Superficialmente, é um filme que acompanha voyeuristicamente duas vidas paralelas de um cara com três mamilos e um novinho, como uma sinestesia audiovisual do tato. Mas como experiência artística é uma imersão para "tudo que está embaixo: as primeiras coisas a serem vistas, as coisas que temos "debaixo do nariz”, as coisas chãs" (Didi-Huberman, em Cascas), da busca caseira pelo toque e algum arrebatamento.
A poética do filme vai além da simples função ritual ou de elaboração interior do choque, do trauma, como é corriqueiro na arte, vide Nise da Silveira, Yaoi Kusama, Arthur Bispo do Rosário etc. Essa elaboração nunca foi só distanciamento formal, catarse ou vanguardismo exótico ou, como preferem as pessoas hoje, entretenimento banal que estetiza o meu cotidiano identitário. Apesar de estar na moda o documentário melodramático pessoal à la Petra Costa, o caso de Metamorfose dos Pássaro foge completamente da simples queixa e lamentação da diretora de Elena, conseguindo extrair muita beleza e poesia bucólica de coisas que, apesar de obviamente possuírem um apelo lírico de transbordamento e encantamento automáticos, como mar, conchas, pássaros, cavalos marinhos, a seleção textual e imagética que Catarina produz é um arranjo longe do clichê simples do pesar e uma ingenuidade á la Manoel de Barros (e isto não é um libelo que desfavorece o poeta, muito pelo contrário).
O filme extrai relações poéticas e singulares para além da obviedade das figuras certinhas e da natureza morta de uma estética acadêmica, do forte contraste visual, entre mar, cavalo marinho e memória, entre o primogênito e o pai/avô, entre literatura e biografia. A graça do filme reside nas associações que a diretora consegue trazer para além dos truísmos da beleza bucólica clássica dos temas da mãe, do mar e árvore.
É necessário sair da questão meramente temática ou puramente plástica para poder apreciar a obra, porque as imagens ali não estão gratuitamente ornamentais. É sobre a forma de concepção dos conteúdos escolhidos, não só tema ou só apuro técnico. É um filme ritual de incorporação do humano à natureza, como faz a japonesa Naomi Kawase. É um filme de cosmologia, de totemismo familiar, de escolha de elementos agrários, botânicos como genealogia, busca ancestral e resgate familiar. Como fazem os indígenas com a identificação afetiva e territorial de um bioma. Isto sim que é a informação mais óbvia do filme: a continuidade de uma linhagem ancestral nos seres vivos e como a autora constrói alegoricamente a perda, a falta, em tudo que o universo pessoal evoca dessa cosmologia, a construção constante do pertencimento. É um ensaio sobre como o pássaro evoca o pai, como a árvore evoca a mãe. Agora se para algumas sensibilidades da positividade tóxica ou admirável mundo novo, o que ofende é o trabalho autoral em cima da melancolia, o problema não é do filme, mas do próprio espectador que projeta suas expectativas de gatilho e de falta de resiliência na narrativa. A melancolia, a perda, o limite, o fim das coisas não vão desaparecer só porque tem gente que não suporta ver. Então tá proibido assistir aos filmes de Angelopoulos, em especial, Vale dos Lamentos, muito gatilho, ai que meda!
o filme é praticamente uma beatificação de Paracelsus que ignora seu lado boêmio-iconoclasta e o episódio onde queima os livros de Galeno e Avicena em praça pública realçando o lado científico e regido por um ascetismo religioso e romantizado (embora faça justiça ao fato da perseguição acadêmica)
Não é a trilha de Popol Vuh, a banda alemã de krautrock, quem divide com Leonard Cohen a tarefa de animar as imagens de Herzog no Saara: a narrativa em voz off de criação do mundo é o próprio mito maia do Popol Vuh onde Cucumatz, Tepeu e Huracán se alternam na criação a partir do nada desértico. O olhar de Herzog reverbera a tradição romântica e alemã das ruínas, aplicada aos fragmentos da civilização ocidental (os restos de aviões, carros) numa paisagem da alteridade africana e permeada por uma narrativa americana do novo mundo. É uma colagem poética sobre o próprio princípio e a possibilidade de criação a partir da desolação, da devastação (blitskrieg is insanity/in paradise, ruins are happiness) que reflete a fúria dos deuses maias sobre os homens, impelindo-os a uma nova matéria mais forte e resistente que a anterior.
Kaufman é genial na escrita (como propositor de roteiros, por conseguinte), sim. Diálogos para emoldurar, tiradas certeiras, beleza poética e plástica de alguma composição verbal. E só. Na direção cinematográfica, neste filme principalmente, ignora completamente noções básicas de ritmo, elipse e montagem, não sabe cortar excessos de falas (as duas sequências dentro do carro). Como se quisesse impor uma restituição naturalista e contemplativa aos diálogos intelectuais, que claramente são possíveis de ocorrer para um setor amplo da população na realidade (falar de Woodsworth, Emerson, Cassavetes e Guy Debord e tal), mas em termos de filme só atrapalham o andamento da narrativa, uma vez que o diretor não explora a esquisitice da trama gerontológica da velhice que atormenta os personagens principais e que funda as inquietações do enredo (o retorno ao lar, o passado escolar provavelmente de bullying aplicados aos esquisitos personagens, a velhice dos pais de Jake, do zelador da escola e do casal protagonista num futuro sem perspectivas). Essas inquietações e tormentos são subexplorados em delírios oníricos da personagem principal na casa dos pais de Jake e também dele próprio na sequência da escola. Enfim, a trama acontece subliminarmente como pano de fundo para um ensaio textual do diretor em diálogos banais que ocupam o plano central do filme sem o aparentemente ser.
