Infelizmente o drama indígena parece não ter fim. No mesmo dia que assisti a este filme, quatro anos após seu lançamento, li esta notícia: "Indígenas Guarani e Kaiowá foram espancados com socos, chutes e coronhadas" [https : //apublica. org/2021/03/indigenas-guarani-e-kaiowa-foram-espancados-com-socos-chutes-e-coronhadas/]. É menos coincidência que constatação do genocídio e tortura diária dos povos indígenas. Impossível não sair impactado com esse documentário. Causa ainda mais revolta como o tema é tão pouco discutido em profundidade pela sociedade civil. Mesmo quando o assunto é pautado pela grande mídia, é entremeada por anúncios do seu maior culpado, o agronegócio, como a campanha "o agro é pop", campanha publicitária bancado pelos ruralistas para desvirtuar o foco dos problemas criados por esse modelo de negócio predatório. No final do filme tem um discurso asqueroso da "Miss Desmantamento" Kátia Abreu junto com Ronaldo Caiado, contanto ainda com a presença do ex-ministro Mandetta, que é perfeita visão do inferno. Um pulha chega a falar que "a propriedade é a coisa mais sagrada que o ser humano tem", declaração que é tanto errônea com relação aos conservadores originais da terra, como também nos diz o quanto vale a vida para esse pessoal.
Criativa propaganda anticomunista. No final até usam crianças para remeter ao mito dos "comedores de criancinhas". Também há uma curiosa e breve participação de um jovem Leonard Nimoy.
Irritantemente didático e expositivo. O roteiro é frouxo, e o filme desnecessariamente longo. Mas merece ser visto pela impressionante interpretação de Andra Day no papel de Lady Day.
Adaptação bastante livre do conto de Tólstoi. Bresson abstraí quase completamente signos e expressões humanas, concentrando o olhar no fluxo das ações.
Grande filme. Tem ecos de Jeanne Dielman, O Sétimo Continente, entre outros filmes que lidam com o isolamento existencial. Os longos planos, alguns bastante incômodos, além da longa duração do filme em si, contribuem para esse sentimento de angústia contida interminável. A cena de Yana deitada na relva, com o som exterior sutilmente se esvaindo, e seu rosto sendo banhado pela luz, é de uma beleza ímpar. Ela meio que está centrada em si, em paz neste momento, mas também explicitando seu isolamento em um simulacro de sua própria morte. Gosto como o filme não é pautado exatamente pela narrativa, mas sim pela maneira como cada cena imprime uma sensação e importância do momento. Gosto da ambiguidade do filme, que dialoga com a linguagem documental, sem exatamente tomar partido ou ponto de vista.
A insatisfação de muitos aqui me parece ser mais pela expectativa criada. Encarar como um drama que faz uso do cinema de gênero (horror) para dar uma nova abordagem a temas já antes vistos poderia resolver essa questão. O uso do folclore para tratar do genocídio guatemalteco é inventivo e eficaz. O filme consegue manter até o final dúvidas em relação ao que está sendo revelado, brincando com clichês do horror e criando uma zona nebulosa de percepção da realidade.
Um poema visual que se pauta no discurso antipatriarcado e denúncia da insatisfação silenciada da figura feminina nesse sistema. Vejo as representações maridos como duas perspectivas deste relacionamento conjugal: a primeira, do esposo "real", aquele conciliado ao sistema, atencioso apenas às demandas financeiras (nos quais os créditos iniciais do filme fazem referência); a segunda, do doppelgänger, como uma possibilidade do afeto neste mesmo sistema, um desejo feminino - "Quem é você", perguntou a esposa. "Eu sou aquele que vive sob a pele das mulheres", respondeu o fantasma. Evidentemente este desejo íntimo não pode se materializar e contrariar as regras do patriarcado, nem que negociado com mágicas moedas de ouro, pois a questão não é meramente econômica e sim de demarcação social, de gênero. Deve continuar sufocado, aprisionado em um poço profundo. E cabe apenas aos homens, os únicos beneficiados deste sistema, julgar e condenar tais conflitos.
