Ainda que o roteiro fomente a sugestão óbvia de que o romance será o carro-chefe, a trama se desentrelaça entre um drama bem atuado e uma espécie de suspense implícito nas nossas próprias expectativas, equilibrando o espectador entre as nuances daquele vulcão de desejos erupcionados (?) em tela e as suas possíveis consequências em um mundo real repleto de inconveniências.
A intensidade sensual do filme ganha um charme bastante original ao se entrelaçar com a exuberância da geografia amazônica, criando paralelos muito maiores do que uma simples alegoria ilustrativa. A constante beleza natural da fotografia, alternando entre a mata densa e, sobretudo, à vazão sufocante das águas extensas do Amazonas, servem de canhão para projetar a força da presença de Anaíra e potencializar o seu impacto sobre os três irmãos.
Quase como uma armadilha, “O Rio do Desejo” retrata de uma maneira muito singular o caráter incontrolável da mistura heterogênea entre amor e desejo, mesmo que os clichês impeçam o filme de alcançar um grau de maior complexidade, muito por conta da maneira como o personagem “Dalmo” foi exposto em tela, beirando o mau gosto por inúmeras vezes.
Enfim, um belo filme que poderia ser, ao meu ver, uma obra ainda mais especial, não fossem os desajustes entre texto e mise-en-scène. Me peguei lembrando de "Cidade Baixa" (2005) por diversas vezes, antes mesmo de descobrir que Sérgio Machado dirigiu ambos os filmes. Tá explicado!
Não é segredo pra absolutamente ninguém que a curiosidade em torno do que choca e o interesse pelas profundezas da mente humana, acaba transformando as angústias e os conflitos do processo penal em uma ferramenta extremamente sedutora quando o assunto é o engajamento popular, seja na porta do tribunal ou de frente pra Netflix.
Ora bolas, então por quê não revisitarmos um dos crimes mais chocantes do nosso passado recente, reciclando os tradicionais elementos de espetacularização do papel de juízes, promotores, delegados e advogados, super aproveitando essa eterna fonte de entretenimento chamada Isabella Nardoni?
Se "True Crime" é gênero, comer carne revirada e monetizar de tempos em tempos são os ossos do ofício... Não sejamos hipócritas...
Pois bem. Estendendo o comentário para um contexto estritamente audiovisual, o "documentário" se demonstra mais preguiçoso do que o próprio promotor do caso, se recusando a trazer novos elementos à tela, promovendo a dúvida de uma maneira extremamente simplista, omitindo uma série de informações reveladas em inúmeras outras obras (vide "Investigação Criminal", de 2012), se debruçando na já tradicional "rinha de operadores do Direito", enquanto destila ~mea culpa~ através de meias verdades confrontantes.
"Isabella: O Caso Nardoni" estreou na Netflix com o pretexto perfeito para chocar novamente, refrescar a curiosidade das pessoas e tentar desmontar alguns estereótipos criados em torno de um julgamento que entrou no imaginário do público a ponto de fazer com que quase todo mundo se interessasse pelo seu desfecho.
Acontece que nem pra fazer uma minissérie montada em três ou quatro episódios, mesmo que contextualizando apenas a evolução gradual do caso, a plataforma serviu, entregando um serviço porco, raso, clichê e absolutamente desinteressante.
Ou seja, exatamente o que eu esperava: sensacionalismo barato.
Até mesmo a chance de dar mais voz a uma mãe que perdeu a sua filha tão precocemente, de uma das maneiras mais inacreditáveis da história do país, foi jogada no lixo, já que a edição claramente estava mais interessada em revisitar o caos causado pela imprensa e projetar aquela reconstituição em 3d esdrúxula que mais parece ter atrapalhado do que ajudado no desfecho do julgamento.
Tudo o que envolve esse caso é de uma tristeza sem fim...
Primeiramente, que alguém dê um pescotapa no zé ruela que traduziu esse título para "Emboscada". Se a ideia era sintetizar o "La Bella Gente" original em um substantivo feminino qualquer, que batizassem a obra de "Hipocrisia" ou qualquer merda parecida.
No mais, embora o filminho seja meio cansado e a evolução do roteiro não empolgue tanto em diversos momentos, o recorte de tantas caricaturas que compõem uma parcela bem significativa da minha bolha me agradou. São elas:
A coroa gata ~white savior~ que só consegue se saciar enquanto tem o seu ego caridoso debruçado em alguma filantropia impulsiva;
O coroa progressista e gente boa que não tem coragem e personalidade suficientes para deixar de ceder o tempo inteiro;
O protótipo de playboy infiel, com currículo preenchido no exterior e look alternativo, que consegue se travestir de bonzinho até transar com a gata da vez;
O casal de primos ricos, mesquinhos, xenófobos e preconceituosos, que sequer tentam disfarçar o seu horror ao que está de fora da sua "classe".
Em meio a essa salada, a protagonista, sequestrada num lar com tão pouca dignidade, se vê obrigada a retomar o seu passado de dor, na expectativa de que algum resquício de ar livre seja novamente inalado.
A sensação foi de que a Nadja achou melhor viver como uma puta livre do que subservir aquela ~bela gente~ escrota e hipócrita.
O que, sem sombra de dúvidas, eleva o patamar de "Y Tu Mamá También", é a falsa sensação de que o filme não vai ultrapassar a barreira de um road movie clichê e pseudo-tesudo, até se provar um filme que faz ode ao pessimismo, sendo concluído numa linha diametralmente oposta.
Embora o roteiro finja se construir em cima desse nhenhenhem de carpe diem, como se fosse possível tacar o foda-se para viver se deliciando com as diferentes etapas da vida, os últimos minutos pulverizam essa abobrinha e nos saciam com a invalidação do apelo projetado, escancarando, justamente, os nossos cercadinhos.
Mais do que as fodas desprotegidas e as dezenas de tragos compartilhados, a obra não se sustenta num mero retrato de aventura e liberdade, mas sim da realidade. Não à toa, a viagem que se apresenta como o início para eles, também se revela como um final para ela.
E como é inegável a beleza presente no impulso, as masturbações, as discussões infantilizadas, os diálogos sexuais, as lágrimas compulsivas e, principalmente, a maneira como cada um se mostra inapto para lidar com o seu oceano de sentimentos, agregam valor a ideia de que "la vida es como la espuma, por eso hay que darse como el mar".
Somos mares intensos, infinitos e extremamente complexos.
Até a última cena, eu estava decidido a avaliar o filme com 3 estrelas. Vi a moto voltando. Temi pela ocupação da garupa. Pensei em dar 2 estrelas em face de um desfecho tão borracha fraca. Não tinha ninguém na garupa. Ufa!!! 3,5 estrelas pela potência do alívio. Às vezes a única solução é sair em busca de si. O efeito de um "amor" em forma de bengala dura menos que o de um paracetamol genérico. Precisar partir é muito mais forte do que precisar ficar. A vida tende a mostrar que a banda toca assim... Um filme singelo, de estética apurada e bastante reflexão. Cinema Nacional <3
"As Vantagens de Ser Invisível" é um filme sensível, sincero, que consegue se desprender dos clichês para fortalecer a simbiose entre os três personagens principais, sendo capaz de nos afastar de estereótipos e fortalecer a sua narrativa bem construída, embora opte por não desembaralhar muito bem algumas questões de abuso infantil.
Imagino que assistir a esse filme lá no fim de 2012, justamente no meu primeiro ano de faculdade, teria produzido algumas sensações mais latentes, potencializando o "se sentir infinito" com relação as perspectivas de futuro. No entanto, esse "afastar" do tempo me permitiu enxergar as várias facetas da juventude de um lugar diferente, meio silencioso. Uma espécie de nostalgia despropositada.
Sabe aquela história de que a vida não é boa e nem má, apenas os dois ao mesmo tempo?! Então, o filme me levou para esse lugar, como quando colocamos a cabeça no travesseiro após um dia bem vivido: tendo plena consciência de um emaranhado de situações merdas nas quais estamos inseridos, mas ainda insistindo na ideia de que amanhã há de ser outro dia.
Como adolescente bobalhão e fã de "American Pie" que fui, fico aguardando por uma reunion do elenco, daqui a uns vinte anos, com todo mundo gordo, calvo, aposentado e divorciado, refletindo sobre os ~dias de luta dias de glória~ de outrora, com direito a passeio pelo túnel e novas juras de amor incumpríveis.
Bong Joon-ho transforma um lagartão comedor de gente num belo condutor de dramas familiares, medo, ansiedade, frustação, esperança, lealdade, direcionando a nossa atenção para uma família desleixadona e disfuncional, enquanto esmurra o ocidente através de críticas muito bem fundamentadas.
A cena do protagonista implorando para se fazer ouvido pelo laboratorista americano, por exemplo, se reproduz como uma alegoria à relação do cinema não-ocidental e a incapacidade dessa indústria ser verdadeiramente consumida para além de seu raio.
Não à toa, o próprio diretor do filme é um dos maiores, senão o maior, responsável por essa ruptura, ao varrer o Oscar 2019 com o apogeu de "Parasita".
As mudanças de tom estranhas e aleatórias, flertando entre o chocante e o hilariante, também são marcas registradas que muito me agradam. Alguns frames frios também são muito bem inseridosdurante esses momentos de transição.
A distância de 2023 para 2006, ano do lançamento de "O Hospedeiro", foi o meu maior desafio no processo de digestão...
Há 17 anos, certamente eu teria considerado um filme muito acima da média. Em maio de 2023, eu consigo compreender o seu valor, mas seria forçado dizer que a experiência me gerou tanto impacto, depois de já ter consumido tanta coisa mais evoluída no gênero.