Vento Seco (2020) = Corpo elétrico + Boi Neon + O AGRO É PORN
Nota: 7,0
Como em Corpo Elétrico, retrata o cotidiano de lgbts operários e encena uma utopia da pegação onde se extingue a endogamia, aparentemente, das separações tipológicas de gueto gay e da pornografia gay (twink-barbie-urso maduro). Embora sem a platitude e o bucolismo linear, sem conflitos, de Corpo Elétrico que se apresenta como mero cenário de reconciliações e deleite (o que me incomoda neste último).
Em Vento seco não se extinguem os conflitos sociais relativos ao ser enrustido e ao machismo homofóbico familiar e demonstra a possibilidade dos sujeitos irem além das próprias convenções homonormativas (barbie ficar só com barbie, urso com urso, por exemplo).
Como Boi Neon, que coloca um hetero num submundo da moda associado aos gays, este filme coloca gays e mulheres trans em locais e em culturas associadas ao hábito e gosto heteros (Sertanejo, agronegócio). Também tem uma estética neon/ vaporwave à la Divino Amor e as cores berrantes de Zuckerbaby (Percy Adlon) e as exposições de clichês do gueto gay S&M que remetem a Fassbinder e Rosa von Praunheim.
Sobre a pornografia: não me incomoda isso em FILME ficcional, acho justa a inclusão de cenas desse tipo, como ocorre em Shortbus, mas sim a REALIDADE da situação política identitária que promove um apelo da urgência política gay onde se espera sobretudo uma redenção pelo sexo. Como se buscassem apenas uma reparação exaustiva pela repressão heteronormativa e ilustrassem o ditado "quem nunca comeu melado quando come se lambuza", o que é mais um efeito identitário das relações de poder a partir do olhar que os heterossexuais encaram os homossexuais e as mulheres (serem vistos SÓ a partir do corpo e da sexualidade, desprezando outros aspectos da vida social, cultural e da personalidade). No caso, os gays se lambuzam na miséria da sexualidade, amparados e justificados na repressão heteronormativa e cristã, investindo e acreditando somente na redenção pela ênfase da sexualidade como um efeito das relações de poder.
Em termos de ficção e cinema, considero justa a quebra de moralismo e de limites ficcionais e a emergência de um naturalismo, desde que não se romantize uma pornografia mainstream (o que não é o caso do filme em si). Como já aventei, o que me incomoda é a situação na realidade onde se reduz a emancipação política dos sujeitos apenas ao amplo acesso à sexualidade e à exuberância física, condição esta que traduz o reducionismo corporal do olhar heternormativo aplicado aos gays e às mulheres (e muitas vezes incorporado pelos próprios).
No contexto REAL de naturalização e redução da subjetividade política ao corpo, onde os sujeitos no cotidiano só se preocupam em ter corpos jovens e com a rotina regular de arrumar parceiros, observa-se e ainda não se questiona a persistência do incômodo por parte de alguns, na realidade e em muitos comentários sobre este filme por exemplo, quando, num extremo, a endogamia é quebrada e quando um gay, o que é simétrico às mulheres, não está nos padrões de beleza ou se quebra a cobrança extrema com a aparência - o que reflete a dita redução do sujeito ao corpo ou uma ênfase maior nesse âmbito e que nunca é aplicado do mesmo jeito para os homens heteros. Em alguns comentários sobre o filme, por exemplo, percebi um incômodo etário com a exuberância sexual do protagonista do filme (o que ilustra o meu argumento e Madonna está certa em denunciar isto em seu instagram). No outro extremo, se exige politicamente a extinção de preferências, quando se exige uma democracia sexual subjetiva (o sujeito tem agência pra desviar as convenções do mundo gay, mas isso não precisa ser uma obrigação).
Destaque pra interpretação foda de Renata Carvalho, a trans que comanda a empresa de fertilizantes. Maravilhosa.
Soberbo. Certamente se Deleuze o tivesse presenciado, incluiria na lista do cinema-corpo (https://filmow.com/listas/cinema-do-corpo-de-acordo-com-deleuze-l84335/) em A Imagem-tempo. A direção de Claire Denis foi extremamente precisa em elencar potências a partir da escolha da trilha sonora que explora a cenografia num ápice expressivo, de Simarik a Corona e Neil Young e a opera Billy Budd, encadeando momentos de contemplação e exuberância de movimentos, como se estivéssemos diante de um espetáculo de dança coreografando os exercícios dos recrutas e suas atividades do deserto. É um filme que se aproveita poeticamente da sensualidade dos corpos jovens dos soldados da legião em suas calças e bermudas justíssimos, em seus banhos e não explica nada, é um filme ausente de linearidade narrativa e verborragia dramática, mas presente de dança, de corpo que fala por si mesmo e dispensa comentários didáticos, assim como de definições determinantes. Ele sugere situações que evocam a sexualidade oscilante dos personagens, as tensões emocionais de Galoup diante da sensualidade e admiração unânime de todos da legião para Sentain, especialmente a do comandante Forestier com sua bela descoberta.
