Senhoras e senhores, que filme! Em uma das gratas surpresas do ano, "Godzilla: Minus One" consegue a façanha de fazer uso de uma história já tão retratada, nas indústrias cinematográficas americana e japonesa, e abordá-la não somente de uma maneira muito bem executada do ponto de vista técnico, mas de forma original, apresentando um toque "humano" e emotivo raro de se ver.
Em primeiro lugar, é fundamental elogiar a escolha do momento histórico para os acontecimentos narrados na película, que é essencial para o fato dessa produção ter o efeito que teve e cumprir o seu papel com eficiência. No período imediato ao término da Segunda Guerra, o Japão havia perdido absolutamente tudo. E aqui não menciono somente perdas materiais, mas a perda da honra, do orgulho e de qualquer sentimento de esperança, restando apenas o desespero, a angústia e a necessidade de reconstruir uma sociedade que encontra-se em ruínas, mas que ainda carrega os traumas da guerra.
Nesse cenário, o protagonista Shikishima, que serviu como piloto e foi um dos poucos a presenciar a força de Godzilla já nos últimos dias do conflito, tenta, gradativamente, um recomeço em sua vida, até que ressurge a assombrosa criatura marítima. Para ele, o monstro representava o retorno de fantasmas da guerra que ainda o assombravam e o impediam de prosseguir sua jornada. Para o povo japonês, representava a materialização, em forma de besta, de toda a destruição presenciada, a poucos anos antes, no longo conflito militar, em especial da poderosa bomba atômica.
Mesmo com um curto orçamento, o filme traz impressionantes efeitos visuais, além de uma das representações mais assustadoras de Godzilla, que aqui também faz referência a sua primeira aparição na produção original dos anos 50. No entanto, a obra não se escora somente no famoso monstro para sustentar a sua história, apresentando, na verdade, todo um estruturado e comovente drama e personagens bem desenvolvidos, com a criatura em si sendo mais uma coadjuvante do que a grande estrela. O diretor, portanto, consegue, de maneira impecável, fazer com que nos importemos com os protagonistas, nos envolvamos com suas histórias e batalhas pessoais e enxerguemos o Godzilla como realmente deve ser visto: um monstro feroz e destruidor, que aqui ataca um povo que já vive em uma situação desesperadora.
O final pode parecer um tanto "forçado" para muitos, mas, em minha humilde opinião, não ficou muito claro se Noriko está realmente viva ou se, na verdade, o piloto morreu ao se chocar com Godzilla e tudo aquilo que vemos depois é parte de um sonho. O próprio Shikishima menciona várias vezes, em diversas cenas, a possibilidade de estar vivendo uma ilusão e de não acreditar que o que presencia ser, de fato, a realidade, então pode ser que, no final, ele enfim vivencie o que antes temia já estar vivenciando, isto é, estar dentro de uma espécie de situação imaginária.
Um dos melhores, senão o melhor, dessa antiga e longeva "franquia" e uma obra que vale muito a pena assistir. Recomendado.
Estava com muita expectativa para assistir a esse filme, mas, quando finalmente tive a oportunidade, confesso que fiquei decepcionado e até com a sensação de ter perdido algumas horas da minha vida. Em suma, "Pobres Criaturas", por trás de todo o seu visual excêntrico e proposta original que chama a atenção, acaba se transformando, ao longo do enredo, em mais uma produção hollywoodiana que mais busca "enfiar goela abaixo" uma determina visão ideológica, que acredito que até tenha sido mal compreendida pelos próprios autores da obra, do que propriamente construir uma produção de qualidade.
Além de diversos furos do roteiro, cenas desnecessárias e um mal desenvolvimento da trama e de determinados personagens, o principal problema é a mensagem que o filme passa. Sob a ideia de mostrar a protagonista se "libertando" do patriarcado e alcançando uma autonomia feminina, a película glamoriza não somente a prostituição, mas várias outras formas de exploração. As decisões que Bella Baxter toma ao se aventurar pelo mundo deveriam ter trazido diversas consequências negativas a ela, mas, apesar de alguns problemas pequenos e eventuais, as experiências por ela praticadas são retratadas como "divertidas" e sem quaisquer danos reais. E isso torna-se ainda mais absurdo quando se reconhece que Bella é uma criança em um corpo de adulto, logo o que presenciamos pode até ser visto, de certa maneira, como um absurdo caso de exploração infantil.
Não há qualquer contraponto ao comportamento libertino e perigoso da protagonista - aqui confundido como alguma forma deturpada de "libertação" - e os envolvidos tomam determinadas atitudes pouco naturais e que parecem mais movidas pela motivação do roteirista do que exatamente pela lógica das personagens em questão.
A produção é bem feita e a atuação de Emma Stone, em uma personagem extremamente difícil, merece elogios, mas os pontos positivos param por aí. O roteiro é pobre e as idéias aqui defendidas são simplesmente insanas.
Não recomendo e ainda digo que o fato deste filme ter recebido tantas indicações e prêmios é um pouco assustador do atual cenário da indústria e crítica cinematográficas.
Em "Os Rejeitados", o diretor Alexander Payne apresenta, como é costume em seus trabalhos, uma equilibrada mistura entre comédia e drama, sem apelar excessivamente nem para um lado e nem para o outro. Neste filme, acompanhamos o Natal de personagens repletas de defeitos e problemas em suas respectivas vidas pessoais e como, de forma gradativa, tais pessoas vão se conhecendo melhor, superando as desconfianças iniciais e estabelecendo uma relação imperfeita, mas delicada.
Apesar da história ter alguns clichês, ser um tanto previsível em determinados momentos e demorar um pouco para "engatar" e verdadeiramente envolver o espectador, o roteiro é, em linhas gerais, bem elaborado, focando bastante, e com boa execução, no desenvolvimento das personagens, sobretudo o professor Paul Hunham e o aluno Angus Tully. Além disso, o enredo igualmente aborda diversas questões interessantes, como a relação entre alunos e professores e entre pais e filhos, solidão, crescimento e superação de dificuldades.
Obviamente, em uma obra tão centrada em seus protagonistas, as atuações por parte do elenco ganham uma maior importância, e Paul Giamatti e Dominic Sessa não decepcionam de forma alguma, apresentando não somente ótimas performances, mas uma incrível química entre ambos.
Sendo assim, "Os Rejeitados" é daqueles filmes aconchegantes de se assistir, com um belo clima natalino e drama e comédia na medida certa.
"Existem mais de 550 milhões de armas de fogo em circulação no mundo. Isso equivale a 1 arma para cada 12 pessoas no planeta. A única pergunta é: como podemos armar as outras 11?"
É com essa frase, acompanhada por uma sequência espetacular, que se inicia "O Senhor das Armas", o que, de imediato, já prende a atenção do espectador. Dirigido por Andrew Niccol, o filme aborda não somente a temática do tráfico ilegal de armas, mas, sobretudo, também a questão da "indústria da guerra", que envolve empresas privadas, traficantes autônomos e governos, interessados em lucrar a partir de conflitos armados, mesmo que isso signifique, em diversas ocasiões, até mesmo financiar os dois lados da batalha e contribuir para a morte de milhares - ou milhões - de inocentes.
O filme cumpre muito bem o papel de mostrar, com o auxílio da narração feita pelo protagonista Yuri Orlov, o funcionamento desse negócio movido, em síntese, pelo derramamento de sangue e pelas disputas por poder ao redor do mundo. No caso, acompanhamos como a venda dos armamentos ultrapassam fronteiras, estando acima de matérias de teor ideológico, político ou até religioso. Sendo assim, vemos nações socialistas se envolvendo em negociações um tanto capitalistas para obter equipamentos de guerra, ucranianos vendendo munições para aliados de russos e, inclusive, radicais muçulmanos usufruindo de armas israelitas, com tudo isso sendo intensificado no contexto pós-Guerra Fria, que fragmentou ainda mais as relações internacionais.
Por outro lado, se a película funciona muito bem quase como um documentário sobre geopolítica e guerra, enquanto um filme propriamente dito já não dá para dizer o mesmo, o que se deve, sobretudo, a falhas no roteiro. O principal problema, em minha avaliação, está no fato do personagem principal, mesmo inspirado em vários traficantes de armas verdadeiros, ser fictício, o que fez com que os roteiristas tivessem que elaborar pontos como uma história de origem, narrativa de ascensão e interesse amoroso que simplesmente não funcionam, apresentam inúmeros buracos, esteriótipos e elementos genéricos e são bem distantes da realidade.
Dentre todos esses defeitos na preparação da trama, no entanto, é inegável que o mais visível encontra-se exatamente na caminhada de Yuri até se tornar quem ele é. Em um momento, é um jovem adulto que trabalha na pequena loja dos pais e sem qualquer relação com algum negócio ilegal ou criminoso e, no outro, já é um traficante negociando armas em um país estrangeiro. Aliás, de onde ele obtém seus armamentos? Como os armazena e os transporta? Como ele adquiriu todo o dinheiro para sustentar esse negócio? São diversas perguntas que simplesmente ficam sem respostas. Às vezes, fica a sensação de que o protagonista chegou aonde chegou quase que por acidente ou obra do destino, pois se sabe muito pouco sobre ele e acerca de como exatamente atingiu tal patamar no mercado global de armas, sendo tudo muito rápido e mal apresentado ao espectador.
O desenvolvimento das personagens secundárias também não colabora, com o arco familiar e amoroso de Yuri não contribuindo muito para a trama central, que é a voltada ao comércio de armamentos, e mais servindo como um "suporte" desnecessário e descartável. O próprio Yuri, diga-se, não é lá um personagem tão complexo assim e que pouco muda durante o filme e, se não fosse o carisma e o talento de Nicolas Cage, seria bem desinteressante.
Dessa maneira, o filme tem diversos aspectos positivos, sobretudo no início e no final e por meio de excelentes frases de efeito, mas os vários problemas no roteiro também estão presentes quase que na mesma proporção. Apesar de tudo, é uma boa película para passar o tempo e conhecer mais sobre o panorama geral do comércio global de armas - embora tendo noção de que muitos acontecimentos vividos pelo protagonista e detalhes do enredo são pouco realistas.
Retratando a produção do clássico "Nosferatu" e misturando elementos reais com fictícios, "A Sombra do Vampiro" é uma bela homenagem não somente para o grande diretor Frederich Murnau, mas também a todo o gênero de terror - em especial, quanto às histórias de vampiros de uma maneira geral. No entanto, enquanto filme, não impressiona tanto, possuindo um roteiro consideravelmente raso e se apoiando excessivamente na atuação de Dafoe, que aqui, sem dúvida, encontra-se em grande performance.
Dessa maneira, a película não consegue desenvolver bem a sua interessante proposta, ficando perdida tanto entre ser uma comédia ou um terror, quanto entre ser um tributo sustentado em um clássico do cinema ou um filme capaz de andar com as próprias pernas. Como terror, não apresenta a intensidade dramática necessária e, como comédia, não é engraçado o suficiente, embora tenha os seus momentos divertidos.
Em síntese, o ponto alto da obra resume-se às aparições de Schreck e suas interações com o diretor e os outros membros da equipe, que, sem dúvida, são intrigantes e rendem boas cenas de humor e terror na mesma proporção. O filme, logo, vale à pena mais pelo tributo à Murnau e pelo Dafoe do que qualquer outra coisa, não se destacando, de forma expressiva, por outros elementos.
Vencedor do Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, "O Segredo dos Seus Olhos" é um filme investigativo que mistura, de maneira equilibrada, drama e suspense, com boas doses de humor e romance. Sustentado, sobretudo, por uma ótima direção e um roteiro bem estruturado, a obra envolve, de maneira eficiente, o espectador na investigação, que é abordada de forma não linear - alternando entre o passado e o presente - e nos impacta com um final surpreendente.
Dentre todos os aspectos positivos, vale dar um destaque especial aos personagens, que são muito bem construídos, sendo engraçados em alguns momentos e dramáticos em outros. Acima de tudo, são falhos, genuínos e, portanto, próximos ao mundo real, o que auxilia com que o público simpatize com suas intenções e atitudes.
O ponto que mais me incomodou, por outro lado, foi a lentidão do filme, que, sem dúvida, em diversas oportunidades tornou-se um tanto arrastado, como se a sua duração tivesse sido maior do que o necessário. Isso acaba sendo compensado com a reta final da história, que é impactante, mas é necessário fazer essa ressalva.
Em linhas gerais, mais uma boa produção do cinema argentino. Recomendado.
Retratando a real história de Tim Ballard, ex-agente do governo americano que investigou e desmantelou uma rede de tráfico infantil na Colômbia, "Som da Liberdade" é, sem dúvida, não somente um dos melhores filmes a serem lançados recentemente, mas também um dos mais impactantes que eu já vi. Diferente de muitas opiniões e críticas lançadas a essa produção, muitas delas até feitas antes mesmo do próprio lançamento da obra, a película não tem nada de polêmico ou controverso, mas, na verdade, trata, com muita seriedade, de um tema extremamente delicado e necessário de ser discutido, o tráfico infantil, e sem deixar a parte artística e dramática de lado.
A trama acompanha Ballard desde os seus trabalhos para capturar pedófilos nos EUA, à serviço da Secretaria de Segurança Nacional americana, até o momento em que ele começa a sentir uma necessidade de contribuir mais e também resgatar as crianças que, separadas dos seus respectivos pais, são usadas como produtos no obscuro e repugnante mercado da pornografia infantil. Inevitavelmente, isso o leva a uma extensa rede de tráfico de jovens, que ele começa, cada vez mais, a ter que desmantelar com ajuda de menos pessoas e sem os recursos do governo norte-americano, que já não pode continuar o apoiando nessa empreitada fora da jurisdição do país.
À medida em que o protagonista vai se aprofundando em sua investigação, o espectador igualmente é imerso no submundo de um dos piores tipos de crimes que o ser humano pode cometer. Não se trata de uma teoria da conspiração ou uma história exagerada por motivos cinematográficos - aliás, a história verdadeira é ainda mais absurda e sórdida, mas uma realidade brutal que milhões de crianças, infelizmente, vivem todos os dias em diversas partes do mundo, em um contexto de embrulhar o estômago e que, de maneira lamentável, não é tão discutido ou abordado quanto deveria na mídia e imprensa - o que, de certa forma, aumenta ainda mais a importância deste filme.