No fim das contas, são duas horas que valem muito como estudo da obra desse gênio coreano!
Não acho que sobrecarregar um roteiro com dezenas de alegorias criticando a sociedade do espetáculo torne um filme bom. Até consegui distrair a minha cabeça brincando de pescar referências com a decadência da elite e a hipocrisia da classe média, mas achei zero genial. Overrated.
Ainda que Aronofsky não encabece a minha lista de diretores favoritos, é inegável a sua imensa habilidade de penetrar no íntimo dos personagens destrinchados em tela, escancarando suas obsessões e tragédias pessoais, sem a realização de muitas concessões aparentes. Foi assim em "Requiem for a Dream", foi assim em "Black Swan", foi assim em "Mother!" e é assim em "The Whale".
Justamente por esse "foda-se" que o diretor faz questão de implementar como uma de suas características principais, que uma análise mais simplista da sua obra pode acabar gerando um efeito contrário no âmago de quem assiste, como se ele, de certo modo, buscasse menosprezar seus próprios personagens, utilizando-se de certa crueldade e mera reprodução de clichês para gerar entretenimento cult às custas de temáticas sensíveis.
Não posso concordar com isso...
Os diferentes tipos de dependência química dos personagens de "Réquiem para um Sonho", o perfeccionismo obsessivo da bailarina de "Cisne Negro" e as alegorias ocultas de "Mãe!", desta vez, tomaram a forma da obesidade mórbida munida pelos efeitos da depressão e da compulsão alimentar, temáticas tão atuais.
Os diferentes níveis de ódio e desprezo para com o protagonista, não se resumem a sua condição física. Embora o fato de o personagem ter obesidade mórbida seja importante para a trama, ela é apenas uma consequência de diferentes processos banhados em estágios profundos de tristeza.
Charlie chegou a um nível depressivo tão irreversível que ele come para se afogar e passa a olhar pro relógio em contagem regressiva. A divisão do roteiro em dias da semana gera exatamente essa sensação claustrofóbica.
Embora a minha namorada tenha comentado que a repulsa pelo personagem, assim como os seus trejeitos caricatos ao manejar e se deleitar com um balde de frango frito soe gordofóbico, não seria justamente essa a mera representação da gordofobia na obra?
Ora, senão temos a seguinte sequência narrativa: um casal incompatível gera uma menina revoltada com o distanciamento do pai, que encontrou em uma relação homoafetiva a sua grande paixão, mas perdeu o seu companheiro por conta da intolerância da igreja, entrando num estágio de luto profundo, até desenvolver uma trágica condição de compulsão alimentar e resignação com a morte iminente, momento no qual resolve "correr atrás do tempo perdido", ao menos por alguns instantes.
Agora me diga: como é que uma pessoa depressiva e solitária, com extrema dificuldade de locomoção, pesando mais de duzentos quilos e, literalmente, comendo para morrer, deveria ser retratada em tela?
Sentando-se à mesa em horários determinados, fazendo questão de seguir a etiqueta em suas refeições? Se alimentando com comidas não processadas, bem preparadas e ricas em nutrientes? Sem limpar a mãozona suja de gordura na camisa enquanto traveste a sua dor com quilos e mais quilos de fast food? Dando trinta e quatro mastigadas enquanto saboreia cada uma de suas coxas de frango?
Talvez essa tal gordofobia esteja mais enraizada nos olhos do espectador do que de fato nas nuances da trama em si...
Entendo que a contratação de um ator "supersize" pudesse amenizar esse tipo de discussão, mas trabalhemos com o que temos.
E o que também temos é um trabalho técnico impecável capaz de caracterizar o antigo "George o Rei da Floresta" em um personagem esteticamente impactante e ainda mais complexo internamente, credenciando Brendan Fraser à disputa e eventual conquista da cobiçada estatueta de Melhor Ator.
Essa complexidade é o que a primeira cena do filme busca mostrar, nos empurrando para dentro da telinha preta de uma câmera letárgica e atrelada a um laptop que mais parece ser o único respiro de um filme ambientado em uma única câmara, mas que não perde para a monotonia.
Agradeçam a Deus por eu não ter lido "Moby Dick".
Do contrário, eu poderia ficar por mais umas duas mil palavras falando abobrinhas por aqui.
Ah, e nada como um final nos brindando com o alívio de um protagonista que se divide entre otimismo e saída de cena como duas faces da mesma moeda. Não à toa, o único raio de sol que passa pelo buraco da porta daquele apartamento, em quase duas horas de filme, é praticamente na mesma hora de sair do cinema.
Se encontrar o equilíbrio entre as nossas próprias escolhas pode acabar sendo uma tarefa enlouquecedora, esse filme serve de trampolim para algumas reflexões sobre o tal "sentido da existência humana", então nada mais justo do que navegarmos por tudo quanto é gênero ~ao mesmo tempo~.
É de ficar sem gps entre um contexto surrealista de ficção científica e os momentos de humor nonsense com pitadas de Bruce Lee e Jackie Chan. Um filme de Kung Fu que também é drama e romance, se utilizando de elementos do gore para ilustrar o suspense que a própria ansiedade das protagonistas já nos sugere.
Em meio ao caos, fica fácil degustar sabores diferentes e até mesmo perder a noção de qual é a linha central do roteiro, sem deixar de se compadecer com cada processo depreciativo escancarado em tela.
A abordagem "piroca das ideias" também é a chave para tornar o filme acessível para quem só está disposto a se distrair, se entreter, sem deixar de se valer da sua complexidade para atrair outro tipo de telespectador.
Em meio a infinitas possibilidades, arranjar maneiras de se entregar à "finitude" da vida para suportar os buracos em que nós mesmos nos enfiamos, surge como alternativa a uma saída de cena bebendo da fonte da depressão.
Um filme maluco, poderoso e de estética inovadora.
Embora o conflito entre um povo preto e um povo indígena possa soar extremamente problemático, a sensibilidade do roteiro na hora de lidar com as fases do luto e ressignificar a história (depois de uma perda tão traumática), teve muita força enquanto eu assistia ao filme. A premissa de "proteger a criança" (na verdade, uma jovem adulta) também parece rasa e superficial, mas, no final das contas, eu caguei para todos os defeitos e me despedi da sala do cinema com um sorriso no rosto. As diferentes camadas que foram capazes de unir um filme de ação e fantasia com dramas pessoais fortes e discussões sociais latentes, nos entregaram uma belíssima homenagem a Chadwick Boseman, que deve ter ficado feliz da vida na companhia de seus ancestrais ♥
Quem tá dizendo que o filme é fraco é chato pra caralho.
Embora, em 2022, o tema seja extremamente batido e muito pouco solucionado, precisamos levar em consideração a principal crítica de um filme lançado há mais de duas décadas: enquanto o pai berra à esmo que o filho precisa ser dopado por remédios tarja preta e a mãe mastiga um cigarro atrás do outro, um jovem é lobotomizado por conta de meia dúzia de baseados e uma rebeldia juvenil trivial.
É incrível como a força das nossas estruturas fracassadas, banhadas em preconceito e conservadorismo inadequado, consegue se manter exercendo o controle sobre a vida das pessoas, a ponto de transformar um comportamento mais do que banal em um verdadeiro ~bicho de sete cabeças~
A verdade é nua e crua: o ar novelesco à lá Manoel Carlos é apenas uma alegoria para as letrinhas que subirão no final, assinadas por Eduardo Galeano. E foda-se esse spoiler suspensório. A maior parte do roteiro é um holograma para mães que perderam seus filhos e os filhos dos outros. É sobre mulheres que se fuderam sozinhas durante a guerra e fica a seu critério ilustrar em que guerra. É sobre dor e sofrimento velado em comunhão. O pior é que ainda deu pra sentir esperança no final... Almodóvar é muito pica!
Acompanhar o lindo romance protagonizado por Carla Diaz e Arthur Picoli de Conduru vale mais a pena do que parar pra assistir a essas duas aberrações de oitenta e poucos minutos. Aguardando pelo derradeiro filme III da trágica sequência: "O Baseado Que Matou Meus Pais". Como diria Marcelo Dourado, "Que filme ruim, velho! Mudou o meu conceito de horrível".
Demorei uma vida pra assistir, mas adorei a bifurcação inversa da historinha tragicômica que vai se abraçando. João Miguel muito bem! Os momentos de Ratatouille in Carandiru são ótimos também. Gostei dos efeitos sonoros da contínua mastigação de boca aberta, mas achei que a trilha sonora deixou um pouco a desejar. Também poderia ter menos cenas caricatas e destilar menos preconceitos cansados, mas, definitivamente, vale a pena.
O novo longa dirigido por Taylor Sheridan (Sicário: Terra de Ninguém) e estrelado por Angelina Jolie (Garota Interrompida), entrou no circuito brasileiro de cinemas na última quinta-feira (27) e, muito provavelmente, vai agradar aquele tipo de espectador que só está interessado em distrair a cabeça e acompanhar um joguinho de gato e rato por pouco mais de 1h30min.
É o famoso filme de Tela Quente.
Eu estaria mentindo se dissesse que Aqueles Que Me Desejam a Morte é o tipo de obra que normalmente me atrairia, mas eu me peguei sendo puxado para a história conforme ela avançava, mesmo sem que houvesse qualquer complexidade nos momentos de transição, muito por conta do efeito catalisador da floresta em chamas que passou a ter um efeito de bomba-relógio.
