enquanto isso está nos divertindo de uma forma fora do convencional e até bizarra - é bem loco!
Também podemos notar críticas ao consumismo, ao classicismo, a futilidade, a inveja, a arrogância, a desigualdade social e ao egocentrismo. Temos vários personagens na trama que fazem questão de demonstrar todo o seu egocentrismo...como no caso do Tyler (Nicholas Hoult), que não tem nenhuma preocupação de levar a Margot (Anya Taylor-Joy) para o que seria o seu último jantar antes de sua morte, e unicamente por endeusar o Chefe Slowik e querer ser notado por ele a qualquer custo. O próprio Chefe Slowik é uma pessoa egocêntrica, por ter seus pensamentos e suas imaginações totalmente voltadas para si próprio, onde sua própria visão e seus conceitos o impedem e o deixa completamente incapaz de se colocar no lugar de outra pessoa.
Uma jogada de mestre do roteiro foi reunir em um mesmo ambiente um grupo de pessoas distintas na sociedade porém privilegiadas para provarem o menu exótico do restaurante. Temos empresários fraudulentos, uma crítica gastronômica que perdeu o senso do que é ser uma verdadeira crítica gastronômica, um ator que perdeu o rumo de sua carreira ao optar atuar apenas em projetos para o seu próprio bem lucrativo, pessoas fúteis que não servem para nada ali a não ser para serem os piões no jogo do Chefe Slowik, e um empresário arrogante, perdido e vazio de si próprio ao ponto de já ter frequentado o restaurantes várias vezes mas sequer se lembrar de um prato que saboreou. É muito interessante notar que filme reuniu todas essas personalidades distintas para fazer uma crítica social para o próprio trabalho de cada um ali presente - genial!
Dentro desse contexto temos o ponto fora da curva, o indivíduo que não pertence a um grupo determinado, o verdadeiro desprazer do Chefe Slowik. Margot era uma acompanhante de luxo que não tinha nada a ver com aquele universo, com aquele ambiente e com aquelas pessoas. Ela estava ali unicamente pela prepotência e o egocentrismo de Tyler em querer ser uns dos presentes no restaurante Hawthorne, pois as reservas só poderiam ser efetivadas para duas pessoas. Dessa forma a presença de Margot era considerada como uma ameaça para o Chefe Slowik, pois ela não estava na lista e o Chefe era todo meticuloso e minimalista no preparo dos seus pratos para cada personalidade que ele sabia que estaria presente naquele momento. Por outro lado a Margot sempre contestava o Chefe e desvalidava os seus pratos que ele chamava de artes culinárias, o que podemos notar claramente na cena em que ela diz não estar satisfeita com os pratos requintados e pedir um hambúrguer com batatas fritas. Esta cena funciona como uma arte de libertação para o próprio Chefe Slowik, pois o pedido do hambúrguer agia em sua mente como uma memória boa da época em que ele trabalhava em uma hamburgueria. Isso soou como algo simples na mente de um Chefe hoje renomado, requintado, conceituado, porém completamente fútil, raso e vazio. Essa foi a forma genial que a Margot encontrou para se libertar daquele ambiente hostil.
Anya Taylor-Joy (a dona do meu coração, que recentemente esteve presente em "O Homem do Norte") é a personificação da Margot, pois essa personagem lhe caiu como uma luva e ela tem todo um charme, uma técnica, uma habilidade para atuar em personagens tensos, carregados, que lhe exige uma aura misteriosa, intrigante e ambígua (Vide a Thomasin de "A Bruxa"). Anya atua com a alma e o coração, sempre nos surpreende pela sua técnica, pela sua entrega, pela sua leveza em construir personagens que conversam com o espectador (como no caso da Sandie em "Noite Passada em Soho"), e aqui temos mais uma performance em alto nível, com uma personalidade que se demonstrava passiva e agressiva, onde até seu figurino condizia perfeitamente com todo seu universo na trama. Anya Taylor-Joy é uma atriz perfeita!
Ralph Fiennes (eterno Lord Voldemort) é um poço de mistério na pele do excêntrico Chefe Slowik. Fiennes atua com uma leveza invejável, sempre conduzindo aquela postura sisuda, misteriosa, inabalável, sempre preso dentro do seu universo, como um ser exótico, egocêntrico, inatingível, imponente, dominador, cheio de regras, de conceitos, que nunca sorri, que não expressa emoções, que não demonstra reações, verdadeiramente uma pessoa fútil, vazia, completamente morta por dentro. Uma atuação completamente impecável do mestre Ralph Fiennes!
Nicholas Hoult (recentemente esteve em "Aqueles que me Desejam a Morte") faz muito bem a figura do Tyler, como uma pessoa irritante, intragável, invejosa, que só olha para o seu próprio umbigo e só pensa em si próprio. Temos que enaltecer a atuação do Nicholas Hoult, pois ele consegue fazer o espectador pegar ranço do seu personagem instantaneamente. Eu acho o Nicholas Hoult um bom ator mas eu o considero muito subestimado no mundo hollywoodiano. Houng Chau (da série "Homecoming") é a personagem mais intragável do início da história, pois toda aquela postura de recepcionista robotizada chegava a irritar (a cena da luta dela com a personagem da Anya é uma das melhores partes do filme).
No Globo de Ouro "O Menu" foi indicado em duas categorias: Melhor Ator em Filme de Comédia ou Musical (Ralph Fiennes) e Melhor Atriz em Filme de Comédia ou Musical (Anya Taylor-Joy).
"O Menu" é filme que surpreende pela sua ousadia em navegar pelo suspense, pelo terror, pela tragicomédia, nos elucidando com sátiras, com críticas ácidas e pertinentes, com críticas sociais enraizadas nas entrelinhas do roteiro. Uma obra extravagante, protuberante, analítica, que mostra uma verdadeira quebra de estereótipos em um thriller gastronômico com um tempero satírico e indigesto. Um verdadeiro deleite! Um verdadeiro show! [12/01/2023]
Tár
3.7 395 Assista AgoraTÁR
"TÁR" é escrito, produzido e dirigido por Todd Field e estrelado por Cate Blanchett. É o primeiro filme do diretor desde o lançamento do excelente "Pecados Íntimos" (2006). O filme mostra a queda de uma compositora e maestrina, Lydia Tár.
Lydia Tár - uma renomada maestrina e compositora no mundo internacional da música clássica. Uma das figuras mais importantes da música nos tempos atuais. Formada com habilitação em piano clássico. Ela tem PhD em musicologia na universidade de Viena. É especializada na música indígena. Como regente ela iniciou sua carreira na Orquestra de Cleveland, depois ocupou cargos importantes na Orquestra da Filadélfia, na Orquestra Sinfônica de Chicago e de Boston, até chegar na Filarmônica de Nova York. Lydia Tár já compôs para o teatro e para o cinema e é uma "EGOT", por ganhar os quatros principais prêmios do entretenimento - o Emmy, o Grammy, o Tony e o Oscar.
Como podemos observar, Lydia Tár é um verdadeiro fenômeno, uma das figuras mais importantes da história. É óbvio que todos nós vamos nos perguntar quem definitivamente é Lydia Tár, se de fato ela é uma pessoa real. Inúmeras perguntas vão surgir. É muito curioso como o longa de Todd Field tem sido vendido como um filme biográfico, com a mídia e os telespectadores falando sobre Lydia como se ela fosse uma pessoa real. E contando com as inúmeras cinebiografias que tem sido lançadas nos últimos anos, o apelo de ver uma dramatização de fatos reais tem sido cada vez maior.
Dentro desse contexto surgi "TÁR", uma cinebiografia baseada em uma personalidade fictícia - mas como assim? É possível?
O roteiro escrito por Todd Field é de uma genialidade incrível, nos impressiona como toda história da vida de Lydia é nos passado, e de uma forma verdadeira, que transmite veracidade em cada fato apresentado. A forma como o roteiro começa a nos apresentar quem é a Lydia Tár e como surgiu todo esse fenômeno é instigante, é impressionante, com um misto de confuso e complexo. Vamos acompanhando todo o drama da vida, do legado e da queda dessa premiada diretora/compositora. É muito interessante de acompanhar como ela vai do estrelato ao fundo do poço (praticamente), como o roteiro faz questão de compartilhar a forma que se deu sua trágica história e como ela perdeu tudo.
O roteiro brilha por nos obrigar a querer desvendar e entender quem é esta figura tão renomada e tão cultuada. E muito por observarmos como a Lydia serve de base de inspiração, serve como mentora e modelo para várias mulheres jovens que desejam ingressar nesse mundo dos maestros, o que geralmente é uma carreira predominantemente dominada por homens. Este já é um ponto bastante curioso, a maneira como Lydia se comporta dentro desse ambiente, a forma como o filme exibe os paradoxos e vícios do poder no mundo artístico. O longa toca exatamente nesse ponto e levanta questões sobre a moralidade da arte e dos artistas, assim como a cultura do cancelamento e da exclusão.
É incrível como o roteiro nos mergulha em um verdadeiro drama psicológico, nos estabelece em um universo complexo e desafiador, nos apresentando a queda, a perda, a degradação e a descaracterização de Lydia Tár. Lydia era um ser humano brilhante, genial, mas ao mesmo tempo era autodestrutiva, uma bomba relógio. O comportamento inadequado de Lydia com suas ex-alunas, a forma como sua carreira e sua vida pessoal se desmorona quando sua esposa a deixa com sua filha adotiva. Tudo vai acontecendo em sua vida e colocando seu mundo de cabeça para baixo. Na medida que ela tenta controlar sua vida ela vai lentamente sendo destruída, ela vai perdendo o controle sobre toda situação, sua máscara cai, seus segredos vão sendo revelados, sua natureza abusiva e corrosiva do poder começam a vir à tona. Aquela típica expressão cair do pedestal se encaixa perfeitamente aqui.
"TÁR" é aquele típico filme feito para a sua protagonista brilhar, no caso aqui, a maravilhosa e impecável Cate Blanchett. Cate carrega o filme nas costas e nos mostra a verdadeira personificação da Lydia Tár. Temos aqui um excelente estudo de personagem, um excelente estudo do alter ego, pois a própria Lydia se depositava a máxima confiança, se identificava como uma segunda personalidade através de uma espécie de múltiplas identidades. É incrível como a Cate incorporou uma personagem com múltiplas facetas, com múltiplas camadas, que era leve como uma pena e ao mesmo tempo pesada como uma rocha. Uma atuação grandiosa, precisa, compenetrada, requintada, elegante, com um gestual maravilhoso, com uma linguagem corporal absoluta, com expressões faciais incríveis, com uma performance que ia do encantamento ao espanto, do surpreendente ao incrédulo, do mágico ao morto, da alegria à dor e da singularidade ao avassalador.
Eu nunca me canso de elogiar às atuações da Cate Blanchett, pois ela é uma atriz incrível, uma atriz maravilhosa, uma atriz talentosíssima, que sempre entrega trabalhos impecáveis, grandiosos, que sempre foi consagrada e premiada pelas inúmeras personagens memoráveis que fez ao longo da sua invejável carreira cinematográfica. Todd Field disse que escreveu o roteiro especificamente para Cate Blanchett e que, se ela dissesse não, "o filme nunca teria visto a luz do dia" - eu concordo plenamente com esta decisão.
Tecnicamente o longa de Todd Field beira a perfeição!
Começando pela maravilhosa trilha sonora da compositora islandesa Hildur Guðnadóttir (que é citada no filme como uma personalidade que já trabalhou com a Lydia Tár). Em um filme onde temos todas as atenções voltadas para os números musicais, é praticamente impossível a trilha sonora não se destacar, não se sobressair, e aqui é exatamente o que acontece...com uma trilha sonora perfeita e muito bem encaixada, que dava ainda mais destaque e dinâmica para as cenas performáticas da Lydia Tár. A fotografia salta aos nossos olhos em cada cena, em cada detalhe de estética e de enquadramento, méritos todos do alemão Florian Hoffmeister ("Segredos Oficiais"). A direção de arte também é um charme de qualidades e detalhes, que exemplificam ainda mais os cenários e engloba a cenografia, figurino, maquiagem e efeitos.
"TÁR" estreou no 79º Festival Internacional de Cinema de Veneza em setembro de 2022 e foi aplaudido de pé por seis minutos pelo público, onde a Cate Blanchett ganhou a Copa Volpi de Melhor Atriz. Teve um lançamento limitado nos cinemas nos Estados Unidos em 7 de outubro de 2022, antes de um amplo lançamento em 28 de outubro, pela Focus Features. O longa foi aclamado pela crítica especializada, que elogiou a performance de Blanchett, a direção e roteiro de Field, e sua cinematografia, edição e design de som. Tanto o New York Film Critics Circle quanto a Los Angeles Film Critics Association o consideraram o melhor filme de 2022, e foi considerado um dos melhores do ano pelo American Film Institute. No próximo Globo de Ouro, o filme recebeu indicações para Melhor Filme - Drama, Melhor Roteiro e Melhor Atriz em Filme - Drama (merecidamente para a Cate Blanchett). No Critics Choice Awards o longa foi nomeado em 7 categorias, incluindo Direção, Atriz e Melhor Filme. O longa-metragem foi nomeado "Melhor Filme do Ano" pela Vanity Fair, The Atlantic, Variety, The Hollywood Reporter, Entertainment Weekly, e pela pesquisa anual da IndieWire com 165 críticos em todo o mundo.
Apesar das críticas positivas, o filme arrecadou US$ 5,6 milhões contra um orçamento combinado de produção e marketing de US$ 35 milhões. O marketing de pré-lançamento de "TÁR", junto com o uso de críticos da vida real como Adam Gopnik no filme falando do personagem central como uma pessoa real, deixou a impressão de que o filme era uma cinebiografia tradicional sobre um maestro real e não uma obra de ficção.
Todd Field nos entrega uma cinebiografia fictícia extraordinária. "TÁR" é um filme filosófico, um drama psicológico que vai sendo construído com o passar do tempo e vai sendo desenvolvido com os acontecimentos que permeia a vida de Lydia Tár. Realmente é um filme difícil de ser digerido e interpretado, principalmente em sua primeira hora, onde temos um roteiro mais centrado na apresentação e desenvolvimento da história da Lydia Tár, onde necessariamente vai exigir mais paciência e mais concentração do espectador, onde fatalmente pode cansar outros que não tenham essa paciência. Mas por outro lado temos um excelente drama biográfico, uma produção rica em temas pertinentes em nosso cotidiano, como é o caso da abordagem sobre a cultura do cancelamento, que atualmente está em bastante evidência.
"TÁR" é um filme mais seco, mais cru, mais pesado, mais intimista, que aborda temas como o estudo de personagens e o alter ego entre suas mais variadas camadas, dentre elas a obsessão pela arte perfeita e a imposição corrosiva do perfeccionismo - algo que está ligado diretamente e me remete para duas obras-primas geniais - "Whiplash" e "Cisne Negro".
"TÁR" é uma experiência incrível! [06/01/2023]
Sorria
3.1 845 Assista AgoraSorria (Smile)
"Sorria" é escrito e dirigido por Parker Finn em sua estreia na direção de longas-metragens, baseado em seu curta-metragem de 2020, "Laura Has not Slept". É estrelado por Sosie Bacon como uma terapeuta chamada Rose Cotter, que, após testemunhar o bizarro suicídio de um paciente, passa por experiências cada vez mais perturbadoras e assustadoras, levando-a a acreditar que o que está vivenciando é sobrenatural.
Temos aqui a nova aposta da Paramount na intenção de criar uma nova franquia de terror. Muito dessa questão também se deve ao fato do filme ter ido super bem nas bilheterias, arrecadando $ 216 milhões em todo o mundo contra um orçamento de $ 17 milhões. Ou seja, mesmo sem um grande elenco (além da Sosie Bacon), o estúdio fez um grande trabalho de marketing para divulgar sua nova produção. Para promover o filme antes do lançamento, os produtores começaram a colocar pessoas aleatórias em diferentes ambientes públicos exibindo o sorriso perturbador do filme, inclusive atrás da home plate em vários jogos da Major League Baseball e até mesmo durante uma transmissão do "Good Morning America" da ABC.
Logo todo esse trabalho de divulgação transformou o filme em uma nova febre na internet, pois a principio a Paramount originalmente fez o longa-metragem como um filme de streaming e planejava estreá-lo apenas no Paramount +. Mas o filme foi exibido para o público de teste e as pontuações foram ainda mais altas do que o previsto, levando a Paramount a dar ao filme um lançamento nos Estados Unidos. O que um grande trabalho de marketing não faz.
Mesmo sem experiências em longas-metragens, o diretor Parker Finn mostra toda sua autenticidade na estética de criar cenas apavorantes, intrigantes, que mexem com o nosso psicológico e nos perturba em determinados pontos. Por outro lado eu acredito que a sua falta de experiência implica diretamente em sua forma adotada na hora de nos confrontar com sua história, por me parecer que ele ainda não encontrou o seu estilo próprio e acaba ficando perdido em sua própria trama.
Eu divido o filme em duas partes distintas; a primeira hora que é muito boa e a segunda hora que é totalmente trágica.
A forma como Parker Finn decide começar a abordar a sua história é perfeita, por nos passar uma trama que navega no terror sobrenatural, no suspense psicológico, que flerta diretamente com o mistério, com o lúdico, com o oculto, algo mais ligado com a relação da mente humana e suas variações perturbadoras, e as causas que isso podem implicar em cada um. Pois de fato o longa começa como um terror psicológico ligado ao luto, a superação e doenças mentais. Um dos traumas da protagonista é exatamente ter presenciado o suicídio da própria mãe quando era criança. Ela faz de tudo para seguir em frente, inclusive ser tornar médica para ajudar outras pessoas a enfrentar situações como a que ela passou.
Realmente a premissa é muito boa e muito instigante, pois todo tratamento que o roteiro decide nos envolver condiz com cada fato bizarro que acontece após o choque da protagonista com o suicídio da vítima. E partindo do princípio do trauma que a protagonista sofreu quando criança, isso passa a ser base de justificativas das pessoas ao seu redor para seu provável estado de perturbação e loucura. Este é um ponto bastante incisivo na história, o fato de começarmos a lidar com o surto psicótico, com a perda da sanidade mental, tudo sendo progressivamente bem dosado em cada parte da história.
