Ah HBO, assim tu destrói com a gente. 'Chernobyl' é a grande série do ano até então, forte, chocante, deprimente, marcante, humana, realista. Com 5 episódios de uma hora e numa narrativa que mais parece um filme de 5 horas de duração, a grandiosa obra não sairá da sua cabeça.
Primeiro, dois pequenos defeitinhos que apontarei. Primeiro, a série ainda cai numas muletas narrativas típicas de obras cujos arcos são baseados em fatos reais. A estrutura do roteiro já foi vista em outras obras, com momentos metódicos ao narrar os fatos. Segundo, por ser uma série americana, ela tem tal visão dos fatos, que por vezes pode "culpar" em demasiado o socialismo, aquela coisa dos filmes do 007 de sempre vilanizar os russos, sabe? É importante lembrar que o que causou toda tragédia foram negligências que não cabem somente no socialismo ou comunismo, mas também no capitalismo e qualquer outra política, pois ambição e ego inflado é algo que cabe ao homem de modo geral, Brasil e Brumadinho que o digam, além de outras tragédias que ocorrem por descaso com segurança do trabalho, ambiental, etc. Dito isto, vamos aos elogios.
A série é bem dirigida e atuada. A composição das cenas, figurinos e recriação da época, a fotografia e paleta de cores que agregam ao clima cinzeto da tragédia, tudo é perfeitamente detalhado. O roteiro, apesar de às vezes burocrático, consegue explicar sem demagogias algumas questões técnicas sobre a explosão do reator, a radiação emitida, questões nucleares e o principal foco: os efeitos que tal radiação terão nas pessoas e no meio ambiente. Assim, ao focar no resultado da tragédia, no fator humano, a série choca e acerta ao mesmo tempo. Dói o coração vermos todo sofrimento causado. Pessoas se desintegrando de dentro pra fora, famílias se dizimando, bebês ainda no ventre sugando a radiação de suas mães, animais morrendo aos montes, aves caindo e gerações de seres vivos contaminados para sempre. A série consegue trazer todo alcance da tragédia, deste os técnicos que trabalhavam lá até o fazendeiro mais humilde da região e seus animais. E o trabalho de contenção que vem após a explosão é tão assustador e massacrante quanto a própria. Ter que sacrificar diversos trabalhadores voluntários ou pressionados numa missão suicida para estancar a emissão de detritos, ter que abater todos animais ainda vivos, ter que trabalhar na região sabendo que tal ato acarretará em um futuro câncer, é tudo extremamente aterrador. Nisso tudo, os episódios 3 e 4 são dilaceradores.
Eu costumo dizer que não há nada mais assustador do que a realidade e 'Chernobyl' é o lembrete disso. Toda vez que alguém precisa fazer algo simples como girar uma maçaneta, ou tirar pedras do caminho, se cria tensão, com uma trilha sonora angustiante, pois sabe-se qua a cada contato com materiais radioativos, é um atestado de morte. E o clima pesado, aliado à trilha sonora, consegue criar esta atmosfera de medo, mesmo que com coisas simples. A obra ainda faz questão de retratar e homenagear as centenas de vítimas da tragédia, muitas destas voluntárias e outras obrigadas pelas autoridades para controlar o desastre. Heróis da vida real, cuja maioria morreu de câncer posteriormente. Nesse quesito, apesar das questões ideológicas que eu comentei no início do texto, o roteiro acaba se redimindo ao honrar as pessoas que enfrentaram essa situação.
Marcante do início ao fim, esta obra de arte nos lembra que quando o ego do ser humano e sua sede de poder e lucro, a sede por armas, energia nuclear e a manipulação da natureza falam mais alto, quem mais sofre são as pessoas simples, a própria natureza e aqueles que são bem intencionados de verdade.
Um excelente, mas excelente potencial, desperdiçado em um filme confuso. Já começa pelo título no Brasil, bastante genérico, já que o original 'Captive State' faz mais sentido. Com um ótimo elenco um tanto desperdiçado, onde vale salientar que o grande John Goodman e o protagonista Ashton Sanders entregam bons desempenhos, o filme parece perdido. Na trama, após um colapso mundial, alienígenas que invadem a Terra conseguem trazer uma "política de paz" com os humanos. É claro que não há paz, apenas mais barreiras sociais. E é claro que haverão conflitos entre os que apoiam a nova política autoritária e aqueles que resistem e lutam contra a mesma.
O filme é uma clara metáfora da resistência, da luta contra essas políticas falsamente bem intencionadas que surgiram por aí (Brasil!) e que no fundo só fazem bem pro seu próprio lado. O roteiro tentar abordar isso de forma séria, complexa e abrasiva e até é interessante. O problema é que é um filme que falta algo. Não há desenvolvimento crítico profundo para ser algo mais complexo. E não há ação ou efeitos especiais suficientes para ser algo mais puxado pro entretenimento. Então o filme não chega a divertir de forma boba como a maioria dos filmes de ação fazem, se levando a sério, mas também sem explorar os limites da seriedade a que propõe, o que é uma pena.
Há um certo valor narrativo, mas que contenta-se com um final inacabado. Perde-se a chance de se fazer algo fora da caixinha. Poderia não haver alienígena nenhum e ser tudo manipulação governamental. Ou poderia-se aprofundar mais na guerra contra o poder. Mas fica tudo no mesmo lugar, dando voltas em alguns discursos que pouco avançam na obra, uma pena. Há elementos interessantes, existe um teor realista em como funcionam as políticas "amigas' que enganam o povo pra parecer tudo bem, enquanto que na verdade a casa está caindo. Mas foi pouco explorado. Quem sabe com o tempo a obra possa ser melhor avaliada.
Filme: 'Vingadores: Ultimato' (2019, de Anthony e Joe Russo)
Breves comentários SEM SPOILERS. Futuramente farei comentários com spoilers. Mas quem já viu e quiser falar spoilers no privado, é só chamar. Só não comenta aqui em respeito a quem não viu.