Logo de cara, somos apresentados ao perito contador Owen Casserly (Jake Weber), responsável por desvendar algum tipo de esquema obscuro envolvendo magnatas e pessoas influentes do governo, e a seu filho Conner (Finn Little), que rapidamente despontam como alvos de uma busca implacável por parte dos agentes Jack (Aidan Gillen) e Patrick (Nicholas Hoult), que farão de tudo para silenciar a família e preservar o bom andamento dos negócios.
Quando uma abrupta amostra de eventos deixa claro para Owen que ele e o seu filho serão os próximos na lista de execuções, o jeito foi partir para o acampamento de seu cunhado Ethan Sawyer (Jon Bernthal), uma importante figura policial da região, para tentar se proteger e manter a maior distância possível dos inimigos.
No entanto, evidentemente alguma coisa teria que sair do planejado…
Ao vagar sozinho pela floresta isolada, depois de uma traumática experiência de tiroteio, o pequeno Conner acaba sucumbindo à proteção de uma bombeira paraquedista chamada Hannah Faber (Angelina Jolie), que havia sido remanejada para uma torre de incêndio erguida no local depois que um desastroso erro durante uma missão no passado passou a atormentá-la de maneira incessante.
De certa forma, a sutileza na construção da personagem de Angelina Jolie com alguns flashbacks do incidente pretérito e os efeitos sobre a sua personalidade repleta de angústia e rebeldia, foi informativa o suficiente para nos dar o incentivo de que precisávamos até admitir o porquê de sua personagem reagir a determinadas situações do jeito que ela reagia. Ao meu ver, esse nó ficou bem amarrado.
Talvez o ingrediente mais interessante no quesito roteiro seja justamente o fato de que o filme está carregado de pessoas traumatizadas e com pouco trato para lidar com os seus demônios e com os demônios alheios. A única alternativa acaba sendo buscar forças no que resta de resiliência em quem está ao lado e isso é traduzido em uma química convincente entre Angelina e o ator mirim. Se para um estava ruim, para o outro estava pior.
E a partir daí é questão de tempo para que as coisas comecem a se desenrolar de maneira pouco surpreendente. O filme soa bem montado para a ação, mas ignora a profundidade dos personagens. A lindíssima localização arborizada onde grande parte da trama está situada acaba sendo subutilizada no aspecto do novo incêndio florestal, que vem à tona esdruxulamente.
Além dos lampejos iniciais e da boa troca entre os protagonistas (muito por conta do trabalho super decente e natural entregue pelo jovem Finn Little), o filme de fato perdeu a oportunidade de dar sequência a alguns atos preparatórios que acabaram sendo acelerados demais. Se alguém descobrir qual era o segredo mantido por Owen, me avise.
Em compensação, seria injusto deixar de pontuar que os efeitos de Aqueles Que Me Desejam a Morte são bem feitos e que o uso acertado do som é capaz de inserir o espectador no meio do fogo. Enquanto a paisagem é lambida pelas chamas, é possível ouvir limpamente o barulho do fogo estalando ao redor da cena, o que é uma ótima maneira de trazer o público para o cenário caótico.
Provavelmente se você não assistir ao filme em uma boa sala de cinema, esse tipo de sensação poderá ser comprometida (mas se puder, fique em casa).
No mais, embora o roteiro parta de uma premissa simplória e o desfecho não seja tão empolgante, esse é um daqueles filmes que não vai acabar com o dia de ninguém. Se você estiver emotivo, dá até pra dar uma lacrimejada. Se resolveu assistir só por causa da beiça da Angelina, também dá pra sair satisfeito.
Ignore as conveniências do filme (e da vida), mas não se esqueça que onde há fumaça, há fogo.
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Depois de aproximadamente um ano e quatro meses sem adentrar uma sala de cinema, acabei sucumbindo ao deleite cinéfilo, mesmo sem enxergar a esperada luz no fim do túnel desta pandemia insolente, e compareci à cabine de imprensa do tal Mundo em Caos, título que, a princípio, seria mais do que oportuno e apropriado ao momento.
Baseado no primeiro livro da trilogia de Patrick Ness, Mundo em Caos é uma espécie de faroeste de ficção científica, ambientado em um planeta distante e colonizado com um pequeno povoado, onde os pensamentos dos homens podem ser ouvidos pelos outros, numa espécie de “voz da consciência” em alto e bom tom.
Embora a expressão “sem pé nem cabeça” possa ter alcançado níveis nunca antes imaginados em diversos momentos da trama, é possível que a saudade que eu estava do cinema, a necessidade de apreciar qualquer obra na telona e o nível de cafeína no meu sangue tenham me feito ter mais boa vontade com o filminho de sessão da tarde do que ele merecia.
É possível dizer que o filme comandado por duas estrelas da franquia Disney (Tom Holland, o Homem-Aranha e Daisy Ridley, a Rey de de Star Wars), se passa em algum momento no futuro, em um planeta fora do Sistema Solar, mesmo que o roteiro se recuse a fornecer maiores informações sobre o tempo-espaço da história.
De uma maneira praticamente intuitiva, acaba sendo possível compreender que alguns terráqueos deixaram o seu planeta de origem, provavelmente degradado e com escassez de recursos, para semear novos sistemas e buscar uma melhor qualidade de vida em meio ao caos.
Todd Hewitt, protagonizado por Tom Holland, é aquele personagem adolescente que varia momentos de ingenuidade e valentia, subsistindo na pacata vila de Prentisstown, localizada em um planeta que parece abrigar colonizadores esquecidos, sendo todos eles homens chucros.
Depois de um bom tempo sem maiores direcionamentos e com bastante relutância ao “the noise” (a tal “voz da consciência”) que cada valentão emitia involuntariamente, somos informados de que a população nativa dizimou todas as mulheres da região, incluindo a mãe de Todd, durante uma guerra entre eles e os colonizadores.
Por conta dessa disputa pela sobrevivência no território distante, o intitulado prefeito David Prentiss (Mads Mikkelsen), passa a comandar aquele ordenamento social composto integralmente por membros hipermasculinizados e programados para não demonstrar fraquezas e expressar sentimentos mais profundos, lutando para dominar o “the noise” que habita em cada um.
No meio desse aquário de ruídos, masculinidade tóxica e instintos animalescos, surge a personagem de Daisy Ridley, Viola Eade, que cai de paraquedas (na verdade de espaçonave) nessa conjuntura desgraçada depois que o seu veículo espacial tem uma pane e a leva ao coração de uma floresta localizada no planeta estranho.
É mais do que previsível que Todd ficaria incumbido de encontrar e proteger a forasteira, única sobrevivente de seu acidente brutal. Mais previsível ainda é a paixão que ele começaria a nutrir pela bela moça de madeixas loiras, mesmo que Viola não necessitasse de proteção alguma, sendo mais perspicaz do que a imensa maioria dos brutamontes.
A partir de então surge uma tentativa frustrada de flerte, tendo em vista que o personagem de Holland nada mais é do que uma figura pré-adolescente e virjona que sequer havia se deparado com um ser do sexo feminino até então. Como agravante, temos o fato de que Viola tem acesso a todos os “ruídos” emitidos pela mente do rapaz enquanto ele não consegue descobrir um só pensamento da visitante. Apenas os homens são capazes de emitir o “the noise”, o que soa muito mais como penitência do que virtude.
Com a ausência de química entre o casal principal e a direção pautada em fugas e perseguições, os mecanismos de ficção científica acabam se tornando um atrativo do filme. Esses elementos coexistem com um aspecto de imagem de sobrevivência na selva, bem como através de resquícios de um velho faroeste americanizado, repleto de cavalos, armamentos e tropeções.
Na humilde opinião de quem vos escreve, os prazeres encontrados em narrativas distópicas têm muito a ver com um certo distanciamento, desde que os fios da história sejam bem amarrados. É broxante que Mundo em Caos apenas pincele a história de fundo envolvendo a raça nativa, esqueça da jornada anterior à colonização e demore horas para nos fornecer informações sobre os personagens secundários.
O longa não chega a ter duas horas de duração, mas parece focado em cobrir tanto terreno que não consegue se aprofundar em absolutamente nada, mesmo que tenha momentos razoáveis de ação e aventura. O material disponível parece ser suficiente para compor a primeira temporada inteira de um seriado, mas caminha como um trailer de filme mequetrefe. Às vezes chega a irritar.
Como a linha tênue entre o que é bom e o que é ruim pode ser ainda menos espessa entre os cinéfilos, é preciso ser justo e ressaltar que o orçamento de cem milhões de dólares destinado à produção dirigida por Doug Liman coloca o longa em uma posição de frustração no mercado. Talvez por conta disso o filme que estava programado para ser lançado pela Paris Filmes nos cinemas nacionais em 11 de março, teve a sua estreia adiada para 8 de abril e só será lançado oficialmente no dia 13 de maio.
No fim das contas, Mundo em Caos imerge o espectador em um conceito diferente de espaço cinematográfico, criando um filme que gradativamente ensina o espectador a assisti-lo, sendo esse o ponto alto da experiência. Com a evolução do roteiro, acaba sendo possível se acostumar com a forma com que os personagens interagem, particularmente como protegem os seus pensamentos que são revelados numa espécie de auréola projetada em forma de fumaça colorida.
Mesmo com vários pontos sem nó e com muita preguiça no acabamento de cada ato, eu me atrevo a dizer que se você estiver de bobeira na próxima quinta-feira (13), Mundo em Caos pode servir para distrair a cabeça e de quebra trazer alguns questionamentos existenciais sem maiores aprofundamentos.
A propósito, você gostaria de ler a mente das outras pessoas?
Eu, provavelmente, não suportaria.
Às vezes é preferível se afogar com palavras que nunca foram ditas.