Além da necessária temática e da heroica história retratadas, o filme também surpreende, positivamente, por se destacar nos aspectos técnicos - sobretudo a trilha sonora, fotografia e direção, que proporcionam uma elevada qualidade à produção - e pelo bom ritmo que é adotado, não deixando o filme se tornar, em momento algum, monótono ou arrastado, e sempre prendendo bem a atenção do público e nos envolvendo na trama. Por outro lado, o desenvolvimento das personagens poderia ter sido melhor, assim como algumas atuações, mas nada que prejudique, consideravelmente, o filme ou atrapalhe a experiência do espectador - embora deva mencionar que Jim Caviezel está muito bem em seu papel.
Sendo assim, "Som da Liberdade" não é um filme que deveria ser visto nem como de direita ou de esquerda, mas como um filme humano, importante, necessário e impactante, sendo capaz de dar luz a um assunto delicado e, na mesma proporção, de nos emocionar com cenas de forte impacto. É de se lamentar, no entanto, que muitas pessoas, coincidentemente com uma determinada orientação política, tenham tentado rejeitar o filme antes mesmo de assisti-lo, buscando taxá-lo de conspiratório e de diversas outras alcunhas . Curiosamente, foi essa grande reação negativa à obra que também aumentou ainda mais a sua fama e colaborou com que muitos tivessem interesse de assistir ao filme, o que é flagrante na elevada bilheteria recebida - mais de 250 milhões de dólares mundialmente - e no grande público que já o assistiu nos cinemas ou em casa. Recomendado.
Alguns anos após o estrondoso sucesso com "Frankenstein", o consagrado cineasta britânico James Whale retorna com a sequência da história. Apesar de não estar no mesmo nível do filme original, e de não compartilhar do mesmo grau de inovação e impacto, ainda é, se considerarmos a época de sua produção, um filme muito bem feito e com diversos aspectos a serem elogiados.
Em primeiro lugar, é necessário destacar a sequência inicial, que, sendo dirigida com maestria, não apenas é excelente em conectar, de maneira direta, o filme anterior com este, mas também presta uma bela homenagem à escritora Mary Shelley, a criadora da história que inspirou a adaptação cinematográfica.
Ao longo da trama, percebemos que o diretor busca não sustentar a película completamente na tentativa de aterrorizar o espectador com o "monstro", o que é inteligente, pois o público já tem conhecimento da criatura a partir do primeiro filme, logo o efeito não seria o mesmo. Dessa maneira, Whale procura uma abordagem diferente, humanizando a personagem, o que proporciona belas cenas, como a do violino.
O problema, sem dúvida, encontra-se no fato de que a obra cria uma grande expectativa em torno da criação e do surgimento da "noiva" do monstro, mas tal figura aparece por pouquíssimo tempo e somente no final, o que é um tanto anticlimático. No entanto, feitas essas ressalvas, ainda é um bom filme e com grande relevância do ponto de vista cultural.
Em "Hannah e Suas Irmãs", o diretor e roteirista Woody Allen apresenta todos os elementos característicos dos seus filmes, o que naturalmente pode agradar a uns e desagradar a outros. Misturando comédia e drama, o cineasta no introduz a uma história que aborda, sobretudo, relacionamentos, mais especificamente o tema da traição, que aqui encontra-se bastante associado também a questões familiares.
A trama central, que envolve Hannah, Lee e Elliot, é bem interessante, não somente pelo absurdo de um homem se envolver amorosamente com a irmã de sua esposa e de uma irmã aceitar fazer parte desse romance proibido, mas igualmente pela relação entre as personagens e pelas dúvidas e tensões que toda essa situação gera entre os envolvidos. Aliás, destaque para Michael Caine, que foi premiado por este papel.
O problema do filme, no entanto, são as subtramas que vão surgindo ao longo da história e que são bem menos intrigantes, sobretudo a da personagem interpretada pelo próprio Woody Allen, cuja presença na película é completamente descartável. Dessa maneira, acredito que seria benéfico à obra se o diretor tivesse optado por preencher o espaço dedicado a esses arcos secundários com mais sobre o trio de protagonistas, desenvolvendo melhor essa parte do enredo, que, no final das contas, é o que, de fato, prende a atenção do espectador.
Logo, este filme, pelo menos em minha avaliação, não é tão bom quanto os seus diversos prêmios e nomeações poderiam indicar e, com certeza, não é o melhor trabalho de Allen, mas, em síntese, cumpre bem o seu papel e tem mais pontos positivos do que negativos.
Em "Coerência", o diretor James Ward Byrkit dá uma verdadeira aula e mostra como é possível, com uma boa direção e um roteiro inteligente, fazer uma produção de baixo orçamento se transformar em um filme de alto nível. Logo de imediato, percebemos que o cineasta opta por uma abordagem mais intimista, que funciona muito bem, com a história se passando, durante a maior do tempo, no mesmo cenário e a câmera sendo utilizada como se estivéssemos "invadindo" o jantar dos amigos em questão e proporcionando uma experiência bastante imersiva ao espectador.
Se o diretor se destaca pela qualidade por trás das lentes, Byrkit igualmente demonstra talento no roteiro, com um enrendo muito bem elaborado que não apenas nos surpreende, mas também nos envolve na trama e prende nossa atenção. Misturando ficção científica com suspense, o filme foge de clichês e "lugares comuns" a películas do gênero, indo, na verdade, por um caminho bastante criativo, com uma premissa interessante e complexa que é executada de maneira exemplar. O filme, inclusive, não se sustenta somente nos surreais e intrigantes acontecimentos que ocorrem no local, mas também desenvolve bem as personagens e as interações entre elas, sobretudo à medida em que fatos passados começam a vir à tona e cada qual reage de forma diferente ao bizarro contexto que vivenciam.
Como todo bom filme "mindfuck", é difícil compreendê-lo por completo após assistir apenas pela primeira vez, embora obviamente dê para se ter uma mínima ideia do que aconteceu, sendo talvez necessário, para muitos, ler textos e ver vídeos sobre a obra para entender melhor ou, se possível, até reassistí-lo, descobrindo novos detalhes a cada oportunidade. Dessa forma, a sensação de espanto e confusão das personagens envolvidas também é repassada, intencionalmente, ao espectador, o que é bem interessante. Aliás, uma curiosidade sobre a produção do filme é que os atores, ao se prepararem aos seus respectivos papéis, somente receberam as suas falas e não todo o roteiro, desconhecendo, logo, o aspecto geral da história e até mesmo as falas dos seus colegas, fazendo com que suas reações nas cenas fossem ainda mais genuínas e espontâneas.
É interessante observar que, no início do jantar, Emilly conta a história da passagem de um cometa na Finlândia, durante o início do século passado, que provocou acontecimentos inesperados, inclusive mencionando o caso de uma mulher que dizia ter matado o marido, mesmo com esse estando vivo e em casa. Essa fala da personagem, contada como se fosse apenas uma estranha curiosidade qualquer, mais tarde iria se mostrar como algo extremamente revelador do que iria acontecer, em seguida, com os amigos presentes naquela mesa.
Na situação retratada na película, verificamos que, devido a passagem do cometa Miller, a realidade vivida pelas personagens é fragmentada em distintas dimensões, o que é apenas explicado na metade do filme. Não fica muito claro quando isso começou a acontecer - se foi durante o jantar ou já momentos antes - e nem a maneira exata com a qual esse fenômeno ocorre. Sendo assim, é desconhecido se cada dimensão abriga essas pessoas enfrentando tal evento de formas diferentes ou da mesma forma, porém em instantes distintos, e nem se as pessoas de cada dimensão são idênticas em tudo ou se são versões diferentes do mesmo indivíduo, o que causa ainda mais mistério.
Além disso, o temor das personagens existe por não conseguir confiar em como as suas outras versões vão reagir a esse bizarro contexto, seja por não saberem se os seus outros "eu" são versões com personalidades diferentes ou simplesmente por não confiarem em si próprios. Logo, talvez os outros grupos agissem com naturalidade ou talvez agissem com violência, sendo essa dúvida que faz com esses amigos precisem elaborar planos para lidar com tal situação, mesmo tendo o conhecimento que os outros amigos nas outras casas também estariam elaborando planos ou até mesmo já poderiam ter elaborado e se encontrassem à frente na linha temporal.
O aspecto mais impactante do terror do filme, todavia, vem quando as personagens começam a perceber que podem não somente ir parar, acidentalmente, em uma dimensão distinta, como também já estar, sem perceber, em uma realidade diferente a que encontravam-se no início e interagindo com versões alternativas de seus amigos. No entanto, se de imediato elas passam a querer, desesperadamente, retornar à dimensão em que estavam originalmente, certos desentendimentos entre os colegas fazem com que alguns, como Emilly, passem a querer apenas ir a um local que tenha um mínimo de paz, mesmo que não seja a sua realidade inicial.
Nesse caso, observamos o que as pessoas podem ser capazes de fazer para abandonar a realidade em que estão inseridas e ir em busca de uma mais atraente, mesmo que isso signifique enganar ou até matar o seu próprio "eu". Logo, se alguém é capaz de adotar tais atitudes em busca de uma vida melhor, esse contexto já não é mais responsabilidade somente do cometa, mas também de quem a pessoa realmente é por dentro, com essa situação surreal apenas servindo para revelar sua verdadeira identidade.
Outro ponto que vale a pena destacar é que, se cada grupo de amigos em cada dimensão simplesmente decidisse não fazer nada e apenas ficar em casa, as distintas dimensões não iriam se colidir e tudo seguiria normal para o dia seguinte. Dessa maneira, foi a curiosidade de cada um com a casa iluminada que iniciou a sequência de acontecimentos perturbadores.
Um filme inteligente, criativo e muito bem escrito e dirigido, garantindo, a partir de uma interessante premissa, um suspense de qualidade mesmo com poucos recursos. Recomendado.
Abordando a consagrada temática de gângsteres , "Layer Cake", à título de curiosidade, tinha Guy Richie como o primeiro nome para a direção, mas, devido a problemas na agenda, tal trabalho foi encarregado ao seu amigo e produtor Matthew Vaughn, que aqui encontra-se em sua estréia como diretor. O filme possui todos os elementos comuns a produções do gênero, com ação, criminosos cínicos e reviravoltas, sendo tudo acompanhado por uma boa trilha sonora e um elenco com nomes conhecidos, mas a inexperiência do diretor é visível e o roteiro, em diversos momentos, é um tanto confuso.
O principal problema desta película, sem dúvida, é que, aparentemente na tentativa de criar alguma surpresa ao espectador, há um exagero nas tramas paralelas e nas personagens secundárias, que vem e vão sem muita cerimônia e algumas nem chegam a justificar, de fato, a sua presença na história. Dessa maneira, mesmo com uma premissa interessante no início, tudo parece muito excessivo e mal desenvolvido, mais confundindo o público do que qualquer outra coisa, sendo que, pelo menos no meu caso, fiquei me perguntando várias vezes o que estava acontecendo, pois é fácil se perder no meio desse caos que o filme se torna.
Em determinadas cenas, inclusive, até parece que Vaughn tenha copiar do estilo de Richie, mas claramente ainda sem a habilidade ou o humor negro do seu colega, com o resultado final não sendo dos melhores. No geral, o filme vale a pena apenas por alguns bons momentos aqui e ali, pela atuação do Craig - que talvez tenha sido escolhido para o papel de James Bond por conta deste trabalho - e pela sequência final.
Em "Grande Hotel", temos um filme fragmentado em quarto partes, como se fossem curta metragens, sendo todas protagonizadas por um funcionário do hotel - ou, em inglês, "lobby boy" - que passa por situações inusitadas e bizarras. Cada um dos segmentos é dirigido e escrito, respectivamente, por diferentes cineastas e roteiristas, logo, apesar de possuírem a mesma temática e compartilharem do mesmo humor negro, cada qual também possui o seu próprio estilo.
Pessoalmente, os dois primeiros capítulos não me agradaram muito, sendo, de longe, os mais fracos do filme, com histórias excessivamente confusas e constrangedoras e, sendo franco, "sem pé nem cabeça" em muitos momentos. No entanto, os dois últimos são, sem dúvida, bem melhor desenvolvidos, elevando a qualidade da película e entretendo o espectador com suas personagens e diálogos interessantes - embora talvez não o suficiente para salvar completamente a produção.
Dentre eles, destaco o terceiro, dirigido por Robert Rodriguez, que é bastante divertido, não apenas pela história em si, mas também pela performance dos atores mirins e suas interações com o protagonista do filme, que garantem momentos divertidos e bem humorados. Aliás, acredito que se essa obra tivesse sido totalmente dirigida e escrita pela dupla Rodriguez e Tarantino, que já trabalharam juntos em outras produções, com certeza subiria alguns degraus em qualidade.
Em linhas gerais, esta película não é lá grande coisa e tem os seus altos e baixos, mas pode ser um bom passatempo para se assistir despretensiosamente.
Sendo uma adaptação de um romance britânico de mesmo nome, "O Castelo Animado" é, sem dúvida, o filme no qual o diretor Hayao Miyazaki vai mais além no quesito de fantasia e aventura. Oferecendo uma épica e rica narrativa em um mundo mágico e fictício, o cineasta japonês novamente nos encanta com belos aspectos visuais - aos quais já estamos acostumados em suas produções - e também aborda temas como amor, lealdade, compaixão e pacifismo.
Em sua primeira metade, o filme prende bem a atenção do espectador com a magia e o surrealismo do local em que se passa a história, como se estivéssemos inseridos na fértil mente de um adolescente sonhador. Além disso, apresenta não somente interessantes personagens e elementos fascinantes, que vão nos intrigando e nos envolvendo cada vez mais, mas igualmente cenas bem humoradas e divertidas, que trazem leveza à película.