Não é perfeito. Mas falar de perfeição torna-se um paradoxo cinematográfico. Filmes de super-heróis são mainstream, são para consumo rápido, com objetivo de atingir o maior público possível e vender produtos para fãs. Isso afasta aqueles que gostam de obras maduras e cult por exemplo. Não se engane, se você não gosta de fantasia e heróis, não gostará desse aqui. Na verdade já deve estar saturado de tantos comentários sobre os Vingadores. Mas se você acompanha essa saga ao longo dos seus 11 anos e 22 filmes, se você acompanha o cinema moderno e a sua principal fonte de renda (blockbusters de heróis) e se você gostou do que viu até aqui, este é seu filme.
Há problemas de excesso de piadas, pequenos furos e lacunas no roteiro, clichês, melodramas, excesso de CGI, dentre outras coisas. Mas isso são coisas mínimas distribuídas nas 3 horas de duração, onde os acertos compensam. O Ultimato é o encontro de todos universos e destinos até aqui. É fan service puro, escapismo escancarado, que abraça o impossível e não tem medo de ser feliz, nerd e maluco.
Há um certo amadurecimento na forma de se apresentar o misticismo dos heróis. Esse filme aparece como uma metáfora e sintetiza toda essa era moderna com dezenas de filmes baseados em quadrinhos. Aqui a Marvel se ajoelha diante de si mesma e cria a referência da referência. Assume-se de vez as possibilidades infinitas dos quadrinhos, mas ainda tentando homenagear quem acompanha a simplicidade do que é ser um herói, isso desde o primeiro 'Homem de Ferro'. Começaram de maneira mais realista, foram fincando os pés na fantasia e criaram assim sua saga do Infinito.
Há no filme belos momentos, alguns inesperadamente tocantes. Robert Downey Jr e seu Homem de Ferro entrega uma sólida atuação, até mesmo maior do que se exigia. Jeremy Renner e seu Gavião Arqueiro, Chris Evans como Capitão América e Scarlett Johansson como Viúva Negra também entregam belas passagens. Até Paul Rudd como o Homem-Formiga tem momentos emotivos, por mais engraçado que ele seja. Ah, Rocket é o melhor, sou fã daquele guaxinim rsrs. O elenco é grandioso, talvez um dos maiores já montados até aqui.
O início lento é necessário pra dar peso. É o tudo ou nada. A ação demora, mas engata. O final é épico e empolga qualquer um que goste de super-heróis. É um sonho nerd realizado e concretizado. E quem conseguir se envolver com esse universo, se dará ao luxo de se emocionar. Prepare-se para alguns nós na garganta.
Filmes de heróis são bobos. Nunca será diferente. E tudo bem, não existe problemas nisso. 'Vingadores: Ultimato' não será eleito o melhor filme do ano pela crítica e pelos cinéfilos exigentes. Tampouco é esta a intenção. Não será o melhor, mas será o filme do ano. Em bilheteria, em comoção pública, em momentos épicos, em debates, em novas portas que se abrem e outras que se fecham nesse universo. Vejo alguns irritados com tamanha comoção. Mas foram 11 anos cativando o público, levando milhões de pessoas por essas jornadas, fazendo a gente esquecer dos problemas diários e viajando por novos mundos. 11 anos de construção da magia e encanto. Tal sucesso torna-se inevitável. Tal sucesso torna-se merecido.
É mais que um filme. Assim como 'Avatar' ou 'Titanic', é um evento onde o mundo parará pra assistir. Mas aqui tem essa diferença de se ter construído isso e ter se cativado todo esse público. E hoje ao ver no cinema cerca de 400 pessoas rindo e chorando juntas, batendo palmas, empolgadas e desesperadas, no banheiro haviam rapazes que não se conheciam conversando e criando laços pelo filme, ver dezenas de pessoas com camisetas nerds sem se sentir ridículas, ver tudo isso confirma o motivo de toda esta comoção. É o poder que um filme popular tem. Estamos em um mundo destruído por diversos Thanos, então ver um único filme de fantasia unir e fazer pessoas tão distintas viajarem juntas, isso tem o seu valor. Pode não ser a arte na forma mais complexa, mas é a fuga do nosso cotidiano na forma mais sincera. E por tudo isso, meus parabéns Marvel. Podem vir mais 10 anos e 20 filmes. Que venham mais filmes de todos os tipos pra todas pessoas e que eles possam fazer isso em pequenas ou grandes escalas: somar a todos nós.
O diretor M. Night Shyamalan ('O Sexto Sentido') entrega com 'Vidro' o capítulo final de sua trilogia de suspense, que começou com o ótimo 'Corpo Fechado' e surpreendeu ao continuar no bom 'Fragmentado'. Porém, em 'Vidro', temos um desfecho que por vezes é interessante, mas por outro lado decepciona um pouco. Não é um filme ruim ou horrível. Há muito o que se aproveitar nessa saga do Shyamalan. Se pensarmos nos três filmes, temos um estudo psicológico, filosófico e desconstruído dos heróis, vilões e poderes. Com um viés mais realista, as fantasias das HQ's são desconstruídas por um lado mais sombrio e misterioso. Muito mais do que glamouroso, uma habilidade especial pode ser assustadora. E é isso que o cineasta fez com essa saga, dissertando em cima do imaginário que hoje permeia forte o cinema: os super-heróis.
Em 'Vidro' é interessante a forma que o diretor leva a trama. Em vez de um caminho mais grandioso, ele toma o rumo oposto e entrega um filme pequeno, intimista, sutil. O problema é que às vezes é quase chato. É salvo pelo bom elenco em cena, especialmente Samuel L. Jackson, James McAvoy e Sarah Paulson, todos os 3 brilhando em cena. Já Bruce Willis está estranhamente apagado diante o restante. E Anya Taylor-Joy, apesar de sempre competente, pouco acrescenta no longa. O visual é bem simples e limpo, mas competente. Há um jogo de cores e luzes conforme a personalidade do personagem que está em cena, o que é bem legal. A reviravolta típica dos filmes do diretor é ok dentro da trama, mas nada que surpreenda de fato. No fim, 'Vidro' é um filme ok, merece ser conferido pra fechar a trilogia e deixa uma interessante reflexão diante o fascínio atual pelos super-heróis. Mas por tomar um caminho mais contido, perdeu a chance de ser o confronto épico desejado. Preferiu ser um ensaio e uma metáfora aos heróis, vilões e poderes, do que ser um filme sobre isso mais propriamente dito.