É interessante fazer uma leitura prévia sobra o autor, Ango Sakaguchi, e o contexto político no qual foi escrita a obra original, para que a percepção dessa narrativa não fique no mero apelo ao fantástico que se alinha a um tipo característico da literatura e folclore do Japão. Sakaguchi foi um dos proeminentes autores do movimento Buraiha (Decadentes), romancistas, contistas e ensaístas que procuraram na literatura exprimir os dilemas existenciais do Japão pós-Segunda Grande Guerra. Nesse corpo crítico é que se assenta "Sob as Cerejeiras em Flor". A devoção obsequente do bandido às demandas absurdas de sua esposa, por exemplo, é uma alegoria a relação do povo japonês diante dos caprichos políticos e irresponsáveis do seu Império.
Também há muito conteúdo autobiográfico do autor no que se refere às suas dificuldades no convívio e regras sociais. Entretanto, a obra é tão fluida em simbolismos que é válida outras observações e interpretações, sejam elas em relação ao tipo de relacionamento corrosivo em nível pessoal, à pulsão sexual e pulsão de morte (Eros e Tanatos), ao fatalismo niilista, ou ao tema mais emblemático e que dá nome a obra: a fascinação e perdição de sentidos quando confrontado com algo incrivelmente belo (ou que assim se aparenta). Uma pena o autor continuar, até este momento, inédito em língua portuguesa, mas é possível encontrar versões em espanhol e inglês de seus trabalhos.
Essa adaptação do renomado diretor Masahiro Shinoda consegue trazer essa ambiguidade e caráter líquido da história, conduzindo-a por terrenos diversos como o teatro kabuki, a comédia de costumes, a crítica social e política, e as histórias de horror tradicionais japonesas. Tomisaburo Wakayama, famoso pela série Zatoichi e Lobo Solitário, ainda que caricatural, encorpora bem o caráter bruto e simplório do povo japonês, enquanto Shima Iwashita, esposa e estrela de vários filmes do diretor, entre eles o excelente "Balada de Orin", interpreta a bela, refinada e manipulativa esposa.
Em tempos de negacionistas anti-vacina, revisionismos de toda a espécie, injustiças sociais e recusa de ao menos ouvir o próximo, A Vastidão da Noite meio que sintetiza esse caldo social lodoso no qual vivemos e parece estarmos presos em definitivo. Faz isso usando de uma estética e ambientação que remete aos sci-fis dos anos 50, especialmente o seriado Além da Imaginação (The Twilight Zone), produção mítica que em sua época exprimiu os medos e preconceitos da sociedade norte-americana.
Há ecos de Foucault e seu Vigiar e Punir, de como o Estado promove o controle da mente e dos corpos das pessoas. O filme, no entanto, não procura contextualizar intelectualmente esse sistema, ainda que assim também o faça indiretamente. O foco aqui é outro, ao se ater ao emocional, à experiência real, de como a punição exagerada, sistematicamente gerida por alguns senhores, claramente não como uma forma de reabilitação, mas de controle, não afeta somente aquele que foi condenado, mas toda uma família ou mesmo uma comunidade. A diretora, Garrett Bradley, constrói seu filme com uma fotografia em preto e branco e alguns takes a incitar mensagens simbólicas, que dialoga muito com a linguagem de obras ficcionais. O final, com as imagens do início sendo rebobinadas, parece dizer que as experiências que poderiam ter sido compartilhadas por aquela família são irrecuperáveis, mas o amor contido nelas, promovido por um estoicismo de um mulher e seus filhos, é a base para a reconstrução do tempo perdido. Um filme que se adiciona ao rol de obras em prol do abolicionismo penal, tema cada vez mais urgente na sociedade. Bom para ver em conjunto com o documentário 13ª Emenda.