No entanto, é do meio para o final que a obra começa a apresentar alguns problemas em seu enredo. Quanto a isso, é possível mencionar algumas subtramas mal desenvolvidas, determinados acontecimentos sem uma explicação adequada e uma quantidade demasiada de reviravoltas, tornando a experiência excessivamente confusa em diversos momentos.
Sendo assim, o filme fascina pela beleza e pelo caráter fantástico da história, mas o confuso roteiro na segunda metade prejudica, de maneira considerável, a qualidade da obra. Mesmo não estando dentre as melhores produções do Studio Ghibli, ainda é, dentre erros e acertos, uma película que vale a pena assistir.
Em uma das primeiras produções do Studio Ghibli, Myazaki nos traz uma história simples, mas bonita, acerca da relação de duas jovens irmãs com aqueles que parecem ser espíritos da floresta, em especial o Totoro, que encontra-se no título. Além disso, também é uma trama com um forte caráter familiar e sentimental, retratando a maneira como ambas enfrentam a ausência da mãe, internada em um hospital - aliás, isso é inspirado na própria experiência vivida pelo cineasta em sua juventude, quando sua mãe sofria de uma tuberculose que a obrigou a ficar de cama por diversos anos.
Com o mesmo alto nível de qualidade técnica - animação, trilha sonora e aspectos visuais - ao qual iríamos nos acostumar nas outras obras do diretor, "Meu Amigo Totoro" captura muito bem o espírito imaginativo de uma criança, em que a fantasia é utilizada como uma válvula de escape para momentos difíceis. Dessa forma, a película, apesar de ter momentos mais dramáticos e um tanto tristes, é leve de se assistir na maior parte do tempo, como se voltássemos, por um breve período, à nossa infância.
Particularmente, gostaria de ter visto mais do Totoro e considero que este filme possui um direcionamento maior ao público infantil do que outras produções do estúdio, que talvez possuam um grau de complexidade mais elevado. No entanto, feitas essas ressalvas, afirmo que a obra, sem dúvida, cumpre bem a sua função, sendo uma experiência agradável e com algumas cenas bastante emocionantes. Aliás, somente a meia hora final do filme, com uma forte carga emocional e uma beleza singular, já faz esta película valer completamente a pena de se assistir.
Em "A Viagem de Chihiro", o consagrado animador japonês Hayao Myazaki nos convida a uma história fantástica em um mundo mágico, protagonizada por uma garota, Chihiro, de apenas dez anos. Na trama, a pequena jovem tem de enfrentar situações surreais e desafiadoras e conviver com estranhas personagens, frutas da fértil imaginação do cineasta, não somente descobrindo um universo completamente novo e desconhecido, mas também conhecendo mais sobre si própria.
Dentre diversos elementos do enredo, um dos mais interessantes talvez seja que, segundo as palavras do próprio criador, Chihiro não é uma super heroína ou uma princesa, mas simplesmente uma garota comum enfrentando uma situação nova, o que já provoca uma rápida identificação do público. Não é, portanto, uma história sobre personagens que mudam completamente ou, pelo contrário, que já nascem prontos para todos os desafios, mas, na verdade, uma narrativa na qual as suas respectivas qualidades, já presentes dentro de cada um, são trazidas à tona perante circunstâncias particulares - acontecendo, sobretudo, com a protagonista.
Outro ponto a se destacar é a clara inspiração - não confundir com cópia ou plágio - do autor em histórias como "Alice no País da Maravilhas" e "O Mágico de Oz", dando a sensação que ele usufruiu de diversos aspectos dessas conhecidas e consagradas tramas e os misturou com elementos da mitologia japonesa, fornecendo, assim, uma identidade própria ao filme. Pessoalmente, não peguei todas as referências culturais nipônicas presentes na obra e admito que, por esse e outros motivos, a história ficou um pouco confusa para mim em dados momentos, mas nada que atrapalhasse consideravelmente a experiência.
No entanto, mesmo se deixássemos o bom roteiro e os diálogos completamente de lado, "A Viagem de Chihiro" já seria um prazer de assistir unicamente pelo seu belíssimo visual e pela incrível trilha sonora. Utilizando um estilo originado dos clássicos artistas gráficos japoneses, Myazaki usufrui da forte presença de cores, de ricos detalhes e de representações realistas de elementos fantásticos para encantar o espectador em uma animação de altíssima qualidade. Um filme que, mesmo sendo classificado como infantil, pode não apenas ser apreciado por adultos, mas igualmente ser capaz de promover interessantes reflexões para pessoas de todas as idades.
Em seu trabalho de estréia, o diretor Guy Ritchie nos entrega um filme cujo estilo irá também estar presente em outras produções de sua carreira, tornando-se uma marca do cineasta britânico. No caso, temos uma mistura frenética de comédia e ação, com diversos personagens envolvidos, gângsters e boas doses de um humor ácido e, por vezes, um tanto "pastelão".
O filme é bom e divertido, ainda mais se assistido de maneira despretensiosa, mas creio que, sobretudo em sua segunda metade, torna-se um tanto repetitivo, como se andasse em círculos na mesma trama de "ladrão roubando ladrão". Além disso, torna-se bagunçado, até acima do aceitável, com o excesso de subtramas e indivíduos envolvidos. É como se todos os elementos característicos das obras de Ritchie estivessem aqui, mas com o diretor ainda testando suas idéias, que, dessa forma, não encontram-se na melhor das sintonias.
Entre erros e acertos, é uma película que cumpre bem sua função, garante boas risadas e é um interessante e irreverente passatempo, em especial para quem aprecia filmes do gênero.
A principal diferença de "Meu Pai" para a maioria dos outros filmes que abordam a questão da perda de memória ou do envelhecimento, é que, enquanto os demais focam na visão das pessoas ao redor acerca dessa condição, aqui acompanhamos, de uma maneira imersiva, segundo a perspectiva do indivíduo afetado pela doença. Dessa forma, é como se o espectador fosse convidado a entrar na mente do protagonista e ver o mundo através do seu respectivo ponto de vista, vivenciando os mesmos sentimentos de confusão e angústia decorrentes da crescente incompreensão da realidade em volta.
Nesse sentido, o principal objetivo da película não é ilustrar, com clareza, o que realmente acontece - ou já aconteceu - na história, mas realizar um retrato fiel do caráter destrutivo dessa terrível enfermidade. Em dados momentos, sendo esses geralmente aqueles nos quais Anthony não está presente, até temos algumas poucas cenas que, de maneira sóbria, mostram a realidade de fato e ajudam a explicar alguns pontos importantes na trama. No entanto, durante a maior parte do tempo, o filme nos causa, propositadamente, uma desorientação comum ao cotidiano de uma pessoa com demência, com qualquer registro sendo passível de dúvidas e questionamentos e extremas dificuldades em diferenciar o real do imaginário.
Naturalmente, é impossível falar da abordagem diferenciada dessa obra sem mencionar a gigantesca atuação do experiente, mas ainda lúcido e ativo, Anthony Hopkins. Óbvio que o elenco de suporte, em especial a sempre competente Olivia Colman, também merece uma menção honrosa, mas é para o ator octogenário que vai o maior destaque, com uma performance brilhante de um homem consumido por uma destruidora doença. Mesmo batalhando para manter um mínimo de sanidade e compreensão, o seu personagem tem, antes mesmo que se dê conta, suas memórias gradativamente apagadas até um ponto em que sua própria identidade já foge do seu conhecimento e sua condição o faz retornar a um estado que beira o infantil.
Um filme profundo e emocionante, sendo, acima de tudo, uma das melhores representações, senão a mais bem desenvolvida, do estrago que o Alzheimer pode provocar em alguém. Para quem tem ainda pais vivos e conscientes, também uma bela mensagem: abrace-os e ame-os o máximo possível e enquanto puderem, pois não há nada mais triste do que olhar para alguém que você ama e perceber, em seus olhos, que tal pessoa já não o reconhece mais - e, infelizmente, determinadas enfermidades, como a retratada nesta obra, podem provocar isso. Recomendado.
Em "Interestelar", é perceptível o cuidado que o diretor Christopher Nolan teve na produção do filme, desde os aspectos técnicos até a questão envolvendo a veracidade da história no ponto de vista científico. Quanto a isso, destaco, sobretudo, as brilhantes fotografia e trilha sonora, que fornecem uma beleza engrandecedora à película, e o respeito que o cineasta procurou ter com as leis da física, contando com o auxílio constante de especialistas na área.
Um aspecto interessante a ser observado é que Nolan não procurou fazer mais uma história genérica envolvendo viagens no tempo ou aventuras espaciais para salvar o planeta e que girasse em torno, de maneira excessiva, apenas da parte científica - embora novamente ressalto o cuidado que se teve com a obediência às leis da ciência. Na verdade, percebemos que o diretor buscou também focar em um lado mais humano, o que aqui é representando, sobretudo, pela relação entre Cooper e sua filha, Murph.
No entanto, esse que é um dos pontos positivos da obra também é, por outro lado, o seu grande calcanhar de aquiles. Digo isso pois, pelo menos ao meu ver, na tentativa de mostrar as duas partes da história - a científica, com a viagem a uma galáxia distante, e a pessoal, quanto a relação do protagonista com a filha - de forma paralela, o filme acaba deixando lacunas e aspectos mal explicados - ou não muito bem desenvolvidos - nas duas. Parece-me que o cuidado que se teve na parte técnica não foi colocado, em mesma proporção, no roteiro.
Prosseguindo na parte do enredo, tem alguns importantes pontos que poderiam ser construídos de uma melhor maneira, assim como outros que não fizeram sentido para mim. Em primeiro lugar, foi difícil de crer que Murph, que sentia profunda raiva do pai por ter aceito ir a uma viagem espacial, não somente havia construído uma sólida amizade com o Dr Brand, que ela sabia que havia sido o responsável por levar o seu pai ao espaço, como também se interessava profundamente pelo tema. Dessa forma, se ela entendia a importância da missão, então por que continuava com ressentimentos? Se ela não entendia, por que estava ali ajudando no projeto?
Também me incomodou como o momento do reencontro entre Cooper e sua filha é um tanto anticlimático, pois dura pouquíssimo tempo e o protagonista, que não via Murph a tantos anos, simplesmente decide deixá-la ali no seu leito de morte para ir resgatar, de alguma forma, Brand em uma galáxia distante.
Na minha humilde opinião, o fato de não conhecermos muito do que os filhos de Cooper passaram durante todo esse período, pois apenas temos noção de alguns acontecimentos registrados nas poucas mensagens enviadas, acaba, mesmo que de forma involuntária, provocando um certo distanciamento do espectador com esse lado mais familiar, que deveria ser o principal ponto a tornar o filme mais humano. Inevitavelmente, a parte científica da história torna-se a mais interessante, enquanto a outra serve, durante a maior parte do tempo, como uma válvula de escape, até que, no final, vai ganhando importância.
Apesar disso, ressalto que existem cenas bem emocionantes relacionadas a esse lado da trama, como aquela na qual o protagonista pela primeira vez vê as gravações deixadas pelos filhos, o que, em grande parte, é também responsabilidade da excelente atuação de McConaughey. Além disso, é inegável que a película nos entrega mensagens muito bonitas quanto a relações familiares, sobretudo entre pais e filhos.
E, por fim, também foi complicado entender o porquê desses humanos de dimensões superiores terem conseguido abrir uma "dobra no espaço tempo" somente para enviar os astronautas a planetas que não possuíam quaisquer condições de vida, quando poderiam ter encontrado outros tipos de soluções, talvez mais eficientes, para auxiliar os moradores do planeta.
Entre pontos positivos e negativos, o filme é, sem dúvida, bom e muito bem produzido, apesar de fazer algumas ressalvas quanto ao roteiro e a maneira como as duas narrativas são conduzidas ao longo da história. Não é o melhor trabalho do Nolan, mas é uma ficção científica que vale a pena assistir.
"Quando nos falta um elemento para julgar algo, e essa falta é insuportável, tudo o que podemos fazer é decidir. Para sair da dúvida, às vezes temos que decidir nos inclinar para um lado e não para o outro. Já quando você precisa acreditar em alguma coisa, mas tem duas escolhas, você deve escolher."
Essa fala, dita já na reta final do filme, sintetiza, de maneira exemplar, o ponto central de "Anatomia de uma Queda" e o que faz esta obra ser tão boa e diferente de outras produções do mesmo gênero. Sendo assim, aqui o foco não se trata de descobrirmos a verdade em si, pois em momento algum somos apresentados à cena da morte do marido ou temos alguma revelação definitiva sobre o que realmente aconteceu. Aliás, é exatamente na dúvida e na incerteza que esta película, com excelente direção de Justine Triet, encontra a força necessária para construir o suspense e a tensão que são os alicerces deste poderoso e inteligente drama.
Desde o início, imediatamente nos identificamos com Sandra e o seu filho, Daniel, por todo o sofrimento pelo qual passam e devido às compreensíveis dificuldades em lidar com o trágico acontecimento. No entanto, logo em seguida começamos a perceber que a protagonista passará, cada vez mais, a lidar não somente com o luto vivenciado, mas também com suspeitas em torno da sua pessoa, que passa a se tornar a principal suspeita da morte do marido.
À medida em que as apurações ocorrem e resultam em um longo julgamento, o filme nos envolve muito bem em toda a situação enfrentada pelas personagens. Nesse caso, todo o desconforto sentido por elas igualmente acaba sendo repassada ao espectador, graças a uma combinação que envolve o competente trabalho da diretora, a tensa trilha sonora e as ótimas performances do elenco - sobretudo, Sandra Huller, que encontra-se impecável em seu papel.
Além disso, é impossível deixar de destacar o roteiro, que, sendo muito bem construído, gradativamente passa a dissecar o complicado relacionamento que Sandra e Samuel possuíam, à medida em que também começa a colocar fortes suspeitas em torno da protagonista e estabelecer, na mente do público, dúvidas acerca do que aconteceu. É como se a duas hipóteses - assassinato ou suicídio - se encontrassem em uma balança, cada qual de um lado, e estivessem constantemente se alternando no peso, isto é, ora pendemos em acreditar firmemente em uma e, em outros momentos, começamos a acreditar na possibilidade da outra estar correta.