O nome da obra vende a ideia de um trash daqueles, o que poderia render um filme divertido. Mas na verdade é um drama com trechos históricos e de caráter pseudo-conspiratório, onde na verdade a fantasia serve de pano de fundo para uma história sobre envelhecimento. Sam Elliott, que concorreu ao Oscar de Ator Coadjuvante pelo ótimo 'Nasce Uma Estrela', interpreta um veterano de guerra, cujos dias são envoltos de lembranças e nostalgia, em uma vida já cansada. Até que o governo o chama para conter um misterioso ser (um Pé-Grande?). Então ele começa a se lembrar dos tempos de guerra e de sua difícil missão, matar o próprio Hitler. Apesar de misturar duas teorias da conspiração ao mesmo tempo, o filme surge como uma espécie de metáfora sobre a velhice, olhar pra trás e se arrepender de não ter feito coisas, de não ter aproveitado a vida. Agora, será que ele realmente realizou isso tudo? Ou são devaneios?
O filme é prejudicado pelo orçamento baixo e um ritmo um tanto lento. Até os confrontos são mais lentos. Há uma interessante direção de arte de época, um dos poucos recursos visuais do longa. A direção e o roteiro parecem não saber bem que rumo tomar: será um drama, um suspense conspiratório ou uma fantasia trash? Então parece que se tivessem tomado um rumo mais cômico e dinâmico, teríamos uma grande obra. Mas contentam-se com pouco, o que tira a força sarcástica da trama. Mas a atuação de Sam Elliott carrega o filme nas costas. Seus trejeitos, tom de voz, a dinâmica com todos em cena, até o seu velho cachorro, tudo passa algo verossímel, que salva o filme de ser mais fraco. Brevemente divertido, com um bom protagonista e uma interessante crônica à velhice, é um filme mais curioso pela trama do que pela execução, mas que merece ser conferido sem preconceitos.
'Nós' traz diversos simbolismos, metáforas e referências, a maioria bem sutis e deve-se estar bem atento à detalhes, além de estar por dentro de parte da história social dos Estados Unidos. Aliás, 'Nós' pode ser considerado um quebra-cabeça social. Começando pelo nome original 'Us', que traduzindo seria o 'Nós', mas que também serve para a sigla United States, pois na trama, temos uma alusão e uma crítica ao estilo de vida das famílias americanas, além de questões sociais bem pertinentes. Uma dessas questões vem na forma das sombras, ou os acorrentados. Eles facilmente podem ser as minorias menosprezadas, mau tratadas e deixadas à deriva pelo governo e pela sociedade classe média/alta (alô Brasil). O fato das sombras atacarem faz um paralelo à violência que algumas minorias acabam recorrendo. Mas estes também podem ser encarados como os instintos adormecidos nas pessoas, que vez por outra afloram de forma destrutiva.
As luvas lembram as que os membros dos grupos Panteras Negras usavam, um partido socialista americano que lutava a favor dos negros, principalmente para combater a violência dos policiais brancos. As tesouras trazem um sentido de duplicação: duas partes iguais em um mesmo objeto. Assim como as aranhas que a protagonista enxerga no início do filme. Na psicologia e na literatura as aranhas representam duplicação. Isso eu percebi já de cara graças ao filme 'O Homem Duplicado', baseado no livro de José Saramago, onde o protagonista enxerga aranhas gigantes e sofre da síndrome da duplicação. Todos esses elementos acabam justificando a reviravolta do filme, de que a protagonista já era a "sombra", o duplicado, e não a "original" que havia ficado acorrentada nos túneis, quando elas se encontraram na infância. O medo da protagonista então não é de ter uma cópia, mas da original voltar e a desmascarar, por isso que de todas as cópias, somente a dela falava, pois era a original. Mas o fato da cópia dela falar indica que sim, as sombras poderiam então se adaptar ao nosso mundo. Tudo foi resultado de um experimento de cunho governamental e místico (religioso talvez? não se sabe). Os coelhos, além de alimento pras sombras, representam reinícios e fertilidade, explicando assim a necessidade das sombras de se libertarem das correntes e irem pra superfície, matando os originais no mundo todo e recomeçando a sociedade. Uma metáfora aos oprimidos quererem ter sua voz ouvida e recomeçarem suas vidas de igual para igual com os privilegiados. Há ainda diversas referências e easter eggs com o próprio cinema de horror, como 'Tubarão', 'Corra!' (filme anterior do diretor), 'Corrente do Mal' e outros, assim como uma homenagem aos home invasion, filmes onde assassinos invadem e atacam uma família ('Os Estranhos', 'Você é o Próximo').
A corrente de mãos dadas é uma referência a um movimento social que não deu certo (1° cena do filme, a menina assiste na TV), outra crítica a como nós falhamos como sociedade em sermos igualitários. Há muito mais a se dicutir, como duras cutucadas na era presidencial de Trump, à hipocrisias da sociedade, os excessos da polícia contra os negros (note a música fuck the police tocando em momentos chave), assim como a família de amigos brancos dos protagonistas são representações estereotipadas de famílias problemáticas (ele é um playboy malandro, ela superficial, as filhas são mimadas). No fim, 'Nós' é sobre nós, nossos problemas, nosso lado obscuro, a luta social que cada um trava e nosso fracasso coletivo como humanidade.
Afiada, implacável e praticamente perfeita, uma das melhores séries de todos os tempos.
Criada por David Chase e produzida pela HBO, 'The Sopranos' (também chamada 'A Família Soprano' no Brasil) teve 6 temporadas e mudou o formato da TV americana e mundial. Seu sucesso impulsionu outras grandes obras, espécies de "filhos", onde destaca-se a também grandiosa 'Breaking Bad'. Com 'Sopranos', passamos a acompanhar a trajetória de uma família italiana mafiosa, figuras sombrias, perversas, defeituosas, mas ironicamente falhas, humanas e cheias de camadas e complexidade. De início é difícil se acostumar a acompanhar a jornada dos "vilões" e todos os horrores que cometem, cujos caminhos levam à traições, mortes e os mais variados crimes. Mas o roteiro, engenhosamente faz-nos apegar aos personagens, porém sem deixar de lembrar que não estamos diante mocinhos, mas de criminosos e que cedo ou tarde, haverão consequências.