Porém, na segunda parte do filme é onde o roteiro desanda, o diretor perde a mão e a qualidade despenca drasticamente. Toda ambientação misteriosa e psicológica que foi muito bem utilizada na primeira parte é deixado de lado para dar espaço para o terror genérico. Pois como acompanhamos: o longa conta a história de uma maldição que assombra suas vítimas se manifestando através de um sorriso assustador. Quando estamos nos encaminhando para o final, esperamos que a protagonista se liberte da entidade, ou ainda escolha assassinar alguém antes que a maldição a faça cometer suicídio. De certa forma, até podemos teorizar que devido à sua diferença de comportamento, a entidade é um colecionador de almas, consumindo rapidamente suas vítimas e passando para a próxima, só ganhando mais força com cada uma (algo no estilo do filme "Corrente do Mal").
Dessa forma eu acredito que o diretor inicialmente quis construir uma atmosfera mais misteriosa e mais psicológica para nos ambientar sobre a proposta da sua entidade, porém na segunda parte ele já desisti do psicológico e do misterioso para entrar de cabeça no clichezão, no terror genérico, no terror pastelão. Por isso eu reitero que o diretor ainda não se decidiu em qual estilo adotar dentro do subgênero terror, pois enquanto seu estilo ainda estava no terreno do sobrenatural, do suspense, do psicológico, ainda estava aceitável, mas logo após ele perde a mão e começa a adotar a forçação de barra em cima dos jumpscare, das aparições de figuras demoníacas afim de forçar o susto gratuito, de impressionar.
É realmente incrível como o filme perde toda a sua relevância na segunda hora, como ele passa a usar uma máscara de terror psicológico quando na verdade não passa de um terror genérico que se disfarça de sobrenatural. Sem falar do pouco (ou nenhum) desenvolvimento sobre a mitologia da maldição, como no caso dos sorrisos e de toda parte mística que se criou em volta da história. Outro ponto: o roteiro embarriga demais pra contar uma história simples e bem aquém do foi proposto incialmente. Aquele típico encheção de linguiça, onde 1h30m era mais do que suficiente para o desenrolar desse roteiro pífio e genérico. Por falar em genérico, seria completamente impossível não mencionar as inúmeras semelhanças de "Sorria" com os filmes "Corrente do Mal" e "O Chamado".
Sosie Bacon (a filha de Kevin Bacon que recentemente esteve na série da HBO Max, "Mare of Easttown") traz uma personagem que possui seus traumas de infância e luta diariamente contra eles. Rose é uma psicóloga que inicialmente tenta se manter centrada em sua função perante sua paciente, mas aos poucos vamos acompanhando a sua degradação psicológica, a perda da sua sanidade, se tornando uma pessoa mentalmente desequilibrada e aterrorizada. Sosie Bacon tem uma atuação ok, nada surpreendente ou fora do comum, apenas uma atuação ok que condiz com a proposta imposta pelo roteiro. Dentro dessas condições ela segura bem a sua personagem.
Quem me chamou muito atenção foi a participação da atriz Caitlin Stasey (da série "Please Like Me"). Aquela cena inicial me surpreendeu pela sua interpretação tenebrosa, sádica e maquiavélica, principalmente com aquele sorriso maligno estampado em seu rosto - sensacional!
Por fim: "Sorria" é mais um filme de terror com um grande potencial completamente desperdiçado e subaproveitado. O longa parte de uma premissa muito interessante ao abordar um terror sobrenatural envolto em um suspense psicológico, mas tenta ser mais do que pode ao usar o terror psicológico como metáfora para mascarar um terror genérico e pastelão afim de impressionar e causar medos reais. Aquela típica Coca-Cola de 3L, que começa boa mas na metade já perdeu completamente o gás. [05/01/2023]
Os Fabelmans
4.0 389Os Fabelmans (The Fabelmans)
"Os Fabelmans" é dirigido por Steven Spielberg e escrito e produzido por Tony Kushner e Spielberg. É uma história semiautobiográfica vagamente baseada na infância e adolescência de Spielberg e nos primeiros anos como cineasta, contada por meio de uma história original do fictício Sammy Fabelman, um jovem aspirante a cineasta que explora como o poder dos filmes pode ajudá-lo a ver a verdade sobre sua disfuncional família e as pessoas ao seu redor.
O filme é dedicado às memórias dos pais da vida real de Spielberg, Leah Adler e Arnold Spielberg, que morreram em 2017 e 2020, respectivamente.
É inegável que o mestre Steven Spielberg é um dos maiores diretores de toda a história dos cinemas. Ao longo da sua premiada e respeitada carreira ele já nos brindou com inúmeras obras-primas, como o clássico "Tubarão" (1975), "E.T. - O Extraterrestre" (1982), "Jurassic Park" (1993), "O Resgate do Soldado Ryan" (1999), "Cavalo de Guerra" (2011) e a sua maior obra-prima de toda a carreira - a pérola cinematográfica de todos os tempos, "A Lista de Schindler" (1993). Sem falar em seu último filme, "Amor, Sublime Amor" (2021), que é um excelente remake musical. Obviamente faltava uma biografia cinematográfica do mestre, algo que está cada vez mais comum entre os diretores de Hollywood, como é o caso do Kenneth Branagh com "Belfast" no ano passado, James Gray com "Armageddon Time" também no ano passado e Alfonso Cuarón com "Roma" em 2018.
Temos aqui a obra mais intimista de Spielberg, o seu relato mais pessoal da carreira, o seu coming-of-age, que narra o seu amadurecimento, o seu aprendizado, que gira em torno da sua juventude e, ao mesmo tempo, vamos acompanhando o seu crescimento e todo o seu descobrimento. É muito lindo e muito peculiar acompanharmos todo magia e inocência do pequeno Sammy (Mateo Zoryna Francis-Deford) ao desvendar e descobrir todo o seu amor e seu encantamento pela arte, pelo cinema - aquela cena em que ele assisti o filme "O Maior Espetáculo da Terra" junto da sua família e depois recria a cena do trem com sua autorama locomotiva, é simplesmente uma das coisas mais belas e singelas que eu já assisti em um filme em toda a minha vida. Igualmente posso destacar aquela cena em que ele ganha a sua primeira câmera e vai se autodescobrindo com ela nas mãos, cuja cena também é belíssima e muito singular. Algo relatado pelo próprio Spielberg, que ganhou sua primeira câmera com apenas 12 anos de idade.
Como o longa se baseia nas memórias afetivas da infância do diretor, mais especificamente em um garoto vivendo no Arizona, passando pela adolescência do jovem aspirante a cineasta no centro da história, seria óbvio que teríamos uma abordagem sobre todo drama e conflito familiar da sua família judaica de classe média. O roteiro faz questão de nos apresentar todo o processo de formação de um cineasta, as rotinas no cotidiano familiar, o peso e a importância da figura central da mãe na construção subjetiva de um jovem, os valores e os conceitos familiares para a formação do caráter humano. Outro ponto que vale ressaltar, especificamente falando do peso dramático e da carga emocional que sempre encontramos nas obras do Spielberg, aqui realmente temos um filme que nos cativa, que nos emociona, que nos comove instantaneamente, que nos faz criar empatia e nos simpatizarmos com cada personagem em sua específica história dentro da trama - é genial!
Um ponto que eu considero um grande acerto do Spielberg, é o fato da forma como ele decide nos contar a sua a biografia, ou seja, indo direto ao ponto, sem criar uma grande novela, sem eventos melodramáticos, sendo mais objetivo em nos passar as verdadeiras ações e reações que basicamente constituem o cotidiano de nossas vidas. Como estamos diante de uma obra que narra o aprendizado, o conhecimento e consequentemente o descobrimento, é muito interessante a forma como o Sammy (agora já adulto, sendo vivido por Gabriel LaBelle) vai descobrindo que nem tudo está em seu controle. Como no caso da figura da sua mãe, que antes ele a encarava como uma espécie de super-heroína, de super protetora, porém ele vai descobrindo que ela também é vulnerável e também está propícia à falhas como todos nós. Outro grande destaque: os diálogos e monólogos internos que enfatizam algo que aconteceu no passado ou que ainda irão acontecer - como no caso da cena emblemática em que o Sammy está magoado com sua mãe e ela o pressiona para obter um diálogo com ele, onde ele simplesmente se comunica com ela através de um filme que ele gravou.
Outro ponto genial do roteiro de Spielberg e Kushner, é a forma como o filme se dividi em dois tons, em duas mensagens distintas, em duas partes que são diferentes mas que no final se conversam e se completam inteiramente. Estou me referindo na forma como recebemos inicialmente a história do pequeno Sammy, com toda aquela magia pelo descobrimento do amor pela sétima arte. Logo na segunda parte o filme muda totalmente de tom, de ambiente, ficando mais pesado, mais carregado, mais dramático, dado às circunstância pela qual a família está passando com o relacionamento conturbado do pai com a mãe. Realmente é um roteiro muito inteligente e muito bem construído, que consegue sair de uma magia e uma inocência para um drama carregado com um conflito familiar - nota 10 para o roteiro do filme.
Um grande filme merece um grande elenco, e "Os Fabelmans" trouxe um elenco à altura dessa obra maravilhosa de Steven Spielberg.
Começando pela a melhor atuação de todo o filme...simplesmente Michelle Williams (recentemente em "Venom - Tempo de Carnificina"). Eu fiquei boquiaberto com sua performance, como todo espetáculo entregue, com a forma como ela vivenciou a personagem, completamente incrível e perfeito. Michelle personifica uma personagem que é vulnerável, que tem fragilidades, que tem ambiguidades, mas que ao mesmo tempo tem aquela projeção de carinho e de proteção de mãe pelo filho. Michelle Williams realmente tem uma atuação muito linda, extremamente rica em expressões faciais, em gestuais, em linguagem corporal, ela dá um verdadeiro show em cena. Linda, graciosa, meiga, mas ao mesmo tempo sofrida, carregada emocionalmente e com um peso dramático muito grande.
Paul Dano (recentemente em "Batman") sempre foi um ator de grande renome e grande destaque em seus trabalhos. Aqui Paul traz um personagem que também tem seus conflitos internos, seus traumas, também passa pelo seu processo de aceitação, de ressignificar suas relações. Obviamente a Michelle Williams tem a melhor atuação de todo o filme, mas o Paul Dano não fica atrás, também entrega um excelente trabalho. Gabriel LaBelle (da versão de 2018 de "O Predador") obviamente não está no mesmo nível da Michelle e do Paul, mas consegue segurar bem o seu personagem, consegue nos passar veracidade em suas cenas - como nas cenas em que ele contracena com a Michelle Williams. Mateo Zoryna Francis-Deford é uma fofura e uma graciosidade extrema ao interpretar o pequenino Sammy aos 7 anos. Completando com Seth Rogen ("Steve Jobs"), que tem um personagem com um papel fundamental na trama, e corresponde muito bem com ele - destaque para aquela bela cena em que o Sammy confronta com ele, seu tio.
Tecnicamente a obra de Spielberg tem uma perfeição que salta aos nossos olhos!
Começando pelo excelente trabalho de câmeras do diretor, que se destaca pela leveza das cenas, pela a forma como sua câmera ganha vida própria ao passear pelos cenários, pelas expressões faciais de cada personagem - magnífico! A trilha sonora do gênio John Williams (pra mim o melhor compositor ainda vivo) é avassaladora, daquela que destrói com as nossas estruturas sentimentais e com os nossos corações (marcando sua 29ª colaboração cinematográfica com Spielberg). Uma fotografia belíssima, esplendorosa, significativa com todo propósito da obra - mais um trabalho perfeito de outro gênio, Janusz Kamiński.
Spielberg concebeu o projeto do filme com sua irmã Anne já em 1999, escrevendo um roteiro intitulado "I'll Be Home". Ele tinha ressalvas em explorar a história de sua família por causa da preocupação de que seus pais fossem feridos, e o projeto foi retido. Spielberg revisitou o projeto com seu roteirista e colaborador frequente Tony Kushner em 2019 enquanto eles trabalhavam em "Amor, Sublime Amor", e completou o roteiro no final de 2020. O desenvolvimento do filme começou oficialmente logo depois, com o elenco ocorrendo entre março e maio de 2021. As filmagens começaram em meio à pandemia em Los Angeles em julho de 2021.
"Os Fabelmans" teve sua estreia mundial no Festival Internacional de Cinema de Toronto em 10 de setembro de 2022, onde ganhou o People's Choice Award. Teve um lançamento limitado nos cinemas nos Estados Unidos em 11 de novembro de 2022 e foi expandido em 23 de novembro pela Universal Pictures. O filme foi amplamente aclamado pela crítica pelas atuações do elenco, direção de Spielberg, roteiro, cinematografia e trilha sonora de John Williams. Foi nomeado um dos dez melhores filmes de 2022 pelo National Board of Review e pelo American Film Institute, sendo o segundo filme consecutivo dirigido por Spielberg a receber essas honras depois de "Amor, Sublime Amor". No entanto, o filme foi uma decepção de bilheteria, arrecadando $ 9,7 milhões em um orçamento de $ 40 milhões, tornando-se o filme de menor bilheteria da carreira de Spielberg - uma pena.
O longa recebeu 5 indicações no Globo de Ouro: Trilha Sonora (John Williams), Roteiro (Steven Spielberg & Tony Kushner), Direção (Spielberg), Atriz (Michelle Williams) e Melhor Filme – Drama. Teve 10 indicações no Critics' Choice Awards: Trilha Sonora, Direção de Arte, Fotografia, Roteiro Original, Direção, Elenco, Ator Jovem (Gabriel LaBelle), Ator Coadjuvante (Paul Dano), Atriz (Williams) e Melhor Filme.
Ainda temos uma cena que conta com uma presença ilustre de ninguém mais ninguém menos que o grande cineasta David Lynch interpretando um dos maiores diretores de todos os tempos - o eterno mestre, o eterno gênio John Ford. O filme termina de forma épica e apoteótica, pois esta cena já se torna icônica unicamente por ilustrar e simbolizar o encontro entre um mestre do cinema (Steven Spielberg) com uma lenda da história do cinema e seu maior ídolo - John Ford. Belíssima homenagem de Spielberg para John Ford.
"Os Fabelmans" é uma verdadeira ode à paixão de Spielberg pela 7ª Arte, é também uma linda carta de amor a própria indústria e a arte de fazer cinema. Uma belíssima homenagem a toda magia, a todo encantamento, a toda peculiaridade de um verdadeiro artista em sua forma mais plena e sublime. Pois Spielberg relembra-nos que quem faz cinema é um artista e também sofre como um artista, luta pela sua arte e luta para sempre atuar na arte que tanto ama.
Obrigado Steven Spielberg por compartilhar conosco esta cinebiografia linda, inspiradora, encantadora, primorosa e singela, nos atingindo com a verdadeira magia do cinema nessa magnífica obra. [01/01/2023]
Os Banshees de Inisherin
3.9 570 Assista AgoraOs Banshees de Inisherin (The Banshees of Inisherin)
"Os Banshees de Inisherin" é escrito e dirigido por Martin McDonagh. O filme segue amigos de longa data (Colin Farrell e Brendan Gleeson) em uma ilha remota na costa oeste da Irlanda, que se encontram em um impasse quando um decide por fim na amizade repentinamente e a decisão gera consequências alarmantes para ambos.
Martin McDonagh foi um diretor que me surpreendeu positivamente em seu último filme - "Três Anúncios para um Crime" (2017). Em "Três Anúncios" McDonagh trouxe uma trama com uma pegada mais a cara hollywoodiana, com uma história muito bem desenvolvida e muito bem contada. Em "Os Banshees de Inisherin" temos o inverso, a começar pela própria narrativa que é desenvolvida de forma mais lenta e mais cadenciada, sendo que o diretor utiliza uma forma que tudo esteja nas entrelinhas, que necessariamente ocorra em subtextos durante toda a história.
Martin McDonagh traz um filme onde sua principal característica é a abordagem da solidão, onde ele explora as variadas camadas da solidão, as variadas facetas da solidão. McDonagh constrói um drama subversivo onde temos melancolia, depressão, tristeza, frustração, egoísmo, medo, sofrimento. Um drama que funciona em várias camadas, como o elo da verdadeira amizade, a interação social, a carência de atenção, a carência afetiva, e muita das vezes se referindo ao estado solitário de forma peculiar e poética, onde necessariamente temos um estado de privacidade que pode representar o isolamento e a reclusão.
Um ponto muito interessante é a forma como McDonagh faz uma releitura da solitude em seu estado mais pleno, ou seja, aquela forma de não sentir medo do silêncio, de estar sozinho e gostar de estar com você mesmo, com seu eu interior. Este é o principal foco do roteiro, nos mostrar como a solidão é uma permanência, uma condição, enquanto a solitude é um estado passageiro e deliberado, pois na solitude você pode ter alguém mas preferir estar só, enquanto na solidão você realmente não possui ninguém - exatamente como acompanhamos cada personagem no decorrer da trama.
"Os Banshees de Inisherin" é um longa com um tema mais intimista, mais psicológico, que faz questão de nos apresentar seus personagens e seus conflitos, que aborda toda sua história com um certo nível de complexidade. Temos uma abordagem com um lado mais poético, mais minimalista até nas próprias facetas de se sentir solitário, em como isso pode ser bom e ao mesmo tempo ruim. Também podemos observar como a interação social é muito diferente de conexões reais, pois você pode estar cercado de pessoas que se conhecem (como naquele pequeno vilarejo), pode ter uma certa interação com elas mas também pode não ter conexões com elas - é nesse ponto que se cria toda uma complexidade.
Outro ponto muito interessante desse sentimento de solidão abordado pelo roteiro é o fato das variadas formas de como ele se estabelece na história com o passar do tempo...pois inicialmente ele começa entre o conflito de ideias e atitudes entre os dois amigos, onde cada um tem suas visões e definições sobre o que de fato esse sentimento significa pra cada um. Com o decorrer da história vamos observando como cada um pensa, enxerga, encara, como cada um tem sua visão completamente diferente um do outro. Dito isso, devo reiterar como o roteiro de Martin McDonagh é bom, como ele é funcional dentro das suas proporções, onde obviamente não temos uma profundidade, ou um famoso plot twist, mas por outro lado temos a imersão em personagens densos, carregados dramaticamente, cheios de camadas para serem explorados, algo que nos ganha e compra a nossa atenção instantaneamente.
Falando do elenco: McDonagh sempre tem o seu elenco nas mãos e aqui não é diferente.
Temos um Colin Farrell (recentemente em "Batman") diferente do que geralmente costuma nos apresentar em questão de personagem. Pádraic inicialmente pode parecer simples, ingênuo, mas seu papel é crucial ao discutir essa dependência emocional que todos nós temos, que todos nós sentimos e apresentamos ao longo das nossas vidas. Pádraic é a personificação do medo de ficar sozinho, de estar sozinho, da carência de atenção. Colin Farrell entrega um excelente personagem com uma atuação primorosa, que ora nos ganha pela sua simplicidade e ora nos dá raiva pela sua arrogância. Sinceramente eu colocaria essa atuação do Colin Farrell entre as melhores de toda a sua carreira.