Documentário já candidato a clássico. Pungente na denúncia, mas que tem como grande escopo a afirmação positiva da cultura do povo negro. Mais ação que reação. A ideia de reinterpretar o passado através dos olhos e ações de hoje, sintetizado no provérbio "Exu matou um pássaro ontem com a pedra que atirou hoje", é genial e sensivelmente conduzida como forma de discurso durante o filme. Engana-se quem pensa que é destinado somente a quem gosta de rap ou samba (ainda que muito provavelmente vai levar mais pessoas a dar mais ouvidos a essas expressões musicais). É sobre a identidade cultural brasileira, negra, e como ela é a base para seguir em frente diante das adversidades sofridas por um povo.
Meu contato introdutório ao Mito dos Nibelungos foi, como de muita gente, através da tetralogia operística de Wagner "Der Ring des Nibelungen". É uma adaptação muito mais fantástica do mito e talvez mais fascinante ao público moderno. Esta versão de Fritz Lang, com roteiro em colaboração com sua então esposa Thea von Harbou, é mais fiel a versão mais conhecida da "Canção dos Nibelungos", poema épico formador da identidade alemã.
Essa segunda parte da saga continua espetacular, mas menos fantasiosa, centrada em disputas políticas. Os problemas desse segundo filme em comparação ao primeiro, tendo em vista que são um filme só divididos em duas partes, residem em uma má condução na evolução dos personagens, ou pelo menos da personagem principal, Crimilda (Kriemhild no original), ainda que aqui ela seja uma figura muito mais interessante, ambígua na dicotomia de heroísmo e vilania, possivelmente a servir de inspiração para Daenerys Targaryen em Game of Thrones, mas também em um desnecessário prolongamento da parte final, que de potencialmente impactante chega a ser enfadonha, ainda que tecnicamente impressionante. Thea von Harbou tenta dar um tom de honra e irmandade aos nibelungos (e o termos nibelungo aqui é melhor entendido como aqueles que detêm os tesouros dos originais nibelungos, os duendes apresentados no primeiro filme), mas não convence. Prenunciando sua colaboração ao identitário nazista, a roteirista procura sobrelevar uma suposta altivez moral germânica através da relutância dos nibelungos a entregar um companheiro (Hagen Tronje) à vingança de Crimilda, mas parece crer que o público não lembraria que tal união foi fruto de insídia ao trair Siegfried e manter-se fiel ao um rei fraco que se beneficiou-se das ações do herói (estas também moralmente problemáticas) e acreditar nas mentiras de uma mulher, Brunilda, que claramente não o aceitava. Aliás, em termos morais quase tudo nessa obra se apresenta em uma zona cinzenta, e mesmo os chamados heróis são questionáveis. Hagen Tronje, aquele que escondeu o tesouro dos nibelungos no Rio Reno, com sua apresentação ameaçadora, que no primeiro filme é claramente um antagonista, aqui se cobre de tons cavalheirescos, nobres, pois na sua percepção Brunilda fora realmente estuprada por Siegfried, e, se não me engano, permaneceu em ignorância até o fim.
Um espetáculo proto-fascista? A representação dos hunos como figuras quase animalescas, deformadas, em contraste com a altivez, beleza e simetria dos burgúndios parece querer tecer uma superioridade germânica frente aos outros povos. Também é impossível não ver certas passagens desses dois filmes, com suas formações ordeiras, palácios grandiosos, simetricamente perfeitos, e não fazer comparação com imagens das reuniões e apresentações nazistas que aconteceriam anos depois. Fritz Lang depois se separaria de Thea em nível pessoal e profissional, recusaria convite de Joseph Goebbels para comandar o novo cinema alemão, que se tornaria mais um veículo de propaganda ideológica, e iria se exilar nos EUA, onde defenderia um discurso anti-nazista, tendo inclusive ajudado na criação da Hollywood Anti-Nazi League e dirigido alguns filmes com esse discurso político como "O Homem que Quis Matar Hitler"(1941) e "Os Carrascos Também Morrem" (1943), este com roteiro de Bertolt Brecht. Entretanto, ainda que hoje expiado de qualquer culpa, o diretor alemão com seu Die Nibelungen ajudaria a criar parte da estética e código nacionalista/fascista do Terceiro Reich. Outros filmes do diretor, especialmente Metrópolis, seu filme mais conhecido, e na minha opinião o mais moralmente problemático, também carregam essa pecha.