Para não parecer que defende-se o crime, o racismo e o egocentrismo, o time de roteiristas criam uma trama ácida, sarcástica, com momentos tragicômicos, mas nos lembrando constantemente que ter tal proceder é podridão pura. Mas as atuações e a construção complexa dos personagens e suas narrativas nos força a querer continuar vendo onde isso irá parar. O elenco é formidável, de fazer inveja a muito filme. James Gandolfini encabeça o protagonista Tony Soprano, o líder da família. Nós temos uma relação de amor e ódio com ele, tamanha sua grandioidade em cena. Com uma atuação magistral, ele encarna um temperamento explosivo, sempre à flor da pele, sempre nocivo, mas aparentemente sempre bem intencionado com aqueles a quem ama. A mesma mão que mata os inimigos (alguns inocentes), acalenta os amados (alguns odiáveis). Ele transborda sentimentos complexos: um mafioso sanguinário, mas que possui momentos de lucidez, onde tenta-se procurar a paz. Muitas das vezes ele se encontra em uma encruzilhada: está prestes a dar um novo rumo na vida, mas situações extremas o forçam a tomar suas medidas criminosas.
Os diálogos de Tony com sua psicóloga são geniais. Vão das origens da violência, à mais complexa filosofia, passando por teorias da conspiração, até fatos históricos ocorridos na época da série (11 de Setembro, Guerra do Iraque, etc). A psicóloga (muito bem interpretada por Lorraine Bracco) representa nós, o público, que "escuta" (assiste) a história de Tony. Mesmo que ela fique perplexa com toda barbárie, não consegue parar de tratar ele e saber mais deste submundo, fazendo um paralelo com nós assistindo a série.
'Sopranos' dispensa sensacionalismo, grandes reviravoltas e outros artifícios. Apesar de uma construção lenta, tudo é natural, como se fosse o cotidiano. Acredite: cada personagem, diálogo e acontecimento levará à um lugar, nem que demore algumas temporadas. Tudo faz sentido, tudo fecha um ciclo e uma trama impecável. E mesmo que sem forçações, existem sim acontecimentos de cair o queixo, mas sempre bem dosados e crus, como a vida é. Há muito, mas muito o que se discutir em 'Sopranos', daria aqui um post muito maior do que este ficará. Existe muita ironia em ver que criminosos também tem seus desafios cotidianos, como lutar contra uma doença ou passar por uma crise existencialista. A propósito, a série debate todos assuntos sociais possíveis que se possa imaginar. Mas há 3 destaques: as metáforas entre a vida e a morte, a depressão como pano de fundo de vários acontecimentos extremos e uma dura crítica à família tradicional. Sobre este último, note que temos aqui uma família branca, rica, de influência, conservadora e respeitada. Máscaras e mais máscaras. Aos poucos tudo se desconstrói em um emaranhado de podridão e como tudo é superficial, negativo e frágil. É genial, por exemplo, como os mafiosos italianos são machistas, homofóbicos, racistas, religiosos e defensores dos bons costumes, mas essa "defesa" é violenta a ponto de tirar vidas, tornado-os hipócritas o tempo todo. Assim se faz uma dura crítica a como a América como um todo (EUA, Brasil, etc) é hipócrita, defensora de bons costumes, mas sanguinária e perversa, a como tudo pode desmoronar graças essas redomas de vidro sociais, redomas arranhadas e prestes a quebrar.
Um colosso, uma obra-prima, com um final poético e reflexivo, 'The Sopranos' foi uma jornada e tanto nos últimos meses, entrou fácil como uma das melhores séries que já vi em todos os tempos, bastante atual, muito bem dirigida, roteirizada e atuada, um marco para ser revisto e contemplado, parase levar pra vida. Obrigado HBO, agora irei pra mais uma lendária série da produtora, 'The Wire' ('A Escuta').
É complexo criticar filmes que apelam para a emoção se utilizando de animais, ainda mais se você é sensível à esta temática. 'Dumbo' é um filme que traz alguns clichês, reconta a mesma história da clássica animação Disney dos anos 40, porém com uns acréscimos de personagens e dramas humanos. É nesta parte humana que o filme não é tão bom, pois temos pouco interesse pelos humanos, quando queremos mesmo é ver o elefantinho orelhudo. Mas quando Tim Burton traz a magia e encanto com o Dumbo em cena, o filme cresce muito e é encantador. O CGI usado na criação do bichinho é surreal de tão bom, parece de fato um ser vivo em cena. Ele tem mais expressões faciais do que o elenco humano. As cenas em que ele esboça tristeza, medo, espanto, são tão críveis e sensíveis que é difícil não se emocionar.
O grandioso elenco está ok, não fazem nada muito extraordinário, mas estão para dar suporte ao Dumbo. Colin Farrel está ok, Danny DeVito é uma grata surpresa e apesar de Michael Keaton estar caricato e exagerado como o vilão, é bacana ver Keaton e DeVito novamente em um filme do Tim Burton (eles foram o Batman e o Pinguim nos anos 90, respectivamente). Ah, e é sempre bom ver Eva Green, mesmo que não tanto utilizada. A fotografia, o figurino, a maquiagem e a direção de arte são lindas, capturam o espírito circense e juntos aos bons efeitos de computação, tornam este um dos filmes mais belos de se olhar nesse início de ano. E é muito bom ver Tim Burton, depois de uns anos de trabalhos mais fracos, trazendo um filme mais bacana e que aquece o coração. Me lembrou aquele ótimo 'Peixe Grande e suas Histórias Maravihosas', um Tim Burton mais otimista e acolhedor.