Brendan Gleeson (recentemente em "A Tragédia de Macbeth") traz um personagem que é um contraponto muito interessante dentro da história. Colm, diferentemente de Pádraic, vê a solidão como algo bom, como uma paz necessária. Realmente é um personagem que nos expõe uma certa maturidade, uma certa sabedoria, que inicialmente questionamos as suas atitudes (principalmente em relação com a sua atitude dos seus próprios dedos), que fatalmente não iremos criar muita empatia por ele, porém como o desenrolar da trama até conseguimos entender alguns dos seus posicionamentos. Brendan Gleeson também nos proporciona uma ótima atuação.
Kerry Condon ("Três Anúncios para um Crime") mantém perfeitamente o nível de atuações da obra e até se supera em algumas cenas. Siobhán é a irmã de Pádraic, ela vive em uma constante luta interna entre suas projeções no irmão e seus deveres como irmã. Ela também sente a ameaça da solidão, mas da sua forma de sentir, porém é interessante observar a sua relação com seu irmão, que muita das vezes pode ser encarada como uma relação amorosa e ao mesmo tempo conturbada. Kerry está perfeita na personagem, ela se sobressai em várias cenas, principalmente nas cenas em que debate com um embate de ideias com o Colin Farrell.
Barry Keoghan (recentemente em "Eternos") também consegue um grande destaque no filme. Dominic é uma pessoa perturbada, traumatizada, principalmente pela condições impostas pelo seu próprio pai. A solidão pra ele é algo contornável, em até certo ponto é aceitável, pois visivelmente ele é a própria consequência da solidão, pela sua decadência afetiva, pela sua dificuldade em conseguir interagir com as pessoas, pela sua agressividade e pela sua falta de conexões. Um personagem incrível que foi perfeitamente interpretado com maestria por Barry Keoghan.
"Os Banshees de Inisherin" tem uma direção ajustada, competente e impecável do Martin McDonagh (mais uma vez, assim como já havia feito em "Três Anúncios para um Crime"). A trilha sonora de Carter Burwell (também foi o compositor em "Três Anúncios para um Crime") é excelente. Incrível como a composição é bem feita, bem harmoniosa, bem peculiar, condiz perfeitamente com a obra e dita muito bem todo o seu ritmo. Outro acerto é a fotografia de Ben Davis (também trabalhou em "Três Anúncios para um Crime"), que está muito bem casada no filme, sendo a principal responsável em nos fazer sentir toda ambientação naqueles cenários incríveis. A direção de arte é absurda, assim como a montagem, cenografia, edição de som, tudo feito com muita riqueza, com muitos detalhes, com uma construção funcional e impecável.
O longa de Martin McDonagh vem ganhando forças expressivas mundo afora. Teve sua estreia mundial no 79º Festival Internacional de Cinema de Veneza em 5 de setembro de 2022, onde Colin Farrell ganhou a Copa Volpi de Melhor Ator e Martin McDonagh ganhou o Golden Osella de Melhor Roteiro, além do filme ter sido aplaudido em êxtase por quinze minutos. O filme foi amplamente aclamado pela crítica, que elogiou o roteiro e a direção de McDonagh, a trilha sonora de Burwell e as atuações do elenco. No Rotten Tomatoes o filme possui uma aprovação de 97% baseada em 267 resenhas. Já no Metacritic o filme possui uma média ponderada de 87/100 baseada em 61 resenhas. Também foi eleito um dos melhores filmes de 2022 pelo National Board of Review.
O longa-metragem recebeu oito indicações principais no 80º Globo de Ouro, sendo para Trilha Sonora, Roteiro, Direção, Atriz Coadjuvante (Kerry Condon), Ator Coadjuvante (Brendan Gleeson e Barry Keoghan), Ator (Colin Farrell) e Melhor Filme - Musical ou Comédia. No Critics Choice Awards o filme teve nove indicações, incluindo Ator, Ator e Atriz Coadjuvante, Direção e Melhor Filme.
"Os Banshees de Inisherin" é um ótimo filme, Martin McDonagh consegue todos os holofotes para si mais uma vez, assim como em "Três Anúncios para um Crime". O longa se destaca e se sobressai principalmente por nos apresentar uma trama rica, com um texto muito bem escrito, onde temos um elenco afiadíssimo, com um roteiro muito funcional, que traz abordagens contundentes e pertinentes sobre as mais variadas camadas e facetas do ser humano. [29/12/2022]
Tudo em Todo O Lugar ao Mesmo Tempo
4.0 2,1K Assista AgoraTudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (Everything Everywhere All at Once)
"Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo" é escrito e dirigido por Daniel Kwan e Daniel Scheinert (coletivamente conhecidos como "Daniels", e ambos são diretores do filme "Um Cadáver Para Sobreviver"), que o produziram com Anthony e Joe Russo ("Vingadores: Guerra Infinita" e "Ultimato"). A trama gira em torno de uma imigrante sino-americana (interpretada por Michelle Yeoh) que, ao ser auditada pelo IRS (o serviço de receita do Governo Federal dos Estados Unidos), descobre que deve se conectar com versões do universo paralelo de si mesma para evitar que um ser poderoso destrua o multiverso.
A A24 é uma produtora independente que tem apenas 10 anos de existência e já se mostrou extremamente competente, com trabalhos inteligentes e contundentes, que se utiliza de um liberdade na hora de criar suas histórias e seus roteiros, sempre visando o inédito e o surpreendente. O estúdio já entregou obras incríveis como "A Bruxa", "Midsommar", "Hereditário" e "O Farol". Além de já ter recebido inúmeras nomeações para o Oscar, já ter ganhado o Oscar de Melhor Atriz com a Brie Larson em "O Quarto de Jack" e o Oscar de melhor ator coadjuvante com o Mahershala Ali em "Moonlight" (filme que também deu o inédito Oscar de Melhor Filme para o estúdio em 2017).
Agora estamos diante do principal lançamento da A24. "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo" estreou com uma aprovação incrível de 97% das opiniões no Rotten Tomatoes. No Metacritic o filme teve uma pontuação de 82 entre 100, com a indicação de "aclamação universal". Na pesquisa realizada pelo PostTrak o filme teve uma pontuação positiva de 89%. Após o lançamento o filme se tornou o mais bem avaliado no Letterboxd, substituindo nada mais nada menos que "Parasita". O mestre Guillermo del Toro deu declarações positivas sobre o longa, além dos vários elogios e recomendações. O longa-metragem arrecadou mais de $ 103 milhões em todo o mundo, tornando-se o primeiro filme da A24 a ultrapassar a marca de $ 100 milhões e superando "Hereditário" como seu filme de maior bilheteria.
Mas qual é o verdadeiro motivo de "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo" ter se tornado um filme de tanto sucesso?
Eu diria que a principal característica é a ousadia dos diretores. Os Daniels foram ousados, inteligentes, competentes, construíram um roteiro que traz o seu principal conceito, o ineditismo, e aplicou uma eficácia surpreendente, algo pouco visto no cinema atualmente (pelo menos pra mim). O roteiro do filme nos surpreende pela sua inovação, pela sua criatividade, por apostar no intrigante, no complexo, no diferente, no inédito, por criar um universo que flerta com a bizarrice, com a demência, com cenas absurdas, doentias e esquizofrênicas. Por outro lado o filme não faz nenhuma questão de ser levado a sério, ou se preocupar em como as pessoas irão reagir ao receber tudo que o roteiro quer nos entregar e da forma como ele decide nos entregar.
O longa traz um verdadeiro redemoinho de acontecimentos, um verdadeiro misto de ideias que nos cativa pela sua forma labiríntica em criar uma história com elementos de comédia negra, ficção científica, fantasia, filmes de artes marciais e animação. O filme é multifuncional, nos oferece diversas possibilidades funcionais, que tem variadas funções, funcionando como ação, drama, aventura, comédia, fantasia e ficção Científica. Tudo isso está inserido no filme, tudo dentro desse novo conceito de Multiverso. Por falar em Multiverso, aqui temos o verdadeiro "Multiverso da Loucura" (sorry Marvel), que funciona perfeitamente no conceito de inovação estética, de efeitos visuais, e olha que nenhum membro da equipe de efeitos visuais tiveram aulas ou se especializaram em efeitos visuais em escolas ou algo do tipo. Eram todos amigos que aprenderam sozinhos com tutoriais que encontraram online gratuitamente - incrível!
Além de todo loucura, bizarrice e demência apresentado na primeira hora do filme, temos aqui uma verdadeira reflexão sobre os conceitos familiares. Toda forma apresentada no Multiverso serviu para nos elucidar como o roteiro queria focar no relacionamento familiar, no relacionamento humano, nos falar sobre o amor, o perdão, a solidão, a frustração, a aceitação familiar. Podemos observar como o filme lida com a questão do "seu eu interior", como ele busca representar quem verdadeiramente somos: nossa essência, nossos sonhos, qualidades e pontos de melhoria. Tiramos aprendizados do filme, tiramos reflexões sobre nossas vidas com questões profundas humanas e familiares, que definem e evidenciam sobre nossa posição no mundo, na sociedade, na vida de outras pessoas ao nosso redor e, principalmente, em nossa família. Olha, faz muito tempo que eu não me deparo com um roteiro tão inteligente e funcional como este. Certamente um dos roteiros do ano - nota 10!
Além do filme possuir um roteiro certeiro, o elenco é completamente absurdo!
Temos aqui um elenco competente, funcional, que entregam atuações em um nível de excelência que colabora com perfeição para todo o sucesso do filme.
Michelle Yeoh é uma atriz renomada, conceituada, com uma carreira bem-sucedida em filmes de ação e artes marciais, que se destacou em filmes como "O Tigre e o Dragão", "Memórias de uma Gueixa" e "Podres de Ricos". Aqui Michelle tem um papel super importante como o centro das atenções, e ela se destaca maravilhosamente bem, com uma desenvoltura, um carisma, uma presença e um talento sem igual - a verdadeira cereja do bolo (e olha que originalmente o personagem foi escrito para Jackie Chan, porém o papel principal foi posteriormente retrabalhado e oferecido para ela).
Ke Huy Quan ("Os Goonies" de 1985) também entrega um trabalho e uma atuação primorosa, com uma ótima química com a Michelle Yeoh (tem várias cenas com os dois que são impagáveis).
Stephanie Hsu ("Shang Chi e a Lenda dos Dez Anéis") está muito bem em sua personagem, trazendo uma atuação que contrasta com vários momentos que ela passa durante toda a história, e ela tira de letra, uma ótima atriz.
Já a maravilhosa Jamie Lee Curtis (recentemente esteve em "Halloween Ends") é outro nível, é outro patamar. Uma atriz do calibre da veterana Jamie não tem muito o que elogiar, é praticamente chover no molhado, pois tudo que ela entrega é algo que já esperávamos, já estamos acostumados. Posso afirmar que a Jamie Lee Curtis tem a melhor atuação no filme, na minha modesta opinião, até um pouquinho melhor que a própria Michelle Yeoh.
"Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo" recebeu seis indicações no 80º Globo de Ouro, que são de Melhor Roteiro, Melhor Atriz Musical ou Comédia para Michelle Yeoh, Ator Coadjuvante para Ke Huy Quan, Atriz Coadjuvante para Jamie Lee Curtis, Melhor Filme - Musical ou Comédia e Melhor Diretor. O longa se destaca como o mais indicado com quatorze indicações no 28º Critics' Choice Awards, incluindo Melhor Atriz, Melhor Ator e Atriz Coadjuvante, Melhor Roteiro Original, Melhor Direção e Melhor Filme.
O longa-metragem dos Daniels foi considerado um dos melhores filmes de 2022, recebeu ampla aclamação da crítica por sua imaginação, efeitos visuais, humor, direção, edição, atuação e manejo de temas como existencialismo, niilismo e identidade asiático-americana. Organizações como o 'National Board of Review' e o 'American Film Institute' o nomearam um dos dez melhores filmes de 2022.
O longa ainda traz várias referências um tanto quanto inusitadas de filmes como "Matrix", "2001 - Uma Odisseia no Espaço", "O Clã das Adagas Voadoras", "A Bela e a Fera", "Kung-Fusão", "Ratatouille" e, claro, "Doutor Estranho no Multiverso da Loucura".
"Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo" é um filme muito bom, pois ele consegue se destacar ao mesclar uma forma bizarra e doentia entre conceitos extremamente importantes em nosso cotidiano. Realmente é um trabalho muito imponente e muito poderoso dos Daniels, que agrega um roteiro muito original e muito rico, com um elenco muito carismático e muito funcional, com uma história que nos afronta com cenas em situações hilárias, intrigantes, cômicas, complexas e extremamente bizarras - daquelas pra você se perguntar: que P@#$% é essa!
Mais uma ótima produção da A24!
[23/12/2022]
Avatar: O Caminho da Água
3.9 1,3K Assista AgoraAvatar: O Caminho da Água (Avatar: The Way of Water)
"Avatar: O Caminho da Água" é co-escrito, co-editado, co-produzido e dirigido pelo mestre James Cameron. O longa-metragem é a sequência direta de "Avatar" de 2009. Cameron o produziu com Jon Landau (Produtor de "Titanic") e escreveu o roteiro com Rick Jaffa (roteirista da franquia "Planeta dos Macacos") e Amanda Silver (roteirista do clássico "A Mão Que Balança o Berço"), baseado em uma história que os três escreveram com Josh Friedman (roteirista de "Guerra dos Mundos") e Shane Salerno (roteirista do clássico "Armageddon"). Os membros do elenco Sam Worthington, Zoë Saldaña, Stephen Lang, Joel David Moore, CCH Pounder, Giovanni Ribisi, Dileep Rao e Matt Gerald reprisam seus papéis do filme original, com Sigourney Weaver retornando em um papel diferente. Os novos membros do elenco incluem Kate Winslet, Cliff Curtis, Edie Falco e Jemaine Clement.
O gênio James Cameron entrou para a história ao lançar "Avatar" em 2009. Um longa que revolucionou os efeitos visuais e a tecnologia inovadora em 3D. Um verdadeiro marco na história do cinema que mudou para sempre a forma de se fazer cinema e de se criar grandes histórias com o uso de tecnologias visuais avançadas. Foi o primeiro filme que eu tive o prazer de assistir em 3D. Foi mágico, foi encantador, foi épico tudo que eu vivi na sala do cinema na semana de estreia lá em Dezembro de 2009. "Avatar" está no hall dos maiores blockbusters da história e ocupa o posto de maior bilheteria de todos os tempos.
James Cameron sempre foi um dos meus diretores favorito. O cineasta por trás de 3 obras-primas que integra não só a minha lista de filmes da vida como a lista de maiores filmes de todos os tempos - "O Exterminador do Futuro 2", "Titanic" e "Aliens - O Resgate". "Avatar" está nessa prateleira de obras-primas do diretor com muita dignidade. Realmente é muito difícil lançar uma continuação de uma obra-prima e conseguir se manter no mesmo nível ou até superar, porém James Cameron consegue. O homem que simplesmente superou o primeiro "Alien - O 8.º Passageiro" com "Aliens - O Resgate" e o primeiro "O Exterminador do Futuro" com "O Exterminador do Futuro 2". Com "Avatar 2" eu posso afirmar que Cameron continua entregando uma sequência que mantém o mesmo nível da primeira e até supera em alguns pontos.
Com todo o sucesso e toda grandeza de "Avatar", seria muito óbvio que Cameron trouxesse uma sequência, porém jamais poderíamos imaginar que esta sequência demoraria longos 13 anos para finalmente acontecer. Posso afirmar que conhecendo bem o diretor, jamais ele iria fazer uma sequência de "Avatar" unicamente pelo dinheiro, ou pela imposição dos estúdios. Cameron queria ir mais além, queria se reinventar mais uma vez, queria alçar voos ainda maiores, por isso esta sequência demorou muitos anos para ser lançada. Além, é claro, pelo fato da tecnologia que era necessária para construir o filme e fazer todas as filmagens subaquáticas. Porém, devo reiterar que James Cameron é um verdadeiro mestre das continuações com longos anos de espera, e ele estava muito otimista com o fato de que os atrasos não prejudicariam o sucesso de seu filme, algo que já aconteceu no passado com os lançamentos das continuações de "Alien - O 8.º Passageiro" e "O Exterminador do Futuro 2", que foram sequências comerciais de sucesso lançadas sete anos após os filmes originais.
"Avatar: O Caminho da Água" é a sequência que todos nós esperávamos, que todos nós desejávamos, que todos nós aguardávamos com muita ansiedade durante todos esses anos. Posso afirmar que a mesma magia que eu vivi na sala de cinema em 2009 novamente eu vivi hoje. Cameron é o mestre do 3D e aqui ele nos prova novamente todo o seu poder e todo o seu domínio dessa incrível e magnífica tecnologia. Cameron nos entrega uma película que necessariamente nos obriga a assistir em uma sala de cinema 3D, para que você possa sentir e usufruir de toda magnitude de sua obra. Eu assisti em uma sala 3D XD e posso afirmar com louvor que "Avatar 2" foi a maior experiência que eu já tive em uma sala de cinema em toda a minha vida. Foi a experiência mais bela e mais bem feita que eu já vivi na vida. Foi o melhor filme em 3D que eu já assisti na vida.
"Avatar: O Caminho da Água" é belo, é encantador, é magnífico, é exuberante, é esplendoroso, é sublime, é peculiar, é deslumbrante, é perfeito. O longa nos mergulha na magia, na fantasia, na aventura, no lúdico, nos comovendo e nos emocionando em 100% das cenas. Uma verdadeira fábula teatral épica e lendária com a assinatura do mestre James Cameron. Por falar em assinatura, Cameron sempre foi um apaixonado pelos oceanos, o que é visualmente 100% comprovado aqui. Cameron nos traz a magia dos oceanos de uma forma épica e avassaladora, pois se no primeiro "Avatar" erámos confrontados com o poder da beleza encantadora das floresta de Pandora, aqui somos literalmente mergulhados na magnitude profunda e soberana dos oceanos. Essa é a verdadeira magia de "Avatar 2", o poder dos oceanos de Pandora, o que deixa a trama completamente encantadora e fantástica.