Ainda que dramaticamente mais denso, A Vingança de Kremilda é inferior a Siegfreed não só em termos de roteiro, seu ponto mais problemático, mas também na criação e tratamento de quadros emblemáticos, abundantemente presentes no filme anterior, graças especialmente a criação visual inventiva de Otto Hunte, importante designer de produção do cinema de Weimar. Apesar de seus defeitos, sobressai-se em sua grandiosidade e apuro técnico. Em conjunto com a primeira parte, Siegfried, lançado originalmente apenas dois meses antes nos cinemas alemães, são quase cinco horas de uma obra inesquecível.
Filme que me surpreendeu positivamente, quebrando algumas expectativas (é bom não ler muito sobre ele). O roteiro, episódico, conta histórias sobre as desventuras daqueles que amam a partir de um personagem central, Abe no Yasuna, interpretado por Hashizô Ôkawa, e três personagens femininas interpretadas por um mesma atriz, Michiko Saga. A estrutura faz muito uso de esteticismo teatral, até mesmo nos efeitos visuais: em uma cena, por exemplo, borboletas voam sem que o filme não esconda que são apenas fantoches guiados por linhas visíveis ao espectador; e com o avanço da história essa estrutura teatral fica cada vez mais explícita. O filme traz como personagens figuras reais da história japonesa, mas que com o tempo foram assimiladas no folclore e mitologia, servindo como fonte para peças do teatro kabuki. Abe no Seimei, filho de Yasuna, que no filme aparece apenas como um boneco figurativo (novamente o recurso teatral), é personagem recorrente de muitos filmes, livros e mangás no Japão (é, por exemplo, um dos personagens do mangá "Nura - A Ascensão do Clã das Sombras", editado aqui no Brasil pela editora JBC). A estrutura, entretanto, não é propriamente de um teatro filmado, pois a linguagem é cinematográfica, mas faz uma homenagem e uma mescla de estilos muito bela e inteligente.
Socorram-me! Esse ônibus que subi em Marrocos, construído e pilotado pelo Nolan, de fora parecia algo de última geração, mas o motor tava fundido e dentro era vazio.
Gostaria de ter apreciado mais. Sou fã do Buster Keaton (quem não é?). Mas o racismo presente neste filme me tirou do eixo. Além disso, as famosas gags visuais só aparecem no terço final e o filme em geral tem poucas boas piadas. Pelo menos uma delas demanda algum conhecimento contextual, como aquela com a figura do Julian Eltinge. Se as cenas finais com a perseguição das 'noivas' remetem a 'Hard's Day Night' dos Beatles, não é por mero acaso. Richard Lester era fã do diretor e claramente se inspirou nele (e no the Keystone Cops) para algumas cenas do emblemático filme do quarteto de Liverpool.
Filme proibido por Mussolini na época. Compreensível o porquê. A reminiscência a Borat não é coincidência. Groucho foi a maior inspiração para o personagem de Sacha Baron Cohen.
O filme é incrível em transmitir essa ideia de não estar realmente no mundo, de estar suspenso em algum ponto fora do tempo. Muitas vezes também me vejo como o axolote de Cortázar.
Martírio
4.6 59Infelizmente o drama indígena parece não ter fim. No mesmo dia que assisti a este filme, quatro anos após seu lançamento, li esta notícia: "Indígenas Guarani e Kaiowá foram espancados com socos, chutes e coronhadas" [https : //apublica. org/2021/03/indigenas-guarani-e-kaiowa-foram-espancados-com-socos-chutes-e-coronhadas/]. É menos coincidência que constatação do genocídio e tortura diária dos povos indígenas. Impossível não sair impactado com esse documentário. Causa ainda mais revolta como o tema é tão pouco discutido em profundidade pela sociedade civil. Mesmo quando o assunto é pautado pela grande mídia, é entremeada por anúncios do seu maior culpado, o agronegócio, como a campanha "o agro é pop", campanha publicitária bancado pelos ruralistas para desvirtuar o foco dos problemas criados por esse modelo de negócio predatório. No final do filme tem um discurso asqueroso da "Miss Desmantamento" Kátia Abreu junto com Ronaldo Caiado, contanto ainda com a presença do ex-ministro Mandetta, que é perfeita visão do inferno. Um pulha chega a falar que "a propriedade é a coisa mais sagrada que o ser humano tem", declaração que é tanto errônea com relação aos conservadores originais da terra, como também nos diz o quanto vale a vida para esse pessoal.