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Depois de ser esmurrado por esse filme que não se mostrou disposto a edulcorar a dor para me poupar da angústia tremenda, estou aqui elucubrando sobre as metáforas da fruta. Na história da humanidade, maçã já simbolizou fertilidade, esperança, traição e declínio. Dá pra encaixar todos os atos nesta lógica.
A relação da protagonista com cada maçã faz com que o fruto vire semente. O broto só surge quando o luto é encarado e superado. O epílogo na macieira é o alento, a confirmação de que foi possível tornar a germinar, transcender a maior perda do passado.
Há mais de sessenta anos considerado o maior jogador de futebol de todos os tempos, é provável que Pelé possua um status simbólico insuperável, como não hesitava em declarar o meu saudoso vô.
Nascido no ano de 1940, Edson Arantes do Nascimento desenvolveu a magia em seus pés enquanto engraxava sapatos para colaborar com as despesas da sua família. Uma biografia que se inicia com o mesmo capítulo de milhares de brasileiros que sonham em gozar do glamour oriundo do mundo da bola.
Com dezesseis anos de idade, o Rei prodígio se torna jogador profissional do Santos e, em menos de um ano, já é convocado para a seleção brasileira principal. Aos dezessete, se sagra campeão mundial pela primeira vez, quatro anos depois repete a proeza atuando em apenas dois jogos, em 1966 sofre novamente com as lesões e em 1970 vive o seu apogeu, sagrando-se o único jogador na história a conquistar três Copas do Mundo, depois de ultrapassar a inacreditável marca dos mil gols.
No interessante documentário disponibilizado recentemente pela Netflix, Pelé nos dá acesso a um digníssimo acervo de imagens restauradas digitalmente e capazes de ilustrar os principais momentos da carreira da maior entidade do futebol mundial. As clássicas filmagens da final da Copa de 70, por exemplo, ganham um fôlego extra e entusiasmam os amantes da seleção canarinho.
Os diretores gringos Ben Nicholas e David Tryhorn ainda se esforçam para contextualizar a história de Pelé fora dos gramados, relacionando o sucesso dentro das quatro linhas e o panorama sociopolítico de um país imerso nas profundezas dos anos de chumbo.
As imagens de arquivo são intercaladas com entrevistas com jornalistas renomados, escritores, companheiros do Santos e da Seleção Brasileira, que entre brincadeiras e relatos, dão conta de nos inserir no cenário da época. Os comentários do próprio Pelé nos fazem flutuar pelas memórias do passado.
Pioneiro em quase tudo, o Rei tem outra faceta desmembrada pelo documentário: a de popstar. Atrelando o seu desempenho fenomenal dentro de campo à sua personalidade carismática e isentona, Pelé ganha rios de dinheiro promovendo todos os tipos de produtos possíveis e imagináveis. Encurralado pela força da sua marca, fica mais do que claro que ele sempre optou por se colocar acima das discussões políticas, camuflando as suas conveniências pessoais sob uma ideia de ídolo acessível e herói boa praça.
Essa falta de culhão rende, até os dias de hoje, um certo tipo de mancha na sua história, conforme relatado por diversos convidados do documentário. Segundo a maioria deles, Pelé abdicou do seu dever moral de se manifestar veementemente contra o golpe militar de 64 e optou por servir de propaganda ao regime como se não tivesse ciência de muita coisa.
Em contrapartida, esta crítica à passação de pano do Rei está sujeita a algumas ressalvas: será que Pelé, assim como tantos outros adversários políticos, teria sido boicotado ou até mesmo desaparecido misteriosamente caso tivesse se posicionado contra o sistema? A linha tênue entre a sobrevivência e a conveniência…
Ao mesmo tempo em que o regime militar se valia da Seleção de Pelé para ofuscar as intransigências e o massacre às liberdades individuais proposto em território nacional, o futebol encantador e a coleção de vitórias na Copa do México pareciam oxigenar um país que tentava se livrar, de uma vez por todas, do tal complexo de vira-latas. Pode ser que, dentro de campo, Pelé tenha conseguido o que jamais conseguiria fora dele.
Até porque, no final das contas, pro brasileiro médio, o futebol transcende quase tudo. O tal ópio do povo foi capaz de alçar um jovem preto e pobre ao patamar de Rei, símbolo de orgulho nacional e autoestima no cenário mundial. Isso tudo, em plena ditadura, não é pouca merda não… Pelé pode ter salvado algumas vidas de boca fechada.
Afinal, ele calado é um poeta.
Vida longa!
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Acho que pode ser algo geracional essa preocupação exacerbada com a idealização de sonhos, quase sempre responsáveis por fadar as pessoas a frustrações. Deixar de perceber que a água já é o oceano é mais do que triste, é cruel. Soul surge para lembrar que missão não é propósito. De uma maneira quase bíblica, cada metáfora esmiúça os nossos anseios e tenta nos trazer de volta para a vida após um ano de pandemia. A Pixar tem uma parcela de genialidade muito importante na história recente do cinema.
A Netflix acaba de incluir em seu catálogo o interessante A Voz Suprema do Blues, um filme que se prende a uma linguagem de teatro, mas não tem o seu ritmo comprometido, muito por conta da potência dos monólogos. Essa é uma daquelas obras com roteiro simples, mas repleta de personagens tragicamente profundos. Se você é apreciador de textos e interpretações, temos aqui um prato cheio.
O enredo busca reverenciar a cantora Ma Rainey (Viola Davis), conhecida como “Mãe do Blues”, cujo nome e música batizam o título original em inglês. No final da década de 1920, a estrela está prestes a produzir um novo disco em um estúdio em Chicago, em conjunto com a sua banda formada por três membros principais, Toledo (Glynn Turman), Cutler (Colman Domingo) e Slow Drag (Michael Potts), músicos veteranos habilidosos, instintivamente programados para tocar o que Rainey mandar.
Assim que o ambicioso trompetista Levee (Chadwick Boseman) entra em cena, logo percebemos que ele e a protagonista serão os fios ativos da trama e que o restante da banda se encaixará na história de uma maneira mais pragmática, porém eficaz. Levee claramente tem pretensões maiores do que as de um simples músico de apoio, mas a mãe do blues não permite qualquer tipo de interferência externa nas suas decisões tomadas a partir de uma posição hierárquica conquistada na marra, graças ao seu talento.
Então, para olhos mais preguiçosos, A Voz Suprema do Blues é um filme sobre músicos de blues que se juntam para gravar algumas canções, num dia quente de verão em Chicago, no ano de 1927. No meio disso, um trompetista abusado e uma cantora arrogante resolvem travar uma guerra fria inútil, tendo em vista que a corda só poderia arrebentar para o lado mais fraco e mais óbvio.
Na prática, há temas mais complexos de injustiça social que ainda ecoam na sociedade até os dias de hoje, mesmo depois de quase cem anos. Esse filme simboliza a experiência dos negros americanos no início do século XX e não há melhor lugar para começar a contar esta história do que pelo próprio blues, narrando dores, fugas, desejos e as formas de expressão que esse povo encontrou através da arte.
Não é coincidência que o blues tenha surgido no final do século XIX, quando as pessoas negras escravizadas foram, supostamente, libertadas da escravidão. Embora as restrições físicas em seus corpos possam ter sido eliminadas, as violações de garantias produzidas por uma sociedade imersa no racismo estavam só começando. O blues sempre foi refúgio.
É fazendo esse gancho entre música e resistência histórica que surgem os monólogos ilustrando as experiências de Levee, de Ma, de Toledo… Quando Levee descreve o testemunho da terrível violação da sua mãe por uma gangue de homens brancos, o discurso ganha uma potência absurda ao confrontar a religiosidade de Cutler, como se não houvesse justiça divina, reduzindo a distância entre ator e espectador, já que esta atuação se tratava do “canto do cisne” de Chadwick Boseman, que já batalhava contra um câncer.
Se o desempenho turbulento e deslumbrante de Viola Davis passa pela raiva e resignação da sua personagem, coberta por uma maquiagem berrante, por dentes de ouro reluzentes e uma considerável camada de suor permanente, Chadwick Boseman praticamente urra de dor e ansiedade, comprometendo-se com as cenas de uma maneira tão feroz que as emoções soam reais. O caminho para a autodestruição do personagem é seguido com o vigor de quem sabe que vai morrer.
E, por isso, talvez por isso, o momento mais impactante do filme seja justamente causado pela obsessão do seu personagem por uma porta, como um pesadelo capaz de simbolizar o futuro de Levee, enclausurado debaixo do céu, sucumbindo à ira imposta pelas suas próprias cicatrizes. A Voz Suprema do Blues é uma obra crítica e estimulante o suficiente para marcar com muito bom gosto a volta do Pantera Negra para Wakanda.
Confira essa e outras críticas minhas via @metafictions_
O Rio do Desejo
3.4 45Ainda que o roteiro fomente a sugestão óbvia de que o romance será o carro-chefe, a trama se desentrelaça entre um drama bem atuado e uma espécie de suspense implícito nas nossas próprias expectativas, equilibrando o espectador entre as nuances daquele vulcão de desejos erupcionados (?) em tela e as suas possíveis consequências em um mundo real repleto de inconveniências.
A intensidade sensual do filme ganha um charme bastante original ao se entrelaçar com a exuberância da geografia amazônica, criando paralelos muito maiores do que uma simples alegoria ilustrativa. A constante beleza natural da fotografia, alternando entre a mata densa e, sobretudo, à vazão sufocante das águas extensas do Amazonas, servem de canhão para projetar a força da presença de Anaíra e potencializar o seu impacto sobre os três irmãos.