Não irei avaliar este filme pela dimensão do ethos, a partir da credencial godardiana, a despeito de meu imenso apreço por suas obras da nouvelle vague, as quais a meu ver não tem nenhuma relação com esse período do fanatismo político distorcido de seu grupo Dziga Vertov. Pois, aderindo conscientemente ao ad hominem ao chamá-lo de pequeno-burguês parisiense que nunca viveria a realidade do maoísmo ou um programa stalinista de reeducação intelectual antiimperialista e ao seu passado que me apraz, não consigo me distanciar da dimensão discursiva que ele imprimiu a estas imagens, que tem seu mérito documental na clandestinidade da época. Mas neste panfleto datadíssimo, caricato que parece mais qualquer vídeo de propaganda institucional e política de qualquer ditadura (a varguista por exemplo), ou mesmo dos pastiches promovidos pelo entusiasmo juvenil de movimento estudantil, que possui uma verborragia insuportável a repetir o libelo do revisionismo a cada três segundos, não dá para sequer haver qualquer distanciamento para fruição das imagens ou das opções de montagem e também não há qualquer possibilidade de ver algum fundamento de homenagem à vanguarda sofisticada formal de Dziga Vertov. Uma aberração da estetização da política e do enunciado ideológico, como qualquer filmeco doutrinador de ditadura stalinista-nazi-varguista-maoísta só que produzido por pequeno-burgueses parisienses entediados e entusiasmados por ideologias tacanhas que acham que detém o monopólio da interpretação ortodoxa Marxiana e que romantizam o bom selvagem socialista do oriente (risos)
Um filme-ensaio-poema com uma cenografia deslumbrante que remete às reconstituições infiéis e anacrônicas de contextos históricos e coloniais, que remetem aos trabalhos de Pasolini. na trilogia da vida, de Fellini em Satyricon e também, na confluência literária e paisagística de Veredas de João Cesar Monteiro. Imbuído dessa licença poética, prefere mesclar o contexto histórico ao lendário. Nesta composição literário-paisagística que visa encenar o imaginário que povoa a mente do poeta, cada poema-cena remete a um contexto lendário e mitológico, desde cortejos que saúdam o retorno do exílio até os que representam matrimônios, rituais religiosos e o encontro com elementos da mitologia que permeia a lingua portuguesa em suas referências ibéricas e greco-latinas como a figura dos monarcas da coroa portuguesa, de Nossa Senhora da Glória e Nossa Sra. das Dores, de Algânia, a feiticeira, Sancho gordo (Dom Quixote), a esfinge, Apolo, Érato, musa da poesia, erótica e lírica e o jardim das hespérides, a alegoria da liberdade. E pra coroar tudo a trilha esquisita e envolvente de Lívio Tragtenberg.
A mise en scène faz um serviço esplêndido ao incorporar/encenar espacialmente uma voz que rasga a matéria da atriz/diretora no escuro, no canto, na lepra dos corpos, que copula e que vaga, permitindo-se ocupar com palavras emitidas por rostos negros desapercebidos na bruma da multidão e que irrompem de modo estrondoso num parto metafísico da cena que ressoa.
A história contada por Boris Rytsarev difere significativamente da imagem clássica da Donzela da Neve da peça de Ostrovsky e da ópera de Rimsky-Korsakov. A propósito, a música de Tchaikovsky soa na foto. "Neta de Gelo" aproxima-se em espírito, por um lado, das crenças pagãs e lendas folclóricas, especialmente em cenas de diversão de inverno, festividades e rituais, e por outro, algumas das personagens retratadas no filme são bastante modernas. E o príncipe astuto com seus capangas inescrupulosos é uma ilustração plausível de uma estrutura de poder que pode quebrar qualquer um que interfira em seus objetivos. Bem, exceto que não há truque contra os elementos da natureza: quando a desesperada Lyuba se transforma na Donzela da Neve novamente e começa a congelar tudo em volta...
Na época soviética, o gênero de um filme de conto de fadas era muitas vezes visto como uma válvula de escape pela censura, como uma oportunidade para declarações filosóficas sem linguagem esópica, como um espaço para uma certa liberdade criativa. As pinturas de Boris Rytsarev também se distinguem por um sabor especial, etnografia sem tela. O espectador se sente organicamente na atmosfera de um conto folclórico, onde é mais um viajante, um observador de tradições e costumes, e não um excursionista no cenário convencional de um parque de diversões. A exemplo de outras histórias de filmes deste diretor, "Neta de Gelo" fez sucesso em festivais internacionais dedicados ao cinema infantil, chegando até a bilheteria no exterior. Hoje em dia, as tradições do gênero foram interrompidas no cinema russo.
A complexidade dos ângulos e dos enquadramentos, dos figurinos, da decoração aristocrática e das situações é o charme desse filme que executa magistralmente um drama psicológico que pretende ressoar a discussão psicanalítica do incesto e as projeções maternais da infância de Jan em sua noiva Marianna, assim como a liberdade sexual num castelo erotizado não recomendado para crianças, mas para além do moralismo vigilante relativo à exposição do menino à sexualidade aflorada dos amigos da família, ao mesmo tempo é riquíssimo em seu conteúdo imaginativo e lúdico, cenário este representado pela sua tia idosa Astrid.