O Mundo em Perigo
3.6 36Criativa propaganda anticomunista. No final até usam crianças para remeter ao mito dos "comedores de criancinhas". Também há uma curiosa e breve participação de um jovem Leonard Nimoy.
Estados Unidos Vs Billie Holiday
3.3 150 Assista AgoraIrritantemente didático e expositivo. O roteiro é frouxo, e o filme desnecessariamente longo. Mas merece ser visto pela impressionante interpretação de Andra Day no papel de Lady Day.
O Garoto Mais Bonito do Mundo
3.4 14Lady Oscar
O Dinheiro
3.8 50 Assista AgoraAdaptação bastante livre do conto de Tólstoi. Bresson abstraí quase completamente signos e expressões humanas, concentrando o olhar no fluxo das ações.
Aya e a Bruxa
2.7 81Goro é insistente, né? Gostei da participação do Geddy Lee.
Anos Dourados
3.3 4Degenerados
Beginning
3.4 16 Assista AgoraGrande filme. Tem ecos de Jeanne Dielman, O Sétimo Continente, entre outros filmes que lidam com o isolamento existencial. Os longos planos, alguns bastante incômodos, além da longa duração do filme em si, contribuem para esse sentimento de angústia contida interminável. A cena de Yana deitada na relva, com o som exterior sutilmente se esvaindo, e seu rosto sendo banhado pela luz, é de uma beleza ímpar. Ela meio que está centrada em si, em paz neste momento, mas também explicitando seu isolamento em um simulacro de sua própria morte. Gosto como o filme não é pautado exatamente pela narrativa, mas sim pela maneira como cada cena imprime uma sensação e importância do momento. Gosto da ambiguidade do filme, que dialoga com a linguagem documental, sem exatamente tomar partido ou ponto de vista.
A Chorona
3.4 90 Assista AgoraA insatisfação de muitos aqui me parece ser mais pela expectativa criada. Encarar como um drama que faz uso do cinema de gênero (horror) para dar uma nova abordagem a temas já antes vistos poderia resolver essa questão. O uso do folclore para tratar do genocídio guatemalteco é inventivo e eficaz. O filme consegue manter até o final dúvidas em relação ao que está sendo revelado, brincando com clichês do horror e criando uma zona nebulosa de percepção da realidade.
Números
3.8 1Está disponível em algum lugar? Não consigo encontrar.
The Old Capital
4.0 2Terceiro filme, se não me engano, baseado no mesmo romance de Kawabata.
In Two Minds
4.0 7Um poema visual que se pauta no discurso antipatriarcado e denúncia da insatisfação silenciada da figura feminina nesse sistema. Vejo as representações maridos como duas perspectivas deste relacionamento conjugal: a primeira, do esposo "real", aquele conciliado ao sistema, atencioso apenas às demandas financeiras (nos quais os créditos iniciais do filme fazem referência); a segunda, do doppelgänger, como uma possibilidade do afeto neste mesmo sistema, um desejo feminino - "Quem é você", perguntou a esposa. "Eu sou aquele que vive sob a pele das mulheres", respondeu o fantasma. Evidentemente este desejo íntimo não pode se materializar e contrariar as regras do patriarcado, nem que negociado com mágicas moedas de ouro, pois a questão não é meramente econômica e sim de demarcação social, de gênero. Deve continuar sufocado, aprisionado em um poço profundo. E cabe apenas aos homens, os únicos beneficiados deste sistema, julgar e condenar tais conflitos.