Com relação ao roteiro, temos a volta do mesmo vilão do primeiro com a mesma sede de vingança contra Jake Sully (Sam Worthington). Dessa vez o Coronel Miles Quaritch (Stephen Lang) está diferente, pois ele habita o corpo de um Na'vi após ter sido derrotado no final do primeiro "Avatar". Esse é o ponto mais discutível do roteiro, continuar com a mesma história do primeiro filme e até com o mesmo vilão, porém, eu vejo diferente, eu vejo uma grande evolução no roteiro de "Avatar 2". Dessa vez o roteiro não foca somente na guerra mas sim na enorme exploração de Pandora, como as partes dos oceanos e o encontro com outra tribo, o que deixa a trama ainda mais interessante. Sem falar que agora temos a adição da família Sully, o que traz uma grande imersão no lado poético, romântico e amoroso do filme. É completamente gratificante poder acompanhar esse vínculo familiar, da importância da família, de defender cada membro da família, dos valores de ter uma família, dos conflitos familiares. Dessa forma eu considero um avanço e uma sacada genial no roteiro de "Avatar 2".
Cameron usou todo o seu amor e toda a sua paixão pelo cinema para a construção de cada cena, de cada detalhe, para nos entregar a magia em forma de cinema. A princípio "Avatar 2" estava programado para ser lançado o mais breve possível, porém Cameron encontrou diversas dificuldades na construção do filme e principalmente na tecnologia para as filmagens. Obviamente a necessidade de desenvolver novas tecnologias para filmar cenas de captura de desempenho debaixo d'água, um feito nunca antes realizado, levou a atrasos significativos para permitir que a equipe tivesse mais tempo para trabalhar na escrita, pré-produção e efeitos visuais. Cameron planejava fazer algumas filmagens 11 quilômetros debaixo d'água no 'Challenger Deep', o ponto mais profundo da Fossa das Marianas e também o local mais profundo da Terra. A própria Sony construiu uma nova câmera chamada Câmera "Veneza" a pedido de Cameron, que seria utilizada nas gravações de "Avatar 2" e dos próximos.
Tecnicamente "Avatar 2" é de encher os nossos olhos com a magia alcançada através dos belíssimos cenários tanto das florestas e principalmente dos cenários aquáticos. Como foi incrível acompanhar a exploração aquática totalmente imergida em uma paleta de cores vivas, vibrantes, profundas, com uma combinação extremamente poética e singular. O CGI e a captura de movimentos foram parte da fama do filme de 2009, dessa vez Cameron nos entrega uma produção ainda mais ambiciosa com boa parte da narrativa em ambientes aquáticos. A fotografia é simplesmente magnífica, Russell Carpenter (o mesmo diretor de fotografia de "Titanic") entrega um trabalho primoroso, impecável, com uma magia que é sentida em 100% do belíssimo trabalho de fotografia do longa. A trilha sonora de Simon Franglen (Moulin Rouge) é outra maravilha, é outro luxo extremamente impecável. Como a trilha sonora de "Avatar 2" é sublime, como a composição é bela e faz um casamento perfeito entre os acontecimentos de cada cena - maravilhoso!
Temos a volta do elenco maravilhoso do primeiro filme com algumas adições que foram muito importantes para a história.
Sam Worthington traz um Jake Sully que já faz parte dos Na'vis e já está completamente incorporado no seu clã e na sua nova família. Mais uma excelente atuação de Sam, assim como já havia entregado no primeiro filme. Zoë Saldaña é a dona do meu coração com a sua incrível Neytiri. Eu sou completamente apaixonado pela Neytiri e em todas as suas aparições eu suspirava de emoção. Que papel incrível de Zoë Saldaña, que personagem maravilhosa, que entrega fenomenal. Sigourney Weaver deu um show como a Dra. Grace Augustine no primeiro filme, e aqui ela está em uma personagem diferente e nos encanta mais uma vez com a doce e incrível Kiri. Tirando a Neytiri, a Kiri foi a personagem que eu mais amei em "Avatar 2", e ainda fiquei muito feliz pelo James Cameron conseguir encaixar a Sigourney Weaver (sua parceira de décadas) em uma personagem nesse segundo filme.
Realmente o Stephen Lang é o antagonista perfeito em "Avatar", isso ele mostrou claramente no primeiro filme e aqui ele vai ainda mais além, ele se supera no personagem. O Coronel Miles Quaritch foi o ser perverso e doentio no primeiro filme e aqui ele se mantém exatamente nessa postura ao adotar o corpo de um Na'vi e partir para cima de Jake Sully e toda sua família. Kate Winslet foi a escolha certeira para viver a personagem Ronal. É incrível como a Kate se doa e se entrega em um trabalho, tanto que ela fez questão de aprender todas as suas acrobacias subaquáticas sem o uso de dublês. Kate Winslet sempre foi uma atriz fantástica. Cliff Curtis foi o par perfeito de Kate Winslet. Juntos eles formaram o casal e líder do novo clã dos Na'vis, e o Cliff viveu o personagem Tonowari com muita propriedade e muita segurança.
Cameron fez questão que todo o seu elenco aprendesse a mergulhar para realizar as cenas que estivessem envolvidos no oceano de Pandora. Isso contou muito para a entrega de cenas com cada vez menos uso do digital. Sem falar que o próprio Cameron sempre foi um diretor meticuloso e muito perfeccionista quando o assunto é atingir a perfeição de suas obras e principalmente de seu elenco.
Quando o assunto é um alto orçamento James Cameron é o principal nome, pois seus filmes são extremamente caros, como é o caso aqui. "Avatar 2" teve um orçamento estimado de $ 350-400 milhões, se destacando como um dos filmes mais caros de todos os tempos. Obviamente obras excepcionais demandam dinheiro e as sequências de "Avatar" vão custar pelo menos US $ 1 bilhão coletivamente. Porém, devo afirmar que todo esse gasto é compreensível, pois fazer o que Cameron fez e entregar uma produção no nível que ele entregou não poderia ser diferente.
É realmente incrível a magia que "Avatar 2" nos envolve e nos proporciona dentro da sala de cinema. Digo isso pelo fato do filme conseguir me prender durante 3 horas e 12 minutos e eu sequer sentir o tempo passar. Era como se o filme tivesse uma duração de 30 minutos, pois eu poderia ficar facilmente umas 5 horas ali que jamais sentiria cansaço. Eu estava completamente preso, eu estava fora de mim, eu estava em estado de choque e paralisado por toda a magia daquele universo incrível.
Para completar, Cameron ainda quis brincar com os nossos sentimentos ao nos proporcionar várias referências ao "Titanic" nas cenas em que aquela espécie de nave/navio do Coronel Miles Quaritch começou a afundar no oceano. Ali realmente eu não conseguir conter as lágrimas, sem falar na presença ilustre de ninguém menos que a Kate Winslet, foi demais pra mim.
"Avatar: O Caminho da Água" recebeu indicações para Melhor Filme - Drama e Melhor Diretor no Globo de Ouro do próximo ano. No Critics Choice Awards 2023 o longa recebeu indicações para Efeitos Visuais, Edição, Design de Produção, Fotografia, Direção e Melhor Filme. No Satellite Awards 2023 o longa ganhou nomeações para Efeitos Visuais, Som, Direção de Arte, Fotografia, Direção e Melhor Filme. A princípio mais três sequências do filme estão programadas para 2024, 2026 e 2028.
James Cameron é um verdadeiro mestre, um verdadeiro gênio da sétima arte e eu o considero como o maior diretor de cinema do mundo ainda vivo. É impossível você não se maravilhar e não se deliciar com o nível de suas obras. Em "Avatar: O Caminho da Água" ele faz o que sabe de melhor e nos dá mais uma completa e magnífica aula de cinema. Um trabalho em alto nível, com uma alta entrega, com uma alta performance, atingindo o ápice da magnitude da tecnologia visual do 3D - uma qualidade estratosférica!
Como um verdadeiro fã de "Avatar" eu só posso dizer que valeu a pena esperar 13 anos para a continuação dessa obra-prima da fantasia. Foi épico, foi mágico, foi encantador, foi apoteótico, foi colossal. Um trabalho rico, lindo, exuberante, primoroso, genial, emocionante. Por falar em emocionante, foi impossível não se emocionar durante todo o filme. Em todos os momentos eu me pegava enxugando as lágrimas por baixo do óculos 3D.
Assim como o primeiro, "Avatar: O Caminho da Água" ficará marcado em minha vida. Ficará marcado como o melhor filme 3D que eu já assisti no cinema. Ficará marcado como um dos melhores filmes que eu já tive o prazer de assistir no cinema. Ficará marcado como o melhor filme do ano de 2022. E acaba de entrar para a minha seleta lista de filmes da minha vida.
Uma obra-prima poética! Uma obra de arte épica! A verdadeira magia do cinema!
James Cameron eu te amo!
[17/12/2022]
⭐⭐⭐⭐⭐ ❤️❤️❤️❤️❤️ 👏👏👏👏👏
Racionais: Das Ruas de São Paulo Pro Mundo
4.4 163Racionais MC's - Das Ruas de São Paulo pro Mundo
Uma biografia, um documentário, um filme sobre os Racionais MC's dirigido por Juliana Vicente direto para a plataforma de streaming Netflix, com seu lançamento em 16 de Novembro de 2022.
Racionais MC's é um grupo de rap fundado em 1988 na cidade de São Paulo. Formado por Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay.
Conheci os Racionais em meados da década de 1990, em uma época que eu estava em uma transição para a minha adolescência. Me lembro que entre os anos de 1998 e 1999 eu escutava incansavelmente o álbum "Sobrevivendo no Inferno". Me lembro que eu chegava da escola a tarde e já parava na frente do velho rádio sintonizado na 105 FM para escutar o lendário Espaço Rap. Eu praticamente cresci escutando a letra dos caras ao lado do bairro do Capão Redondo (onde praticamente era a casa do grupo). Ou seja, Racionais MC's teve uma participação direta na formação da minha vida.
Tenho orgulho em falar que eu acompanhei o grupo praticamente do início, passando por todas as fases da minha vida. Racionais MC's fez parte das minhas ideias, dos meus conceitos, das minhas atitudes, dos meus ensinamentos, fez eu entender como funcionava o sistema em relação as pessoas pobres que nasceram, cresceram e sobreviveram em uma periferia de São Paulo. E também tenho orgulho em falar que nem por isso eu me tornei um bandido, um delinquente, um drogado, como muitos pensam em relação ao grupo, como muitos acham que suas letras e suas atitudes fazem apologia ao crime, ou transformam as pessoas em bandidos. Bem...ai é uma opinião de cada um. É uma atitude de cada um.
Dessa vez eu tenho que aplaudir de pé a Netflix por entregar um material tão rico, por nos mostrar praticamente o início, a formação, os primeiros shows do grupo. O documentário foi gravado ao longo de trinta anos e passa por todas as fases do grupo, nos mostrando arquivos, entrevistas, filmagens, imagens inéditas, um material completamente histórico. Todo esse material trazido serve para nos mostrar o surgimento e o crescimento do maior grupo de rap do Brasil. Racionais MC's está entre os grupos musicais mais influentes do país e da música brasileira de toda a história.
Racionais MC's sempre esteve presente no cenário brasileiro, eles sempre estiveram lutando contra o sistema, contra o governo, contra a sociedade. Suas letras e seus movimentos sempre foram voltados para a destruição e a degradação dos jovens negros das periferias, da brutalidade policial, do estado, da exclusão social. Sempre mostrando as consequências do preconceito, do racismo, da miséria, da violência, do crime organizado e principalmente das drogas, soando diretamente como uma denúncia e como um protesto. O próprio Brown fala: "Nós viemos com uma missão através da música. Nossa música era um grito entalado na garganta".
Eles são muito gigantes, eles são muito fortes, eles incomodam o sistema, eles incomodam os governos, eles incomodam a polícia, eles incomodam os poderosos, eles incomodam os politicamente corretos, eles incomodam os usuários aqui do Filmow, e eles são isso, eles vieram para incomodar e nunca irão se calar. A verdadeira história dos 4 jovens negros das periferias de São Paulo que levaram seu legado para o mundo através das suas letras fortes e explosivas, através de um cotidiano de opressão e descriminação, transformando a dor, o ódio e a repudia em verdadeiras poesias das ruas, mostrando um movimento muito poderoso tanto dentro do Brasil como fora dele.
Racionais MC's são verdadeiras lendas, são verdadeiros ícones, um marco no cenário da cultura musical brasileira. Os caras são artísticos, são políticos, são revolucionários, são influentes, são afiados, mudaram o conceito das pessoas sobre elas mesmas e sobre seus próprios pensamentos e suas atitudes.
Esse documentário só reforça e potencializa ainda mais todo o legado, toda importância, todo o impacto que as letras dos Racionais introduziram e influenciaram no gênero musical do nosso país.
Racionais MC's não é somente o maior grupo de rap do Brasil, mas é um dos maiores grupos musicais de todo o planeta. Eles fizeram suas vozes e suas palavras serem ouvidas e sentidas pelos quatro cantos do mundo. Verdadeiros poetas das periferias.
"Racionais MC's - Das Ruas de São Paulo pro Mundo" é um belíssimo documentário, uma verdadeira obra-prima da cultura musical do nosso país.
Viemos para incomodar e não vamos nos calar!
[19/11/2022]
Carrie, a Estranha
3.7 1,4K Assista AgoraCarrie, a Estranha
"Carrie" foi lançado em 1976, dirigido por Brian De Palma a partir de um roteiro escrito por Lawrence D. Cohen, adaptado do romance epistolar de 1974 de Stephen King com o mesmo nome. O filme é estrelado por Sissy Spacek como Carrie White, uma tímida garota de 16 anos que é constantemente ridicularizada e intimidada na escola. O filme também apresenta Piper Laurie, Amy Irving, Nancy Allen, William Katt, P. J. Soles, Betty Buckley e John Travolta em papéis coadjuvantes. É o primeiro filme da franquia "Carrie".
"Carrie" foi o primeiro livro oficialmente publicado por Stephen King, sendo o responsável em apresentar ao público o autor revolucionário que passaria a ser reconhecido como o mestre do terror. Além de ser o primeiro romance de King, "Carrie" também foi a primeira adaptação da sua obra para o cinema. Devo dizer que o primeiro livro do mestre King é simplesmente fantástico, nos envolve em uma história que se passa nos anos 70 mas que em nenhum momento ficou datada, ultrapassada, permanece muito recente e bastante atual para os dias de hoje.
Não há nenhuma dúvida que "Carrie" é um dos melhores livros do mestre king, assim como também é uma de suas melhores adaptações até hoje. E olha que esta é apenas a primeira de mais de 100 produções cinematográficas e televisivas adaptadas ou baseadas nas obras publicadas de King.
Carrie White é uma adolescente tímida, solitária, oprimida, menosprezada pelas colegas e amedrontada pela própria mãe. Carrie nos mostra uma menina comum, com uma aparência fora dos padrões de beleza (que é imposto até hoje), tentando se socializar numa escola, com pessoas, para que não viva só na realidade da mãe, uma cristã ferrenha que vê pecado em tudo, a fanática religiosa Margaret (Piper Laurie). Este é o ponto que deixa "Carrie" como uma obra atemporal, exatamente por abordar o bullying, a opressão, a obsessão, a violência, o abuso, o massacre, o fanatismo religioso. De Palma nos entrega uma obra extremamente melancólica, dramática, niilista, soturna, nos expondo aos traumas enfrentados por Carrie. E olha que Carrie vivia em um verdadeiro tormento, tanto em casa, com uma mãe enlouquecida por uma fé religiosa deturpada, quanto na escola, onde era constantemente humilhada por suas colegas simplesmente por ter uma postura que a rotulava como "a diferente", "a estranha" (como o subtítulo do filme no Brasil). Este subtítulo se encaixa perfeitamente na história da Carrie, pois ter essa barreira e ser rotulada de "a estranha" não condizia com o seu verdadeiro desejo, que era justamente ser aceita, ser querida, ser uma adolescente comum e normal como qualquer garota da sua idade.
Por outro lado Carrie é diferente das garotas de sua idade pelo fato dos seus poderes telecinéticos, ou psicocinéticos. Carrie tinha um talento telecinético latente, comumente referido como TC. Esse dito "talento descontrolado" é uma característica hereditária, produzida por um gene que costuma ser recessivo, isso quando está presente e aflorado. A Telecinese é definida como a capacidade de mover objetos ou provocar mudanças em objetos pela força da mente (exatamente como Carrie fazia). A Telecinese é vista como um função empírica da mente, possivelmente da natureza eletroquímica. Dessa forma a história não há muito adorno, ela simplesmente acontece usando artifícios geniais para deixar o espectador por dentro do que seria a Telecinese, enquanto descobrimos junto com Carrie o que estava acontecendo com ela.
De Palma ficou intrigado com a história logo que leu o romance de King, o que logo o levou a tomar a decisão de pressionar para que o estúdio a dirigisse. De Palma faz constantemente homenagens ao mestre do suspense Alfred Hitchcock em seus filmes, geralmente usando a mesma decupagem de planos e mesmas locações. E em "Carrie" não é diferente, pois De Palma faz uma verdadeira ode à obra icônica e lendária do mestre - "Psicose" (1960). Podemos sentir "Psicose" em várias partes do filme, como a icônica musiquinha estridente da cena do chuveiro, onde De Palma utiliza algumas faixas em sua obra, e justamente por ele ter desejado que o compositor Bernard Herrmann tivesse composto a trilha sonora de "Carrie", porém ele faleceu em 1975, impossibilitando que De Palma o chamasse para trabalhar em seu filme. O nome da escola que Carrie estuda, Bates High Scool (no livro o nome da escola é Ewen), e a fábrica de carne, Bates Packing, são uma referência a Norman Bates, de "Psicose".
Como já mencionei anteriormente, "Carrie" é considerada como uma das melhores adaptações de uma obra de Stephen King. Porém, tanto De Palma quanto Lawrence D. Cohen optaram por usar uma certa liberdade criativa, optaram por fazerem algumas mudanças em relação à obra de King (o que é normal, afinal o livro sempre é mais detalhado e mais abrangente). O roteirista optou por uma narrativa mais linear, mais direta, mais conclusiva, o que deixou alguns detalhes de fora e outros foram mudados. De Palma por sua vez aumentou a violência e o horror em algumas cenas e diminuiu em outras. Por exemplo:
A forma como a mãe de Carrie morre no livro, que é causada por uma parada cardíaca causada pela própria Carrie. Já no filme ela morre atingida por vários talheres que Carrie lançou com o poder de sua mente, o que a deixou em uma posição crucificada, exatamente como a imagem que ela tinha em seu local de orações.