Mas o importante mesmo é Dumbo e sua mensagem. São duas as lições: a primeira refere-se ao combate à violência e maus tratos com os animais, inclusive em circos e outros trabalhos; e a outra lição seria aquela história de você se sentir o "patinho feio". Em tempos intolerantes, é importante mostrar que ser diferente é normal e bonito, que cada um carrega sua beleza e que aquilo que os outros ridicularizam, pode ser seu dom especial. Bonito e emocionante, é um dos melhores live-actions da Disney. Levem seus pequenos pra assisitr, eles irão amar e você ainda poderá ensinar algumas coisas a eles. E pra finalizar, o vôo de Dumbo é libertador e simbólico, é a quebra das correntes que os outros querem impor pra cima de você!
É complexo falar de 'Nós' sem soltar spoilers, é um daqueles filmes que é um "spoiler ambulante". Mas resumidamente, é o melhor filme do ano que assisti até então. O diretor Jordan Peele, que ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Original com o excelente 'Corra!', além das indicações de Diretor, Filme e outras, entrega aqui mais outro filme imponente. Se em 'Corra!' tínhamos um suspense mais crescente e sutil, com uma estrutura aparentemente simples, mas uma excelente construção da crítica racial que se fazia, aqui em 'Nós', temos um terror mais propriamente dito, com uma ideia muito mais complexa, cheia de camadas e lotada de críticas sociais, raciais, teorias da conspiração e simbolismos metafóricos e metalinguísticos.
Essa complexidade, além dos inúmeros plot twists (alguns um pouquinho previsíveis, mas vários muito bem elaborados), são coisas que podem afastar alguns. Algumas coisas aparentemente abstratas podem confundir o expectador, sem falar que em dado momento o filme aparenta tentar ser inteligente demais. Mas sinceramente, gostei muito desta inteligência. O diretor Peele prova que conhece bem o gênero terror e não tem medo de brincar com o estilo, trazendo referências, mas desconstruindo características do mesmo, dando algumas guinadas interessantes. O título original 'Us' serve tanto para a tradução 'Nós', quanto para a sigla United States, numa clara crítica aos Estados Unidos e seus diversos problemas sociais. Mas vai além disso, trazendo os problemas mais íntimos de famílias e indivíduos, de formas bastante simbólicas. Eu costumo dizer que poucas coisas assustam tanto quanto a realidade. E o que o diretor faz com seus filmes é trazer uma fantasia que na verdade traça paralelos com a realidade.
A direção é boa, com algumas cenas onde o ponto de vista varia de acordo com o personagem e o cenário. O elenco é fenomenal. Lupita Nyong'o é destruidora, uma atuação monstruosa. A moça está crescendo e já pode ser considerada uma das grandes atrizes da atualidade. Sua performance dramática, corporal e vocal é incrível, de cair o queixo em dados momentos. Mas todo restante dos atores estão bem, especialmente Elisabeth Moss.
'Nós' é enigmático, levemente divertido, bastante cruel e um complexo quebra-cabeça social e moral. Você poderá amá-lo ou odiá-lo, mas ele irá de algum modo te contar alguma coisa, seja aquilo o que você absorver.
O ator Chiwetel Ejiofor estreia na cadeira de diretor com esta emocionante história real, sobre um menino de uma pobre aldeia da África, que diante a face da seca, fome e morte, decidiu colocar seus conhecimentos em prática e construir um moinho de vento, para gerar energia elétrica e ligar a bomba de água da aldeia.
Apesar do baixo orçamento e de clichês típicos de cinebiografias na construção da narrativa, o filme te ganha pela força. Se você não se fragiliza com uma situação dessas, você não é humano, simples assim. E é impossível falar desta obra sem tocar em feridas sociais e políticas. Vamos pensar: o que impedia os vários adultos de construir moinhos e salvar vidas? O conhecimento? Até certo ponto sim, mas há muito por trás. O momento em que a trama se passa é conturbado. Temos a influência do tempo, ocasionando tanto enchentes como seca. Temos um fundo político onde o governo nada faz. Ao contrário, ainda faz-se racionamento de comida. Ajuda estrangeira não vem, ainda mais com a atenção dos Estados Unidos voltada para o Iraque logo após o 11 de Setembro (na verdade o interesse era o petróleo). A vila ainda possui um fervor religioso e tradicionalista que atrasa e impede que o conhecimento ganhe forma prática. O próprio pai do garoto é conservador e desacredita nos livros de ciência do filho, renegando a esperança do menino como simples "imaginação" ou utopia.
Sendo assim, 'O Menino que Descobriu o Vento' traz uma forte verdade que se estende por outros países, até mesmo nosso Brasil (com seu árido sertão). A política e o militarismo se lixam pra fome e sofrimento do povo, se escondendo atrás de armas, repressão e burocracia política. O povo fica cego diante costumes conservadores e religiosos, nada fazendo para solucionar o problema, esperando um milagre ou uma ação política. Tudo burocracias, tudo bobagens que matam. Pois política, armas, religiões, pré-conceitos e conservadorismos levam à ignorância. E um povo ignorante e cego mata e morre! Mas o conhecimento, os livros, a cultura, o amor ao próximo, isso colocado na prática, salva. Não estamos aqui sendo demagogos em teorias. Falamos da prática, do que torna o homem um ser vivo, humano com sentimentos e empático à dor alheia. Essa é aquela verdade incoveniente que renegamos no cotidiano, mas em que em um momento de verdadeira crise, faz toda diferença. O garoto do filme tem tudo que precisa: seus livros, sua educação, seu conhecimento. Então ele bate de frente com todo conservadorismo que for preciso, pois ele sabe que há vidas em risco, ele sente na pele a dor da perda, de ver um ser vivo ao seu lado morrer de fome descenessariamente, visto que a solução estava ali, na frente de todos, era só colocar em prática.
Emocionante do começo ao fim, tem uma cena que marcou e até agora não superei, quem já assistiu e quiser falar sobre no privado, à vontade. Um filmão atual e necessário, que rende algumas reflexões interessantes sobre a importância da educação, cultura, conhecimento, professores, livros e história, coisas cada vez mais negligenciadas por uma sociedade moderna cada vez mais hipócrita e cega, cegueira causada seja pela inútil política, seja pela comodidade dos indiferentes.
Estamos sorteando pares de ingressos para Vingadores: Ultimato no Instagram e no Facebook oficiais do site Minha Visão do Cinema, acessem nossas redes e participem!