Finais em aberto nem sempre agradam a todos e eu mesmo considero que tal recurso é mal empregado em diversos filmes e utilizado como uma "muleta", a roteiristas, para deixar uma história incompleta em determinadas ocasiões. Neste caso em particular, no entanto, entregar algum plot twist inesperado ou uma revelação final que solucionasse todo o mistério iria exatamente no caminho contrário ao que a trama vinha construindo. Dessa maneira, creio que a decisão da diretora foi correta, pois o valor do filme não encontra-se no que verdadeiramente aconteceu, mas nas dúvidas em torno do ocorrido, e isso, com o desfecho sem resposta, permanece intacto.
Os únicos pontos negativos talvez sejam o ritmo um pouco mais arrastado, em alguns momentos, na parte que aborda o julgamento - em contraste com o segmento que gira em torno das investigações preliminares, que consegue manter, constantemente, um bom andamento - e o salto temporal. Esse último aspecto, em minha avaliação, não ficou bem estabelecido, pois significa que aconteceram muitas coisas, dentro do período de um ano que é relatado, às quais ficamos completamente alheios.
Em linhas gerais, no entanto, o filme é, sem dúvida, muito bom e merece todos os elogios e prêmios que vêm recebendo. Sobretudo para quem gosta de dramas investigativos e de tribunal, "Anatomia de uma Queda" é um prato cheio. Recomendado.
Sem dúvida, a história dos sobreviventes da queda do Voo 571 da Força Aérea Uruguaia é uma das mais impressionantes não somente dentre aquelas relacionadas a acidentes aéreos, mas a desastres de uma maneira geral. Sendo auxiliado por uma ótima direção, este filme consegue abordar o ocorrido de forma fiel aos acontecimentos reais, porém sem deixar o lado artístico - afinal, é um filme - de lado, fornecendo um belo tributo tanto aos que sobreviveram quanto aos falecidos.
Um aspecto interessante encontra-se exatamente no título, isto é, a ênfase não apenas no caráter chocante da história, que obviamente também é retratado, mas na pequena "sociedade" que é estabelecida em um dos locais mais hostis da face da Terra e sob condições extremas. Nessa espécie de comunidade, os membros teriam que fazer o possível para sobreviver e, inclusive, enfrentar diversos dilemas morais e éticos em um contexto de vida ou morte - dentre os quais, destaca-se a questão do canibalismo, que é a mais conhecida.
Acredito que a película aborda muito bem os laços de amizade e solidariedade construídos dentro desse grupo e a maneira como isso, junto a boas doses de engenhosidade e resiliência, foi fundamental para a sobrevivência de alguns dos tripulantes. Sendo assim, é inevitável, para o espectador, realizar o mesmo questionamento que vem sendo feito há décadas quanto ao episódio retratado: afinal, o ocorrido foi uma tragédia ou um milagre? Bem, ao meu ver, a queda do avião e todas as mortes ocorridas foram trágicas, mas a capacidade dos que sobreviveram de aguentar, por mais de dois meses, a situação em que se encontravam foi, com certeza, algo verdadeiramente milagroso.
Além disso, é impossível não se emocionar no final, com o regresso dos sobreviventes e o reencontro com seus respectivos familiares, sobretudo depois de presenciarmos tudo pelo qual passaram. Recomendado.
Em "Insônia", o diretor Christopher Nolan dirige um filme que foge um pouco das características às quais estamos acostumados em suas obras. E isso se deve não somente por se tratar de um remake de uma outra produção - no caso, uma película norueguesa de mesmo nome - e não de uma história original criada por ele ou seu irmão, mas também por possuir um enredo com um aspecto mais convencional e linear.
No entanto, engana-se quem pensa que, por tal motivo, este filme deixa a desejar, em termos de qualidade, quando comparada a outras obras de sua carreira, pois o cineasta nos traz, mesmo distanciando-se um tanto do seu estilo, um thriller policial/investigativo inteligente e bem construído, prendendo a atenção do espectador e nos envolvendo em uma instigante trama.
O principal ponto positivo do filme, dentre vários, fundamenta-se, sem dúvida, nas relações construídas entre as personagens, e na forma como tais interações vão se entrelaçando com a investigação policial em andamento. Ao mesmo tempo em que vamos descobrindo, aos poucos, detalhes acerca do assassinato da adolescente, que é o crime investigado, paralelamente são mostradas tensões entre os detetives encarregados do caso e revelações envolvendo o passado de ambos.
O policial Will Dormer, muito bem interpretado por Al Pacino, possui uma grande reputação e uma extensa lista de investigações solucionadas, mas, para construir essa imagem, teve de, em diversas oportunidades, utilizar métodos não apenas pouco ortodoxos, mas ilegais, sendo que a relação de longa data com o seu parceiro de profissão, Hap, é exatamente estremecida em decorrência de apurações, na corregedoria da polícia, quanto à sua conduta.
Em dado momento da película, a policial local Ellie Burr, interpretada por Hilary Swank, relembra a frase "um bom detetive não dorme por pensar em prender bandidos, um mau detetive não dorme por conta da consciência pesada". No caso, Dormer corresponde à figura desses dois tipos de detetive ao mesmo tempo, pois, se por um lado, ele realmente preocupa-se em ir atrás de criminosos e prendê-los, os meios que emprega para alcançar tal objetivo caminham na linha tênue entre o que é moral e o que não é. Sendo assim, a sua dificuldade em dormir poderia também ser explicada por isso, além, é claro, do fato do Sol não se pôr, naquela época do ano, no Alasca.
Quando Dormer, acidentalmente, mata o seu colega em meio a uma perseguição ao suspeito, ele busca, como fez em várias ocasiões pregressas, manipular o cenário do acontecido e esconder quaisquer provas que pudessem levar alguém a crer que o tiro que assassinou o seu parceiro veio de sua arma e não do criminoso. Em sua visão, a descoberta de que foi o responsável pela morte poderia ser enxergada não apenas como uma mancha à sua imagem, mas igualmente uma suspeita de que o ocorrido não tenha sido acidental e sim com a intenção de barrar qualquer apuração contra sua pessoa. Dessa maneira, o detetive agora estaria encarregado, simultaneamente, de prosseguir os trabalhos na busca do criminoso local e de atrapalhar a investigação da morte de Hap.
No entanto, o pior estaria por vir quando o protagonista, em meio a uma crise de insônia, entra, de forma inesperada, em contato com Walter Finch, em ótima performance de Robins Williams, um dos suspeitos de assassinar a garota. É revelado que o escritor foi, de fato, o responsável pelo crime, mas também que ele sabe que Dormer matou o seu colega, utilizando essa sua informação como forma de chantagear o detetive a ir atrás de um outro suspeito, que seria utilizado como bode expiatório. Além disso, Finch argumenta, em uma fala que posteriormente descobriremos ser mentirosa, que cometeu um homicídio culposo, isto é, de maneira não intencional, e compara a sua situação com a da morte de Hap.
Nesse contexto, o detetive tão acostumado a estar no comando da situação, agora encontra-se encurralado, com o assassino utilizando, contra ele, os mesmos métodos que ele corriqueiramente empregava ao longo de toda a carreira. Diante desse cenário e também do fato de uma pessoa inocente estar prestes a ser presa por sua culpa, ele passa a questionar a si próprio e suas prévias atitudes, refletindo se, de fato, os fins justificam os meios. Toda essa confusão na mente do protagonista é ainda mais intensificada quando Ellie passa a, cada vez mais, suspeitar de Dormer e no momento em que o policial descobre que Finch realmente matou a garota de maneira intencional, e não por acidente como havia dito antes, construindo um tenso e eletrizante clímax final da história.
Com ótimas atuações, grande direção e um roteiro bem elaborado, "Insônia" é um drama policial de alto nível e que vale muito à pena assistir. Recomendado.
Com uma proposta simples, porém interessante, "Fuga de Nova York" nos traz um futuro distópico, misturando ação, suspense e ficção científica. Este é o tipo de filme que a melhor forma de assistir é não prestando muita atenção nos detalhes do roteiro, que é cheio de furos e aspectos mal explicados, e apenas acompanhar de maneira despretensiosa, enxergando-o mais como um passa tempo do que qualquer outra coisa.
Com um orçamento baixo, a produção apresenta as suas limitações e possui, em diversos momentos, um estilo "trash", mas consegue, mesmo sem tantos recursos, se sair relativamente bem no quesito de criar uma boa ambientação para a história, sendo acompanhada por uma marcante trilha sonora. Quanto ao elenco, destaco Kurt Russell, que faz um bom trabalho no papel do anti herói Snake PIissken, que é, de longe, a personagem mais interessante da história - até por que as outras, sem dúvida, não são desenvolvidas da melhor maneira e servem mais como suporte.
Em linhas gerais, não é lá grande coisa, mas pode ser um bom divertimento para quem curte obras com essa pegada futurista e de "filme B". Pessoalmente, é uma das poucas películas das antigas que eu gostaria de ver um remake, pois, talvez com um roteiro bem escrito e mais recursos, o potencial da história poderia ser melhor aproveitado.
Em "Saltburn", temos um claro exemplo de filme em que a fotografia e os aspectos visuais são bonitos, mas, no final das contas, apenas servem para dar uma extravagante embalagem a um produto que é, sinceramente, bem vazio. A história, que acompanha um protagonista que busca fazer parte de um grupo ou sociedade ao qual não pertence originalmente e acaba sendo levado a acontecimentos estranhos e incomuns, até poderia ser interessante se não fosse o confuso roteiro, que não desenvolve bem as personagens, apresenta inúmeros furos e torna o filme mais arrastado do que propriamente atraente.
O principal problema desta obra é que passa a maior parte do tempo construindo uma espécie de romance dramático, com leves pitadas de humor negro, em uma trama fundamentada em erotismo e desejo - em alguns momentos, mais visível e, em outros, mais sutil - e, na reta final do filme, joga tudo fora para substituir por um thriller barato e nada inovador, que apenas deixa a história mais confusa ainda. Não que o romance que vinha sendo elaborado fosse lá dos melhores, mas a roteirista, talvez com o intuito de surpreender o público, acabou transformando um dos principais pontos do enredo em uma mera nota de rodapé diante da grande - e forçada - revelação secreta que é feita.
Sendo assim, eu realmente não consigo compreender todo o hype em torno dessa produção, que talvez até tenha buscado ser algo inteligente, mas acabou resultando em um filme confuso e superficial. Pelo menos para mim, a experiência foi bem ruim, entediante e, sendo franco, uma grande perda de tempo.
Este, com certeza, foi um dos filmes mais estranhos que já vi. Com um estilo, digamos, inusitado, "O Cheiro do Ralo" nos apresenta a uma coletânea de acontecimentos bizarros na vida de uma personagem, como se esses tivessem sido recortados e depois colados para montar o filme, sem uma narrativa muito bem construída e com personagens indo e vindo sem maiores explicações. Isso tudo acompanhado por um visual excêntrico, uma boa trilha sonora e uma mistura de drama e comédia.
Ao longo da história, o protagonista Lourenço encontra-se afundado em uma morbidez terrível, que, à princípio, chega a dar pena, com ele não vendo mais valor na própria vida. Acostumado a determinar o valor dos objetos usados, geralmente pouco valiosos, que são comprados em sua loja, ele agora passa também a tratar os outros como se ninguém tivesse valor algum. Usufruindo do seu poder dentro do estabelecimento e do desespero dos clientes em conseguir dinheiro, começa a se tratá-los como se fossem lixo, desdenhando e zombando de suas respectivas dificuldades financeiras e escolhendo comprar ou não os produtos mais devido a algum gosto pessoal do que propriamente pelo valor do objeto.
Dessa maneira, a pena que tínhamos, no início, do protagonista vai completamente embora, com o público passando a sentir desprezo por ele e por suas atitudes - ou, no mínimo, estranheza. Além disso, acompanhamos a obsessão de Lourenço não somente por bundas, mas por uma bunda em particular, e o quanto a obsessão de um ser humano é capaz de fazê-lo chegar, com ele acreditando ser capaz de comprar tudo com dinheiro e adotando comportamentos que beiram a autodestruição.
Este filme é tão estranho que, em diversos momentos, é até difícil de avaliar, provocando as mais diferentes reações de acordo com as preferências de cada espectador. Definitivamente não é ruim, mas também, devido às inúmeras irregularidades no roteiro e no desenvolvimento das personagens, também está longe de ser bom. Talvez o mais apropriado seria colocá-lo naquele pequeno espaço que separa o estúpido do genial e o interessante do desnecessário.
No geral, considero, sendo rigoroso, como uma película despretensiosa e apenas razoável, que, talvez com um roteiro bem escrito, poderia organizar melhor os seus bizarros elementos e transformá-los em uma história mais consistente. Isso não significa, no entanto, que não dê para, sem levar muito à sério, se divertir com o filme, pois, de tão esquisito, acaba se transformando em uma inusitada e deliciosa comédia, com o tempo passando bem rápido ao assistir. Para quem gosta de histórias desse estilo, vale à pena, não somente pelo gênero em si, mas igualmente pela trilha sonora, pela boa atuação do Selton Mello e, claro, pela bela Paula Braun - e sua bunda.
Godzilla: Minus One
4.1 299Senhoras e senhores, que filme! Em uma das gratas surpresas do ano, "Godzilla: Minus One" consegue a façanha de fazer uso de uma história já tão retratada, nas indústrias cinematográficas americana e japonesa, e abordá-la não somente de uma maneira muito bem executada do ponto de vista técnico, mas de forma original, apresentando um toque "humano" e emotivo raro de se ver.