O final da história foi onde teve mais mudanças: no livro, o atentado contra Carrie que aconteceu durante o baile, quando derrubaram um balde com sangue de porco sobre ela, fazendo com que os seus poderes cinéticos fossem liberados numa descrição de fúria impiedosa e imbatível. Todo o ocorrido no baile desencadeou uma fúria incontrolável em Carrie, onde o incêndio atingiu não só o salão mas toda a cidade, como postos de gasolinas, lojas e outros estabelecimentos. Tomando uma proporção gigantesca, o que logo chamou a atenção dos bombeiros e outras autoridades das cidades vizinhas, fazendo com que todos se dirigissem para a cidade de Chamberlain pelo ocorrido. Ou seja, no livro King quis dar uma proporção maior para o final devastador da história de Carrie White. Tanto que a cidade fictícia de Chamberlain, no Maine, quase desapareceu do mapa pelo fato da proporção atingida pelo incêndio. Morreram 440 pessoas, 18 estavam desaparecidas e 67 dos mortos eram alunos do último ano da escola.
Realmente esta cena emblemática do baile é diferente exatamente nesse aspecto: no livro a cena é mais colossal, mais furiosa, mais avassaladora, tem um massacre visual muito maior. Já no filme De Palma conduz esta cena exatamente com mais suspense do que matança, como se premeditando todo o terror que estava por vir exatamente na casa da Carrie.
Já De Palma teve uma outra visão para o final do seu longa-metragem, consequentemente menos caótica e mais imersa no terror, sendo que até a morte de Carrie é diferente. No livro Sue Snell encontra Carrie na rua com a faca cravada em seu corpo depois da luta com sua mãe, e ela morre ali mesmo. Já no filme Carrie morre quando sua casa é atingida por uma chuva de pedras e sucumbida (como por forças das trevas), onde logo em seguida temos aquela cena icônica da Sue (Amy Irving) indo visitar o local e sendo agarrada no braço pela Carrie. O próprio Stephen King chegou a elogiar a direção de De Palma, considerando o seu trabalho mais leve e mais artístico do que o seu próprio livro.
A atriz Sissy Spacek inicialmente não estava cotada para o papel de Carrie White, até que o diretor de arte - e também seu marido - Jack Fisk solicitou uma audição para a atriz. De Palma gostou tanto de Spacek que resolveu dar a ela o papel principal no filme. E devo dizer que De Palma acertou em cheio na escolha, pois Spacek é a personificação perfeita da Carrie do livro. Spacek consegue atingir todos os momentos de Carrie com muita excelência e com muita competência, pois ela ia da alegria ao pânico com uma facilidade absurda. Genial, uma atuação completamente perfeita de Sissy Spacek ao incorporar a melhor Carrie de todas até hoje.
Piper Laurie está em um nível de excelência tanto quanto a Sissy Spacek, pois é dela a figura de mãe autoritária, severa, ranzinza, aquela monstruosidade que sempre amedrontava a Carrie com seus regimes bíblicos doentios. Uma atuação completamente esplendorosa de Piper Laurie. Tanto Sissy Spacek quanto Piper Laurie receberam indicações de Melhor Atriz e Melhor Atriz Coadjuvante na edição 49º do Oscar.
Amy Irving fez o papel da amiga arrependida de Carrie com uma ótima participação. Nancy Allen performou muito bem ao incorporar a inescrupulosa e impiedosa Chris Hargensen. William Katt era o Tommy Ross, que fez um par perfeito com a Carrie durante o baile (aquela cena com eles dançando é belíssima). John Travolta novinho e no início da carreira fez o Billy Nolan. Um personagem muito louco, o famoso "porra loca", que assim como a Sissy Spacek, também personificou com perfeição o personagem do livro. E pra fechar a atriz Betty Buckley como Srta. Collins (no livro a Srta. Desjardin), que também atuou com perfeição como a professora de educação física que às vezes ajudava a Carrie em algumas situações.
"Carrie" se tornou um sucesso comercial e crítico, arrecadando mais de US$ 33,8 milhões com um orçamento de US$ 1,8 milhão. O longa é considerado amplamente como a melhor adaptação do romance entre os inúmeros filmes e programas de televisão baseados na personagem Carrie. O filme influenciou significativamente a cultura popular, com várias publicações considerando-o como um dos maiores filmes de terror já feitos. Em 2008, "Carrie" ficou em 86º lugar na lista dos 500 Maiores Filmes de Todos os Tempos da Empire. Foi classificado em 15º na lista dos 50 melhores filmes do ensino médio da Entertainment Weekly e em 46º na lista do American Film Institute, 100 Years...100 Thrills. A cena apoteótica e icônica do baile teve uma grande influência na cultura popular e ficou em oitavo lugar no programa de 2004 da Bravo, The 100 Scariest Movie Moments.
"Carrie" ganhou uma versão musical na Broadway em 1988 e uma peça off-Broadway de 2012, uma continuação em 1999 ("A Maldição de Carrie") e mais duas novas adaptações: para a TV em 2002, estrelada por Angela Bettis e com roteiro de Bryan Fuller, e para os cinemas em 2013, com Chloë Grace Moretz como Carrie.
"Carrie" é um filme completamente atemporal por todos os assuntos abordados na trama. Uma obra influente onde mescla um suspense e terror, com um drama e uma fantasia sobrenatural. "Carrie" vai muito além de um simples filme de terror, pois ele nos confronta com os nossos limites, com as nossas loucuras, com os nossos demônios, com os nossos traumas, com o nosso fanatismo religioso e com a nossa obsessão pela fé. Uma obra extremamente peculiar, pertinente, melancólica, sombria, densa, que pode ser bela, poética e assustadoramente trágica.
Um verdadeiro clássico dos cinemas. Uma verdadeira obra-prima dos anos 70.
[08/11/2022]
Uma Noite Alucinante: A Morte do Demônio
3.8 1,4K Assista AgoraUma Noite Alucinante: A Morte do Demônio (The Evil Dead)
"The Evil Dead" foi lançado em 1981, escrito e dirigido por Sam Raimi, produzido por Robert Tapert e produzido por Raimi, Tapert e Bruce Campbell. O filme se concentra em cinco estudantes universitários de férias em uma cabana isolada em uma área remota e arborizada. Ao descobrirem o "Necronomicon - O Livro dos Mortos" e depois de encontrarem uma fita de áudio que, quando tocada, libera uma legião de demônios e espíritos, quatro membros do grupo sofrem de possessão demoníaca, forçando o quinto membro, Ash Williams (Campbell), a sobreviver a um ataque de caos cada vez mais sangrento e lutar pela sobrevivência durante a noite mais alucinante de toda sua existência.
Podemos considerar que a estreia de "Doutor Estranho no Multiverso da Loucura" trouxe os holofotes mais uma vez ao lendário diretor Sam Raimi. Também se tornou uma oportunidade perfeita para que essa "nova geração" saiba de fato quem é Sam Raimi de verdade. Raimi é um dos grandes nomes da história do cinema de terror (um verdadeiro mestre do horror), um diretor de ideias criativas, com um humor bastante peculiar e um estilo próprio de cinema tão provocador quanto incômodo. Raimi é o homem por trás de obras como "Darkman - Vingança Sem Rosto" (1990) e a gloriosa trilogia "Homem Aranha" (2002 / 2007). Aqui temos o seu filme de estreia que é considerado até hoje a obra-prima do cineasta. Foi com ela que Raimi gravou seu nome na indústria hollywoodiana e segue sendo reverenciado por isso quatro décadas depois.
"The Evil Dead" é sem dúvida um dos maiores filmes de terror independente da década de 1980 e de todos os tempos. O longa se tornou uma febre, um fenômeno, e justamente por não ter nada a perder e poder arriscar tudo, tomando decisões criativas e surpreendendo a todos. Raimi e seus amigos produziram o curta-metragem "Within the Woods" (1978) como uma prova de conceito para despertar o interesse de potenciais investidores, que conseguiram US$ 90.000 para começar a trabalhar em "The Evil Dead". Ou seja, o orçamento do longa foi conseguido praticamente através de uma "vaquinha" organizada pelo próprio Sam Raimi. Raimi uniu vários temas do terror sobrenatural em seu filme, como possessão, demônios, zumbis, casa mal-assombrada, muito gore e uma violência totalmente explícita. E se pensarmos no baixo orçamento do filme, toda essa mistura de ideias é muito bem feita e funciona perfeitamente.
Raimi não tem medo de arriscar ao entregar um trash que exagera no gore e na violência. Realmente "The Evil Dead" é caracterizado pela presença de cenas extremamente violentas, com muito sangue, vísceras e restos mortais, além de serem extremamente nojentas. Apesar de hoje em dia ficar bastante evidente o tamanho da dificuldade que tiveram para fazer às cenas de esquartejamento, onde fica nítido que hoje são cenas que não funcionam tão bem, até pelo orçamento do filme e por estarmos em uma outra época de se fazer cinema. Assim como a própria maquiagem protética (o uso da massinha moldável) e cenas que eram para serem assustadoras, mas que já não causam o mesmo efeito. Porém, tudo isso pouco importa, pois era realmente isso que queríamos, era realmente disso que precisávamos, e Raimi entregou um slasher autêntico, um verdadeiro deleite para os fãs do gore e do trash oitentista.
"The Evil Dead" é um clássico do terror e do horror justamente por mexer com o nosso psicológico, nos colocando na ameaça do perigo, do oculto, do mistério, exatamente uma aflição ao temor. Por outro lado temos aquela repulsa ao grotesco visual e nojento. E Raimi elaborou tudo isso com muitas dificuldades ao filmar em uma floresta à noite e sem muitas condições. A filmagem principal ocorreu em uma cabana remota localizada em Morristown, Tennessee, em um processo de filmagem difícil que se mostrou extremamente desconfortável para o elenco e a equipe. Porém, temos aqui uma verdadeira aula de como se filmar com baixo orçamento, pois Raimi empregou uma filmagem diferente, onde tínhamos takes de fora da cabana para dentro nos colocando diretamente na aflição do oculto e do imaginário. Por outro lado tínhamos focos nos rostos do personagens para nos evidenciar o pânico e a agonia de cada um ali presente. A fotografia também era responsável pelo clima sombrio e soturno, e muito por se destacar em um tom mais acinzentado, mais denso, mais morto. A trilha sonora é inquietante e estridente, o que já é um costume nas produções do gênero. A edição/mixagem de som é excelente, pois ouvíamos cada detalhe com muita clareza: como ao descer em uma escada de madeira velha, o som estridente de uma porta se abrindo, o som do vento batendo contra a janela, uma respiração ofegante, um coração acelerado. Ou seja, tudo muito bem feito para a época.
Raimi traz um roteiro autêntico, funcional, onde ele mistura cenas que fazem uma verdadeira ode aos clássicos como "O Massacre da Serra Elétrica", "A Profecia", "Sexta-Feira 13" e "O Exorcista". Temos várias cenas que são bastante curiosas e intrigantes: como a cena que foi censurada e banida em alguns países, em que a personagem Cheryl (Ellen Sandweiss) é estuprada por árvores possuídas. O roteiro previa que todos os personagens estivessem fumando maconha ao ouvirem pela 1ª vez a fita. Os atores resolveram fumar de verdade ao rodar a cena, mas a ideia não deu certo. O comportamento deles obrigou que a cena fosse posteriormente regravada. Raimi queria que o título original fosse "Book of the Dead", mas o produtor Irvin Shapiro o modificou para "The Evil Dead". O motivo foi que o título proposto afastasse o público adolescente, pouco afeito à literatura.
O elenco do filme foi muito bem escolhido: Raimi e o ator Bruce Campbell eram amigos de colégio, tendo feito vários filmes B antes da realização de "The Evil Dead". Campbell foi eternizado e imortalizado após "The Evil Dead", o que o colocou como um dos personagens mais inesquecíveis do terror, e também é considerado um ícone cultural. O elenco ainda contou com Ellen Sandweiss, Richard DeManicor, Betsy Baker e Theresa Tilly. Todos estiveram muito bem em seus respectivos personagens.
O Longa atraiu o interesse do produtor Irvin Shapiro, que ajudou a exibir o filme no Festival de Cinema de Cannes de 1982. O mestre do terror Stephen King deu uma ótima crítica do filme, o que resultou na New Line Cinema adquirindo seus direitos de distribuição.
"The Evil Dead" gerou uma franquia de mídias, começando com duas sequências diretas escritas e dirigidas por Raimi, "Evil Dead II" (1987) e "Army of Darkness" (1992), um quarto filme, "Evil Dead", que serve como um recomeço, remake e sequela foi lançado em 2013. Fede Alvarez foi o diretor e Raimi co-produziu o filme com Campbell e Robert Tapert. Foi Adaptado como um musical da Broadway em 2006, e uma série de TV de acompanhamento, "Ash vs Evil Dead", que foi ao ar de 2015 a 2018; também criada e produzida por Raimi e pelo seu irmão Ivan Raimi com Campbell como produtor executivo. E ainda teremos o lançamento do quinto filme da franquia, "Evil Dead Rise", que será escrito e dirigido por Lee Cronin, e contará com Campbell, Tapert e Raimi como produtores. Originalmente o filme está destinado a um lançamento digital na HBO Max, e está programado para ser lançado nos cinemas em 21 de abril de 2023. A franquia "The Evil Dead" ainda inclui videogames e histórias em quadrinhos.
"The Evil Dead" arrecadou US $ 2,4 milhões nos EUA e entre US $ 2,7 e US $ 29,4 milhões em todo o mundo. A recepção crítica inicial e posterior foi universalmente positiva; nos anos desde seu lançamento, o filme desenvolveu uma reputação como um dos filmes Cult mais significativos, citado entre os maiores filmes de terror de todos os tempos e um dos filmes independentes de maior sucesso. O longa-metragem foi o responsável em lançar as carreiras de Raimi, Tapert e Campbell, que continuaram a trabalhar juntos em vários filmes, incluindo a própria trilogia "Homem-Aranha".
Sam Raimi nos entrega aqui o suprassumo, a quinta-essência do terror e do horror. "The Evil Dead" continua sendo um dos filmes mais inovadores e audaciosos do terror dos anos 80. Um verdadeiro clássico do trash e do gore oitentista. Um terror Cult. O filme responsável em lançar a carreira de um dos melhores diretores do gênero. Uma obra-prima do terror dos anos 80 e da história do cinema.
[29/10/2022]
Clube da Luta
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"Clube da Luta" foi lançado em 1999, dirigido por David Fincher, adaptado por Jim Uhls (roteirista de "Jumper", 2008) e estrelado por Brad Pitt, Edward Norton e Helena Bonham Carter. O longa-metragem é baseado no romance de mesmo nome de Chuck Palahniuk de 1996. Um homem deprimido que sofre de insônia conhece um estranho vendedor de sabonetes chamado Tyler Durden (Brad Pitt) e se vê morando em uma casa suja depois que seu perfeito apartamento é destruído. A dupla forma um clube com regras rígidas onde homens lutam. A parceria perfeita é comprometida quando uma mulher, Marla (Helena Bonham Carter), atrai a atenção de Tyler.
Recentemente eu comentei na crítica de "O Sexto Sentido" do quanto o ano de 1999 foi importante e maravilhoso para o cinema, lançando verdadeiras pérolas como o próprio "O Sexto Sentido", "Matrix", "À Espera de um Milagre" "Garota, Interrompida" e "Beleza Americana". E aqui temos mais uma obra-prima daquele ano de ouro para a sétima arte - "Clube da Luta" - simplesmente o melhor filme de toda a carreira do diretor David Fincher.
"Clube da Luta" faz uma crítica ácida à sociedade capitalista e, principalmente, ao modo de vida consumista e vazio que as pessoas acabam levando e que corrói suas almas. Portanto, o longa não traz somente uma crítica severa ao consumismo, mas também abrange o condicionamento social, a masculinidade tóxica, a individualidade, a dualidade, a sociedade caótica, o ódio, a opressão, a ambição e o capitalismo. A mensagem aqui não é propriamente sobre ganhar ou perder. Trata-se antes de combater seus medos internos, seus traumas, suas obsessões e seu grande vilão, você mesmo. A grande briga e o maior desafio na vida acontece dentro de você, ou seja, o nosso maior inimigo somos nós mesmo. Na vida real não há vitórias ou derrotas, porém, precisamos alcançar o nosso equilíbrio mental e espiritual antes de mais nada.
David Fincher foi completamente cirúrgico ao abordar o alter ego, a dualidade, o nosso "eu interior", a libertação dos nossos próprios demônios, ou seja, uma forma de libertação da nossa própria escravidão mental. E justamente dentro desse contexto que encontramos as pessoas que estão aprisionadas em crenças disfuncionais que limitam a forma de enxergar e atuar no mundo. Aos poucos elas vão criando o seu próprio cativeiro mental, encarcerando seus próprios sonhos por conta de ideias que herdaram e que já não servem mais - exatamente como somos apresentados a personalidade dúbia do protagonista, pois ele criou um superego perdedor para se sentir melhor.
Fincher tinha a clara intenção em nos passar um olhar mais crítico, mais ácido, mais dissecado sobre a realidade das mazelas de uma sociedade totalitarista e controlada pelo consumismo. A ideia inicial de Fincher era que seu longa servisse como alusão, como metáfora entre os conflitos de uma sociedade com os conflitos de uma geração baseado em um sistema de valores, principalmente pela violência abordada durante o filme. Exatamente a forma idealizada por Tyler Durden, que acredita ter encontrado uma maneira de viver fora dos limites da sociedade e das regras sem sentido em um mundo caótico.
O maior trunfo do "Clube da Luta" é a forma como é abordada e analisada a personalidade anônima do protagonista (ou Narrador), que nos mostra o homem comum, a personalidade genérica, ou seja, a forma como qualquer pessoa se identifica. O Narrador é apenas um sujeito comum, trabalhando em uma empresa de seguros e levando uma vida confortável, porém vazia e medíocre, o que o leva a viver em uma crise existencial, uma falta de propósito, uma autodestruição imposta por si próprio e por estar preso em uma rotina repetitiva em seu cotidiano (como a maioria das pessoas se identificam). Além da crise existencial que ele enfrenta, outro problema em sua vida é a insônia, que chega a deixá-lo dias sem dormir. Ao longo da trama o Narrador expõe características semelhantes ao Transtorno Dissociativo e de Identidade (TDI), anteriormente conhecido como Transtorno de Personalidade Múltiplas. O Narrador sofre de esquizofrenia, ele elabora uma desestruturação psíquica, alterações comportamentais, sofre uma clivagem no ego, na qual, parte da realidade é substituída por uma alucinação que melhor se relacione com os seus desejos íntimos.