MAGNUS
4.3 2Cadastro todo mal feito. Sem nem o nome do diretor, Benjamin Ree. A plataforma não deveria permitir isso.
Lovers Rock
4.2 24youtube.com/watch?v=cBkq9BnxDmY
Sob as Cerejeiras em Flor
4.1 11É interessante fazer uma leitura prévia sobra o autor, Ango Sakaguchi, e o contexto político no qual foi escrita a obra original, para que a percepção dessa narrativa não fique no mero apelo ao fantástico que se alinha a um tipo característico da literatura e folclore do Japão. Sakaguchi foi um dos proeminentes autores do movimento Buraiha (Decadentes), romancistas, contistas e ensaístas que procuraram na literatura exprimir os dilemas existenciais do Japão pós-Segunda Grande Guerra. Nesse corpo crítico é que se assenta "Sob as Cerejeiras em Flor". A devoção obsequente do bandido às demandas absurdas de sua esposa, por exemplo, é uma alegoria a relação do povo japonês diante dos caprichos políticos e irresponsáveis do seu Império.
Também há muito conteúdo autobiográfico do autor no que se refere às suas dificuldades no convívio e regras sociais. Entretanto, a obra é tão fluida em simbolismos que é válida outras observações e interpretações, sejam elas em relação ao tipo de relacionamento corrosivo em nível pessoal, à pulsão sexual e pulsão de morte (Eros e Tanatos), ao fatalismo niilista, ou ao tema mais emblemático e que dá nome a obra: a fascinação e perdição de sentidos quando confrontado com algo incrivelmente belo (ou que assim se aparenta). Uma pena o autor continuar, até este momento, inédito em língua portuguesa, mas é possível encontrar versões em espanhol e inglês de seus trabalhos.
Essa adaptação do renomado diretor Masahiro Shinoda consegue trazer essa ambiguidade e caráter líquido da história, conduzindo-a por terrenos diversos como o teatro kabuki, a comédia de costumes, a crítica social e política, e as histórias de horror tradicionais japonesas. Tomisaburo Wakayama, famoso pela série Zatoichi e Lobo Solitário, ainda que caricatural, encorpora bem o caráter bruto e simplório do povo japonês, enquanto Shima Iwashita, esposa e estrela de vários filmes do diretor, entre eles o excelente "Balada de Orin", interpreta a bela, refinada e manipulativa esposa.
A Vastidão da Noite
3.5 576 Assista AgoraEm tempos de negacionistas anti-vacina, revisionismos de toda a espécie, injustiças sociais e recusa de ao menos ouvir o próximo, A Vastidão da Noite meio que sintetiza esse caldo social lodoso no qual vivemos e parece estarmos presos em definitivo. Faz isso usando de uma estética e ambientação que remete aos sci-fis dos anos 50, especialmente o seriado Além da Imaginação (The Twilight Zone), produção mítica que em sua época exprimiu os medos e preconceitos da sociedade norte-americana.
Time
3.5 72 Assista AgoraHá ecos de Foucault e seu Vigiar e Punir, de como o Estado promove o controle da mente e dos corpos das pessoas. O filme, no entanto, não procura contextualizar intelectualmente esse sistema, ainda que assim também o faça indiretamente. O foco aqui é outro, ao se ater ao emocional, à experiência real, de como a punição exagerada, sistematicamente gerida por alguns senhores, claramente não como uma forma de reabilitação, mas de controle, não afeta somente aquele que foi condenado, mas toda uma família ou mesmo uma comunidade. A diretora, Garrett Bradley, constrói seu filme com uma fotografia em preto e branco e alguns takes a incitar mensagens simbólicas, que dialoga muito com a linguagem de obras ficcionais. O final, com as imagens do início sendo rebobinadas, parece dizer que as experiências que poderiam ter sido compartilhadas por aquela família são irrecuperáveis, mas o amor contido nelas, promovido por um estoicismo de um mulher e seus filhos, é a base para a reconstrução do tempo perdido. Um filme que se adiciona ao rol de obras em prol do abolicionismo penal, tema cada vez mais urgente na sociedade. Bom para ver em conjunto com o documentário 13ª Emenda.