As lentes de Maureen Bisilliat, como a lenda de Cobra Norato narrada no filme e que apresenta várias versões nos Estados da Região Norte, assumem muitas formas e cores como as reveladas nos contrastes dos rios amazônicos e as várias maneiras de encarar essa entidade das águas.
Perus no livro é mais novinho, 19 anos, muso cobiçado e sem mulher, mora com a tia e seu amante e é desertor do exército, senti falta também dos personagens lgbts como a lésbica Teleco e a exploração fotográfica do misticismo da luz elétrica ou da introspecção do personagem de Perus e seu fascínio pela luz vermelha da aurora, mas o filme compensa com a dramaticidade de 3 monstros na performance da malandragem e o núcleo composto por Malagueta e sua preta velha macumbeira no barraco é um atrativo à parte. O filme é concentrado nos aspectos dramáticos e menos na questão da ambiência da cidade, das luzes, com exceção do ambiente dos botecos e salões de sinuca onde a penumbra e a decadência dominam.
o terror e as cores da explosão do navio inglês do plano tomado a partir da área externa da ponte de comando do uboat com a trilha sonora de fundo é uma experiência arrebatadora.
Transposição fílmica de conto de Plínio Marcos absolutamente genial, explorando enormemente o recurso da sonoplastia com locuções radiofônicas à la bandido da luz vermelha, os grunhidos animalescos da cena da violação e em vários outras, a antecipação da espetacularização midiática do crime e visualmente a lombra em forma de flashbacks com olhos esbugalhados e gritos desesperados como lembra Fernão Ramos como atributos do gênero marginal. Coroando esse sensacionalismo psicodélico e autoral, Jô Soares como o noticiarista pra cima e o Largo do Matadouro como locação!
Revisto e o entusiasmo só aumenta para esta fita. A primeira vez que assisti foi no programa da TV Brasil Cadernos de Cinema em 2007 e de cara me impressionou com toda a atmosfera marginal do Brás, a panfletagem política, os registros das eleições da época e o clima de abertura política, as cenas de assassinato (particularmente a da escada) e a deriva indulgente de Davi (aliás, gostosíssimo Antonio Fagundes nesse filme, cujo sex appeal que foi bem explorado no filme logo na entrada)
Essa sinopse retirada do imdb está completamente equivocada, sugiro esta:
«Um casal que administra uma granja de última geração está infeliz no casamento e é obcecado por sua linda prima loira. A chegada de um belo agente de publicidade prova ser o catalisador que desencadeia intrigas, planos e traições"
Mas, voltando às minhas impressões, o filme é um extrato condensado de estética kitsch com trilha sonora envolvente e de vanguarda com boas provocações sobre a animalidade inconsciente da libido relacionada aos galináceos como plano central de atenção. O diretor na época assinala:
«Foram os anos do boom econômico. A industrialização foi uma maré crescente que dominou tudo, um hino para o futuro, uma embalagem frenética de produtos, sem distinção entre inanimado e animado. Os produtos ainda vivos gritavam de terror e dor. Grandes fazendas de frango eram um símbolo disso. Cada galinha era um homem, cada galinha uma mulher, cada pintinho uma criança. A riqueza foi construída sobre eles. E, acima de tudo, o ovo triunfou, branco, liso, perfeito, com a vida fechada. A perversão sexual continuava sendo a única saída possível. "
Um libelo contra a especulação imobiliária e a causa patrimonial histórica, com atmosfera pornochanchadesca e psicodélica. O título evoca uma expectativa que não se encontra no enredo e a graça do filme é justamente essa, a inadequação à programação do como era gosto nosso cinema. O bordel contra o mosteiro e os irmãos com atitudes adversárias, o confronto motivado pelo uso do casarão entre a a esposa de Domício, o próprio e o irmão, tudo isso como como uma disforia de gênero fílmico e expectativa punheteira de canal brasil frustada (e isso é ótimo). O universo psíquico de Saul desdobrado entre a relação afetiva com o local e sua babá e as aparições sobrenaturais de uma garota e a disputa patrimonial constituem o cerne do filme.
Filme repleto de metáforas românticas sobre o desencanto do mundo moderno - os textos e a entrevistas com o professor de matemática e sua crença numa harmonia holística perfeita de um mundo integrado pré-moderno deduzido em fórmulas matemáticas - que culminam numa espiral absurda de ações mutuamente implicadas e que imageticamente sucumbem à modernidade que seduz pelas luzes de boates, lanchonetes urbanas e construções modernistas da capital do Cazaquistão, as quais o diretor explora muito bem.
Dias
3.8 20Superficialmente, é um filme que acompanha voyeuristicamente duas vidas paralelas de um cara com três mamilos e um novinho, como uma sinestesia audiovisual do tato. Mas como experiência artística é uma imersão para "tudo que está embaixo: as primeiras coisas a serem vistas, as coisas que temos "debaixo do nariz”, as coisas chãs" (Didi-Huberman, em Cascas), da busca caseira pelo toque e algum arrebatamento.