Em primeiro lugar, é fundamental elogiar a escolha do momento histórico para os acontecimentos narrados na película, que é essencial para o fato dessa produção ter o efeito que teve e cumprir o seu papel com eficiência. No período imediato ao término da Segunda Guerra, o Japão havia perdido absolutamente tudo. E aqui não menciono somente perdas materiais, mas a perda da honra, do orgulho e de qualquer sentimento de esperança, restando apenas o desespero, a angústia e a necessidade de reconstruir uma sociedade que encontra-se em ruínas, mas que ainda carrega os traumas da guerra.
Nesse cenário, o protagonista Shikishima, que serviu como piloto e foi um dos poucos a presenciar a força de Godzilla já nos últimos dias do conflito, tenta, gradativamente, um recomeço em sua vida, até que ressurge a assombrosa criatura marítima. Para ele, o monstro representava o retorno de fantasmas da guerra que ainda o assombravam e o impediam de prosseguir sua jornada. Para o povo japonês, representava a materialização, em forma de besta, de toda a destruição presenciada, a poucos anos antes, no longo conflito militar, em especial da poderosa bomba atômica.
Mesmo com um curto orçamento, o filme traz impressionantes efeitos visuais, além de uma das representações mais assustadoras de Godzilla, que aqui também faz referência a sua primeira aparição na produção original dos anos 50. No entanto, a obra não se escora somente no famoso monstro para sustentar a sua história, apresentando, na verdade, todo um estruturado e comovente drama e personagens bem desenvolvidos, com a criatura em si sendo mais uma coadjuvante do que a grande estrela. O diretor, portanto, consegue, de maneira impecável, fazer com que nos importemos com os protagonistas, nos envolvamos com suas histórias e batalhas pessoais e enxerguemos o Godzilla como realmente deve ser visto: um monstro feroz e destruidor, que aqui ataca um povo que já vive em uma situação desesperadora.
O final pode parecer um tanto "forçado" para muitos, mas, em minha humilde opinião, não ficou muito claro se Noriko está realmente viva ou se, na verdade, o piloto morreu ao se chocar com Godzilla e tudo aquilo que vemos depois é parte de um sonho. O próprio Shikishima menciona várias vezes, em diversas cenas, a possibilidade de estar vivendo uma ilusão e de não acreditar que o que presencia ser, de fato, a realidade, então pode ser que, no final, ele enfim vivencie o que antes temia já estar vivenciando, isto é, estar dentro de uma espécie de situação imaginária.
Um dos melhores, senão o melhor, dessa antiga e longeva "franquia" e uma obra que vale muito a pena assistir. Recomendado.
Pobres Criaturas
4.1 1,1K Assista AgoraEstava com muita expectativa para assistir a esse filme, mas, quando finalmente tive a oportunidade, confesso que fiquei decepcionado e até com a sensação de ter perdido algumas horas da minha vida. Em suma, "Pobres Criaturas", por trás de todo o seu visual excêntrico e proposta original que chama a atenção, acaba se transformando, ao longo do enredo, em mais uma produção hollywoodiana que mais busca "enfiar goela abaixo" uma determina visão ideológica, que acredito que até tenha sido mal compreendida pelos próprios autores da obra, do que propriamente construir uma produção de qualidade.
Além de diversos furos do roteiro, cenas desnecessárias e um mal desenvolvimento da trama e de determinados personagens, o principal problema é a mensagem que o filme passa. Sob a ideia de mostrar a protagonista se "libertando" do patriarcado e alcançando uma autonomia feminina, a película glamoriza não somente a prostituição, mas várias outras formas de exploração. As decisões que Bella Baxter toma ao se aventurar pelo mundo deveriam ter trazido diversas consequências negativas a ela, mas, apesar de alguns problemas pequenos e eventuais, as experiências por ela praticadas são retratadas como "divertidas" e sem quaisquer danos reais. E isso torna-se ainda mais absurdo quando se reconhece que Bella é uma criança em um corpo de adulto, logo o que presenciamos pode até ser visto, de certa maneira, como um absurdo caso de exploração infantil.
Não há qualquer contraponto ao comportamento libertino e perigoso da protagonista - aqui confundido como alguma forma deturpada de "libertação" - e os envolvidos tomam determinadas atitudes pouco naturais e que parecem mais movidas pela motivação do roteirista do que exatamente pela lógica das personagens em questão.
A produção é bem feita e a atuação de Emma Stone, em uma personagem extremamente difícil, merece elogios, mas os pontos positivos param por aí. O roteiro é pobre e as idéias aqui defendidas são simplesmente insanas.
Não recomendo e ainda digo que o fato deste filme ter recebido tantas indicações e prêmios é um pouco assustador do atual cenário da indústria e crítica cinematográficas.
Os Rejeitados
4.0 319 Assista AgoraEm "Os Rejeitados", o diretor Alexander Payne apresenta, como é costume em seus trabalhos, uma equilibrada mistura entre comédia e drama, sem apelar excessivamente nem para um lado e nem para o outro. Neste filme, acompanhamos o Natal de personagens repletas de defeitos e problemas em suas respectivas vidas pessoais e como, de forma gradativa, tais pessoas vão se conhecendo melhor, superando as desconfianças iniciais e estabelecendo uma relação imperfeita, mas delicada.
Apesar da história ter alguns clichês, ser um tanto previsível em determinados momentos e demorar um pouco para "engatar" e verdadeiramente envolver o espectador, o roteiro é, em linhas gerais, bem elaborado, focando bastante, e com boa execução, no desenvolvimento das personagens, sobretudo o professor Paul Hunham e o aluno Angus Tully. Além disso, o enredo igualmente aborda diversas questões interessantes, como a relação entre alunos e professores e entre pais e filhos, solidão, crescimento e superação de dificuldades.
Obviamente, em uma obra tão centrada em seus protagonistas, as atuações por parte do elenco ganham uma maior importância, e Paul Giamatti e Dominic Sessa não decepcionam de forma alguma, apresentando não somente ótimas performances, mas uma incrível química entre ambos.
Sendo assim, "Os Rejeitados" é daqueles filmes aconchegantes de se assistir, com um belo clima natalino e drama e comédia na medida certa.
O Senhor das Armas
3.8 905 Assista Agora"Existem mais de 550 milhões de armas de fogo em circulação no mundo. Isso equivale a 1 arma para cada 12 pessoas no planeta. A única pergunta é: como podemos armar as outras 11?"
É com essa frase, acompanhada por uma sequência espetacular, que se inicia "O Senhor das Armas", o que, de imediato, já prende a atenção do espectador. Dirigido por Andrew Niccol, o filme aborda não somente a temática do tráfico ilegal de armas, mas, sobretudo, também a questão da "indústria da guerra", que envolve empresas privadas, traficantes autônomos e governos, interessados em lucrar a partir de conflitos armados, mesmo que isso signifique, em diversas ocasiões, até mesmo financiar os dois lados da batalha e contribuir para a morte de milhares - ou milhões - de inocentes.
O filme cumpre muito bem o papel de mostrar, com o auxílio da narração feita pelo protagonista Yuri Orlov, o funcionamento desse negócio movido, em síntese, pelo derramamento de sangue e pelas disputas por poder ao redor do mundo. No caso, acompanhamos como a venda dos armamentos ultrapassam fronteiras, estando acima de matérias de teor ideológico, político ou até religioso. Sendo assim, vemos nações socialistas se envolvendo em negociações um tanto capitalistas para obter equipamentos de guerra, ucranianos vendendo munições para aliados de russos e, inclusive, radicais muçulmanos usufruindo de armas israelitas, com tudo isso sendo intensificado no contexto pós-Guerra Fria, que fragmentou ainda mais as relações internacionais.
Por outro lado, se a película funciona muito bem quase como um documentário sobre geopolítica e guerra, enquanto um filme propriamente dito já não dá para dizer o mesmo, o que se deve, sobretudo, a falhas no roteiro. O principal problema, em minha avaliação, está no fato do personagem principal, mesmo inspirado em vários traficantes de armas verdadeiros, ser fictício, o que fez com que os roteiristas tivessem que elaborar pontos como uma história de origem, narrativa de ascensão e interesse amoroso que simplesmente não funcionam, apresentam inúmeros buracos, esteriótipos e elementos genéricos e são bem distantes da realidade.
Dentre todos esses defeitos na preparação da trama, no entanto, é inegável que o mais visível encontra-se exatamente na caminhada de Yuri até se tornar quem ele é. Em um momento, é um jovem adulto que trabalha na pequena loja dos pais e sem qualquer relação com algum negócio ilegal ou criminoso e, no outro, já é um traficante negociando armas em um país estrangeiro. Aliás, de onde ele obtém seus armamentos? Como os armazena e os transporta? Como ele adquiriu todo o dinheiro para sustentar esse negócio? São diversas perguntas que simplesmente ficam sem respostas. Às vezes, fica a sensação de que o protagonista chegou aonde chegou quase que por acidente ou obra do destino, pois se sabe muito pouco sobre ele e acerca de como exatamente atingiu tal patamar no mercado global de armas, sendo tudo muito rápido e mal apresentado ao espectador.
O desenvolvimento das personagens secundárias também não colabora, com o arco familiar e amoroso de Yuri não contribuindo muito para a trama central, que é a voltada ao comércio de armamentos, e mais servindo como um "suporte" desnecessário e descartável. O próprio Yuri, diga-se, não é lá um personagem tão complexo assim e que pouco muda durante o filme e, se não fosse o carisma e o talento de Nicolas Cage, seria bem desinteressante.
Dessa maneira, o filme tem diversos aspectos positivos, sobretudo no início e no final e por meio de excelentes frases de efeito, mas os vários problemas no roteiro também estão presentes quase que na mesma proporção. Apesar de tudo, é uma boa película para passar o tempo e conhecer mais sobre o panorama geral do comércio global de armas - embora tendo noção de que muitos acontecimentos vividos pelo protagonista e detalhes do enredo são pouco realistas.
A Sombra do Vampiro
3.6 113Retratando a produção do clássico "Nosferatu" e misturando elementos reais com fictícios, "A Sombra do Vampiro" é uma bela homenagem não somente para o grande diretor Frederich Murnau, mas também a todo o gênero de terror - em especial, quanto às histórias de vampiros de uma maneira geral. No entanto, enquanto filme, não impressiona tanto, possuindo um roteiro consideravelmente raso e se apoiando excessivamente na atuação de Dafoe, que aqui, sem dúvida, encontra-se em grande performance.
Dessa maneira, a película não consegue desenvolver bem a sua interessante proposta, ficando perdida tanto entre ser uma comédia ou um terror, quanto entre ser um tributo sustentado em um clássico do cinema ou um filme capaz de andar com as próprias pernas. Como terror, não apresenta a intensidade dramática necessária e, como comédia, não é engraçado o suficiente, embora tenha os seus momentos divertidos.
Em síntese, o ponto alto da obra resume-se às aparições de Schreck e suas interações com o diretor e os outros membros da equipe, que, sem dúvida, são intrigantes e rendem boas cenas de humor e terror na mesma proporção. O filme, logo, vale à pena mais pelo tributo à Murnau e pelo Dafoe do que qualquer outra coisa, não se destacando, de forma expressiva, por outros elementos.
O Segredo dos Seus Olhos
4.3 2,1K Assista AgoraVencedor do Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, "O Segredo dos Seus Olhos" é um filme investigativo que mistura, de maneira equilibrada, drama e suspense, com boas doses de humor e romance. Sustentado, sobretudo, por uma ótima direção e um roteiro bem estruturado, a obra envolve, de maneira eficiente, o espectador na investigação, que é abordada de forma não linear - alternando entre o passado e o presente - e nos impacta com um final surpreendente.
Dentre todos os aspectos positivos, vale dar um destaque especial aos personagens, que são muito bem construídos, sendo engraçados em alguns momentos e dramáticos em outros. Acima de tudo, são falhos, genuínos e, portanto, próximos ao mundo real, o que auxilia com que o público simpatize com suas intenções e atitudes.
O ponto que mais me incomodou, por outro lado, foi a lentidão do filme, que, sem dúvida, em diversas oportunidades tornou-se um tanto arrastado, como se a sua duração tivesse sido maior do que o necessário. Isso acaba sendo compensado com a reta final da história, que é impactante, mas é necessário fazer essa ressalva.
Em linhas gerais, mais uma boa produção do cinema argentino. Recomendado.
Som da Liberdade
3.8 480 Assista AgoraRetratando a real história de Tim Ballard, ex-agente do governo americano que investigou e desmantelou uma rede de tráfico infantil na Colômbia, "Som da Liberdade" é, sem dúvida, não somente um dos melhores filmes a serem lançados recentemente, mas também um dos mais impactantes que eu já vi. Diferente de muitas opiniões e críticas lançadas a essa produção, muitas delas até feitas antes mesmo do próprio lançamento da obra, a película não tem nada de polêmico ou controverso, mas, na verdade, trata, com muita seriedade, de um tema extremamente delicado e necessário de ser discutido, o tráfico infantil, e sem deixar a parte artística e dramática de lado.
A trama acompanha Ballard desde os seus trabalhos para capturar pedófilos nos EUA, à serviço da Secretaria de Segurança Nacional americana, até o momento em que ele começa a sentir uma necessidade de contribuir mais e também resgatar as crianças que, separadas dos seus respectivos pais, são usadas como produtos no obscuro e repugnante mercado da pornografia infantil. Inevitavelmente, isso o leva a uma extensa rede de tráfico de jovens, que ele começa, cada vez mais, a ter que desmantelar com ajuda de menos pessoas e sem os recursos do governo norte-americano, que já não pode continuar o apoiando nessa empreitada fora da jurisdição do país.
À medida em que o protagonista vai se aprofundando em sua investigação, o espectador igualmente é imerso no submundo de um dos piores tipos de crimes que o ser humano pode cometer. Não se trata de uma teoria da conspiração ou uma história exagerada por motivos cinematográficos - aliás, a história verdadeira é ainda mais absurda e sórdida, mas uma realidade brutal que milhões de crianças, infelizmente, vivem todos os dias em diversas partes do mundo, em um contexto de embrulhar o estômago e que, de maneira lamentável, não é tão discutido ou abordado quanto deveria na mídia e imprensa - o que, de certa forma, aumenta ainda mais a importância deste filme.