Quase como uma armadilha, “O Rio do Desejo” retrata de uma maneira muito singular o caráter incontrolável da mistura heterogênea entre amor e desejo, mesmo que os clichês impeçam o filme de alcançar um grau de maior complexidade, muito por conta da maneira como o personagem “Dalmo” foi exposto em tela, beirando o mau gosto por inúmeras vezes.
(e não me refiro à cena de autoflagelo).
Enfim, um belo filme que poderia ser, ao meu ver, uma obra ainda mais especial, não fossem os desajustes entre texto e mise-en-scène. Me peguei lembrando de "Cidade Baixa" (2005) por diversas vezes, antes mesmo de descobrir que Sérgio Machado dirigiu ambos os filmes. Tá explicado!
O Mundo Depois de Nós
3.2 889 Assista AgoraÉ tão chato, mas tão chato, que eu preferia ter assistindo a um episódio de Friends.
Isabella: O Caso Nardoni
3.1 129Não é segredo pra absolutamente ninguém que a curiosidade em torno do que choca e o interesse pelas profundezas da mente humana, acaba transformando as angústias e os conflitos do processo penal em uma ferramenta extremamente sedutora quando o assunto é o engajamento popular, seja na porta do tribunal ou de frente pra Netflix.
Ora bolas, então por quê não revisitarmos um dos crimes mais chocantes do nosso passado recente, reciclando os tradicionais elementos de espetacularização do papel de juízes, promotores, delegados e advogados, super aproveitando essa eterna fonte de entretenimento chamada Isabella Nardoni?
Se "True Crime" é gênero, comer carne revirada e monetizar de tempos em tempos são os ossos do ofício... Não sejamos hipócritas...
Pois bem. Estendendo o comentário para um contexto estritamente audiovisual, o "documentário" se demonstra mais preguiçoso do que o próprio promotor do caso, se recusando a trazer novos elementos à tela, promovendo a dúvida de uma maneira extremamente simplista, omitindo uma série de informações reveladas em inúmeras outras obras (vide "Investigação Criminal", de 2012), se debruçando na já tradicional "rinha de operadores do Direito", enquanto destila ~mea culpa~ através de meias verdades confrontantes.
"Isabella: O Caso Nardoni" estreou na Netflix com o pretexto perfeito para chocar novamente, refrescar a curiosidade das pessoas e tentar desmontar alguns estereótipos criados em torno de um julgamento que entrou no imaginário do público a ponto de fazer com que quase todo mundo se interessasse pelo seu desfecho.
Acontece que nem pra fazer uma minissérie montada em três ou quatro episódios, mesmo que contextualizando apenas a evolução gradual do caso, a plataforma serviu, entregando um serviço porco, raso, clichê e absolutamente desinteressante.
Ou seja, exatamente o que eu esperava: sensacionalismo barato.
Até mesmo a chance de dar mais voz a uma mãe que perdeu a sua filha tão precocemente, de uma das maneiras mais inacreditáveis da história do país, foi jogada no lixo, já que a edição claramente estava mais interessada em revisitar o caos causado pela imprensa e projetar aquela reconstituição em 3d esdrúxula que mais parece ter atrapalhado do que ajudado no desfecho do julgamento.
Tudo o que envolve esse caso é de uma tristeza sem fim...
Emboscada
3.2 22Primeiramente, que alguém dê um pescotapa no zé ruela que traduziu esse título para "Emboscada". Se a ideia era sintetizar o "La Bella Gente" original em um substantivo feminino qualquer, que batizassem a obra de "Hipocrisia" ou qualquer merda parecida.
No mais, embora o filminho seja meio cansado e a evolução do roteiro não empolgue tanto em diversos momentos, o recorte de tantas caricaturas que compõem uma parcela bem significativa da minha bolha me agradou. São elas:
A coroa gata ~white savior~ que só consegue se saciar enquanto tem o seu ego caridoso debruçado em alguma filantropia impulsiva;
O coroa progressista e gente boa que não tem coragem e personalidade suficientes para deixar de ceder o tempo inteiro;
O protótipo de playboy infiel, com currículo preenchido no exterior e look alternativo, que consegue se travestir de bonzinho até transar com a gata da vez;
O casal de primos ricos, mesquinhos, xenófobos e preconceituosos, que sequer tentam disfarçar o seu horror ao que está de fora da sua "classe".
Em meio a essa salada, a protagonista, sequestrada num lar com tão pouca dignidade, se vê obrigada a retomar o seu passado de dor, na expectativa de que algum resquício de ar livre seja novamente inalado.
A sensação foi de que a Nadja achou melhor viver como uma puta livre do que subservir aquela ~bela gente~ escrota e hipócrita.
E está certíssima.
E Sua Mãe Também
4.0 519O que, sem sombra de dúvidas, eleva o patamar de "Y Tu Mamá También", é a falsa sensação de que o filme não vai ultrapassar a barreira de um road movie clichê e pseudo-tesudo, até se provar um filme que faz ode ao pessimismo, sendo concluído numa linha diametralmente oposta.
Embora o roteiro finja se construir em cima desse nhenhenhem de carpe diem, como se fosse possível tacar o foda-se para viver se deliciando com as diferentes etapas da vida, os últimos minutos pulverizam essa abobrinha e nos saciam com a invalidação do apelo projetado, escancarando, justamente, os nossos cercadinhos.
Mais do que as fodas desprotegidas e as dezenas de tragos compartilhados, a obra não se sustenta num mero retrato de aventura e liberdade, mas sim da realidade. Não à toa, a viagem que se apresenta como o início para eles, também se revela como um final para ela.
E como é inegável a beleza presente no impulso, as masturbações, as discussões infantilizadas, os diálogos sexuais, as lágrimas compulsivas e, principalmente, a maneira como cada um se mostra inapto para lidar com o seu oceano de sentimentos, agregam valor a ideia de que "la vida es como la espuma, por eso hay que darse como el mar".
Somos mares intensos, infinitos e extremamente complexos.
Metal Lords
3.5 308 Assista AgoraMetal é compromisso!
Melhor Trilha Sonora desde "Escola do Rock".
Teria cancha para ser exaustivamente reprisado na "Sessão da Tarde" se o gosto musical dessa geração não fosse tão pouco apurado.
Legalzinho demais!
O Céu de Suely
3.9 464 Assista AgoraSpoiler:
Até a última cena, eu estava decidido a avaliar o filme com 3 estrelas. Vi a moto voltando. Temi pela ocupação da garupa. Pensei em dar 2 estrelas em face de um desfecho tão borracha fraca. Não tinha ninguém na garupa. Ufa!!! 3,5 estrelas pela potência do alívio. Às vezes a única solução é sair em busca de si. O efeito de um "amor" em forma de bengala dura menos que o de um paracetamol genérico. Precisar partir é muito mais forte do que precisar ficar. A vida tende a mostrar que a banda toca assim... Um filme singelo, de estética apurada e bastante reflexão. Cinema Nacional <3
As Vantagens de Ser Invisível
4.2 6,9K Assista Agora"As Vantagens de Ser Invisível" é um filme sensível, sincero, que consegue se desprender dos clichês para fortalecer a simbiose entre os três personagens principais, sendo capaz de nos afastar de estereótipos e fortalecer a sua narrativa bem construída, embora opte por não desembaralhar muito bem algumas questões de abuso infantil.
Imagino que assistir a esse filme lá no fim de 2012, justamente no meu primeiro ano de faculdade, teria produzido algumas sensações mais latentes, potencializando o "se sentir infinito" com relação as perspectivas de futuro. No entanto, esse "afastar" do tempo me permitiu enxergar as várias facetas da juventude de um lugar diferente, meio silencioso. Uma espécie de nostalgia despropositada.
Sabe aquela história de que a vida não é boa e nem má, apenas os dois ao mesmo tempo?! Então, o filme me levou para esse lugar, como quando colocamos a cabeça no travesseiro após um dia bem vivido: tendo plena consciência de um emaranhado de situações merdas nas quais estamos inseridos, mas ainda insistindo na ideia de que amanhã há de ser outro dia.
Como adolescente bobalhão e fã de "American Pie" que fui, fico aguardando por uma reunion do elenco, daqui a uns vinte anos, com todo mundo gordo, calvo, aposentado e divorciado, refletindo sobre os ~dias de luta dias de glória~ de outrora, com direito a passeio pelo túnel e novas juras de amor incumpríveis.
É pedir demais?
O Hospedeiro
3.6 549 Assista AgoraBong Joon-ho transforma um lagartão comedor de gente num belo condutor de dramas familiares, medo, ansiedade, frustação, esperança, lealdade, direcionando a nossa atenção para uma família desleixadona e disfuncional, enquanto esmurra o ocidente através de críticas muito bem fundamentadas.
A cena do protagonista implorando para se fazer ouvido pelo laboratorista americano, por exemplo, se reproduz como uma alegoria à relação do cinema não-ocidental e a incapacidade dessa indústria ser verdadeiramente consumida para além de seu raio.
Não à toa, o próprio diretor do filme é um dos maiores, senão o maior, responsável por essa ruptura, ao varrer o Oscar 2019 com o apogeu de "Parasita".
As mudanças de tom estranhas e aleatórias, flertando entre o chocante e o hilariante, também são marcas registradas que muito me agradam. Alguns frames frios também são muito bem inseridosdurante esses momentos de transição.
A distância de 2023 para 2006, ano do lançamento de "O Hospedeiro", foi o meu maior desafio no processo de digestão...
Há 17 anos, certamente eu teria considerado um filme muito acima da média. Em maio de 2023, eu consigo compreender o seu valor, mas seria forçado dizer que a experiência me gerou tanto impacto, depois de já ter consumido tanta coisa mais evoluída no gênero.