AmarElo - É Tudo Pra Ontem
4.6 354 Assista AgoraDocumentário já candidato a clássico. Pungente na denúncia, mas que tem como grande escopo a afirmação positiva da cultura do povo negro. Mais ação que reação. A ideia de reinterpretar o passado através dos olhos e ações de hoje, sintetizado no provérbio "Exu matou um pássaro ontem com a pedra que atirou hoje", é genial e sensivelmente conduzida como forma de discurso durante o filme. Engana-se quem pensa que é destinado somente a quem gosta de rap ou samba (ainda que muito provavelmente vai levar mais pessoas a dar mais ouvidos a essas expressões musicais). É sobre a identidade cultural brasileira, negra, e como ela é a base para seguir em frente diante das adversidades sofridas por um povo.
A Vingança de Kriemhilde
4.2 13Meu contato introdutório ao Mito dos Nibelungos foi, como de muita gente, através da tetralogia operística de Wagner "Der Ring des Nibelungen". É uma adaptação muito mais fantástica do mito e talvez mais fascinante ao público moderno. Esta versão de Fritz Lang, com roteiro em colaboração com sua então esposa Thea von Harbou, é mais fiel a versão mais conhecida da "Canção dos Nibelungos", poema épico formador da identidade alemã.
Essa segunda parte da saga continua espetacular, mas menos fantasiosa, centrada em disputas políticas. Os problemas desse segundo filme em comparação ao primeiro, tendo em vista que são um filme só divididos em duas partes, residem em uma má condução na evolução dos personagens, ou pelo menos da personagem principal, Crimilda (Kriemhild no original), ainda que aqui ela seja uma figura muito mais interessante, ambígua na dicotomia de heroísmo e vilania, possivelmente a servir de inspiração para Daenerys Targaryen em Game of Thrones, mas também em um desnecessário prolongamento da parte final, que de potencialmente impactante chega a ser enfadonha, ainda que tecnicamente impressionante. Thea von Harbou tenta dar um tom de honra e irmandade aos nibelungos (e o termos nibelungo aqui é melhor entendido como aqueles que detêm os tesouros dos originais nibelungos, os duendes apresentados no primeiro filme), mas não convence. Prenunciando sua colaboração ao identitário nazista, a roteirista procura sobrelevar uma suposta altivez moral germânica através da relutância dos nibelungos a entregar um companheiro (Hagen Tronje) à vingança de Crimilda, mas parece crer que o público não lembraria que tal união foi fruto de insídia ao trair Siegfried e manter-se fiel ao um rei fraco que se beneficiou-se das ações do herói (estas também moralmente problemáticas) e acreditar nas mentiras de uma mulher, Brunilda, que claramente não o aceitava. Aliás, em termos morais quase tudo nessa obra se apresenta em uma zona cinzenta, e mesmo os chamados heróis são questionáveis. Hagen Tronje, aquele que escondeu o tesouro dos nibelungos no Rio Reno, com sua apresentação ameaçadora, que no primeiro filme é claramente um antagonista, aqui se cobre de tons cavalheirescos, nobres, pois na sua percepção Brunilda fora realmente estuprada por Siegfried, e, se não me engano, permaneceu em ignorância até o fim.