Cinema em Cena: 'Vestígios do Dia' (1993, de James Ivory)
Nosso quadro que analisa a composição das cenas de filmes vai falar hoje sobre este tocante drama britânico. Anthony Hopkins interpreta um perfeccionista mordomo, que lidera a criadagem da mansão de um aristocrata inglês, durante a Segunda Guerra Mundial. Anos depois, ao viajar de volta ao local, o personagem de Hopkins se vê diante lembranças que o marcaram para sempre. Com uma belíssima direção de arte e fotografia, aliadas à uma direção competente de James Ivory, sempre sutil e delicada, temos uma composição de mise en scène pontual e acolhedora. Somos imersos no acompanhamento da câmera pelos cômodos da mansão, o estilo voyeur no qual espiamos os bastidores da aristocracia, em contraste com o reprimido amor entre o mordomo e a governanta (Emma Thompson em brilhante atuação). Em determinados ângulos, como em uma das imagens do post, nós vigiamos os afazeres dos empregados e os tolos mistérios dos burgueses, através do ponto de vista de portas entre abertas, janelas e objetos. Assim como a mansão e tudo que a compõe, nós somos expectadores da passividade do casal, que fica recluso de acender seu amor diante o compromisso com sua profissão. Em plena guerra, onde políticos bebem e aproveitam sua burocrática vida fútil, vemos os trabalhadores e reais protagonistas, serem incapazes de tomar as rédeas da sua vida, cegados pelo falso senso de dever, como se isso fosse a coisa mais importante de outrora. Tal análise requer traçar um paralelo com nossos dias, onde infelizmente alguns insistem em renegar suas próprias escolhas, em prol de agradar ou ganhar um favor daqueles que se acham superiores ou privilegiados de alguma forma. E isso se aplica tanto no emprego, como na política, na família e em outras situações. Tal contenção exagerada de si próprio, renegando aquilo que você já quis pra si no passado, torna tudo muito agridoce, mas poético e iluminado. Negar aquilo a que você ama e tem desejo de se dedicar irá acarretar em arrependimentos, fatos estes que ficarão em vãs lembranças do passado, lembranças essas que soam como fagulhas no tempo, breves raios de luz de um pôr do sol, vestígios de uma luz que outrora já foram um dia. Vestígios de um dia, vestígios de uma vida e vestígios de uma escolha não tomada.
O filme segue o padrão da casa Marvel/Disney, uma superprodução escapista e divertida, que mostra a origem solo da heroína título. Existem pequeninos probleminhas na estrutura e edição do filme: uma "barriga" no meio que quebra um pouco do ritmo, um ou outro efeito de CGI que poderia ser melhor trabalhado, uma ou outra piada que não funciona tanto, pequeninas coisas que poderiam ser podadas na edição e montagem da fita. Exceto estes apontamentos, é uma superprodução divertida e com alguns belos momentos. Apesar do humor de sempre da Marvel, que serve para descarregar um pouco da tensão e adrenalina, ainda é um filme um pouco mais sóbrio.
Brie Larson não é o fiasco que se apontava. A atriz, que já possui um Oscar, entrega uma protagonista que a príncípio parece séria e apática demais, mas faz parte do roteiro trazer esta mulher mais contida e perdida, afim de logo após, trazer sua "liberdade", por assim dizer. Então, Larson entrega uma heroína de porte, que pode sim ganhar mais profundidade em futuros filmes, mas que aqui ao menos segura bem o manto, ao menos ao mostrar seus poderes e salvar o dia. Samuel L. Jackson está bem e hilário como Nick Fury, rejuvenescido digitalmente em excelentes efeitos visuais. A química dele com a protagonista é boa. Lashana Lynch como a melhor amiga da Capitã está bem e representa um elo emocional à nossa heroína. O vilão de Ben Mendelsohn tem um plot bacana, Jude Law entrega a competência de sempre, Clark Gregg como o jovem Agente Coulson da S.H.I.E.L.D. é uma boa participação (também rejuvenescido digitalmente), assim como o cameo do saudoso Stan Lee, em bonitas homenagens. A grande atriz Annette Bening que parece ter sido pouco aproveitada. A gatinha Goose pode aparecer pouco, mas deixa sua marca no filme com uma maluca participação e já queremos ver mais dela.
'Capitã Marvel' sofreu boicotes antes do lançamento, com críticas negativas de um público hater "machão" que teve sua masculinidade ferida por um filme Marvel. Tal fato só prova que tem que existir filmes feministas com mulheres fortes protagonistas. E não apenas isso, como também ter mulheres no comando das câmeras. Aqui, dentre os dois diretores, Anna Boden faz história ao comandar uma superprodução de ação e de sucesso, feito que até então só ocorreu com Patty Jenkins e seu filme 'Mulher-Maravilha', da DC. Em mais de um século de cinema, poucas mulheres terem a chance de comandar filmes deste porte dentro de estúdios majoritariamente comandados por homens, torna esta representatividade válida e crucial. Sem discursos exagerados, 'Capitã Marvel' traz um feminismo natural. Ela quer ser o que ela quer, sem ter que dar satisfação a um homem que a queira manipular. É isso, simples assim. Ela tem o direito de agir como quer e lutar por aquilo que acredita. Com um heroísmo mais contido nas palavras e expressões, mas forte no coração, ela acaba sendo uma espécie de substituta para o 'Capitão América', pois já é sabido que ela será a líder dos 'Vingadores' de agora em diante, mais uma razão dos "machões" se incomodarem. Há no filme uns detalhes interessantes: a manipulação do homem em cima da mulher, seja explicitamente (os vilões invadindo a mente dela), ou sutilmente (sem detalhes pra reservar as reviravoltas). Então tais abusos dão razão pra ela ser mais "sisuda" e contida por assim dizer. Há também um paralelo em como a menina filha da amiga dela admira a heroína, tal menina é uma representação de todas menininhas desta geração, que agora podem vibrar com mulheres fortes e heróicas no cinema, como a Capitã Marvel e Mulher-Maravilha. Note como o encanto e brilho nos olhos da garota no filme representa o encanto das meninas da atual geração, que podem e devem ser aquilo que quiserem por elas mesmas, e não por escolhas dos pais, maridos, chefes, etc.