No fim das contas, são duas horas que valem muito como estudo da obra desse gênio coreano!
Triângulo da Tristeza
3.6 730 Assista AgoraNão acho que sobrecarregar um roteiro com dezenas de alegorias criticando a sociedade do espetáculo torne um filme bom. Até consegui distrair a minha cabeça brincando de pescar referências com a decadência da elite e a hipocrisia da classe média, mas achei zero genial. Overrated.
A Baleia
4.0 1,0K Assista AgoraAinda que Aronofsky não encabece a minha lista de diretores favoritos, é inegável a sua imensa habilidade de penetrar no íntimo dos personagens destrinchados em tela, escancarando suas obsessões e tragédias pessoais, sem a realização de muitas concessões aparentes. Foi assim em "Requiem for a Dream", foi assim em "Black Swan", foi assim em "Mother!" e é assim em "The Whale".
Justamente por esse "foda-se" que o diretor faz questão de implementar como uma de suas características principais, que uma análise mais simplista da sua obra pode acabar gerando um efeito contrário no âmago de quem assiste, como se ele, de certo modo, buscasse menosprezar seus próprios personagens, utilizando-se de certa crueldade e mera reprodução de clichês para gerar entretenimento cult às custas de temáticas sensíveis.
Não posso concordar com isso...
Os diferentes tipos de dependência química dos personagens de "Réquiem para um Sonho", o perfeccionismo obsessivo da bailarina de "Cisne Negro" e as alegorias ocultas de "Mãe!", desta vez, tomaram a forma da obesidade mórbida munida pelos efeitos da depressão e da compulsão alimentar, temáticas tão atuais.
Os diferentes níveis de ódio e desprezo para com o protagonista, não se resumem a sua condição física. Embora o fato de o personagem ter obesidade mórbida seja importante para a trama, ela é apenas uma consequência de diferentes processos banhados em estágios profundos de tristeza.
Charlie chegou a um nível depressivo tão irreversível que ele come para se afogar e passa a olhar pro relógio em contagem regressiva. A divisão do roteiro em dias da semana gera exatamente essa sensação claustrofóbica.
Embora a minha namorada tenha comentado que a repulsa pelo personagem, assim como os seus trejeitos caricatos ao manejar e se deleitar com um balde de frango frito soe gordofóbico, não seria justamente essa a mera representação da gordofobia na obra?
Ora, senão temos a seguinte sequência narrativa: um casal incompatível gera uma menina revoltada com o distanciamento do pai, que encontrou em uma relação homoafetiva a sua grande paixão, mas perdeu o seu companheiro por conta da intolerância da igreja, entrando num estágio de luto profundo, até desenvolver uma trágica condição de compulsão alimentar e resignação com a morte iminente, momento no qual resolve "correr atrás do tempo perdido", ao menos por alguns instantes.
Agora me diga: como é que uma pessoa depressiva e solitária, com extrema dificuldade de locomoção, pesando mais de duzentos quilos e, literalmente, comendo para morrer, deveria ser retratada em tela?
Sentando-se à mesa em horários determinados, fazendo questão de seguir a etiqueta em suas refeições? Se alimentando com comidas não processadas, bem preparadas e ricas em nutrientes? Sem limpar a mãozona suja de gordura na camisa enquanto traveste a sua dor com quilos e mais quilos de fast food? Dando trinta e quatro mastigadas enquanto saboreia cada uma de suas coxas de frango?
Talvez essa tal gordofobia esteja mais enraizada nos olhos do espectador do que de fato nas nuances da trama em si...
Entendo que a contratação de um ator "supersize" pudesse amenizar esse tipo de discussão, mas trabalhemos com o que temos.
E o que também temos é um trabalho técnico impecável capaz de caracterizar o antigo "George o Rei da Floresta" em um personagem esteticamente impactante e ainda mais complexo internamente, credenciando Brendan Fraser à disputa e eventual conquista da cobiçada estatueta de Melhor Ator.
Essa complexidade é o que a primeira cena do filme busca mostrar, nos empurrando para dentro da telinha preta de uma câmera letárgica e atrelada a um laptop que mais parece ser o único respiro de um filme ambientado em uma única câmara, mas que não perde para a monotonia.
Agradeçam a Deus por eu não ter lido "Moby Dick".
Do contrário, eu poderia ficar por mais umas duas mil palavras falando abobrinhas por aqui.
Ah, e nada como um final nos brindando com o alívio de um protagonista que se divide entre otimismo e saída de cena como duas faces da mesma moeda. Não à toa, o único raio de sol que passa pelo buraco da porta daquele apartamento, em quase duas horas de filme, é praticamente na mesma hora de sair do cinema.
Nada de Novo no Front
4.0 611 Assista AgoraRigorosamente NADA DE NOVO.
Tudo em Todo O Lugar ao Mesmo Tempo
4.0 2,1K Assista AgoraSe encontrar o equilíbrio entre as nossas próprias escolhas pode acabar sendo uma tarefa enlouquecedora, esse filme serve de trampolim para algumas reflexões sobre o tal "sentido da existência humana", então nada mais justo do que navegarmos por tudo quanto é gênero ~ao mesmo tempo~.
É de ficar sem gps entre um contexto surrealista de ficção científica e os momentos de humor nonsense com pitadas de Bruce Lee e Jackie Chan. Um filme de Kung Fu que também é drama e romance, se utilizando de elementos do gore para ilustrar o suspense que a própria ansiedade das protagonistas já nos sugere.
Em meio ao caos, fica fácil degustar sabores diferentes e até mesmo perder a noção de qual é a linha central do roteiro, sem deixar de se compadecer com cada processo depreciativo escancarado em tela.
A abordagem "piroca das ideias" também é a chave para tornar o filme acessível para quem só está disposto a se distrair, se entreter, sem deixar de se valer da sua complexidade para atrair outro tipo de telespectador.
Em meio a infinitas possibilidades, arranjar maneiras de se entregar à "finitude" da vida para suportar os buracos em que nós mesmos nos enfiamos, surge como alternativa a uma saída de cena bebendo da fonte da depressão.
Um filme maluco, poderoso e de estética inovadora.
Pantera Negra: Wakanda Para Sempre
3.5 799 Assista AgoraEmbora o conflito entre um povo preto e um povo indígena possa soar extremamente problemático, a sensibilidade do roteiro na hora de lidar com as fases do luto e ressignificar a história (depois de uma perda tão traumática), teve muita força enquanto eu assistia ao filme. A premissa de "proteger a criança" (na verdade, uma jovem adulta) também parece rasa e superficial, mas, no final das contas, eu caguei para todos os defeitos e me despedi da sala do cinema com um sorriso no rosto. As diferentes camadas que foram capazes de unir um filme de ação e fantasia com dramas pessoais fortes e discussões sociais latentes, nos entregaram uma belíssima homenagem a Chadwick Boseman, que deve ter ficado feliz da vida na companhia de seus ancestrais ♥
Quem tá dizendo que o filme é fraco é chato pra caralho.
Bicho de Sete Cabeças
4.0 1,1K Assista AgoraEmbora, em 2022, o tema seja extremamente batido e muito pouco solucionado, precisamos levar em consideração a principal crítica de um filme lançado há mais de duas décadas: enquanto o pai berra à esmo que o filho precisa ser dopado por remédios tarja preta e a mãe mastiga um cigarro atrás do outro, um jovem é lobotomizado por conta de meia dúzia de baseados e uma rebeldia juvenil trivial.
É incrível como a força das nossas estruturas fracassadas, banhadas em preconceito e conservadorismo inadequado, consegue se manter exercendo o controle sobre a vida das pessoas, a ponto de transformar um comportamento mais do que banal em um verdadeiro ~bicho de sete cabeças~
Mães Paralelas
3.7 411A verdade é nua e crua: o ar novelesco à lá Manoel Carlos é apenas uma alegoria para as letrinhas que subirão no final, assinadas por Eduardo Galeano. E foda-se esse spoiler suspensório. A maior parte do roteiro é um holograma para mães que perderam seus filhos e os filhos dos outros. É sobre mulheres que se fuderam sozinhas durante a guerra e fica a seu critério ilustrar em que guerra. É sobre dor e sofrimento velado em comunhão. O pior é que ainda deu pra sentir esperança no final... Almodóvar é muito pica!
O Menino que Matou Meus Pais
3.0 515 Assista AgoraAcompanhar o lindo romance protagonizado por Carla Diaz e Arthur Picoli de Conduru vale mais a pena do que parar pra assistir a essas duas aberrações de oitenta e poucos minutos. Aguardando pelo derradeiro filme III da trágica sequência: "O Baseado Que Matou Meus Pais". Como diria Marcelo Dourado, "Que filme ruim, velho! Mudou o meu conceito de horrível".
Estômago
4.2 1,6K Assista AgoraDemorei uma vida pra assistir, mas adorei a bifurcação inversa da historinha tragicômica que vai se abraçando. João Miguel muito bem! Os momentos de Ratatouille in Carandiru são ótimos também. Gostei dos efeitos sonoros da contínua mastigação de boca aberta, mas achei que a trilha sonora deixou um pouco a desejar. Também poderia ter menos cenas caricatas e destilar menos preconceitos cansados, mas, definitivamente, vale a pena.
Aqueles que me Desejam a Morte
2.9 255 Assista AgoraO novo longa dirigido por Taylor Sheridan (Sicário: Terra de Ninguém) e estrelado por Angelina Jolie (Garota Interrompida), entrou no circuito brasileiro de cinemas na última quinta-feira (27) e, muito provavelmente, vai agradar aquele tipo de espectador que só está interessado em distrair a cabeça e acompanhar um joguinho de gato e rato por pouco mais de 1h30min.