A Metamorfose dos Pássaros
4.3 41A poética do filme vai além da simples função ritual ou de elaboração interior do choque, do trauma, como é corriqueiro na arte, vide Nise da Silveira, Yaoi Kusama, Arthur Bispo do Rosário etc. Essa elaboração nunca foi só distanciamento formal, catarse ou vanguardismo exótico ou, como preferem as pessoas hoje, entretenimento banal que estetiza o meu cotidiano identitário. Apesar de estar na moda o documentário melodramático pessoal à la Petra Costa, o caso de Metamorfose dos Pássaro foge completamente da simples queixa e lamentação da diretora de Elena, conseguindo extrair muita beleza e poesia bucólica de coisas que, apesar de obviamente possuírem um apelo lírico de transbordamento e encantamento automáticos, como mar, conchas, pássaros, cavalos marinhos, a seleção textual e imagética que Catarina produz é um arranjo longe do clichê simples do pesar e uma ingenuidade á la Manoel de Barros (e isto não é um libelo que desfavorece o poeta, muito pelo contrário).
O filme extrai relações poéticas e singulares para além da obviedade das figuras certinhas e da natureza morta de uma estética acadêmica, do forte contraste visual, entre mar, cavalo marinho e memória, entre o primogênito e o pai/avô, entre literatura e biografia. A graça do filme reside nas associações que a diretora consegue trazer para além dos truísmos da beleza bucólica clássica dos temas da mãe, do mar e árvore.
É necessário sair da questão meramente temática ou puramente plástica para poder apreciar a obra, porque as imagens ali não estão gratuitamente ornamentais. É sobre a forma de concepção dos conteúdos escolhidos, não só tema ou só apuro técnico. É um filme ritual de incorporação do humano à natureza, como faz a japonesa Naomi Kawase. É um filme de cosmologia, de totemismo familiar, de escolha de elementos agrários, botânicos como genealogia, busca ancestral e resgate familiar. Como fazem os indígenas com a identificação afetiva e territorial de um bioma. Isto sim que é a informação mais óbvia do filme: a continuidade de uma linhagem ancestral nos seres vivos e como a autora constrói alegoricamente a perda, a falta, em tudo que o universo pessoal evoca dessa cosmologia, a construção constante do pertencimento. É um ensaio sobre como o pássaro evoca o pai, como a árvore evoca a mãe. Agora se para algumas sensibilidades da positividade tóxica ou admirável mundo novo, o que ofende é o trabalho autoral em cima da melancolia, o problema não é do filme, mas do próprio espectador que projeta suas expectativas de gatilho e de falta de resiliência na narrativa. A melancolia, a perda, o limite, o fim das coisas não vão desaparecer só porque tem gente que não suporta ver. Então tá proibido assistir aos filmes de Angelopoulos, em especial, Vale dos Lamentos, muito gatilho, ai que meda!
Alice nas Cidades
4.3 96 Assista AgoraMy daughter my son one by one
My daughter my son one by one
Paracelsus
3.4 3o filme é praticamente uma beatificação de Paracelsus que ignora seu lado boêmio-iconoclasta e o episódio onde queima os livros de Galeno e Avicena em praça pública realçando o lado científico e regido por um ascetismo religioso e romantizado (embora faça justiça ao fato da perseguição acadêmica)
Fata Morgana
3.7 13Não é a trilha de Popol Vuh, a banda alemã de krautrock, quem divide com Leonard Cohen a tarefa de animar as imagens de Herzog no Saara: a narrativa em voz off de criação do mundo é o próprio mito maia do Popol Vuh onde Cucumatz, Tepeu e Huracán se alternam na criação a partir do nada desértico. O olhar de Herzog reverbera a tradição romântica e alemã das ruínas, aplicada aos fragmentos da civilização ocidental (os restos de aviões, carros) numa paisagem da alteridade africana e permeada por uma narrativa americana do novo mundo. É uma colagem poética sobre o próprio princípio e a possibilidade de criação a partir da desolação, da devastação (blitskrieg is insanity/in paradise, ruins are happiness) que reflete a fúria dos deuses maias sobre os homens, impelindo-os a uma nova matéria mais forte e resistente que a anterior.
Estou Pensando em Acabar com Tudo
3.1 1,0K Assista AgoraKaufman é genial na escrita (como propositor de roteiros, por conseguinte), sim. Diálogos para emoldurar, tiradas certeiras, beleza poética e plástica de alguma composição verbal. E só. Na direção cinematográfica, neste filme principalmente, ignora completamente noções básicas de ritmo, elipse e montagem, não sabe cortar excessos de falas (as duas sequências dentro do carro). Como se quisesse impor uma restituição naturalista e contemplativa aos diálogos intelectuais, que claramente são possíveis de ocorrer para um setor amplo da população na realidade (falar de Woodsworth, Emerson, Cassavetes e Guy Debord e tal), mas em termos de filme só atrapalham o andamento da narrativa, uma vez que o diretor não explora a esquisitice da trama gerontológica da velhice que atormenta os personagens principais e que funda as inquietações do enredo (o retorno ao lar, o passado escolar provavelmente de bullying aplicados aos esquisitos personagens, a velhice dos pais de Jake, do zelador da escola e do casal protagonista num futuro sem perspectivas). Essas inquietações e tormentos são subexplorados em delírios oníricos da personagem principal na casa dos pais de Jake e também dele próprio na sequência da escola. Enfim, a trama acontece subliminarmente como pano de fundo para um ensaio textual do diretor em diálogos banais que ocupam o plano central do filme sem o aparentemente ser.