A trilha sonora grunge dos ano 90, com músicas do Nirvana, No Doubt, R.E.M. e vários outros da época, assim como as referências e criações da década, são nostálgicas. Também temos influências narrativas de filmes e séries noventistas, como cenas de perseguição de carros típicas dos filmes de ação daquela época, assim como um clima de ficção científica conspiratória (muito em alta lá nos anos 90), como 'MIB - Homens de Preto' e até mesmo a série 'Arquixo X'.
Mesmo que clichê quanto a entretenimento, é divertido, bem feito e um sopro de encorajamento para as mulheres guerreiras da vida real. Por ser homem, não tenho propriedade pra falar de feminismo, embora apoie as guerreiras mulheres, por isso, confiram a crítica do filme lá do site Minha Visão do Cinema, onde a Eduarda Souza e a Natália Vieira escreveram com detalhes da importância do filme.
E que venha 'Vingadores: Ultimato'! Quero ver a Capitã Marvel dando uma surra no Thanos!
54 anos após o clássico musical lúdico 'Mary Poppins', com os incríveis Julie Andrews e Dick Van Dyke, chegou uma improvável continuação. Conseguindo capturar o espírito leve, infantil, doce e bastante puro, temos o retorno da babá Mary Poppins à vida da família Banks. As crianças de antes agora são crescidas, com suas próprias crias e estão passando por um momento turbulento. Tais pressões do cotidiano tiraram a alegria e o encanto dos adultos que outrora acreditavam no fantástico, e isso já está afetando as crianças. É quando Poppins entra em ação, trazendo lições para os pequeninos e mais ainda aos mais velhos. Emily Blunt é encantadora no papel da firme, mas amável babá. A atriz vem se destacando muito no cinema recente e com muita versatilidade! Do drama à comédia, do infantil ao terror, ela tem se destacado demais. Vide 2018, onde ela nos deixou apreensivos em 'Um Lugar Silencioso' e depois nos reconfortou aqui neste filme em questão. Mas Lin-Manuel Miranda também demonstra seu talento como um ascendedor de lampiões, ele canta, dança e atua muito bem, se provando um artista completo à moda antiga. Digo "completo" pois houve uma época em Hollywood, entre os anos 40 e 60, que para fazer sucesso não bastava atuar. Nos musicais, os filmes colossais dessas décadas, se precisava dançar, cantar, assobiar, sapatear e muito mais. É aí que chegamos a Dick Van Dyke, que fazia isso no 'Mary Poppins' original e aqui faz uma pequena participação - bastante nostálgica e emocionante. Já bastante idoso, o ator dono de um sorriso que marcou gerações, faz uma breve cena de dança que pega o coração daqueles que conhecem o cinema daquela época.
Assim como no riginal, há uma bela sequência onde os atores contracenam com animação, é como se fosse um desenho animado dentro de um live-action. Uma cena divertida, visualmente chamativa e com uma direção diferenciada em alguns momentos (note nos ângulos de câmera contorcidos conforme a carroça anda pelas curvas do objeto de porcelana no qual estão desenhados, além do visual rachado da porcelana, é muito inventivo!). As letras das canções contém morais que criticam nitidamente o estilo de vida estressado dos adultos, lotados de afazeres, em busca frenética por dinheiro, sempre perdendo tempo com coisas menos importantes, deixando de viver bem e deixando de respeitar as diferenças das outras pessoas. Tais morais, por mais simplistas e direcionadas às crianças, reflete diretamente nos adultos, cuja felicidade se esvai quando perde-se o brilho no olhar, quando perde-se a magia das coisas, quando passa a desrespeitar quem é diferente, quando confunde-se amadurecer com tornar-se alguém amargo e sem amor.
Bonito, simples e à moda antiga, é uma bela sessão retrô.
Sensacional filme do Uruguai, um dos melhores de 2018, que narra a jornada de 3 homens que ficaram 12 anos presos, alguns destes em cárcere privado, durante a ditadura militar de seu país. Esses 12 anos são como uma obscura e longa noite, cheia de trevas, tortura e falta de liberdade. Mas é interessante como a obra se abstém de cenas mais fortes, deixando o pesado na trama e no imaginário de quem assiste (a ditadura por si só já é pesada), focando assim, de uma maneira mais branda e positiva, o psicológico destas 3 figuras. Apesar de todo sofrimento, eles utilizam de esperança, inteligência, bom humor e trabalho duro para sobreviver dia após dia, ano após ano. As atuações são todas boas e a direção de Alvaro Brechner é firme, mas também positiva, conduzindo a narrativa de forma suave, como se fosse um raio de sol iluminando a tenebrosa noite dos nossos protagonistas. Há uma bonita mensagem sobre não desistir, se manter íntegro e ajudar ao próximo que está na mesma situação, mesmo que em minoria. O roteiro é muito coerente em não exagerar nos fatos, mas focar no tratamento e na construção destes personagens. Em tempos em que no nosso país se tenta apagar a história, onde se ignora os nossos livros, se ridiculariza professores, que se boicota tudo que destoa dos falsos ideais moralistas (como o boicote ao filme do Wagner Moura, que sequer saiu aqui ainda), em tempos em que se saúda a militarização robótica de maneira histérica e afetada, com materiais vindos da "faculdade do Whatsapp"; um filme como esse sempre é bem-vindo. Lembra-nos de que só damos valor à liberdade depois que a perdemos. Que só damos valor às pessoas depois que sangue é derramado. Que trabalhar duro, manter a positividade, utilizar de intelecto e alimentar a alma é aquilo que dá forças para atravessar longos anos, anos estes que mais parecem uma longa noite de trevas.