Além da necessária temática e da heroica história retratadas, o filme também surpreende, positivamente, por se destacar nos aspectos técnicos - sobretudo a trilha sonora, fotografia e direção, que proporcionam uma elevada qualidade à produção - e pelo bom ritmo que é adotado, não deixando o filme se tornar, em momento algum, monótono ou arrastado, e sempre prendendo bem a atenção do público e nos envolvendo na trama. Por outro lado, o desenvolvimento das personagens poderia ter sido melhor, assim como algumas atuações, mas nada que prejudique, consideravelmente, o filme ou atrapalhe a experiência do espectador - embora deva mencionar que Jim Caviezel está muito bem em seu papel.
Sendo assim, "Som da Liberdade" não é um filme que deveria ser visto nem como de direita ou de esquerda, mas como um filme humano, importante, necessário e impactante, sendo capaz de dar luz a um assunto delicado e, na mesma proporção, de nos emocionar com cenas de forte impacto. É de se lamentar, no entanto, que muitas pessoas, coincidentemente com uma determinada orientação política, tenham tentado rejeitar o filme antes mesmo de assisti-lo, buscando taxá-lo de conspiratório e de diversas outras alcunhas . Curiosamente, foi essa grande reação negativa à obra que também aumentou ainda mais a sua fama e colaborou com que muitos tivessem interesse de assistir ao filme, o que é flagrante na elevada bilheteria recebida - mais de 250 milhões de dólares mundialmente - e no grande público que já o assistiu nos cinemas ou em casa. Recomendado.
A Noiva de Frankenstein
3.9 146Alguns anos após o estrondoso sucesso com "Frankenstein", o consagrado cineasta britânico James Whale retorna com a sequência da história. Apesar de não estar no mesmo nível do filme original, e de não compartilhar do mesmo grau de inovação e impacto, ainda é, se considerarmos a época de sua produção, um filme muito bem feito e com diversos aspectos a serem elogiados.
Em primeiro lugar, é necessário destacar a sequência inicial, que, sendo dirigida com maestria, não apenas é excelente em conectar, de maneira direta, o filme anterior com este, mas também presta uma bela homenagem à escritora Mary Shelley, a criadora da história que inspirou a adaptação cinematográfica.
Ao longo da trama, percebemos que o diretor busca não sustentar a película completamente na tentativa de aterrorizar o espectador com o "monstro", o que é inteligente, pois o público já tem conhecimento da criatura a partir do primeiro filme, logo o efeito não seria o mesmo. Dessa maneira, Whale procura uma abordagem diferente, humanizando a personagem, o que proporciona belas cenas, como a do violino.
O problema, sem dúvida, encontra-se no fato de que a obra cria uma grande expectativa em torno da criação e do surgimento da "noiva" do monstro, mas tal figura aparece por pouquíssimo tempo e somente no final, o que é um tanto anticlimático. No entanto, feitas essas ressalvas, ainda é um bom filme e com grande relevância do ponto de vista cultural.
Hannah e Suas Irmãs
4.0 293Em "Hannah e Suas Irmãs", o diretor e roteirista Woody Allen apresenta todos os elementos característicos dos seus filmes, o que naturalmente pode agradar a uns e desagradar a outros. Misturando comédia e drama, o cineasta no introduz a uma história que aborda, sobretudo, relacionamentos, mais especificamente o tema da traição, que aqui encontra-se bastante associado também a questões familiares.
A trama central, que envolve Hannah, Lee e Elliot, é bem interessante, não somente pelo absurdo de um homem se envolver amorosamente com a irmã de sua esposa e de uma irmã aceitar fazer parte desse romance proibido, mas igualmente pela relação entre as personagens e pelas dúvidas e tensões que toda essa situação gera entre os envolvidos. Aliás, destaque para Michael Caine, que foi premiado por este papel.
O problema do filme, no entanto, são as subtramas que vão surgindo ao longo da história e que são bem menos intrigantes, sobretudo a da personagem interpretada pelo próprio Woody Allen, cuja presença na película é completamente descartável. Dessa maneira, acredito que seria benéfico à obra se o diretor tivesse optado por preencher o espaço dedicado a esses arcos secundários com mais sobre o trio de protagonistas, desenvolvendo melhor essa parte do enredo, que, no final das contas, é o que, de fato, prende a atenção do espectador.
Logo, este filme, pelo menos em minha avaliação, não é tão bom quanto os seus diversos prêmios e nomeações poderiam indicar e, com certeza, não é o melhor trabalho de Allen, mas, em síntese, cumpre bem o seu papel e tem mais pontos positivos do que negativos.
Coerência
4.0 1,3K Assista AgoraEm "Coerência", o diretor James Ward Byrkit dá uma verdadeira aula e mostra como é possível, com uma boa direção e um roteiro inteligente, fazer uma produção de baixo orçamento se transformar em um filme de alto nível. Logo de imediato, percebemos que o cineasta opta por uma abordagem mais intimista, que funciona muito bem, com a história se passando, durante a maior do tempo, no mesmo cenário e a câmera sendo utilizada como se estivéssemos "invadindo" o jantar dos amigos em questão e proporcionando uma experiência bastante imersiva ao espectador.
Se o diretor se destaca pela qualidade por trás das lentes, Byrkit igualmente demonstra talento no roteiro, com um enrendo muito bem elaborado que não apenas nos surpreende, mas também nos envolve na trama e prende nossa atenção. Misturando ficção científica com suspense, o filme foge de clichês e "lugares comuns" a películas do gênero, indo, na verdade, por um caminho bastante criativo, com uma premissa interessante e complexa que é executada de maneira exemplar. O filme, inclusive, não se sustenta somente nos surreais e intrigantes acontecimentos que ocorrem no local, mas também desenvolve bem as personagens e as interações entre elas, sobretudo à medida em que fatos passados começam a vir à tona e cada qual reage de forma diferente ao bizarro contexto que vivenciam.
Como todo bom filme "mindfuck", é difícil compreendê-lo por completo após assistir apenas pela primeira vez, embora obviamente dê para se ter uma mínima ideia do que aconteceu, sendo talvez necessário, para muitos, ler textos e ver vídeos sobre a obra para entender melhor ou, se possível, até reassistí-lo, descobrindo novos detalhes a cada oportunidade. Dessa forma, a sensação de espanto e confusão das personagens envolvidas também é repassada, intencionalmente, ao espectador, o que é bem interessante. Aliás, uma curiosidade sobre a produção do filme é que os atores, ao se prepararem aos seus respectivos papéis, somente receberam as suas falas e não todo o roteiro, desconhecendo, logo, o aspecto geral da história e até mesmo as falas dos seus colegas, fazendo com que suas reações nas cenas fossem ainda mais genuínas e espontâneas.
É interessante observar que, no início do jantar, Emilly conta a história da passagem de um cometa na Finlândia, durante o início do século passado, que provocou acontecimentos inesperados, inclusive mencionando o caso de uma mulher que dizia ter matado o marido, mesmo com esse estando vivo e em casa. Essa fala da personagem, contada como se fosse apenas uma estranha curiosidade qualquer, mais tarde iria se mostrar como algo extremamente revelador do que iria acontecer, em seguida, com os amigos presentes naquela mesa.
Na situação retratada na película, verificamos que, devido a passagem do cometa Miller, a realidade vivida pelas personagens é fragmentada em distintas dimensões, o que é apenas explicado na metade do filme. Não fica muito claro quando isso começou a acontecer - se foi durante o jantar ou já momentos antes - e nem a maneira exata com a qual esse fenômeno ocorre. Sendo assim, é desconhecido se cada dimensão abriga essas pessoas enfrentando tal evento de formas diferentes ou da mesma forma, porém em instantes distintos, e nem se as pessoas de cada dimensão são idênticas em tudo ou se são versões diferentes do mesmo indivíduo, o que causa ainda mais mistério.
Além disso, o temor das personagens existe por não conseguir confiar em como as suas outras versões vão reagir a esse bizarro contexto, seja por não saberem se os seus outros "eu" são versões com personalidades diferentes ou simplesmente por não confiarem em si próprios. Logo, talvez os outros grupos agissem com naturalidade ou talvez agissem com violência, sendo essa dúvida que faz com esses amigos precisem elaborar planos para lidar com tal situação, mesmo tendo o conhecimento que os outros amigos nas outras casas também estariam elaborando planos ou até mesmo já poderiam ter elaborado e se encontrassem à frente na linha temporal.
O aspecto mais impactante do terror do filme, todavia, vem quando as personagens começam a perceber que podem não somente ir parar, acidentalmente, em uma dimensão distinta, como também já estar, sem perceber, em uma realidade diferente a que encontravam-se no início e interagindo com versões alternativas de seus amigos. No entanto, se de imediato elas passam a querer, desesperadamente, retornar à dimensão em que estavam originalmente, certos desentendimentos entre os colegas fazem com que alguns, como Emilly, passem a querer apenas ir a um local que tenha um mínimo de paz, mesmo que não seja a sua realidade inicial.
Nesse caso, observamos o que as pessoas podem ser capazes de fazer para abandonar a realidade em que estão inseridas e ir em busca de uma mais atraente, mesmo que isso signifique enganar ou até matar o seu próprio "eu". Logo, se alguém é capaz de adotar tais atitudes em busca de uma vida melhor, esse contexto já não é mais responsabilidade somente do cometa, mas também de quem a pessoa realmente é por dentro, com essa situação surreal apenas servindo para revelar sua verdadeira identidade.
Outro ponto que vale a pena destacar é que, se cada grupo de amigos em cada dimensão simplesmente decidisse não fazer nada e apenas ficar em casa, as distintas dimensões não iriam se colidir e tudo seguiria normal para o dia seguinte. Dessa maneira, foi a curiosidade de cada um com a casa iluminada que iniciou a sequência de acontecimentos perturbadores.
Um filme inteligente, criativo e muito bem escrito e dirigido, garantindo, a partir de uma interessante premissa, um suspense de qualidade mesmo com poucos recursos. Recomendado.
Nem Tudo é o que Parece
3.5 117 Assista AgoraAbordando a consagrada temática de gângsteres , "Layer Cake", à título de curiosidade, tinha Guy Richie como o primeiro nome para a direção, mas, devido a problemas na agenda, tal trabalho foi encarregado ao seu amigo e produtor Matthew Vaughn, que aqui encontra-se em sua estréia como diretor. O filme possui todos os elementos comuns a produções do gênero, com ação, criminosos cínicos e reviravoltas, sendo tudo acompanhado por uma boa trilha sonora e um elenco com nomes conhecidos, mas a inexperiência do diretor é visível e o roteiro, em diversos momentos, é um tanto confuso.
O principal problema desta película, sem dúvida, é que, aparentemente na tentativa de criar alguma surpresa ao espectador, há um exagero nas tramas paralelas e nas personagens secundárias, que vem e vão sem muita cerimônia e algumas nem chegam a justificar, de fato, a sua presença na história. Dessa maneira, mesmo com uma premissa interessante no início, tudo parece muito excessivo e mal desenvolvido, mais confundindo o público do que qualquer outra coisa, sendo que, pelo menos no meu caso, fiquei me perguntando várias vezes o que estava acontecendo, pois é fácil se perder no meio desse caos que o filme se torna.
Em determinadas cenas, inclusive, até parece que Vaughn tenha copiar do estilo de Richie, mas claramente ainda sem a habilidade ou o humor negro do seu colega, com o resultado final não sendo dos melhores. No geral, o filme vale a pena apenas por alguns bons momentos aqui e ali, pela atuação do Craig - que talvez tenha sido escolhido para o papel de James Bond por conta deste trabalho - e pela sequência final.
Grande Hotel
3.4 336 Assista AgoraEm "Grande Hotel", temos um filme fragmentado em quarto partes, como se fossem curta metragens, sendo todas protagonizadas por um funcionário do hotel - ou, em inglês, "lobby boy" - que passa por situações inusitadas e bizarras. Cada um dos segmentos é dirigido e escrito, respectivamente, por diferentes cineastas e roteiristas, logo, apesar de possuírem a mesma temática e compartilharem do mesmo humor negro, cada qual também possui o seu próprio estilo.
Pessoalmente, os dois primeiros capítulos não me agradaram muito, sendo, de longe, os mais fracos do filme, com histórias excessivamente confusas e constrangedoras e, sendo franco, "sem pé nem cabeça" em muitos momentos. No entanto, os dois últimos são, sem dúvida, bem melhor desenvolvidos, elevando a qualidade da película e entretendo o espectador com suas personagens e diálogos interessantes - embora talvez não o suficiente para salvar completamente a produção.
Dentre eles, destaco o terceiro, dirigido por Robert Rodriguez, que é bastante divertido, não apenas pela história em si, mas também pela performance dos atores mirins e suas interações com o protagonista do filme, que garantem momentos divertidos e bem humorados. Aliás, acredito que se essa obra tivesse sido totalmente dirigida e escrita pela dupla Rodriguez e Tarantino, que já trabalharam juntos em outras produções, com certeza subiria alguns degraus em qualidade.
Em linhas gerais, esta película não é lá grande coisa e tem os seus altos e baixos, mas pode ser um bom passatempo para se assistir despretensiosamente.
O Castelo Animado
4.5 1,3K Assista AgoraSendo uma adaptação de um romance britânico de mesmo nome, "O Castelo Animado" é, sem dúvida, o filme no qual o diretor Hayao Miyazaki vai mais além no quesito de fantasia e aventura. Oferecendo uma épica e rica narrativa em um mundo mágico e fictício, o cineasta japonês novamente nos encanta com belos aspectos visuais - aos quais já estamos acostumados em suas produções - e também aborda temas como amor, lealdade, compaixão e pacifismo.
Em sua primeira metade, o filme prende bem a atenção do espectador com a magia e o surrealismo do local em que se passa a história, como se estivéssemos inseridos na fértil mente de um adolescente sonhador. Além disso, apresenta não somente interessantes personagens e elementos fascinantes, que vão nos intrigando e nos envolvendo cada vez mais, mas igualmente cenas bem humoradas e divertidas, que trazem leveza à película.