Vento Seco
3.2 91Vento Seco (2020) = Corpo elétrico + Boi Neon + O AGRO É PORN
Nota: 7,0
Como em Corpo Elétrico, retrata o cotidiano de lgbts operários e encena uma utopia da pegação onde se extingue a endogamia, aparentemente, das separações tipológicas de gueto gay e da pornografia gay (twink-barbie-urso maduro). Embora sem a platitude e o bucolismo linear, sem conflitos, de Corpo Elétrico que se apresenta como mero cenário de reconciliações e deleite (o que me incomoda neste último).
Em Vento seco não se extinguem os conflitos sociais relativos ao ser enrustido e ao machismo homofóbico familiar e demonstra a possibilidade dos sujeitos irem além das próprias convenções homonormativas (barbie ficar só com barbie, urso com urso, por exemplo).
Como Boi Neon, que coloca um hetero num submundo da moda associado aos gays, este filme coloca gays e mulheres trans em locais e em culturas associadas ao hábito e gosto heteros (Sertanejo, agronegócio). Também tem uma estética neon/ vaporwave à la Divino Amor e as cores berrantes de Zuckerbaby (Percy Adlon) e as exposições de clichês do gueto gay S&M que remetem a Fassbinder e Rosa von Praunheim.
Sobre a pornografia: não me incomoda isso em FILME ficcional, acho justa a inclusão de cenas desse tipo, como ocorre em Shortbus, mas sim a REALIDADE da situação política identitária que promove um apelo da urgência política gay onde se espera sobretudo uma redenção pelo sexo. Como se buscassem apenas uma reparação exaustiva pela repressão heteronormativa e ilustrassem o ditado "quem nunca comeu melado quando come se lambuza", o que é mais um efeito identitário das relações de poder a partir do olhar que os heterossexuais encaram os homossexuais e as mulheres (serem vistos SÓ a partir do corpo e da sexualidade, desprezando outros aspectos da vida social, cultural e da personalidade). No caso, os gays se lambuzam na miséria da sexualidade, amparados e justificados na repressão heteronormativa e cristã, investindo e acreditando somente na redenção pela ênfase da sexualidade como um efeito das relações de poder.
Em termos de ficção e cinema, considero justa a quebra de moralismo e de limites ficcionais e a emergência de um naturalismo, desde que não se romantize uma pornografia mainstream (o que não é o caso do filme em si). Como já aventei, o que me incomoda é a situação na realidade onde se reduz a emancipação política dos sujeitos apenas ao amplo acesso à sexualidade e à exuberância física, condição esta que traduz o reducionismo corporal do olhar heternormativo aplicado aos gays e às mulheres (e muitas vezes incorporado pelos próprios).
No contexto REAL de naturalização e redução da subjetividade política ao corpo, onde os sujeitos no cotidiano só se preocupam em ter corpos jovens e com a rotina regular de arrumar parceiros, observa-se e ainda não se questiona a persistência do incômodo por parte de alguns, na realidade e em muitos comentários sobre este filme por exemplo, quando, num extremo, a endogamia é quebrada e quando um gay, o que é simétrico às mulheres, não está nos padrões de beleza ou se quebra a cobrança extrema com a aparência - o que reflete a dita redução do sujeito ao corpo ou uma ênfase maior nesse âmbito e que nunca é aplicado do mesmo jeito para os homens heteros. Em alguns comentários sobre o filme, por exemplo, percebi um incômodo etário com a exuberância sexual do protagonista do filme (o que ilustra o meu argumento e Madonna está certa em denunciar isto em seu instagram). No outro extremo, se exige politicamente a extinção de preferências, quando se exige uma democracia sexual subjetiva (o sujeito tem agência pra desviar as convenções do mundo gay, mas isso não precisa ser uma obrigação).
Destaque pra interpretação foda de Renata Carvalho, a trans que comanda a empresa de fertilizantes. Maravilhosa.
Bom Trabalho
3.8 76 Assista AgoraSoberbo. Certamente se Deleuze o tivesse presenciado, incluiria na lista do cinema-corpo (https://filmow.com/listas/cinema-do-corpo-de-acordo-com-deleuze-l84335/) em A Imagem-tempo. A direção de Claire Denis foi extremamente precisa em elencar potências a partir da escolha da trilha sonora que explora a cenografia num ápice expressivo, de Simarik a Corona e Neil Young e a opera Billy Budd, encadeando momentos de contemplação e exuberância de movimentos, como se estivéssemos diante de um espetáculo de dança coreografando os exercícios dos recrutas e suas atividades do deserto. É um filme que se aproveita poeticamente da sensualidade dos corpos jovens dos soldados da legião em suas calças e bermudas justíssimos, em seus banhos e não explica nada, é um filme ausente de linearidade narrativa e verborragia dramática, mas presente de dança, de corpo que fala por si mesmo e dispensa comentários didáticos, assim como de definições determinantes. Ele sugere situações que evocam a sexualidade oscilante dos personagens, as tensões emocionais de Galoup diante da sensualidade e admiração unânime de todos da legião para Sentain, especialmente a do comandante Forestier com sua bela descoberta.