Um espetáculo proto-fascista? A representação dos hunos como figuras quase animalescas, deformadas, em contraste com a altivez, beleza e simetria dos burgúndios parece querer tecer uma superioridade germânica frente aos outros povos. Também é impossível não ver certas passagens desses dois filmes, com suas formações ordeiras, palácios grandiosos, simetricamente perfeitos, e não fazer comparação com imagens das reuniões e apresentações nazistas que aconteceriam anos depois. Fritz Lang depois se separaria de Thea em nível pessoal e profissional, recusaria convite de Joseph Goebbels para comandar o novo cinema alemão, que se tornaria mais um veículo de propaganda ideológica, e iria se exilar nos EUA, onde defenderia um discurso anti-nazista, tendo inclusive ajudado na criação da Hollywood Anti-Nazi League e dirigido alguns filmes com esse discurso político como "O Homem que Quis Matar Hitler"(1941) e "Os Carrascos Também Morrem" (1943), este com roteiro de Bertolt Brecht. Entretanto, ainda que hoje expiado de qualquer culpa, o diretor alemão com seu Die Nibelungen ajudaria a criar parte da estética e código nacionalista/fascista do Terceiro Reich. Outros filmes do diretor, especialmente Metrópolis, seu filme mais conhecido, e na minha opinião o mais moralmente problemático, também carregam essa pecha.
Ainda que dramaticamente mais denso, A Vingança de Kremilda é inferior a Siegfreed não só em termos de roteiro, seu ponto mais problemático, mas também na criação e tratamento de quadros emblemáticos, abundantemente presentes no filme anterior, graças especialmente a criação visual inventiva de Otto Hunte, importante designer de produção do cinema de Weimar. Apesar de seus defeitos, sobressai-se em sua grandiosidade e apuro técnico. Em conjunto com a primeira parte, Siegfried, lançado originalmente apenas dois meses antes nos cinemas alemães, são quase cinco horas de uma obra inesquecível.
Estranho Amor
4.1 1Filme que me surpreendeu positivamente, quebrando algumas expectativas (é bom não ler muito sobre ele). O roteiro, episódico, conta histórias sobre as desventuras daqueles que amam a partir de um personagem central, Abe no Yasuna, interpretado por Hashizô Ôkawa, e três personagens femininas interpretadas por um mesma atriz, Michiko Saga. A estrutura faz muito uso de esteticismo teatral, até mesmo nos efeitos visuais: em uma cena, por exemplo, borboletas voam sem que o filme não esconda que são apenas fantoches guiados por linhas visíveis ao espectador; e com o avanço da história essa estrutura teatral fica cada vez mais explícita. O filme traz como personagens figuras reais da história japonesa, mas que com o tempo foram assimiladas no folclore e mitologia, servindo como fonte para peças do teatro kabuki. Abe no Seimei, filho de Yasuna, que no filme aparece apenas como um boneco figurativo (novamente o recurso teatral), é personagem recorrente de muitos filmes, livros e mangás no Japão (é, por exemplo, um dos personagens do mangá "Nura - A Ascensão do Clã das Sombras", editado aqui no Brasil pela editora JBC). A estrutura, entretanto, não é propriamente de um teatro filmado, pois a linguagem é cinematográfica, mas faz uma homenagem e uma mescla de estilos muito bela e inteligente.
Tenet
3.4 1,3K Assista AgoraSocorram-me! Esse ônibus que subi em Marrocos, construído e pilotado pelo Nolan, de fora parecia algo de última geração, mas o motor tava fundido e dentro era vazio.
Sete Oportunidades
4.1 62Gostaria de ter apreciado mais. Sou fã do Buster Keaton (quem não é?). Mas o racismo presente neste filme me tirou do eixo. Além disso, as famosas gags visuais só aparecem no terço final e o filme em geral tem poucas boas piadas. Pelo menos uma delas demanda algum conhecimento contextual, como aquela com a figura do Julian Eltinge. Se as cenas finais com a perseguição das 'noivas' remetem a 'Hard's Day Night' dos Beatles, não é por mero acaso. Richard Lester era fã do diretor e claramente se inspirou nele (e no the Keystone Cops) para algumas cenas do emblemático filme do quarteto de Liverpool.
O Diabo a Quatro
3.8 88 Assista AgoraFilme proibido por Mussolini na época. Compreensível o porquê. A reminiscência a Borat não é coincidência. Groucho foi a maior inspiração para o personagem de Sacha Baron Cohen.
A Cidade Branca
4.0 12O filme é incrível em transmitir essa ideia de não estar realmente no mundo, de estar suspenso em algum ponto fora do tempo. Muitas vezes também me vejo como o axolote de Cortázar.