David Fincher, que começou a sua carreira como diretor sendo bastante contestado em "Alien 3" (1992), já nos entregou obras maravilhosas como "O Curioso Caso de Benjamin Button" (2008) e "A Rede Social" (2010). Porém, na minha opinião nada chega perto da proporção e da perfeição que ele atingiu em "Clube da Luta". Fincher desenvolveu um trabalho colossal, apoteótico, como uma direção segura, enérgica, arrojada, onde incluiu um excelente trabalho de câmeras e inúmeros takes bem trabalhados. O diretor usou cerca de 1500 rolos de filme, mais de três vezes do que a quantidade normal utilizada em um filme de 120 minutos - ou seja, um verdadeiro perfeccionismo no maior estilo Stanley Kubrick. O roteirista Jim Uhls adapta perfeitamente a essência presente na obra de Chuck Palahniuk, pois o próprio autor afirmou que o filme é uma boa complementação ao seu livro. E realmente temos aqui um dos maiores e mais importantes roteiros da história do cinema.
Com relação ao elenco, temos aqui um verdadeiro trio de ouro!
Edward Norton (o eterno Incrível Hulk) vive, talvez, um dos seus melhores personagem da carreira. Norton se entregou de corpo e alma para o projeto, se destacando com sua excelente narração, que contou com uma incrível quebra da quarta parede, e por se submeter a perder cerca de 8 quilos para atuar no filme. Ele tinha ganhado muita massa corporal para interpretar um skinhead em seu filme anterior, "A Outra História Americana" (1998). Brad Pitt (que recentemente protagonizou o filme "Trem-Bala") é sem dúvida o melhor personagem do filme. Pitt estava em seu auge, em sua melhor forma, e aqui ele nos impacta com uma belíssima atuação. Pitt e Norton estavam em uma ótima sintonia, ambos se completavam perfeitamente em cena. Tanto que ambos estavam realmente alcoolizados na cena em que seus personagens aparecem bêbados rebatendo bolas de golfe. Helena Bonham Carter (a eterna Bellatrix Lestrange) é uma lady, uma dama, tem uma atuação requintada, peculiar, ao mesmo tempo enérgica e avassaladora. Bonham Carter faz o contraponto perfeito com Norton e Pitt, ela consegue alcançar uma química perfeita com ambos, sempre sendo a peça-chave na história e se destacando notavelmente. Pelo seu ótimo desempenho, Helena Bonham Carter venceu o Empire Award na categoria de Melhor Atriz Britânica, em 2000. Ainda tivemos a participação de Jared Leto (que no mesmo ano esteve em "Garota, Interrompida") como Angel Face, se destacando em uma cena um tanto quanto curiosa.
Tecnicamente o longa de David Fincher é perfeito!
Temos uma excelente trilha sonora bastante arrojada e compenetrada. A fotografia é um show à parte, principalmente durante às cenas de lutas, onde ela se destacava ainda mais em meio aquela violência sem nenhum pudor. Uma direção de arte muito bem organizada. Uma montagem perfeita. Uma edição muito limpa. Uns efeitos sonoros bem destacados. Tecnicamente "Clube da Luta" é uma obra-prima.
Como o ano de 1999 foi o ano responsável por um dos melhores Plot twists da história do cinema - obviamente estou me referindo a obra-prima "O Sexto Sentido" - "Clube da Luta" não fica atrás e também nos entrega um Plot inovador, intrigante, avassalador, daqueles que nos fazem pensar por semanas, daqueles que nos surpreende como um verdadeiro soco no estômago.
A grande reviravolta na trama acontece quando o Narrador (Edward Norton) quer dar um basta nas proporções que o clube tomou. Nesse momento, Tyler Durden (que até então era o Brad Pitt) desaparece e o Narrador descobre que ele e Tyler são a mesma pessoa, fruto do seu distúrbio de personalidade. Tyler, o duplo, criado pelo personagem de Norton é uma alucinação, pois, só existe enquanto produção imaginária do seu criador.
"Clube da Luta" foi um filme que ficou conhecido por algumas polêmicas e algumas curiosidades:
Como por exemplo a controvérsia à respeito do nome do Narrador (Norton). Muitos acreditam que ele se chama Jack por causa da frase "I am Jack's...", mas outros argumentam que "Jack" é apenas um apelido que ele escolheu usar após ler o nome em algum lugar. Curiosamente, na época do lançamento, um catálogo promocional foi entregue para a imprensa em que o personagem de Norton era chamado de Jack. Além disso, no roteiro original, Jim Uhls se refere a ele como Jack. Por outro lado, nas legendas originais do filme ele é chamado de Rupert.
"Clube da Luta" foi comparado com os filme "Juventude Transviada" (1955) e "A Primeira Noite de Um Homem" (1967), como um tema de conflito entre a Geração X (que é uma expressão que se refere, segundo alguns, aos indivíduos nascidos entre meados da década de 1960 e o início da década de 1980) e o sistema de valores da publicidade.
O longa de David Fincher ficou estigmatizado aqui no Brasil pelo "Massacre no Morumbi Shopping" em São Paulo, que ocorreu no dia 3 de novembro de 1999. Quando um psicopata efetuou vários disparos que matou 3 pessoas que estavam na sala durante a sessão e feriu outras 4. Naquela época houve uma grande polêmica em cima do filme, pelo fato da sua violência explícita, e a sua capacidade de despertar e incentivar o lado violento das pessoas.
"Clube da Luta" teve inúmeras críticas e recebeu reações polarizadas dos críticos. Além de não atender às expectativas do estúdio nas bilheterias. Foi classificado como um dos filmes mais controversos e discutido da década de 1990. O jornal The Guardian o classificou como um prenúncio de mudança da vida política americana, e descreveu o seu estilo visual como inovador. O filme tornou-se mais tarde um sucesso comercial com o lançamento do DVD, que o estabeleceu como um clássico Cult, e fazendo com que a mídia revisitasse o filme. Em 2009, no décimo aniversário do lançamento do filme, o The New York Times o consagrou de "filme Cult que define o nosso tempo". O longa-metragem é considerado amplamente como um dos maiores e mais influentes filmes de todos os tempos.
Entre várias polêmicas e críticas, o longa de David Fincher obteve apenas uma indicação no primeiro Oscar dos anos 2000 - Melhores Efeitos Sonoros.
Considerado como um verdadeiro clássico moderno desde sua publicação em 1996, "Clube da luta" consagrou Chuck Palahniuk como um dos mais importantes e criativos autores contemporâneos, além do próprio livro como um cânone da cultura Pop. Em 2013, o autor anunciou, durante a edição da ComicCon de São Diego, uma continuação de seu romance homônimo. A continuação foi lançada em maio de 2015, intitulada "Clube da Luta 2". Porém, até o momento, não há nenhum rumor sobre uma possível versão cinematográfica.
"Clube da Luta" continua sendo um filme extremamente popular, e muito por seus arquétipos niilistas, seu humor negro, sua abordagem sobre o alter ego, sobre a crise existencialista, sobre a autodestruição, que envolve uma sociedade consumista e uma masculinidade tóxica. Além, é claro, por provocar nos espectadores reflexões profundas acerca da nossa sociedade e a forma como vivemos.
"Clube da Luta" é um verdadeiro clássico do cinema moderno. Uma verdadeira aula cinematográfica. Um clássico Cult. Uma obra-prima icônica. Uma lenda da sétima arte. Uma obra que está entre os melhores filmes dos saudosos anos 90, e entre os melhores filmes de todos os tempos.
"Clube da Luta" foi lançado no Brasil dia 29/10/1999. Temos aqui um aniversário de 23 anos de lançamento.
[28/10/2022]
O Aviador
3.7 735 Assista AgoraO Aviador (The Aviator)
"O Aviador" foi lançado em 2004, dirigido por Martin Scorsese e escrito por John Logan. Baseado no livro de não-ficção de 1993 "Howard Hughes: The Secret Life" de Charles Higham, o filme retrata a vida de Howard Hughes. É estrelado por Leonardo DiCaprio como Howard Hughes, Cate Blanchett como Katharine Hepburn e Kate Beckinsale como Ava Gardner.
Muitas pessoas e críticos de cinema consideram Martin Scorsese como o "maior diretor de cinema do mundo ainda vivo". O diretor foi responsável por algumas das maiores obras do que hoje é conhecido como "cinema moderno". "Taxi Driver", "Touro Indomável", "Os Bons Companheiros", "Gangues de Nova York" e a linda homenagem à história dos primórdios da sétima arte, "A invenção de Hugo Cabret", figuram entre alguns dos filmes mais adorados e premiados pelo público e pela crítica. Eu sou um fã apaixonado pelas obras do mestre Scorsese.
Em "O Aviador" Scorsese nos traz uma biografia, uma releitura da vida de Howard Hughes. Howard foi um pioneiro da aviação, engenheiro aeronáutico, industrial, produtor de cinema e diretor cinematográfico norte-americano, além de um dos homens mais ricos do mundo. O filme retrata sua vida de 1927 a 1947, período que ficou famoso por se tornar um magnata da aviação, por quebrar o recorde mundial de velocidade em um avião, produzir o filme "Hell's Angels" e por se tornar dono de uma das maiores empresas aéreas norte-americana, a TWA (Trans World Airlines).
Howard Hughes era um ser humano ambicioso, perfeccionista, volúvel, um playboy excêntrico, uma figura megalomaníaca. Um jovem que se tornou milionário da noite para o dia, devido a uma herança deixada por seu pai, e utilizou o dinheiro para conciliar uma carreira de diretor de cinema e construir um verdadeiro império da aviação nos EUA, tudo sempre muito grandioso, muito estratosférico e, consequentemente, muito caro. Porém, ao mesmo tempo que Howard exibia todo o sucesso e fama, ele se tornava mais instável devido ao grave transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Que é caracterizado pela presença de obsessões, compulsões, ideias, pensamentos, imagens ou impulsos repetitivos e persistentes que são vivenciados como intrusivos e provocam ansiedade. Howard não tinha apenas preocupações excessivas em relação aos seus problemas cotidianos, ele desenvolveu uma doença, um transtorno, uma obsessão, um trauma.
O longa de Scorsese ainda nos elucida sobre a otosclerose. Howard havia herdado a surdez parcial que acontecia na família. A condição de otosclerose hereditária se tornaria progressivamente pior ao longo de sua vida, pois quando jovem, fez com que ele se tornasse isolado e introspectivo (exatamente como vemos na primeira cena do filme). "O Aviador" ainda funciona como um ótimo exemplo ilustrativo de como se manifestam os sintomas da neurose obsessiva, que era exatamente a compulsão desenvolvida por Howard para designar um distúrbio que produz sofrimento psíquico e que aponta para os impasses com o seu desejo inconsciente, compondo, juntamente com a histeria, as suas neuroses. Ao longo da trama constatamos desde o estilo excêntrico e megalômano de Howard, passando por sua dificuldade com decisões e dúvidas extremas, até a evolução de seus atos ritualísticos.
Leonardo DiCaprio no entrega aqui simplesmente uma das maiores atuações de toda a sua carreira. DiCaprio com certeza está entre os melhores atores da sua geração e de todos os tempos. Ao longo da sua carreira cinematográfica já tivemos várias atuações com um nível de excelência absurda, como o próprio longa do Scorsese - "O Lobo de Wall Street" (2013), onde pra mim o DiCaprio entrega a sua melhor atuação.
Em "O Aviador" DiCaprio tem um nível de entrega ao personagem altíssimo, desenvolve uma relação entre o personagem e o espectador completamente fantástica, pois sua interpretação condiz exatamente com uma personalidade ambiciosa, megalomaníaca, com um perfeccionismo completamente doentio e desfavorável à sua mente. Aqui o Scorsese usa o DiCaprio para nos trazer um estudo aprofundado sobre o perfeccionismo, que muita das vezes poder ser visto como algo bom, necessário para o ser humano em seu cotidiano, mas também pode acarretar consequências desfavoráveis, doentias, com manipulações perigosas e indesejáveis.
Ao longo dos anos, DiCaprio já poderia (e deveria) ter ganhado o Oscar em várias ocasiões, como por exemplo aqui e na obra-prima "O Lobo de Wall Street". Porém, esse Oscar veio tardiamente e pelo o conjunto da obra em "O Regresso" (2015), que de fato DiCaprio entrega mais uma belíssima atuação, mas inferior se comparada com suas performances anteriores. Por sua atuação magnífica em "O Aviador", DiCaprio ganhou o Globo de Ouro e foi indicado ao Oscar. Curioso que o Jim Carrey esteve cotado para interpretar Howard Hughes.
Cate Blanchett é uma atriz que está no hall das melhores atrizes de todos os tempos (incontestavelmente), aquela típica atriz que é completamente impossível achar um trabalho ruim ou mediano, e aqui ela simplesmente nos exibe uma das suas melhores atuações da carreira. Cate traz uma atuação segura, arrojada, compenetrada, rica em detalhes técnicos e expressivos, onde soube aproveitar muito bem o seu tempo de tela ao lado do DiCaprio, cuja harmonia e sintonia era sentida notavelmente. Perfeição é a palavra que define o trabalho entregue aqui por Cate Blanchett. E olha que inicialmente Nicole Kidman interpretaria a Katharine Hepburn, mas devido a conflitos de agenda com as filmagens de "Mulheres Perfeitas" (2004) teve que desistir do papel. De fato a Nicole Kidman é outra belíssima atriz, mas devo afirmar que a Katharine Hepburn nasceu para ser interpretada pela Cate Blanchett, com certeza ninguém faria melhor que ela. Naquele ano a Cate Blanchett ganhou o seu primeiro Oscar da carreira, além de também ter ganhado o BAFTA.
Kate Beckinsale é uma atriz talentosa, extremamente bela, onde ela também exibiu a sua personagem com muita grandeza e muita peculiaridade ao longo da trama. Gwyneth Paltrow chegou a assinar o contrato para interpretar Ava Gardner, mas desistiu do papel, o deixando nas mãos da competente Kate Beckinsale. Kate entrega uma performance elegante, eloquente, acertada, que também esteve com uma química perfeita ao contracenar com o Leonardo DiCaprio.
O longa ainda contou com a presença ilustre do mestre Willem Dafoe, se destacando notavelmente mesmo com o seu pouco tempo de tela. John C. Reilly muito bem interpretando o personagem Noah Dietrich. Alec Baldwin que também esteve muito bem como Juan Trippe. Além de ser o filme de estreia de Gwen Stefani, vocalista da banda americana No Doubt, como atriz.
Inicialmente seria Michael Mann o diretor de "O Aviador", mas como ele havia dirigido recentemente duas outras cinebiografias, "O Informante" (1999) e "Ali" (2001), decidiu ser apenas produtor do filme e ofereceu o projeto a Martin Scorsese. E devo dizer que esta foi uma decisão muito acertada, pois um projeto desse calibre nas mãos do mestre Scorsese, só poderia render uma obra com o nível que presenciamos. O roteiro de John Logan ("Gladiador" e "O Último Samurai") é outro ponto de destaque no longa, bem montado e bem construído. A trilha sonora de Howard Shore (simplesmente o compositor da obra-prima "O Silêncio dos Inocentes") é bela, é rica, é muito bem idealizada e se alterna com excelência ao longo de cada cena. A fotografia de Robert Richardson ("Ilha do Medo" e "A Invenção de Hugo Cabret") é magnífica, perfeita, se destacando com uma paleta de cores que nos remetia diretamente à obras do passado. A direção de arte é excelente, assim como a montagem, edição, som, figurinos, todos funcionando como um verdadeiro deleite para o espectador.
Apesar de todas às excelências destacadas, Scorsese peca no ritmo e na duração do longa-metragem. Eu vejo "O Aviador" dividido em duas partes: a primeira é composta pela apresentação dos personagens e principalmente do Howard Hughes, onde temos todo um trabalho feito em cima de cada cena com uma certa exigência de detalhes imposta pelo próprio Scorsese. O que definitivamente deixou essa parte cansativa, com um ritmo lento, morno, que nos exige mais concentração e mais paciência. Já a segunda, que é exatamente após o acidente quase fatal de Howard, é aonde o filme ganha um fôlego extremo, se destaca com bastante excelência, principalmente por impor um ritmo dinâmico, fluido, acertado. E muito por essa parte especificamente abordar o transtorno em seu estado mais aflorado, toda desconstrução e queda do Howard baseado em sua doença. E ainda temos aquela parte final que aborda a sessão do julgamento, que é simplesmente uma das melhores cenas de todo o filme.
"O Aviador" arrecadou US $ 214 milhões com um orçamento de US $ 110 milhões. Na temporada de premiações em 2005, o longa foi indicado a onze Oscars, incluindo Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Original, Melhor Som, Melhor Ator para DiCaprio e Melhor Ator Coadjuvante para Alda, ganhando cinco: Melhor Fotografia, Melhor Edição, Melhor Figurino, Melhor Direção de Arte e Melhor Atriz Coadjuvante para Blanchett. No BAFTA, foi indicado a quatorze prêmios, ganhando quatro: Melhor Filme, Melhor Atriz Coadjuvante para Blanchett, Melhor Design de Produção e Melhor Maquiagem e Cabelo. No Globo de Ouro, foi indicado a seis prêmios, ganhando três: Melhor Filme - Drama, Melhor Ator - Filme Dramático para DiCaprio e Melhor Trilha Sonora Original para Howard Shore. Além disso, DiCaprio foi indicado para Melhor Ator Masculino em um Papel Principal e Blanchett ganhou Melhor Ator Feminino em um Papel Coadjuvante no Screen Actors Guild Awards. O longa ainda faturou o MTV Movie Awards de Melhor Ator (DiCaprio), além de ter sido indicado na categoria de Melhor Cena de Ação.
O mestre Scorsese nos brinda com mais uma de suas pérolas cinematográficas, mais um trabalho extremamente importante dentro da sua consagrada e premiada filmografia. "O Aviador" é uma obra seca, crua, tensa, verdadeira, que nos exibe em forma de biografia um profundo estudo da psicanálise, das doenças mentais e suas consequências, das camadas de um ser humano em seu estado obsessivo, compulsivo, degradante e decadente. Um verdadeiro show, um verdadeiro espetáculo dessa dupla que já é considerada histórica para a sétima arte - Martin Scorsese e Leonardo DiCaprio.
[22/10/2022]
Doutor Sono
3.7 1,0K Assista AgoraTEM SPOILERS!