No entanto, é do meio para o final que a obra começa a apresentar alguns problemas em seu enredo. Quanto a isso, é possível mencionar algumas subtramas mal desenvolvidas, determinados acontecimentos sem uma explicação adequada e uma quantidade demasiada de reviravoltas, tornando a experiência excessivamente confusa em diversos momentos.
Sendo assim, o filme fascina pela beleza e pelo caráter fantástico da história, mas o confuso roteiro na segunda metade prejudica, de maneira considerável, a qualidade da obra. Mesmo não estando dentre as melhores produções do Studio Ghibli, ainda é, dentre erros e acertos, uma película que vale a pena assistir.
Meu Amigo Totoro
4.3 1,3K Assista AgoraEm uma das primeiras produções do Studio Ghibli, Myazaki nos traz uma história simples, mas bonita, acerca da relação de duas jovens irmãs com aqueles que parecem ser espíritos da floresta, em especial o Totoro, que encontra-se no título. Além disso, também é uma trama com um forte caráter familiar e sentimental, retratando a maneira como ambas enfrentam a ausência da mãe, internada em um hospital - aliás, isso é inspirado na própria experiência vivida pelo cineasta em sua juventude, quando sua mãe sofria de uma tuberculose que a obrigou a ficar de cama por diversos anos.
Com o mesmo alto nível de qualidade técnica - animação, trilha sonora e aspectos visuais - ao qual iríamos nos acostumar nas outras obras do diretor, "Meu Amigo Totoro" captura muito bem o espírito imaginativo de uma criança, em que a fantasia é utilizada como uma válvula de escape para momentos difíceis. Dessa forma, a película, apesar de ter momentos mais dramáticos e um tanto tristes, é leve de se assistir na maior parte do tempo, como se voltássemos, por um breve período, à nossa infância.
Particularmente, gostaria de ter visto mais do Totoro e considero que este filme possui um direcionamento maior ao público infantil do que outras produções do estúdio, que talvez possuam um grau de complexidade mais elevado. No entanto, feitas essas ressalvas, afirmo que a obra, sem dúvida, cumpre bem a sua função, sendo uma experiência agradável e com algumas cenas bastante emocionantes. Aliás, somente a meia hora final do filme, com uma forte carga emocional e uma beleza singular, já faz esta película valer completamente a pena de se assistir.
A Viagem de Chihiro
4.5 2,3K Assista AgoraEm "A Viagem de Chihiro", o consagrado animador japonês Hayao Myazaki nos convida a uma história fantástica em um mundo mágico, protagonizada por uma garota, Chihiro, de apenas dez anos. Na trama, a pequena jovem tem de enfrentar situações surreais e desafiadoras e conviver com estranhas personagens, frutas da fértil imaginação do cineasta, não somente descobrindo um universo completamente novo e desconhecido, mas também conhecendo mais sobre si própria.
Dentre diversos elementos do enredo, um dos mais interessantes talvez seja que, segundo as palavras do próprio criador, Chihiro não é uma super heroína ou uma princesa, mas simplesmente uma garota comum enfrentando uma situação nova, o que já provoca uma rápida identificação do público. Não é, portanto, uma história sobre personagens que mudam completamente ou, pelo contrário, que já nascem prontos para todos os desafios, mas, na verdade, uma narrativa na qual as suas respectivas qualidades, já presentes dentro de cada um, são trazidas à tona perante circunstâncias particulares - acontecendo, sobretudo, com a protagonista.
Outro ponto a se destacar é a clara inspiração - não confundir com cópia ou plágio - do autor em histórias como "Alice no País da Maravilhas" e "O Mágico de Oz", dando a sensação que ele usufruiu de diversos aspectos dessas conhecidas e consagradas tramas e os misturou com elementos da mitologia japonesa, fornecendo, assim, uma identidade própria ao filme. Pessoalmente, não peguei todas as referências culturais nipônicas presentes na obra e admito que, por esse e outros motivos, a história ficou um pouco confusa para mim em dados momentos, mas nada que atrapalhasse consideravelmente a experiência.
No entanto, mesmo se deixássemos o bom roteiro e os diálogos completamente de lado, "A Viagem de Chihiro" já seria um prazer de assistir unicamente pelo seu belíssimo visual e pela incrível trilha sonora. Utilizando um estilo originado dos clássicos artistas gráficos japoneses, Myazaki usufrui da forte presença de cores, de ricos detalhes e de representações realistas de elementos fantásticos para encantar o espectador em uma animação de altíssima qualidade. Um filme que, mesmo sendo classificado como infantil, pode não apenas ser apreciado por adultos, mas igualmente ser capaz de promover interessantes reflexões para pessoas de todas as idades.
Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes
4.2 580 Assista AgoraEm seu trabalho de estréia, o diretor Guy Ritchie nos entrega um filme cujo estilo irá também estar presente em outras produções de sua carreira, tornando-se uma marca do cineasta britânico. No caso, temos uma mistura frenética de comédia e ação, com diversos personagens envolvidos, gângsters e boas doses de um humor ácido e, por vezes, um tanto "pastelão".
O filme é bom e divertido, ainda mais se assistido de maneira despretensiosa, mas creio que, sobretudo em sua segunda metade, torna-se um tanto repetitivo, como se andasse em círculos na mesma trama de "ladrão roubando ladrão". Além disso, torna-se bagunçado, até acima do aceitável, com o excesso de subtramas e indivíduos envolvidos. É como se todos os elementos característicos das obras de Ritchie estivessem aqui, mas com o diretor ainda testando suas idéias, que, dessa forma, não encontram-se na melhor das sintonias.
Entre erros e acertos, é uma película que cumpre bem sua função, garante boas risadas e é um interessante e irreverente passatempo, em especial para quem aprecia filmes do gênero.
Meu Pai
4.4 1,2K Assista AgoraA principal diferença de "Meu Pai" para a maioria dos outros filmes que abordam a questão da perda de memória ou do envelhecimento, é que, enquanto os demais focam na visão das pessoas ao redor acerca dessa condição, aqui acompanhamos, de uma maneira imersiva, segundo a perspectiva do indivíduo afetado pela doença. Dessa forma, é como se o espectador fosse convidado a entrar na mente do protagonista e ver o mundo através do seu respectivo ponto de vista, vivenciando os mesmos sentimentos de confusão e angústia decorrentes da crescente incompreensão da realidade em volta.
Nesse sentido, o principal objetivo da película não é ilustrar, com clareza, o que realmente acontece - ou já aconteceu - na história, mas realizar um retrato fiel do caráter destrutivo dessa terrível enfermidade. Em dados momentos, sendo esses geralmente aqueles nos quais Anthony não está presente, até temos algumas poucas cenas que, de maneira sóbria, mostram a realidade de fato e ajudam a explicar alguns pontos importantes na trama. No entanto, durante a maior parte do tempo, o filme nos causa, propositadamente, uma desorientação comum ao cotidiano de uma pessoa com demência, com qualquer registro sendo passível de dúvidas e questionamentos e extremas dificuldades em diferenciar o real do imaginário.
Naturalmente, é impossível falar da abordagem diferenciada dessa obra sem mencionar a gigantesca atuação do experiente, mas ainda lúcido e ativo, Anthony Hopkins. Óbvio que o elenco de suporte, em especial a sempre competente Olivia Colman, também merece uma menção honrosa, mas é para o ator octogenário que vai o maior destaque, com uma performance brilhante de um homem consumido por uma destruidora doença. Mesmo batalhando para manter um mínimo de sanidade e compreensão, o seu personagem tem, antes mesmo que se dê conta, suas memórias gradativamente apagadas até um ponto em que sua própria identidade já foge do seu conhecimento e sua condição o faz retornar a um estado que beira o infantil.
Um filme profundo e emocionante, sendo, acima de tudo, uma das melhores representações, senão a mais bem desenvolvida, do estrago que o Alzheimer pode provocar em alguém. Para quem tem ainda pais vivos e conscientes, também uma bela mensagem: abrace-os e ame-os o máximo possível e enquanto puderem, pois não há nada mais triste do que olhar para alguém que você ama e perceber, em seus olhos, que tal pessoa já não o reconhece mais - e, infelizmente, determinadas enfermidades, como a retratada nesta obra, podem provocar isso. Recomendado.
Interestelar
4.3 5,7K Assista AgoraEm "Interestelar", é perceptível o cuidado que o diretor Christopher Nolan teve na produção do filme, desde os aspectos técnicos até a questão envolvendo a veracidade da história no ponto de vista científico. Quanto a isso, destaco, sobretudo, as brilhantes fotografia e trilha sonora, que fornecem uma beleza engrandecedora à película, e o respeito que o cineasta procurou ter com as leis da física, contando com o auxílio constante de especialistas na área.
Um aspecto interessante a ser observado é que Nolan não procurou fazer mais uma história genérica envolvendo viagens no tempo ou aventuras espaciais para salvar o planeta e que girasse em torno, de maneira excessiva, apenas da parte científica - embora novamente ressalto o cuidado que se teve com a obediência às leis da ciência. Na verdade, percebemos que o diretor buscou também focar em um lado mais humano, o que aqui é representando, sobretudo, pela relação entre Cooper e sua filha, Murph.
No entanto, esse que é um dos pontos positivos da obra também é, por outro lado, o seu grande calcanhar de aquiles. Digo isso pois, pelo menos ao meu ver, na tentativa de mostrar as duas partes da história - a científica, com a viagem a uma galáxia distante, e a pessoal, quanto a relação do protagonista com a filha - de forma paralela, o filme acaba deixando lacunas e aspectos mal explicados - ou não muito bem desenvolvidos - nas duas. Parece-me que o cuidado que se teve na parte técnica não foi colocado, em mesma proporção, no roteiro.
Prosseguindo na parte do enredo, tem alguns importantes pontos que poderiam ser construídos de uma melhor maneira, assim como outros que não fizeram sentido para mim. Em primeiro lugar, foi difícil de crer que Murph, que sentia profunda raiva do pai por ter aceito ir a uma viagem espacial, não somente havia construído uma sólida amizade com o Dr Brand, que ela sabia que havia sido o responsável por levar o seu pai ao espaço, como também se interessava profundamente pelo tema. Dessa forma, se ela entendia a importância da missão, então por que continuava com ressentimentos? Se ela não entendia, por que estava ali ajudando no projeto?
Também me incomodou como o momento do reencontro entre Cooper e sua filha é um tanto anticlimático, pois dura pouquíssimo tempo e o protagonista, que não via Murph a tantos anos, simplesmente decide deixá-la ali no seu leito de morte para ir resgatar, de alguma forma, Brand em uma galáxia distante.
Na minha humilde opinião, o fato de não conhecermos muito do que os filhos de Cooper passaram durante todo esse período, pois apenas temos noção de alguns acontecimentos registrados nas poucas mensagens enviadas, acaba, mesmo que de forma involuntária, provocando um certo distanciamento do espectador com esse lado mais familiar, que deveria ser o principal ponto a tornar o filme mais humano. Inevitavelmente, a parte científica da história torna-se a mais interessante, enquanto a outra serve, durante a maior parte do tempo, como uma válvula de escape, até que, no final, vai ganhando importância.
Apesar disso, ressalto que existem cenas bem emocionantes relacionadas a esse lado da trama, como aquela na qual o protagonista pela primeira vez vê as gravações deixadas pelos filhos, o que, em grande parte, é também responsabilidade da excelente atuação de McConaughey. Além disso, é inegável que a película nos entrega mensagens muito bonitas quanto a relações familiares, sobretudo entre pais e filhos.
E, por fim, também foi complicado entender o porquê desses humanos de dimensões superiores terem conseguido abrir uma "dobra no espaço tempo" somente para enviar os astronautas a planetas que não possuíam quaisquer condições de vida, quando poderiam ter encontrado outros tipos de soluções, talvez mais eficientes, para auxiliar os moradores do planeta.
Entre pontos positivos e negativos, o filme é, sem dúvida, bom e muito bem produzido, apesar de fazer algumas ressalvas quanto ao roteiro e a maneira como as duas narrativas são conduzidas ao longo da história. Não é o melhor trabalho do Nolan, mas é uma ficção científica que vale a pena assistir.
Anatomia de uma Queda
4.0 803 Assista Agora"Quando nos falta um elemento para julgar algo, e essa falta é insuportável, tudo o que podemos fazer é decidir. Para sair da dúvida, às vezes temos que decidir nos inclinar para um lado e não para o outro. Já quando você precisa acreditar em alguma coisa, mas tem duas escolhas, você deve escolher."
Essa fala, dita já na reta final do filme, sintetiza, de maneira exemplar, o ponto central de "Anatomia de uma Queda" e o que faz esta obra ser tão boa e diferente de outras produções do mesmo gênero. Sendo assim, aqui o foco não se trata de descobrirmos a verdade em si, pois em momento algum somos apresentados à cena da morte do marido ou temos alguma revelação definitiva sobre o que realmente aconteceu. Aliás, é exatamente na dúvida e na incerteza que esta película, com excelente direção de Justine Triet, encontra a força necessária para construir o suspense e a tensão que são os alicerces deste poderoso e inteligente drama.
Desde o início, imediatamente nos identificamos com Sandra e o seu filho, Daniel, por todo o sofrimento pelo qual passam e devido às compreensíveis dificuldades em lidar com o trágico acontecimento. No entanto, logo em seguida começamos a perceber que a protagonista passará, cada vez mais, a lidar não somente com o luto vivenciado, mas também com suspeitas em torno da sua pessoa, que passa a se tornar a principal suspeita da morte do marido.
À medida em que as apurações ocorrem e resultam em um longo julgamento, o filme nos envolve muito bem em toda a situação enfrentada pelas personagens. Nesse caso, todo o desconforto sentido por elas igualmente acaba sendo repassada ao espectador, graças a uma combinação que envolve o competente trabalho da diretora, a tensa trilha sonora e as ótimas performances do elenco - sobretudo, Sandra Huller, que encontra-se impecável em seu papel.