É o famoso filme de Tela Quente.
Eu estaria mentindo se dissesse que Aqueles Que Me Desejam a Morte é o tipo de obra que normalmente me atrairia, mas eu me peguei sendo puxado para a história conforme ela avançava, mesmo sem que houvesse qualquer complexidade nos momentos de transição, muito por conta do efeito catalisador da floresta em chamas que passou a ter um efeito de bomba-relógio.
Logo de cara, somos apresentados ao perito contador Owen Casserly (Jake Weber), responsável por desvendar algum tipo de esquema obscuro envolvendo magnatas e pessoas influentes do governo, e a seu filho Conner (Finn Little), que rapidamente despontam como alvos de uma busca implacável por parte dos agentes Jack (Aidan Gillen) e Patrick (Nicholas Hoult), que farão de tudo para silenciar a família e preservar o bom andamento dos negócios.
Quando uma abrupta amostra de eventos deixa claro para Owen que ele e o seu filho serão os próximos na lista de execuções, o jeito foi partir para o acampamento de seu cunhado Ethan Sawyer (Jon Bernthal), uma importante figura policial da região, para tentar se proteger e manter a maior distância possível dos inimigos.
No entanto, evidentemente alguma coisa teria que sair do planejado…
Ao vagar sozinho pela floresta isolada, depois de uma traumática experiência de tiroteio, o pequeno Conner acaba sucumbindo à proteção de uma bombeira paraquedista chamada Hannah Faber (Angelina Jolie), que havia sido remanejada para uma torre de incêndio erguida no local depois que um desastroso erro durante uma missão no passado passou a atormentá-la de maneira incessante.
De certa forma, a sutileza na construção da personagem de Angelina Jolie com alguns flashbacks do incidente pretérito e os efeitos sobre a sua personalidade repleta de angústia e rebeldia, foi informativa o suficiente para nos dar o incentivo de que precisávamos até admitir o porquê de sua personagem reagir a determinadas situações do jeito que ela reagia. Ao meu ver, esse nó ficou bem amarrado.
Talvez o ingrediente mais interessante no quesito roteiro seja justamente o fato de que o filme está carregado de pessoas traumatizadas e com pouco trato para lidar com os seus demônios e com os demônios alheios. A única alternativa acaba sendo buscar forças no que resta de resiliência em quem está ao lado e isso é traduzido em uma química convincente entre Angelina e o ator mirim. Se para um estava ruim, para o outro estava pior.
E a partir daí é questão de tempo para que as coisas comecem a se desenrolar de maneira pouco surpreendente. O filme soa bem montado para a ação, mas ignora a profundidade dos personagens. A lindíssima localização arborizada onde grande parte da trama está situada acaba sendo subutilizada no aspecto do novo incêndio florestal, que vem à tona esdruxulamente.
Além dos lampejos iniciais e da boa troca entre os protagonistas (muito por conta do trabalho super decente e natural entregue pelo jovem Finn Little), o filme de fato perdeu a oportunidade de dar sequência a alguns atos preparatórios que acabaram sendo acelerados demais. Se alguém descobrir qual era o segredo mantido por Owen, me avise.
Em compensação, seria injusto deixar de pontuar que os efeitos de Aqueles Que Me Desejam a Morte são bem feitos e que o uso acertado do som é capaz de inserir o espectador no meio do fogo. Enquanto a paisagem é lambida pelas chamas, é possível ouvir limpamente o barulho do fogo estalando ao redor da cena, o que é uma ótima maneira de trazer o público para o cenário caótico.
Provavelmente se você não assistir ao filme em uma boa sala de cinema, esse tipo de sensação poderá ser comprometida (mas se puder, fique em casa).
No mais, embora o roteiro parta de uma premissa simplória e o desfecho não seja tão empolgante, esse é um daqueles filmes que não vai acabar com o dia de ninguém. Se você estiver emotivo, dá até pra dar uma lacrimejada. Se resolveu assistir só por causa da beiça da Angelina, também dá pra sair satisfeito.
Ignore as conveniências do filme (e da vida), mas não se esqueça que onde há fumaça, há fogo.
Confira essa e outras críticas minhas via @metafictions_
Mundo em Caos
2.7 251 Assista AgoraDepois de aproximadamente um ano e quatro meses sem adentrar uma sala de cinema, acabei sucumbindo ao deleite cinéfilo, mesmo sem enxergar a esperada luz no fim do túnel desta pandemia insolente, e compareci à cabine de imprensa do tal Mundo em Caos, título que, a princípio, seria mais do que oportuno e apropriado ao momento.
Baseado no primeiro livro da trilogia de Patrick Ness, Mundo em Caos é uma espécie de faroeste de ficção científica, ambientado em um planeta distante e colonizado com um pequeno povoado, onde os pensamentos dos homens podem ser ouvidos pelos outros, numa espécie de “voz da consciência” em alto e bom tom.
Embora a expressão “sem pé nem cabeça” possa ter alcançado níveis nunca antes imaginados em diversos momentos da trama, é possível que a saudade que eu estava do cinema, a necessidade de apreciar qualquer obra na telona e o nível de cafeína no meu sangue tenham me feito ter mais boa vontade com o filminho de sessão da tarde do que ele merecia.
É possível dizer que o filme comandado por duas estrelas da franquia Disney (Tom Holland, o Homem-Aranha e Daisy Ridley, a Rey de de Star Wars), se passa em algum momento no futuro, em um planeta fora do Sistema Solar, mesmo que o roteiro se recuse a fornecer maiores informações sobre o tempo-espaço da história.
De uma maneira praticamente intuitiva, acaba sendo possível compreender que alguns terráqueos deixaram o seu planeta de origem, provavelmente degradado e com escassez de recursos, para semear novos sistemas e buscar uma melhor qualidade de vida em meio ao caos.
Todd Hewitt, protagonizado por Tom Holland, é aquele personagem adolescente que varia momentos de ingenuidade e valentia, subsistindo na pacata vila de Prentisstown, localizada em um planeta que parece abrigar colonizadores esquecidos, sendo todos eles homens chucros.
Depois de um bom tempo sem maiores direcionamentos e com bastante relutância ao “the noise” (a tal “voz da consciência”) que cada valentão emitia involuntariamente, somos informados de que a população nativa dizimou todas as mulheres da região, incluindo a mãe de Todd, durante uma guerra entre eles e os colonizadores.
Por conta dessa disputa pela sobrevivência no território distante, o intitulado prefeito David Prentiss (Mads Mikkelsen), passa a comandar aquele ordenamento social composto integralmente por membros hipermasculinizados e programados para não demonstrar fraquezas e expressar sentimentos mais profundos, lutando para dominar o “the noise” que habita em cada um.
No meio desse aquário de ruídos, masculinidade tóxica e instintos animalescos, surge a personagem de Daisy Ridley, Viola Eade, que cai de paraquedas (na verdade de espaçonave) nessa conjuntura desgraçada depois que o seu veículo espacial tem uma pane e a leva ao coração de uma floresta localizada no planeta estranho.
É mais do que previsível que Todd ficaria incumbido de encontrar e proteger a forasteira, única sobrevivente de seu acidente brutal. Mais previsível ainda é a paixão que ele começaria a nutrir pela bela moça de madeixas loiras, mesmo que Viola não necessitasse de proteção alguma, sendo mais perspicaz do que a imensa maioria dos brutamontes.
A partir de então surge uma tentativa frustrada de flerte, tendo em vista que o personagem de Holland nada mais é do que uma figura pré-adolescente e virjona que sequer havia se deparado com um ser do sexo feminino até então. Como agravante, temos o fato de que Viola tem acesso a todos os “ruídos” emitidos pela mente do rapaz enquanto ele não consegue descobrir um só pensamento da visitante. Apenas os homens são capazes de emitir o “the noise”, o que soa muito mais como penitência do que virtude.
Com a ausência de química entre o casal principal e a direção pautada em fugas e perseguições, os mecanismos de ficção científica acabam se tornando um atrativo do filme. Esses elementos coexistem com um aspecto de imagem de sobrevivência na selva, bem como através de resquícios de um velho faroeste americanizado, repleto de cavalos, armamentos e tropeções.
Na humilde opinião de quem vos escreve, os prazeres encontrados em narrativas distópicas têm muito a ver com um certo distanciamento, desde que os fios da história sejam bem amarrados. É broxante que Mundo em Caos apenas pincele a história de fundo envolvendo a raça nativa, esqueça da jornada anterior à colonização e demore horas para nos fornecer informações sobre os personagens secundários.
O longa não chega a ter duas horas de duração, mas parece focado em cobrir tanto terreno que não consegue se aprofundar em absolutamente nada, mesmo que tenha momentos razoáveis de ação e aventura. O material disponível parece ser suficiente para compor a primeira temporada inteira de um seriado, mas caminha como um trailer de filme mequetrefe. Às vezes chega a irritar.
Como a linha tênue entre o que é bom e o que é ruim pode ser ainda menos espessa entre os cinéfilos, é preciso ser justo e ressaltar que o orçamento de cem milhões de dólares destinado à produção dirigida por Doug Liman coloca o longa em uma posição de frustração no mercado. Talvez por conta disso o filme que estava programado para ser lançado pela Paris Filmes nos cinemas nacionais em 11 de março, teve a sua estreia adiada para 8 de abril e só será lançado oficialmente no dia 13 de maio.
No fim das contas, Mundo em Caos imerge o espectador em um conceito diferente de espaço cinematográfico, criando um filme que gradativamente ensina o espectador a assisti-lo, sendo esse o ponto alto da experiência. Com a evolução do roteiro, acaba sendo possível se acostumar com a forma com que os personagens interagem, particularmente como protegem os seus pensamentos que são revelados numa espécie de auréola projetada em forma de fumaça colorida.