O Ente Querido
3.4 3Seria a mãe de Mr. Joyboy uma inspiração para a Edie, the Egg Lady de Pink Flamingos (1972)?
Pravda
3.5 5Não irei avaliar este filme pela dimensão do ethos, a partir da credencial godardiana, a despeito de meu imenso apreço por suas obras da nouvelle vague, as quais a meu ver não tem nenhuma relação com esse período do fanatismo político distorcido de seu grupo Dziga Vertov. Pois, aderindo conscientemente ao ad hominem ao chamá-lo de pequeno-burguês parisiense que nunca viveria a realidade do maoísmo ou um programa stalinista de reeducação intelectual antiimperialista e ao seu passado que me apraz, não consigo me distanciar da dimensão discursiva que ele imprimiu a estas imagens, que tem seu mérito documental na clandestinidade da época. Mas neste panfleto datadíssimo, caricato que parece mais qualquer vídeo de propaganda institucional e política de qualquer ditadura (a varguista por exemplo), ou mesmo dos pastiches promovidos pelo entusiasmo juvenil de movimento estudantil, que possui uma verborragia insuportável a repetir o libelo do revisionismo a cada três segundos, não dá para sequer haver qualquer distanciamento para fruição das imagens ou das opções de montagem e também não há qualquer possibilidade de ver algum fundamento de homenagem à vanguarda sofisticada formal de Dziga Vertov. Uma aberração da estetização da política e do enunciado ideológico, como qualquer filmeco doutrinador de ditadura stalinista-nazi-varguista-maoísta só que produzido por pequeno-burgueses parisienses entediados e entusiasmados por ideologias tacanhas que acham que detém o monopólio da interpretação ortodoxa Marxiana e que romantizam o bom selvagem socialista do oriente (risos)
Bocage - O triunfo do amor
3.3 11Um filme-ensaio-poema com uma cenografia deslumbrante que remete às reconstituições infiéis e anacrônicas de contextos históricos e coloniais, que remetem aos trabalhos de Pasolini. na trilogia da vida, de Fellini em Satyricon e também, na confluência literária e paisagística de Veredas de João Cesar Monteiro. Imbuído dessa licença poética, prefere mesclar o contexto histórico ao lendário. Nesta composição literário-paisagística que visa encenar o imaginário que povoa a mente do poeta, cada poema-cena remete a um contexto lendário e mitológico, desde cortejos que saúdam o retorno do exílio até os que representam matrimônios, rituais religiosos e o encontro com elementos da mitologia que permeia a lingua portuguesa em suas referências ibéricas e greco-latinas como a figura dos monarcas da coroa portuguesa, de Nossa Senhora da Glória e Nossa Sra. das Dores, de Algânia, a feiticeira, Sancho gordo (Dom Quixote), a esfinge, Apolo, Érato, musa da poesia, erótica e lírica e o jardim das hespérides, a alegoria da liberdade. E pra coroar tudo a trilha esquisita e envolvente de Lívio Tragtenberg.
Vaga Carne
4.3 26A mise en scène faz um serviço esplêndido ao incorporar/encenar espacialmente uma voz que rasga a matéria da atriz/diretora no escuro, no canto, na lepra dos corpos, que copula e que vaga, permitindo-se ocupar com palavras emitidas por rostos negros desapercebidos na bruma da multidão e que irrompem de modo estrondoso num parto metafísico da cena que ressoa.
Granddaughter of Ice
4.0 1A história contada por Boris Rytsarev difere significativamente da imagem clássica da Donzela da Neve da peça de Ostrovsky e da ópera de Rimsky-Korsakov. A propósito, a música de Tchaikovsky soa na foto. "Neta de Gelo" aproxima-se em espírito, por um lado, das crenças pagãs e lendas folclóricas, especialmente em cenas de diversão de inverno, festividades e rituais, e por outro, algumas das personagens retratadas no filme são bastante modernas. E o príncipe astuto com seus capangas inescrupulosos é uma ilustração plausível de uma estrutura de poder que pode quebrar qualquer um que interfira em seus objetivos. Bem, exceto que não há truque contra os elementos da natureza: quando a desesperada Lyuba se transforma na Donzela da Neve novamente e começa a congelar tudo em volta...
Na época soviética, o gênero de um filme de conto de fadas era muitas vezes visto como uma válvula de escape pela censura, como uma oportunidade para declarações filosóficas sem linguagem esópica, como um espaço para uma certa liberdade criativa. As pinturas de Boris Rytsarev também se distinguem por um sabor especial, etnografia sem tela. O espectador se sente organicamente na atmosfera de um conto folclórico, onde é mais um viajante, um observador de tradições e costumes, e não um excursionista no cenário convencional de um parque de diversões. A exemplo de outras histórias de filmes deste diretor, "Neta de Gelo" fez sucesso em festivais internacionais dedicados ao cinema infantil, chegando até a bilheteria no exterior. Hoje em dia, as tradições do gênero foram interrompidas no cinema russo.
Jogos da Noite
4.0 1A complexidade dos ângulos e dos enquadramentos, dos figurinos, da decoração aristocrática e das situações é o charme desse filme que executa magistralmente um drama psicológico que pretende ressoar a discussão psicanalítica do incesto e as projeções maternais da infância de Jan em sua noiva Marianna, assim como a liberdade sexual num castelo erotizado não recomendado para crianças, mas para além do moralismo vigilante relativo à exposição do menino à sexualidade aflorada dos amigos da família, ao mesmo tempo é riquíssimo em seu conteúdo imaginativo e lúdico, cenário este representado pela sua tia idosa Astrid.