Além disso, é impossível deixar de destacar o roteiro, que, sendo muito bem construído, gradativamente passa a dissecar o complicado relacionamento que Sandra e Samuel possuíam, à medida em que também começa a colocar fortes suspeitas em torno da protagonista e estabelecer, na mente do público, dúvidas acerca do que aconteceu. É como se a duas hipóteses - assassinato ou suicídio - se encontrassem em uma balança, cada qual de um lado, e estivessem constantemente se alternando no peso, isto é, ora pendemos em acreditar firmemente em uma e, em outros momentos, começamos a acreditar na possibilidade da outra estar correta.
Finais em aberto nem sempre agradam a todos e eu mesmo considero que tal recurso é mal empregado em diversos filmes e utilizado como uma "muleta", a roteiristas, para deixar uma história incompleta em determinadas ocasiões. Neste caso em particular, no entanto, entregar algum plot twist inesperado ou uma revelação final que solucionasse todo o mistério iria exatamente no caminho contrário ao que a trama vinha construindo. Dessa maneira, creio que a decisão da diretora foi correta, pois o valor do filme não encontra-se no que verdadeiramente aconteceu, mas nas dúvidas em torno do ocorrido, e isso, com o desfecho sem resposta, permanece intacto.
Os únicos pontos negativos talvez sejam o ritmo um pouco mais arrastado, em alguns momentos, na parte que aborda o julgamento - em contraste com o segmento que gira em torno das investigações preliminares, que consegue manter, constantemente, um bom andamento - e o salto temporal. Esse último aspecto, em minha avaliação, não ficou bem estabelecido, pois significa que aconteceram muitas coisas, dentro do período de um ano que é relatado, às quais ficamos completamente alheios.
Em linhas gerais, no entanto, o filme é, sem dúvida, muito bom e merece todos os elogios e prêmios que vêm recebendo. Sobretudo para quem gosta de dramas investigativos e de tribunal, "Anatomia de uma Queda" é um prato cheio. Recomendado.
A Sociedade da Neve
4.2 716 Assista AgoraSem dúvida, a história dos sobreviventes da queda do Voo 571 da Força Aérea Uruguaia é uma das mais impressionantes não somente dentre aquelas relacionadas a acidentes aéreos, mas a desastres de uma maneira geral. Sendo auxiliado por uma ótima direção, este filme consegue abordar o ocorrido de forma fiel aos acontecimentos reais, porém sem deixar o lado artístico - afinal, é um filme - de lado, fornecendo um belo tributo tanto aos que sobreviveram quanto aos falecidos.
Um aspecto interessante encontra-se exatamente no título, isto é, a ênfase não apenas no caráter chocante da história, que obviamente também é retratado, mas na pequena "sociedade" que é estabelecida em um dos locais mais hostis da face da Terra e sob condições extremas. Nessa espécie de comunidade, os membros teriam que fazer o possível para sobreviver e, inclusive, enfrentar diversos dilemas morais e éticos em um contexto de vida ou morte - dentre os quais, destaca-se a questão do canibalismo, que é a mais conhecida.
Acredito que a película aborda muito bem os laços de amizade e solidariedade construídos dentro desse grupo e a maneira como isso, junto a boas doses de engenhosidade e resiliência, foi fundamental para a sobrevivência de alguns dos tripulantes. Sendo assim, é inevitável, para o espectador, realizar o mesmo questionamento que vem sendo feito há décadas quanto ao episódio retratado: afinal, o ocorrido foi uma tragédia ou um milagre? Bem, ao meu ver, a queda do avião e todas as mortes ocorridas foram trágicas, mas a capacidade dos que sobreviveram de aguentar, por mais de dois meses, a situação em que se encontravam foi, com certeza, algo verdadeiramente milagroso.
Além disso, é impossível não se emocionar no final, com o regresso dos sobreviventes e o reencontro com seus respectivos familiares, sobretudo depois de presenciarmos tudo pelo qual passaram. Recomendado.
Insônia
3.4 412 Assista AgoraEm "Insônia", o diretor Christopher Nolan dirige um filme que foge um pouco das características às quais estamos acostumados em suas obras. E isso se deve não somente por se tratar de um remake de uma outra produção - no caso, uma película norueguesa de mesmo nome - e não de uma história original criada por ele ou seu irmão, mas também por possuir um enredo com um aspecto mais convencional e linear.
No entanto, engana-se quem pensa que, por tal motivo, este filme deixa a desejar, em termos de qualidade, quando comparada a outras obras de sua carreira, pois o cineasta nos traz, mesmo distanciando-se um tanto do seu estilo, um thriller policial/investigativo inteligente e bem construído, prendendo a atenção do espectador e nos envolvendo em uma instigante trama.
O principal ponto positivo do filme, dentre vários, fundamenta-se, sem dúvida, nas relações construídas entre as personagens, e na forma como tais interações vão se entrelaçando com a investigação policial em andamento. Ao mesmo tempo em que vamos descobrindo, aos poucos, detalhes acerca do assassinato da adolescente, que é o crime investigado, paralelamente são mostradas tensões entre os detetives encarregados do caso e revelações envolvendo o passado de ambos.
O policial Will Dormer, muito bem interpretado por Al Pacino, possui uma grande reputação e uma extensa lista de investigações solucionadas, mas, para construir essa imagem, teve de, em diversas oportunidades, utilizar métodos não apenas pouco ortodoxos, mas ilegais, sendo que a relação de longa data com o seu parceiro de profissão, Hap, é exatamente estremecida em decorrência de apurações, na corregedoria da polícia, quanto à sua conduta.
Em dado momento da película, a policial local Ellie Burr, interpretada por Hilary Swank, relembra a frase "um bom detetive não dorme por pensar em prender bandidos, um mau detetive não dorme por conta da consciência pesada". No caso, Dormer corresponde à figura desses dois tipos de detetive ao mesmo tempo, pois, se por um lado, ele realmente preocupa-se em ir atrás de criminosos e prendê-los, os meios que emprega para alcançar tal objetivo caminham na linha tênue entre o que é moral e o que não é. Sendo assim, a sua dificuldade em dormir poderia também ser explicada por isso, além, é claro, do fato do Sol não se pôr, naquela época do ano, no Alasca.
Quando Dormer, acidentalmente, mata o seu colega em meio a uma perseguição ao suspeito, ele busca, como fez em várias ocasiões pregressas, manipular o cenário do acontecido e esconder quaisquer provas que pudessem levar alguém a crer que o tiro que assassinou o seu parceiro veio de sua arma e não do criminoso. Em sua visão, a descoberta de que foi o responsável pela morte poderia ser enxergada não apenas como uma mancha à sua imagem, mas igualmente uma suspeita de que o ocorrido não tenha sido acidental e sim com a intenção de barrar qualquer apuração contra sua pessoa. Dessa maneira, o detetive agora estaria encarregado, simultaneamente, de prosseguir os trabalhos na busca do criminoso local e de atrapalhar a investigação da morte de Hap.
No entanto, o pior estaria por vir quando o protagonista, em meio a uma crise de insônia, entra, de forma inesperada, em contato com Walter Finch, em ótima performance de Robins Williams, um dos suspeitos de assassinar a garota. É revelado que o escritor foi, de fato, o responsável pelo crime, mas também que ele sabe que Dormer matou o seu colega, utilizando essa sua informação como forma de chantagear o detetive a ir atrás de um outro suspeito, que seria utilizado como bode expiatório. Além disso, Finch argumenta, em uma fala que posteriormente descobriremos ser mentirosa, que cometeu um homicídio culposo, isto é, de maneira não intencional, e compara a sua situação com a da morte de Hap.
Nesse contexto, o detetive tão acostumado a estar no comando da situação, agora encontra-se encurralado, com o assassino utilizando, contra ele, os mesmos métodos que ele corriqueiramente empregava ao longo de toda a carreira. Diante desse cenário e também do fato de uma pessoa inocente estar prestes a ser presa por sua culpa, ele passa a questionar a si próprio e suas prévias atitudes, refletindo se, de fato, os fins justificam os meios. Toda essa confusão na mente do protagonista é ainda mais intensificada quando Ellie passa a, cada vez mais, suspeitar de Dormer e no momento em que o policial descobre que Finch realmente matou a garota de maneira intencional, e não por acidente como havia dito antes, construindo um tenso e eletrizante clímax final da história.
Com ótimas atuações, grande direção e um roteiro bem elaborado, "Insônia" é um drama policial de alto nível e que vale muito à pena assistir. Recomendado.
Fuga de Nova York
3.5 301 Assista AgoraCom uma proposta simples, porém interessante, "Fuga de Nova York" nos traz um futuro distópico, misturando ação, suspense e ficção científica. Este é o tipo de filme que a melhor forma de assistir é não prestando muita atenção nos detalhes do roteiro, que é cheio de furos e aspectos mal explicados, e apenas acompanhar de maneira despretensiosa, enxergando-o mais como um passa tempo do que qualquer outra coisa.
Com um orçamento baixo, a produção apresenta as suas limitações e possui, em diversos momentos, um estilo "trash", mas consegue, mesmo sem tantos recursos, se sair relativamente bem no quesito de criar uma boa ambientação para a história, sendo acompanhada por uma marcante trilha sonora. Quanto ao elenco, destaco Kurt Russell, que faz um bom trabalho no papel do anti herói Snake PIissken, que é, de longe, a personagem mais interessante da história - até por que as outras, sem dúvida, não são desenvolvidas da melhor maneira e servem mais como suporte.
Em linhas gerais, não é lá grande coisa, mas pode ser um bom divertimento para quem curte obras com essa pegada futurista e de "filme B". Pessoalmente, é uma das poucas películas das antigas que eu gostaria de ver um remake, pois, talvez com um roteiro bem escrito e mais recursos, o potencial da história poderia ser melhor aproveitado.
Saltburn
3.5 854Em "Saltburn", temos um claro exemplo de filme em que a fotografia e os aspectos visuais são bonitos, mas, no final das contas, apenas servem para dar uma extravagante embalagem a um produto que é, sinceramente, bem vazio. A história, que acompanha um protagonista que busca fazer parte de um grupo ou sociedade ao qual não pertence originalmente e acaba sendo levado a acontecimentos estranhos e incomuns, até poderia ser interessante se não fosse o confuso roteiro, que não desenvolve bem as personagens, apresenta inúmeros furos e torna o filme mais arrastado do que propriamente atraente.
O principal problema desta obra é que passa a maior parte do tempo construindo uma espécie de romance dramático, com leves pitadas de humor negro, em uma trama fundamentada em erotismo e desejo - em alguns momentos, mais visível e, em outros, mais sutil - e, na reta final do filme, joga tudo fora para substituir por um thriller barato e nada inovador, que apenas deixa a história mais confusa ainda. Não que o romance que vinha sendo elaborado fosse lá dos melhores, mas a roteirista, talvez com o intuito de surpreender o público, acabou transformando um dos principais pontos do enredo em uma mera nota de rodapé diante da grande - e forçada - revelação secreta que é feita.
Sendo assim, eu realmente não consigo compreender todo o hype em torno dessa produção, que talvez até tenha buscado ser algo inteligente, mas acabou resultando em um filme confuso e superficial. Pelo menos para mim, a experiência foi bem ruim, entediante e, sendo franco, uma grande perda de tempo.
O Cheiro do Ralo
3.7 1,1K Assista AgoraEste, com certeza, foi um dos filmes mais estranhos que já vi. Com um estilo, digamos, inusitado, "O Cheiro do Ralo" nos apresenta a uma coletânea de acontecimentos bizarros na vida de uma personagem, como se esses tivessem sido recortados e depois colados para montar o filme, sem uma narrativa muito bem construída e com personagens indo e vindo sem maiores explicações. Isso tudo acompanhado por um visual excêntrico, uma boa trilha sonora e uma mistura de drama e comédia.
Ao longo da história, o protagonista Lourenço encontra-se afundado em uma morbidez terrível, que, à princípio, chega a dar pena, com ele não vendo mais valor na própria vida. Acostumado a determinar o valor dos objetos usados, geralmente pouco valiosos, que são comprados em sua loja, ele agora passa também a tratar os outros como se ninguém tivesse valor algum. Usufruindo do seu poder dentro do estabelecimento e do desespero dos clientes em conseguir dinheiro, começa a se tratá-los como se fossem lixo, desdenhando e zombando de suas respectivas dificuldades financeiras e escolhendo comprar ou não os produtos mais devido a algum gosto pessoal do que propriamente pelo valor do objeto.
Dessa maneira, a pena que tínhamos, no início, do protagonista vai completamente embora, com o público passando a sentir desprezo por ele e por suas atitudes - ou, no mínimo, estranheza. Além disso, acompanhamos a obsessão de Lourenço não somente por bundas, mas por uma bunda em particular, e o quanto a obsessão de um ser humano é capaz de fazê-lo chegar, com ele acreditando ser capaz de comprar tudo com dinheiro e adotando comportamentos que beiram a autodestruição.
Este filme é tão estranho que, em diversos momentos, é até difícil de avaliar, provocando as mais diferentes reações de acordo com as preferências de cada espectador. Definitivamente não é ruim, mas também, devido às inúmeras irregularidades no roteiro e no desenvolvimento das personagens, também está longe de ser bom. Talvez o mais apropriado seria colocá-lo naquele pequeno espaço que separa o estúpido do genial e o interessante do desnecessário.
No geral, considero, sendo rigoroso, como uma película despretensiosa e apenas razoável, que, talvez com um roteiro bem escrito, poderia organizar melhor os seus bizarros elementos e transformá-los em uma história mais consistente. Isso não significa, no entanto, que não dê para, sem levar muito à sério, se divertir com o filme, pois, de tão esquisito, acaba se transformando em uma inusitada e deliciosa comédia, com o tempo passando bem rápido ao assistir. Para quem gosta de histórias desse estilo, vale à pena, não somente pelo gênero em si, mas igualmente pela trilha sonora, pela boa atuação do Selton Mello e, claro, pela bela Paula Braun - e sua bunda.