Doutor Sono (Doctor Sleep)
"Doutor Sono" foi lançado em 2019, escrito e dirigido por Mike Flanagan. É baseado no romance homônimo de mesmo nome de Stephen King de 2013, é uma sequência do romance de 1977 de King, "O Iluminado", e é uma sequência de "O Iluminado" (1980), de Stanley Kubrick. Situado várias décadas após os eventos de "O Iluminado", "Doutor Sono" é estrelado por Ewan McGregor como Danny Torrance, que na infância conseguiu sobreviver a uma tentativa de homicídio por parte do pai, um escritor perturbado por espíritos malignos do Hotel Overlook. Danny cresceu e agora trava uma luta contra o alcoolismo. Um homem com habilidades psíquicas que luta com traumas de sua infância.
Devo começar mencionando que li o livro de Stephen King - "Doutor Sono". O livro em si é bom, tem uma história relativamente boa, tem personagens cativantes e funcionais com a história. Porém, tem certas partes que a leitura soa um tanto quanto confusa, tem certas partes que a história se perde um pouco e se embaralha na cabeça do leitor. A própria apresentação e desenvolvimento do grupo "O Verdadeiro Nó" é um tanto quanto confusa, melhorando bastante nos últimos 5 capítulos do livro.
"O Iluminado" de Stanley Kubrick é simplesmente um dos maiores filmes de suspense/terror já feito na história do cinema. Assim como o próprio livro de Stephen King, que pra mim entra na lista das suas melhores obras literárias da carreira. Então, como seria a vida e a cabeça de Mike Flanagan ao aceitar o maior desafio da sua carreira cinematográfica, que era justamente dirigir e roteirizar a continuação de uma das maiores obras de todos os tempos, tanto pelos olhares de Kubrick quanto pelos olhares de King. Mike Flanagan tem uma certa experiência dentro do gênero de suspense e terror, já dirigiu e roteirizou algumas obras que tratava exatamente dessa temática, como "O Espelho" (2013), "O Sono da Morte" (2016) e "A Maldição da Residência Hill" (2018). Portanto, devo dizer que Flanagan fez um trabalho muito competente, jogou na segurança, ao entregar uma obra fiel ao livro de King e homenageando o icônico filme de Kubrick.
Devo dizer que em nenhum momento o filme de Flanagan faz uma disputa com o filme de Kubrick, pra vê quem é melhor ou quem chega aos pés de quem. Muito pelo contrário, a obra de Flanagan (assim como o livro de King) exerce o seu universo, funciona como uma continuação direta (30 anos após os eventos em Overlook), conta a sua história. De fato tanto o livro do King quanto o filme do Kubrick tem mais suspense e terror, aborda mais esse lado do suspense psicológico, do terror sobrenatural, do mistério e da psicopatia. Já o livro "Doutor Sono" sai um pouco dessa temática, aborda outras histórias, outros acontecimentos, outras nuances, principalmente sobre a vida adulta do Danny Torrance. Danny é um adulto traumatizado e alcoólatra que vive de cidade em cidade, até que se estabelece em uma onde consegue um emprego no hospital. Porém, ele começa a ter contatos e cria um vínculo telepático com Abra Stone (Kyliegh Curran), uma garota com um dom espetacular, a iluminação mais forte que já se viu. Ela desperta os demônios de seu passado, e Danny se vê envolvido em uma batalha pela alma e pela sobrevivência dela. Sendo assim, consequentemente o filme "Doutor Sono" vai navegar dentro desse contexto, dentro desse universo, obviamente sendo menos terror e menos suspense (somente na parte final que o filme mergulha mais nesse gênero).
"Doutor Sono" já começa na nostalgia ao iniciar com a mesma música de "O Iluminado". Temos um começo que retrata muito bem o filme icônico de Kubrick, iniciando com Danny andando em seu triciclo pelos corredores do Overlook e se deparando com o quarto 237 e com a banheira. Achei muito interessante o Danny Torrance de Roger Dale Floyd (Stranger Things) e a Wendy Torrance de Alex Essoe (House of Lies). Tanto o Danny quanto a Wendy me lembrou bastante as versões icônicas e lendárias de Danny Lloyd e Shelley Duvall - achei muito bom mesmo. Inicialmente o longa ainda nos exibe uma certa ligação entre Rose, a Cartola (Rebecca Ferguson) e os membros do Verdadeiro Nó, com o Hotel Overlook e a família Torrance. Era como se na mesma época em que Jack, Wendy e Danny estavam no Hotel, Rose e seu grupo já existiam e já estavam ao seu redor.
Quando eu disse que Mike Flanagan jogou na segurança, eu estava me referindo exatamente ao roteiro de "Doutor Sono", que segue com uma adaptação completamente fiel ao livro de King. Devo afirmar que aqui temos umas das adaptações mais fiéis em relação à uma obra literária. Na verdade Flanagan decidiu seguir em duas vertentes, uma seguindo fielmente a obra de Stephen King e a outra usando a parte final para prestar uma verdadeira homenagem a obra de Stanley Kubrick. Era como se ele quisesse agradar à todos os lados, tanto os leitores do livro, quanto o próprio King e os fãs mais saudosos e nostálgicos da obra de Kubrick. E devo afirmar que Mike Flanagan conseguiu executar muito bem esse desafio!
Mike Flanagan adapta muito bem a obra de Stephen King, pois praticamente todas as cenas do livro estão no filme (tirando somente a parte final no Hotel). Inicialmente temos a cena com Danny conversando no banco de frente pro mar com Dick Hallorann (Carl Lumbly), quando ele o ensina a aprisionar todos os seus medos e monstros em uma espécie de cofre em sua mente. É uma cena que começa exatamente como no livro, ainda no passado com Danny ainda uma criança. Esta parte já concerta um pouco o final do filme "O Iluminado" pela visão e opinião de Stephen King, pois no longa de Kubrick Hallorann foi morto por Jack dentro do Overlook. Sendo assim, se Flanagan decidisse seguir nos moldes do filme do Kubrick esta cena jamais existiria. A cena das colheres no teto com Abra com apenas 5 anos. Rose recrutando a Andi Cascavel (Emily Alyn Lind). Quando o Nó rapta o garoto do Beisebol e retiram todo o seu vapor. A primeira vez que Rose tem contato com Abra e tenta entrar em sua mente, Abra simplesmente a expulsa de sua mente com muita violência. Tudo acontece no supermercado, exatamente como no livro. A cena que Rose vai até o quarto de Abra e ela a ataca dilacerando sua mão na gaveta, e a expulsando de volta até o grupo do Nó. É uma parte que não existe no livro, foi uma criação do roteirista, mas ficou uma cena muito boa, encaixou perfeitamente na história.
Mesmo com o claro desejo de Mike Flanagan em seguir uma linha que não desapontasse o King, como aconteceu na época de "O Iluminado". Porém, ele mudou alguns pontos da história: quando o Corvo (Zahn McClarnon) vai até a casa da Abra e mata o pai dela com uma facada no peito e a leva embora com ele - no livro não é assim que acontece, primeiro porque o pai da Abra não morre e segundo porque na verdade o Corvo também é morto no ataque da floresta junto com os outros do grupo do Nó. No filme o Corvo é morto ao tentar levar Abra até Rose, ela o faz bater o carro em uma árvore. Quando Andi Cascavel está morrendo ela entra na mente de Billy Freeman (Cliff Curtis) o fazendo se suicidar com um tiro no queixo, isso também não acontece, no livro o Billy não morre. Ou seja, duas mortes que acontecem no filme e que não acontecem no livro.
Já na parte final, onde claramente Mike Flanagan deixa de lado a adaptação da obra de Stephen King para nos levar de volta até a obra de Stanley Kubrick, temos a parte do Hotel Overlook. Devo lembrar que está parte não existe no livro. No livro a luta final contra Rose, a Cartola acontece no mirante do 'Teto do Mundo', o local onde ficava o Overlook antes da explosão da caldeira. Já no filme Flanagan nos leva novamente para dentro do lendário Hotel, onde a luta final contra Rose acontece. Eu achei uma ideia muito boa, pois como o próprio Danny disse para Abra, o Hotel tinha um forte poder sobre as pessoas que o adentrava, então poderia ser perigoso contra eles dois, mas também poderia ser perigoso contra Rose. É nessa hora que temos uma verdadeira viagem no tempo de volta aos corredores do icônico Overlook.
Danny adentra ao Hotel ainda intacto, ainda da forma que ele deixou quando fugiu com sua mãe na infância, sendo que até a porta do banheiro ainda permanece com a parte quebrada com o machado pelo seu pai (JackTorrance). É nessa hora que o diretor presta uma verdadeira homenagem ao filme do Kubrick, ao colocar o rosto de Danny no mesmo local onde Jack havia colocado o seu rosto e proferido a icônica frase - "Heeeere's Johnny!". E ainda tem um flashback dessa cena - sensacional e memorável! Juro que nessa hora eu queria que o saudoso Stanley Kubrick ainda estivesse vivo, só pra saber qual seria a sua opinião em relação ao filme e especificamente esta cena. Temos uma espécie de remake do filme do Kubrick daquela cena icônica em que Jack Torrance bebe no bar do Hotel sendo servido pelo fantasma do Lloyd. Aqui é Danny que está sentado no lugar do pai e sendo servido pelo próprio pai, onde temos uma incrível cena de diálogos, onde Jack tenta obrigar o filho a beber novamente - mais uma cena fantástica.
Nessa hora Flanagan despeja uma cena icônica atrás da outra: às cenas dentro do Overlook, com Danny empunhando um machado igual seu pai. Rose perseguindo Abra no Labirinto de neve, igual Jack fez com Danny. A cena que Danny corre atrás da Abra pelos corredores do Hotel gritando o seu nome e com o machado na mão, como aconteceu no filme do Kubrick com Jack com o machado gritando o nome do Danny. E o que aconteceu no final do livro "O Iluminado", com a caldeira do Hotel explodindo e matando Jack Torrance (e que não acontece no final do filme do Kubrick), aconteceu aqui e matando o Danny (antes, ele teve uma visão de sua versão criança abraçando Wendy). Nos momentos finais do filme, Abra é vista conversando com o fantasma de Dan e ele diz que agora, está em paz. No entanto, a garota começou a ser atormentada pelo fantasma da mulher do quarto 237 do Hotel Overlook, exatamente como acontecia com Danny quando era criança. Era como se Abra Stone de fato estivesse revivendo os passos de Danny Torrance.
Mesmo com toda adaptação fiel e toda liberdade criativa ao final, Flanagan deixou a desejar em alguns pontos. Faltou retratar mais o poder e a capacidade de Abra. No livro ela é muito mais poderosa, mais forte, mais ameaçadora, até para a própria Rose. A mãe de Abra, Lucy Stone (Jocelin Donahue), também ficou muito escanteada no filme, no livro ela é mais importante e tem muito mais relevância dentro da história. Ficou devendo uma abordagem maior aos integrantes do Verdadeiro Nó, como a própria Andi Cascavel e o Corvo. Fora outros personagens muito importantes na história do livro que sequer apareceram no filme, como a personagem Sarey Shhh, que no livro é peça-chave na parte final do embate, ajudando diretamente Rose, a Cartola. Temos também a parte do Dr. John Dalton (Bruce Greenwood), o líder do grupo AA de Danny e seu chefe no hospício. Ele aparece no início, quando Danny lhe fala sobre seu relógio perdido, sendo que depois ele é simplesmente abandonado pelo roteiro, e olha que no livro ele é uma figura muito importante para Abra e para os pais dela entenderem melhor todo o seu processo de iluminação. Pontos negativos do roteiro.
Ewan McGregor (Star Wars: A Ascensão Skywalker) traz a personificação do Danny Torrance adulto, agora conhecido somente por Dan. Uma escolha muito acertada, pois McGregor é um ótimo ator e esteve muito bem em todas as cenas, representou muito bem o Dan do livro. Kyliegh Curran (Segredos Em Sulphur Springs) dá vida a Abra Stone, que no filme é negra mas no livro Dan a descreve como: "tinha pernas longas para a sua idade (12 anos) e tinha mechas de cabelos louros cacheados. Ela era bonita mas não linda e tinha belos olhos azuis." Kyliegh faz muito bem o seu papel de protagonista, acerta em praticamente todas as cenas, está em uma boa sintonia com Ewan McGregor. Só acho que ela poderia ter sido um pouco mais ambiciosa nas cenas finais, poderia ter sido um pouco mais incisiva no embate final contra Rose. Rebecca Ferguson (Duna) pra mim é dona da melhor atuação do filme, ela é de longe a que mais representa a Rose, a Cartola do livro. Com toda certeza Rebecca deve ter estudado profundamente a personagem, pois ela traz a personificação mais fiel, se destacando como fria, perversa, maldosa, ambiciosa, prepotente, exatamente com a Rose do livro. Este é o típico filme que podemos dizer que temos 3 protagonistas na história - Danny Torrance, Abra Stone e Rose, a Cartola - mesmo que uma seja a vilã.
Ainda tivemos a presença ilustre de Danny Lloyd, o Danny Torrance na versão da obra de Kubrick. Ele tem uma breve aparição no jogo de Beisebol.
Mike Flanagan ainda ganhou a aprovação do mestre Stephen King por tentar "reparar" as falhas que Stanley Kubrick havia cometido. King sempre reclamou abertamente sobre sua antipatia ao modo como Kubrick adaptou seu icônico romance de terror, "O Iluminado". O próprio King admitiu que o livro havia sido inspirado na própria batalha dele contra o vício, ou seja, era extremamente importante que Jack capturasse a simpatia do público. No entanto, Kubrick transformou Jack em um monstro, onde o filme é radicalmente diferente do livro em alguns aspectos. Felizmente, Flanagan superou as disparidades entre o livro de King e o filme de Kubrick ao adotar elementos presentes no final de "O Iluminado" para abordar as nuances da dependência química. Em "Doutor Sono", Danny luta contra o alcoolismo, assim como seu pai, mas consegue mudar sua vida para melhor. No discurso que ele dá para celebrar oito anos de sobriedade, Danny fala sobre o vício de seu pai, mas também relembra os momentos genuínos de amor e compaixão que ele experimentou, mostrando ao público que Jack nem sempre era um monstro (diferente da forma como Kubrick o retratou, ao evidenciar para o público que Jack era realmente um monstro).
Stephen King ainda deu a sua opinião na obra de Mike Flanagan. O autor influenciou o cineasta a mudar uma cena que estaria "muito brutal". Flanagan explicou que na cena em que o personagem de Bradley Trevor, interpretado por Jacob Tremblay (O Quarto de Jack), é assassinado pelo Verdadeiro Nó ficou extremamente violenta, a ponto de incomodar King.
"Doutor Sono" foi muito bem elogiado pelo roteiro de Flanagan, pela adaptação da obra de Stephen King e as atuações do elenco (especialmente os três protagonistas), mas recebeu fortes críticas em relação a duração do filme (e olha que a versão estendida ainda tem mais 30 min). O longa arrecadou US $ 72,3 milhões em todo o mundo, seu desempenho nas bilheterias foi considerado uma decepção em comparação com as outras adaptações de King lançadas em 2019, como "It – Capítulo Dois" e "Cemitério Maldito".
No mais, "Doutor Sono" é um filme muito bom, funciona muito bem como uma sequência de "O Iluminado". Na verdade o longa funciona tanto como continuação da história original, quanto como um filme isolado, com um universo próprio e personagens que envolvem o espectador através de uma nova história e nova revelações. Mesmo que o filme não nos envolva com o mesmo suspense e o mesmo terror de "O Iluminado", mas ainda assim podemos considerá-lo como uma obra que está inserida diretamente na fantasia, no mistério, no suspense psicológico e no terror sobrenatural.
Mike Flanagan consegue entregar uma ótima adaptação para agradar Stephen King e ainda consegue fazer uma bela homenagem para a obra icônica de Stanley Kubrick.
[16/10/200]
O Farol
3.8 1,6K Assista AgoraO Farol (The Lighthouse)
"O Farol" foi lançado em 2019, dirigido e produzido por Robert Eggers, a partir de um roteiro que ele co-escreveu com seu irmão Max Eggers. O longa-Metragem é uma produção da A24 Films, sendo diretamente influenciado pelo terror cósmico do escritor americano H.P. Lovecraft, autor que chocou o mundo com suas obras literárias nefastas, repletas de criaturas marítimas, espaciais e demoníacas. "O Farol" surgiu pela primeira vez da releitura de Max Eggers do conto inacabado de Edgar Allan Poe com o mesmo nome. Robert Eggers ajudou no desenvolvimento quando Max não conseguiu completar a adaptação de "The Light-House", originando o enredo de um mito do século XIX de um assassinato em um farol galês. "O Farol" se baseia visualmente na fotografia da Nova Inglaterra da década de 1890, no cinema francês com tema marítimo da década de 1930 e na arte simbolista.
O longa é estrelado por Willem Dafoe e Robert Pattinson como wickies do século XIX (faróis) envolvidos em turbulência psicológica depois de serem abandonados em um remoto posto avançado da Nova Inglaterra por uma tempestade destrutiva.
Robert Eggers hoje é um dos principais nomes dentro da indústria hollywoodiana, é uma das grandes revelações do cinema de horror nos últimos anos. É considerado como um diretor muito promissor e com bastante potencial, e que já demonstrou todo o seu talento em seus três ótimos filmes. Em seu primeiro longa - "A Bruxa" - ele impactou à todos com uma obra imersa no terror psicológico, uma fábula imaginária, mística, sombria, que desafiava a sanidade de todos. Já este ano ele nos trouxe o seu terceiro filme - "O Homem do Norte" - um longa que desafiou Eggers a sair da sua zona de conforto (o suspense e o terror) e trilhar os caminhos de um épico viking.
"O Farol" é um filme diferente de tudo que eu já assisti. Uma obra que desafiou a categorização nas mídias digitais, muito pela sua variação entre um filme de terror, um thriller psicológico, um filme de sobrevivência e um estudo de personagem. Na verdade estamos diante de uma obra que nos traz um estudo aprofundado sobre psicologia, psicanálise, nos confrontando com as mais variadas camadas do ser humano. O longa está imerso no drama, na fantasia, no suspense, no terror, sempre buscando o imaginário, o mistério, o místico, o lúdico, nos entregando uma obra que fala diretamente sobre o isolamento, sobre a descaracterização do ser humano, sobre a destrutividade da solidão. "O Farol" também traz uma abordagem sobre a solidão em seu aspecto mais destrutivo, pois estar sozinho na história representa o distanciamento de si mesmo, e portanto, a ascensão de um estado psicótico e puramente instintivo - exatamente como observamos nos personagens com o passar do tempo.