Decantando as Águas - O Turista Aprendiz Revisitado
4.7 1As lentes de Maureen Bisilliat, como a lenda de Cobra Norato narrada no filme e que apresenta várias versões nos Estados da Região Norte, assumem muitas formas e cores como as reveladas nos contrastes dos rios amazônicos e as várias maneiras de encarar essa entidade das águas.
O Jogo da Vida
3.7 10Perus no livro é mais novinho, 19 anos, muso cobiçado e sem mulher, mora com a tia e seu amante e é desertor do exército, senti falta também dos personagens lgbts como a lésbica Teleco e a exploração fotográfica do misticismo da luz elétrica ou da introspecção do personagem de Perus e seu fascínio pela luz vermelha da aurora, mas o filme compensa com a dramaticidade de 3 monstros na performance da malandragem e o núcleo composto por Malagueta e sua preta velha macumbeira no barraco é um atrativo à parte. O filme é concentrado nos aspectos dramáticos e menos na questão da ambiência da cidade, das luzes, com exceção do ambiente dos botecos e salões de sinuca onde a penumbra e a decadência dominam.
O Barco: Inferno no Mar
4.2 175 Assista Agorao terror e as cores da explosão do navio inglês do plano tomado a partir da área externa da ponte de comando do uboat com a trilha sonora de fundo é uma experiência arrebatadora.
Nenê Bandalho
4.0 2Transposição fílmica de conto de Plínio Marcos absolutamente genial, explorando enormemente o recurso da sonoplastia com locuções radiofônicas à la bandido da luz vermelha, os grunhidos animalescos da cena da violação e em vários outras, a antecipação da espetacularização midiática do crime e visualmente a lombra em forma de flashbacks com olhos esbugalhados e gritos desesperados como lembra Fernão Ramos como atributos do gênero marginal. Coroando esse sensacionalismo psicodélico e autoral, Jô Soares como o noticiarista pra cima e o Largo do Matadouro como locação!
A Próxima Vítima
3.7 33Revisto e o entusiasmo só aumenta para esta fita. A primeira vez que assisti foi no programa da TV Brasil Cadernos de Cinema em 2007 e de cara me impressionou com toda a atmosfera marginal do Brás, a panfletagem política, os registros das eleições da época e o clima de abertura política, as cenas de assassinato (particularmente a da escada) e a deriva indulgente de Davi (aliás, gostosíssimo Antonio Fagundes nesse filme, cujo sex appeal que foi bem explorado no filme logo na entrada)
A Morte Fez um Ovo
2.7 8Essa sinopse retirada do imdb está completamente equivocada, sugiro esta:
«Um casal que administra uma granja de última geração está infeliz no casamento e é obcecado por sua linda prima loira. A chegada de um belo agente de publicidade prova ser o catalisador que desencadeia intrigas, planos e traições"
Mas, voltando às minhas impressões, o filme é um extrato condensado de estética kitsch com trilha sonora envolvente e de vanguarda com boas provocações sobre a animalidade inconsciente da libido relacionada aos galináceos como plano central de atenção. O diretor na época assinala:
«Foram os anos do boom econômico. A industrialização foi uma maré crescente que dominou tudo, um hino para o futuro, uma embalagem frenética de produtos, sem distinção entre inanimado e animado. Os produtos ainda vivos gritavam de terror e dor. Grandes fazendas de frango eram um símbolo disso. Cada galinha era um homem, cada galinha uma mulher, cada pintinho uma criança. A riqueza foi construída sobre eles. E, acima de tudo, o ovo triunfou, branco, liso, perfeito, com a vida fechada. A perversão sexual continuava sendo a única saída possível. "
A Casa das Tentações
2.1 4Um libelo contra a especulação imobiliária e a causa patrimonial histórica, com atmosfera pornochanchadesca e psicodélica. O título evoca uma expectativa que não se encontra no enredo e a graça do filme é justamente essa, a inadequação à programação do como era gosto nosso cinema. O bordel contra o mosteiro e os irmãos com atitudes adversárias, o confronto motivado pelo uso do casarão entre a a esposa de Domício, o próprio e o irmão, tudo isso como como uma disforia de gênero fílmico e expectativa punheteira de canal brasil frustada (e isso é ótimo). O universo psíquico de Saul desdobrado entre a relação afetiva com o local e sua babá e as aparições sobrenaturais de uma garota e a disputa patrimonial constituem o cerne do filme.
Accidental Life
3.6 1Queremos happening!
Levando a Vida
3.5 5Incomunicabilidade, hesitação e big ship do Brian Eno.
Tueur À Gages
3.6 3Filme repleto de metáforas românticas sobre o desencanto do mundo moderno - os textos e a entrevistas com o professor de matemática e sua crença numa harmonia holística perfeita de um mundo integrado pré-moderno deduzido em fórmulas matemáticas - que culminam numa espiral absurda de ações mutuamente implicadas e que imageticamente sucumbem à modernidade que seduz pelas luzes de boates, lanchonetes urbanas e construções modernistas da capital do Cazaquistão, as quais o diretor explora muito bem.