Mesmo com vários pontos sem nó e com muita preguiça no acabamento de cada ato, eu me atrevo a dizer que se você estiver de bobeira na próxima quinta-feira (13), Mundo em Caos pode servir para distrair a cabeça e de quebra trazer alguns questionamentos existenciais sem maiores aprofundamentos.
A propósito, você gostaria de ler a mente das outras pessoas?
Eu, provavelmente, não suportaria.
Às vezes é preferível se afogar com palavras que nunca foram ditas.
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Pedaços De Uma Mulher
3.8 544 Assista AgoraDepois de ser esmurrado por esse filme que não se mostrou disposto a edulcorar a dor para me poupar da angústia tremenda, estou aqui elucubrando sobre as metáforas da fruta. Na história da humanidade, maçã já simbolizou fertilidade, esperança, traição e declínio. Dá pra encaixar todos os atos nesta lógica.
A relação da protagonista com cada maçã faz com que o fruto vire semente. O broto só surge quando o luto é encarado e superado. O epílogo na macieira é o alento, a confirmação de que foi possível tornar a germinar, transcender a maior perda do passado.
Cinema de emoção, dor e beleza triste.
Pelé
3.6 77Há mais de sessenta anos considerado o maior jogador de futebol de todos os tempos, é provável que Pelé possua um status simbólico insuperável, como não hesitava em declarar o meu saudoso vô.
Nascido no ano de 1940, Edson Arantes do Nascimento desenvolveu a magia em seus pés enquanto engraxava sapatos para colaborar com as despesas da sua família. Uma biografia que se inicia com o mesmo capítulo de milhares de brasileiros que sonham em gozar do glamour oriundo do mundo da bola.
Com dezesseis anos de idade, o Rei prodígio se torna jogador profissional do Santos e, em menos de um ano, já é convocado para a seleção brasileira principal. Aos dezessete, se sagra campeão mundial pela primeira vez, quatro anos depois repete a proeza atuando em apenas dois jogos, em 1966 sofre novamente com as lesões e em 1970 vive o seu apogeu, sagrando-se o único jogador na história a conquistar três Copas do Mundo, depois de ultrapassar a inacreditável marca dos mil gols.
No interessante documentário disponibilizado recentemente pela Netflix, Pelé nos dá acesso a um digníssimo acervo de imagens restauradas digitalmente e capazes de ilustrar os principais momentos da carreira da maior entidade do futebol mundial. As clássicas filmagens da final da Copa de 70, por exemplo, ganham um fôlego extra e entusiasmam os amantes da seleção canarinho.
Os diretores gringos Ben Nicholas e David Tryhorn ainda se esforçam para contextualizar a história de Pelé fora dos gramados, relacionando o sucesso dentro das quatro linhas e o panorama sociopolítico de um país imerso nas profundezas dos anos de chumbo.
As imagens de arquivo são intercaladas com entrevistas com jornalistas renomados, escritores, companheiros do Santos e da Seleção Brasileira, que entre brincadeiras e relatos, dão conta de nos inserir no cenário da época. Os comentários do próprio Pelé nos fazem flutuar pelas memórias do passado.
Pioneiro em quase tudo, o Rei tem outra faceta desmembrada pelo documentário: a de popstar. Atrelando o seu desempenho fenomenal dentro de campo à sua personalidade carismática e isentona, Pelé ganha rios de dinheiro promovendo todos os tipos de produtos possíveis e imagináveis. Encurralado pela força da sua marca, fica mais do que claro que ele sempre optou por se colocar acima das discussões políticas, camuflando as suas conveniências pessoais sob uma ideia de ídolo acessível e herói boa praça.
Essa falta de culhão rende, até os dias de hoje, um certo tipo de mancha na sua história, conforme relatado por diversos convidados do documentário. Segundo a maioria deles, Pelé abdicou do seu dever moral de se manifestar veementemente contra o golpe militar de 64 e optou por servir de propaganda ao regime como se não tivesse ciência de muita coisa.
Em contrapartida, esta crítica à passação de pano do Rei está sujeita a algumas ressalvas: será que Pelé, assim como tantos outros adversários políticos, teria sido boicotado ou até mesmo desaparecido misteriosamente caso tivesse se posicionado contra o sistema? A linha tênue entre a sobrevivência e a conveniência…
Ao mesmo tempo em que o regime militar se valia da Seleção de Pelé para ofuscar as intransigências e o massacre às liberdades individuais proposto em território nacional, o futebol encantador e a coleção de vitórias na Copa do México pareciam oxigenar um país que tentava se livrar, de uma vez por todas, do tal complexo de vira-latas. Pode ser que, dentro de campo, Pelé tenha conseguido o que jamais conseguiria fora dele.
Até porque, no final das contas, pro brasileiro médio, o futebol transcende quase tudo. O tal ópio do povo foi capaz de alçar um jovem preto e pobre ao patamar de Rei, símbolo de orgulho nacional e autoestima no cenário mundial. Isso tudo, em plena ditadura, não é pouca merda não… Pelé pode ter salvado algumas vidas de boca fechada.
Afinal, ele calado é um poeta.
Vida longa!
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Soul
4.3 1,4KAcho que pode ser algo geracional essa preocupação exacerbada com a idealização de sonhos, quase sempre responsáveis por fadar as pessoas a frustrações. Deixar de perceber que a água já é o oceano é mais do que triste, é cruel. Soul surge para lembrar que missão não é propósito. De uma maneira quase bíblica, cada metáfora esmiúça os nossos anseios e tenta nos trazer de volta para a vida após um ano de pandemia. A Pixar tem uma parcela de genialidade muito importante na história recente do cinema.
A Voz Suprema do Blues
3.5 540 Assista AgoraA Netflix acaba de incluir em seu catálogo o interessante A Voz Suprema do Blues, um filme que se prende a uma linguagem de teatro, mas não tem o seu ritmo comprometido, muito por conta da potência dos monólogos. Essa é uma daquelas obras com roteiro simples, mas repleta de personagens tragicamente profundos. Se você é apreciador de textos e interpretações, temos aqui um prato cheio.
O enredo busca reverenciar a cantora Ma Rainey (Viola Davis), conhecida como “Mãe do Blues”, cujo nome e música batizam o título original em inglês. No final da década de 1920, a estrela está prestes a produzir um novo disco em um estúdio em Chicago, em conjunto com a sua banda formada por três membros principais, Toledo (Glynn Turman), Cutler (Colman Domingo) e Slow Drag (Michael Potts), músicos veteranos habilidosos, instintivamente programados para tocar o que Rainey mandar.
Assim que o ambicioso trompetista Levee (Chadwick Boseman) entra em cena, logo percebemos que ele e a protagonista serão os fios ativos da trama e que o restante da banda se encaixará na história de uma maneira mais pragmática, porém eficaz. Levee claramente tem pretensões maiores do que as de um simples músico de apoio, mas a mãe do blues não permite qualquer tipo de interferência externa nas suas decisões tomadas a partir de uma posição hierárquica conquistada na marra, graças ao seu talento.
Então, para olhos mais preguiçosos, A Voz Suprema do Blues é um filme sobre músicos de blues que se juntam para gravar algumas canções, num dia quente de verão em Chicago, no ano de 1927. No meio disso, um trompetista abusado e uma cantora arrogante resolvem travar uma guerra fria inútil, tendo em vista que a corda só poderia arrebentar para o lado mais fraco e mais óbvio.
Na prática, há temas mais complexos de injustiça social que ainda ecoam na sociedade até os dias de hoje, mesmo depois de quase cem anos. Esse filme simboliza a experiência dos negros americanos no início do século XX e não há melhor lugar para começar a contar esta história do que pelo próprio blues, narrando dores, fugas, desejos e as formas de expressão que esse povo encontrou através da arte.
Não é coincidência que o blues tenha surgido no final do século XIX, quando as pessoas negras escravizadas foram, supostamente, libertadas da escravidão. Embora as restrições físicas em seus corpos possam ter sido eliminadas, as violações de garantias produzidas por uma sociedade imersa no racismo estavam só começando. O blues sempre foi refúgio.
É fazendo esse gancho entre música e resistência histórica que surgem os monólogos ilustrando as experiências de Levee, de Ma, de Toledo… Quando Levee descreve o testemunho da terrível violação da sua mãe por uma gangue de homens brancos, o discurso ganha uma potência absurda ao confrontar a religiosidade de Cutler, como se não houvesse justiça divina, reduzindo a distância entre ator e espectador, já que esta atuação se tratava do “canto do cisne” de Chadwick Boseman, que já batalhava contra um câncer.
Se o desempenho turbulento e deslumbrante de Viola Davis passa pela raiva e resignação da sua personagem, coberta por uma maquiagem berrante, por dentes de ouro reluzentes e uma considerável camada de suor permanente, Chadwick Boseman praticamente urra de dor e ansiedade, comprometendo-se com as cenas de uma maneira tão feroz que as emoções soam reais. O caminho para a autodestruição do personagem é seguido com o vigor de quem sabe que vai morrer.
E, por isso, talvez por isso, o momento mais impactante do filme seja justamente causado pela obsessão do seu personagem por uma porta, como um pesadelo capaz de simbolizar o futuro de Levee, enclausurado debaixo do céu, sucumbindo à ira imposta pelas suas próprias cicatrizes. A Voz Suprema do Blues é uma obra crítica e estimulante o suficiente para marcar com muito bom gosto a volta do Pantera Negra para Wakanda.
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