O longa de Robert Eggers faz uma verdadeira homenagem ao cinema antigo, das décadas de 40 e 50, principalmente por ser em uma película em preto e branco e ter sido filmado com uma proporção quase quadrada com um formato 1.19:1. Ou seja, técnicas fora do comum e que hoje em dia estão praticamente extintas. A filmagem em preto e branco funciona como uma obra estilizada, arcaica, que faz uma referência ao terror de contos antigos sobre embarcações, marinheiros, criaturas marítimas, além de nos explicitar sobre a perda de sanidade em locais isolados e inóspitos como uma ilha deserta ou até mesmo um farol. Já esse formato mais próximo de um quadrado (como as antigas TV’s de tubo) nos imerge diretamente ao enclausuramento, ao isolamento, a sensação de claustrofobia, que acredito ter sido uma clara decisão do Eggers. Também podemos considerar que este formato de filmagem pode agregar ainda mais na situação desconfortável, limitada, sufocante, na exigência da aproximação dos personagens com a câmera para nos evidenciar sobre suas histórias - decisão incrível e completamente acertada do diretor.
Sobre a filmagem em preto e branco e um formato de tela um tanto quando inusitado e ousado, eu posso afirmar que Robert Eggers faz um trabalho de direção incrível e impecável. Eggers consegue tirar o melhor de cada personagem com seus takes em locais apertados, sufocantes, onde sua câmera sempre buscava o foco no rosto de cada um. A fotografia por sua vez é magnífica, delicada, ao mesmo tempo é tensa, pesada, incômoda, principalmente por se tratar de uma fotografia em preto e branco, onde realça ainda mais a qualidade de cada cena. A trilha sonora é sufocante, inquietante, horripilante, onde tínhamos aquela sirene estridente do farol, que nos sufocava e nos incomodava ainda mais. O longa tem uma bela direção de arte, pois tudo que estava em cena condizia perfeitamente para a montagem e a estruturação dos cenários. Além de contar com uma bela montagem e uma ótima edição, onde tínhamos cenas quase que em sequências e quase sem cortes. A ambientação também se destaca notavelmente, principalmente por ser fiel com o lugar, a época, o contexto onde a história se passa. A ambientação do longa contextualiza muito bem as cenas com a relação entre as personagens e o cenário - como podemos observar na primeira cena do filme.
"O Farol" é uma obra complexa, intrigante, desconcertante, ambígua, que exige diferentes interpretações, com diferentes menções, alusões e alegorias.
Podemos associar que a obra está inserida em simbologias e referências mitológicas, como a própria mitologia grega - pois nela o jovem Thomas Howard/Ephraim Winslow (Robert Pattinson) é a personificação de Prometeu, que no mito foi um titã que roubou o fogo dos deuses para dividir com a humanidade - como vimos na cena em que o Thomas Wake (Willem Dafoe) faz uma alusão personificando uma figura egocêntrica. Também temos a cena quando Thomas amaldiçoa Winslow por ofendê-lo, e ele invoca os sete mares e até Poseidon.
Temos outra cena onde aparece Thomas com tentáculos, algas marinhas espalhadas pelo corpo, e até um chifre de coral saindo de sua testa. Para muitos, o personagem está caracterizado como Proteu, filho de Poseidon. Na mitologia, um dos principais traços da entidade é a violência e a imprevisibilidade - algo que foi muito bem destacado no personagem durante a trama. Sendo assim podemos dizer que "O Farol" faz uma alegoria à perda do controle e a degradação do ser humano através da mitologia grega.
Também podemos fazer uma alusão ao que significa o símbolo do farol para a história: como algo que lida de uma maneira muito forte com a masculinidade velada, o machismo em um alto nível, principalmente com o comportamento masculino, seja ele afetivo ou sexual. Exatamente como vimos ao longo da trama entre os dois personagens, que ora pareciam amigos ora pareciam inimigos. Tinham partes que eles pareciam despertar um interesse mútuo, onde tem uma cena que os dois estão embriagados e seus rostos se aproximam quase que se tocando em um improvável beijo.
Também podemos associar o farol com uma fonte de vida daquela ilha, onde o próprio Thomas Wake o protege para manter o equilíbrio das criaturas. Talvez isso explique o motivo de Winslow sempre estar proibido de se aproximar do local.
Também é possível associar aquele farol como um estudo da psicanálise, onde o próprio pode representar como estado de consciência absoluta. Acredito que Thomas e Winslow sejam a mesma pessoa, até por isso aquele farol pode significar a quebra das ilusões para ambos. Também acredito que até por isso quando Winslow consegue finalmente acessar o farol ele é morto por sua luz intensa. O estado mental que o local oferece é mais do que ele poderia suportar, pois ele já está entregue a uma profunda perda de si.
Duas curiosidades bastante interessantes que o próprio diretor Robert Eggers confirmou:
A cena que o Thomas Howard acaba matando o Thomas Wake com o machado é inspirado na obra-prima do Stanley Kubrick, "O Iluminado". Assim como a última cena do filme, aquela cena bizarra das gaivotas bicando os restos mortais do cadáver, também é uma homenagem ao filme "Os Pássaros", do mestre Alfred Hitchcock.
Willem Dafoe e Robert Pattinson é o coração da obra de Robert Eggers!
Ouso afirmar que aqui temos a melhor atuação de toda a carreira do Robert Pattinson. Pattinson se destaca ao incorporar um personagem inexperiente ao início, mas com o passar do tempo ele vai criando uma casca, uma ambição, uma projeção muito grande, sempre almejando ir mais além em busca do que estar por trás daquele farol e principalmente do Thomas Wake. Pattinson está em uma perfeita química, uma perfeita sintonia com Dafoe, algo que engrandeceu ainda mais a sua atuação. Robert Pattinson é um belíssimo ator e não é de hoje que ele vem demonstrando todo o seu talento na arte de atuar, como constatamos recentemente com seu excelente Batman.
Willem Dafoe é, provavelmente, um dos maiores atores da sua geração, e um dos maiores da história do cinema. É completamente incrível o poder de atuação de Dafoe, pois tudo que ele faz fica perfeito, com uma atuação perfeita, com uma interpretação perfeita. Aqui Dafoe dá mais um show, mais uma aula de interpretação cinematográfica, seu personagem é o ponto alto de toda história. Dafoe dá vida ao velho Thomas Wake, um homem já muito cansado, muito estagnado da vida, que está se definhando por tudo que a vida lhe impôs ao longo dos anos solitários naquele farol. Dafoe nos impõe uma personalidade fria, sombria, misteriosa, ao mesmo tempo que nos impressiona com uma postura enérgica, rústica, aguerrida, principalmente entre os diálogos e as discursões com Winslow. Por falar em diálogos, este é um dos pontos alto da atuação de Dafoe - sua forma de conversar, de discutir, de resmungar, sempre carregado com um sotaque britânico pesado. Temos cenas entre Dafoe e Pattinson que soava com um mestre e seu aluno, por outro lado também soava como uma verdadeira disputa pelo poder - atuação completamente absurda do sempre impecável Willem Dafoe.
Verdadeiramente uma disputa entre o novo Batman e o Duende Verde!
"O Farol" arrecadou mais de US $ 18 milhões contra um orçamento de US $ 11 milhões. O filme foi indicado para Melhor Fotografia no 92º Oscar e 73º British Academy Film Awards, além de inúmeras indicações e vitórias em outras cerimônias de premiação. Muitos dizem que é um dos melhores filmes de 2019 e um dos melhores da década.
É completamente incrível como Robert Eggers criou um longa que nos confronta com loucura, insanidade, demência, paranoia, ainda sendo muito bem contextualizado com ótimos diálogos, monólogos e um vocabulário antiquado entre a figura dos dois personagens. Uma obra visceral, grandiosa, enérgica, que nos explicita sobre uma monstruosidade real ou imaginária, pois de fato jamais saberemos se as visões de Thomas e Winslow são alucinações. Porém, posso afirmar que o isolamento e a solidão intensifica o surgimento de conflitos e a ruptura com a realidade.
O longa de Robert Eggers é difícil, é complexo, é intrigante, requer muita atenção e muita interpretação. Mas sem dúvida este é o maior acerto de Eggers - a sua ambiguidade, ousadia e ambição. De fato esta é uma obra que precisa ser assistida mais de uma vez, para ser melhor analisada e interpretada. Pois independente das suas conclusões, não há uma explicação definitiva para o filme, o que deixa "O Farol" como uma obra completamente ressignificada.
[14/10/2022]
O Sexto Sentido
4.2 2,4K Assista AgoraO Sexto Sentido (The Sixth Sense)
"O Sexto Sentido" foi lançado em 1999, escrito e dirigido por M. Night Shyamalan.
Um garoto vê o espírito de pessoas mortas à sua volta. Um dia, ele conta o segredo ao psicólogo Malcolm Crowe (Bruce Willis), que tenta ajudá-lo a descobrir o que está por trás dos distúrbios. A pesquisa de Malcolm sobre os poderes do garoto causa consequências inesperadas para ambos.
O ano de 1999 foi marcado pelo lançamento de algumas pérolas da sétima arte como: "Matrix", "Clube da Luta", "À Espera de um Milagre" e "Beleza Americana". Também ficou marcado por algumas produções de terror que impactou o espectador, produções essas como o clássico "A Bruxa de Blair", que se destacou como um fenômeno de bilheterias naquela época. Nesse mesmo ano surge "O Sexto Sentido", sendo o filme responsável por estabelecer M. Night Shyamalan como roteirista e diretor, e introduzir o seu trabalho ao grande público do cinema. Shyamalan até então era um diretor desconhecido e foi exatamente aqui que ele alavancou a sua carreira dentro do cenário hollywoodiano. Quando "O Sexto Sentido" foi lançado muitos colocaram o Shyamalan como o novo Hitchcock, muitos o compararam com o mestre do suspense, principalmente pela sua afinidade para o final surpreendente - realmente ele foi um verdadeiro fenômeno.
"O Sexto Sentido" é uma verdadeira obra-prima do horror psicológico, do terror sobrenatural, do mistério e do suspense. Um drama envolto em uma atmosfera sombria, espantosa, inquietante, intrigante, complexa, que tem o dom e o poder de mexer com o nosso imaginário e despertar a nossa curiosidade. O longa trouxe ao cinema uma inovação na forma de mesclar suspense e drama, com uma história totalmente incomum em ambos os gêneros, pois aqui temos o caso do psicólogo infantil que abraça com dedicação o caso do garoto de 8 anos. Cole (Haley Joel Osment) tem dificuldades de entrosamento no colégio, sofre bullying por ser considerado como um anormal e vive paralisado pelo medo que o persegue incessantemente. Malcolm, por sua vez, busca se recuperar de um trauma sofrido anos antes, quando um de seus pacientes se suicidou na sua frente.
Este é o ponto-chave desse brilhante roteiro, a forma como ele nos conduz em diferentes vertentes até o resultado final de toda história. Shyamalan cria uma atmosfera de suspense funcional durante toda história e, o mais importante, sabe desenvolver muito bem os seus personagens, pois cada um tem um sofrimento diferente, que é explorado e que ajuda a trama a fluir. O pequeno Cole sofre de alucinações visuais, paranoia e algum tipo de esquizofrenia infantil. Malcolm sofre com seus traumas do passado e com o fato de se dedicar a ajudar o pequeno Cole enquanto observa o seu casamento ruir. A mãe (Lynn, interpretada por Toni Collette) é uma mulher forte, batalhadora, mas não sabe como ajudar seu filho, o que a deixa profundamente frustrada.
'Sexto sentido' pode referir-se a percepção extrassensorial - chamada popularmente de intuição, conhecimento hipotético ou teórico alicerçado no pressentimento - exatamente a forma comportamental do pequeno Cole.
E agora eu preciso destacar uma das cenas mais icônicas da história do cinema, que é a cena do Cole contando para o Malcolm sobre o seu segredo:
- Eu vejo gente morta.
- Com que frequência você as vê?
- O tempo todo.
Temos aqui uma cena apoteótica, emblemática, épica, clássica, marcante. "I See Dead People" virou um marco no cinema, na cultura Pop, na década, no milênio, uma frase imortalizada e eternizada nos mesmos padrões da mundialmente famosa "Hasta la vista, baby". Esta cena é tão icônica em "O Sexto Sentido" quanto a cena lendária do chuveiro em "Psicose".
Agora preciso mencionar o melhor Plot twist da década de 1990 e um dos melhores de todos os tempos!
"O Sexto Sentido" ficou marcado pela forma visionária como o Shyamalan idealizou a reviravolta da sua história, a forma como ele trabalhou cada detalhe muito bem amarrado ao final da trama. Realmente o final do longa-metragem deixou a audiência espantada e completamente boquiaberta, fato que ajudou na ótima bilheteria da produção. Muitas pessoas voltavam aos cinemas para assisti-lo novamente na tentativa de confirmar o que haviam visto. E essa era exatamente uma das preocupações do próprio Shyamalan, o fato do público não ser enganado, ou seja, os que assistem pela segunda vez poderiam tirar a prova real de que tudo o que foi apresentado estava na frente dos seus olhos o tempo todo - sensacional!
O Plot twist de "O Sexto Sentido" foi tão criativo, tão perspicaz, tão inovador, tão original, ao ponto de até hoje ser comparado com um dos melhores Plots da história, simplesmente a obra-prima do mestre Hitchcock - "Psicose". O Plot de "O Sexto Sentido" é tão marcante para o cinema, tão influente, ao ponto de ter inspirado várias outras obras ao longo dos anos - como o clássico "Os Outros" (2001). Além de ter ficado marcado como um dos Plots mais copiados da história do cinema, pois até hoje tem vários filmes que tentam copiar o Plot de "O Sexto Sentido" mas falham miseravelmente.
E vamos para ele...
Malcolm esteve morto o filme inteiro, ele morreu na primeira cena em que Vincent Gray (Donnie Wahlberg, irmão do Mark Wahlberg) atirou nele, e apenas Cole podia vê-lo ou ouvi-lo. Malcolm relembra tudo o que Cole lhe disse sobre pessoas mortas e Shyamalan habilmente conecta tudo e tudo começa a fazer sentido - maravilhoso!
Shyamalan apostou no Bruce Willis, pois na época ele estava fazendo filmes que não estavam chamando a atenção da audiência. Por outro lado o Bruce Willis também apostou no Shyamalan, ao encabeçar o filme de um diretor até então desconhecido. Porém, devo afirmar que aqui temos uma das melhores atuações da magnífica carreira do Bruce Willis. Realmente foi uma grande pena quando ele anunciou afastamento da carreira por questões de saúde. Haley Joel Osment virou um verdadeiro ícone ao dar vida ao pequeno Cole. Haley já havia ganhado um prêmio por sua interpretação do filho de Tom Hanks em "Forrest Gump" (1994), mas sua consagração veio com este thriller sobrenatural e sua poderosa interpretação, que lhe permitiu obter inúmeros prêmios, além de citações no Oscar, no Globo de Ouro e no Screen Actors Guild Award. Realmente Haley Joel Osment teve uma atuação esplendorosa naquela cena icônica, conseguindo nos deixar assustados e incomodados somente pela suas expressões enquanto dialogava com o Bruce Willis. Haley foi impedido por sua mãe de assistir ao filme por um motivo simples, a censura era 14 anos. Poderia ser que as cenas impressionassem o garoto, que na época tinha 11 anos de idade, por isso Haley não teve a oportunidade de se ver nas telas.
Toni Collette já havia se destacado na comédia dramática "O Casamento de Muriel" (1994), conquistando inclusive uma indicação ao Globo de Ouro como Melhor Atriz em Comédia. Mas todas as atenções se voltaram para ela ao dar vida a mãe do pequeno Cole - Lynn Sear. Uma atuação muito forte em um papel muito importante dentro da trama do Shyamalan, conseguindo puxar todo o protagonismo para si em todas às suas cenas. Por sua atuação, ela foi aclamada pelos críticos e recebeu a primeira indicação ao Oscar. Olivia Williams ("Meu Pai", de 2020) completou o elenco ao dar vida a Anna Crowe, mulher do Dr. Malcolm. Olivia conseguiu se destacar muito bem ao contracenar com o Bruce Willis.
A trilha sonora do mestre James Newton Howard (parceiro de longa data nas produções do Shyamalan) é excelente e nos imergi com grandiosidade dentro da história. A fotografia de Tak Fujimoto (responsável pela fotografia da obra-prima "O Silêncio dos Inocentes") é bela, é clássica, é contemporânea, casa perfeitamente com a obra. A direção de arte é muito bem executada e administrada em cada cena. A Direção do Shyamalan é rica em detalhes, pois ele trabalha com muita maestria cada cena, cada tomada de câmera, cada take, o que lhe rendeu uma indicação ao Oscar (merecidamente).
O longa de Shyamalan recebeu 6 indicações ao Oscar 2000: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator Coadjuvante (Haley Joel Osment), Melhor Atriz Coadjuvante (Toni Collette), Melhor Roteiro Original e Melhor Montagem. Ganhou 2 indicações ao Globo de Ouro: Melhor Ator Coadjuvante (Haley) e Melhor Roteiro.
Nos Estados Unidos, o filme liderou o ranking semanal de público durante 6 semanas, sendo ainda a 2ª maior bilheteria de 1999 nos EUA, perdendo apenas para "Star Wars: Episódio 1 - A Ameaça-fantasma". No Brasil, o filme foi líder absoluto de público, tendo liderado o ranking semanal por mais de 2 meses e levando aos cinemas mais de 4 milhões de pessoas, tornando-se o filme que mais expectadores teve em 1999. Foi o segundo filme de maior bilheteria de 1999, arrecadando cerca de US$ 293 milhões nos EUA e US$ 379 milhões em outros mercados.
Shyamalan conseguiu criar um clássico até hoje lembrado e presente em listas de filmes obrigatórios. "O Sexto Sentido" até hoje é considerado como um dos filmes que mudaram o terror para sempre, e uma das maiores histórias de fantasmas já filmadas.
Um clássico, uma obra Cult, uma obra influente na cultura Pop, uma obra de arte cultuada e respeitada mundialmente.
Temos aqui o melhor roteiro do Shyamalan e, consequentemente, o seu melhor filme de toda a carreira. Uma verdadeira obra-prima do final dos anos 90 e um dos melhores suspenses de todos os tempos.
[06/10/2022] ⭐⭐⭐⭐⭐