Lindamente construído e fotografado em preto e branco, o filme polonês 'Guerra Fria' (que concorre em algumas categorias do Oscar 2019) faz um paralelo entre história, arte e romance. Um casal desconstruído e amargo, tão "frio" quanto os emaranhados fatores políticos e culturais que esvaziam o amor e a graça do dia a dia do ser humano. Se a obra deixa momentos amargos na boca, deixa lindas cenas na memória, tremendamente bem dirididas por Pawel Pawlikowski, que faz deste um deleite visual. Cada cena é bela, meticulosamente montada para parecer uma obra de arte, uma pintura que carrega histórias e figuras de outras épocas. A química do casal protagonista é impecável, de fazer inveja à Hollywood. Especialmente Joanna Kulig, hipnótica, magnética e complexa na pele de Zula. Entre encontros e desencontros por diferentes momentos históricos e políticos da Europa, que vai desde uma Polônia devastada no pós-guerra e ocupada pela Rússia, passando por uma Paris boêmia e agitada, o filme mescla um romance disfuncional com um fundo artístico. A narrativa transborda paixão pela música nativa da Polônia, mas faz uma crítica à generalização da mesma diante a indústria. Descontrói-se algumas questões como: a perda da arte diante o lucro, a perda da liberdade diante a guerra e política, a perda do amor diante as complicações do relacionamento. Com trechos que ecoam à Nouvelle Vague da França, é um belíssimo filme, indispensável para amantes de arte e de um cinema mais maduro.
Respeite o passado e os veteranos. Mas deixe-os no seu lugar e trilhe seu próprio caminho.
A franquia do 'Rocky Balboa' sempre manteve-se fiel ao seu legado. Isso inclui os atuais filmes do 'Creed'. Muito além das lutas do ringue de boxe, a saga fala sobre o ringue da vida. Enfrentar crises econômicas, o preço da fama, cuidar da família, lutar contra uma doença, lidar com o luto. São nocautes que a vida te dá e os filmes conseguem tecer este paralelo com o boxe. Apanhar, apanhar e apanhar. Mas se levantar e continuar a lutar. Na vida, não importa bater e vencer, mas aguentar a dor dos golpes que ela te dá, se manter íntegro e dar valor ao mais importante.
O primeiro 'Creed' acertou mais em trazer um frescor, adicionando elementos como representatividade, Stallone enfrentando uma doença e ainda temos a ótima direção de Ryan Coogler, que deixou de fazer o dois para dirigir o sucesso 'Pantera Negra'. Aqui, Steven Caple Jr. é quem dirige, com uma pegada menos forte e mais genérica, tornando o filme um pouco inferior ao primeiro. Também vale acentuar que uma enxugada na primeira metade da obra ajudaria no seu ritmo inicial. Mas lá pelo meio do filme a coisa engrena, estamos convencidos da trama e daí é um deleite só. Assim, 'Creed 2' perde por bem pouco para o primeiro, mas ainda é uma obra relevante. Temos aqui os conflitos entre gerações, entre treinadores e atletas, entre pais, filhos e netos. Respeitar o passado, os veteranos, aprender com os erros e a dor são coisas necessárias. Mas se desprender disso até certo ponto, trilhar seu próprio caminho e deixar cicatrizar algumas coisas, isso é essencial.
Há aqui conflitos bem interessantes. Adonis quer vingar a morte do seu pai Apollo, mas não quer viver à sombra dele. Rocky não quer que Adonis tenha o mesmo fim que Apollo, morto no ringue. Ivan (Dolph Lundgren) não quer ficar no limbo, humilhado por ter sido derrotado por Rocky no passado, usando seu filho para voltar aos holofotes. Viktor (Florian Munteanu) vive numa dividida em não decepcionar seu pai Ivan, ao mesmo tempo que não quer ser controlado sempre por ele. E ainda temos com pequeno destaque Tony (Wood Harris), filho do treinador de Apollo, que agora treina Adonis e não quer que ele fracasse sob suas mãos. Nisso tudo, temos as mulheres em cena como as sensatas: a mãe e a esposa (Tessa Thompson) de Adonis servem como o peso na balança, não o controlando, mas servindo como a voz da razão. Este interessante jogo de perspectivas dá o que pensar sobre legado, fracasso e família.
Com a metade final da obra repleta de emoções, intensas cenas de luta no ringue e belas cenas emocionais fora dele, 'Creed 2' mantém a qualidade desta longínqua e fundamental franquia. O final é ótimo, a trilha sonora empolga e temos um contemplativo take de Rocky Balboa lá pelo fim, sob uma diferente ótica do ringue, da comemoração e da perda. Simbólico ...
Algumas cenas exageradas e um roteiro clichê e bobo são compensados com um belo espetáculo visual e sonoro, além da grande direção do talentoso James Wan.
Se você acompanha filmes, não tem como escapar deles, os reis do cinema moderno: os filmes de heróis. Nos últimos anos, os universos nerds, geeks e especialmente de super-heróis alcançaram níveis épicos, são líderes em bilheterias, geram discussões entre diferentes círculos e estão alcançando até mesmo níveis artísticos e premiações. Mas uma das maiores polêmicas recentes gira em torno da rivalidade entre os fãs da Marvel e seus 'Vingadores' (com um universo bem estruturado), contra a DC e sua 'Liga da Justiça' (com seu universo de altos e baixos). Na DC, 'Batman vs Superman', 'Esquadrão Suicida' e 'Liga da Justiça' foram alvos de críticas massivas (se são ruins ou apenas abaixo do esperado, cabe a outra discussão). 'O Homem de Aço' fica no mediano, enquanto que 'Mulher-Maravilha' parece ser o grande acerto da casa até então. Com expectativas baixas da grande maioria e depois de já amargarem muito, a DC entrega em 'Aquaman' uma competente aventura, com contornos épicos e colossais.
Primeiramente é preciso apontar uns probleminhas: ainda há muitos excessos, não existe sutileza, tudo é sempre muito grandioso e épico, sempre com muito, mas muito CGI e efeitos visuais, o tempo de duração sempre é longo, tudo ainda é muito apocalíptico. Outro ponto é que nem todo elenco atua bem. A Mera é uma importante personagem, visualmente bela, uma grande guerreira, gostaria de ver filmes da DC colocando ela lado a lado com a Mulher-Maravilha, já que no quesito girl power a DC sai na frente da Marvel (mas a 'Capitã Marvel' vem aí rsrs). Mas a atriz Amber Heard é bastante limitada, inclusive não tem tanta química com o herói nas cenas mais lentas, sendo convincente somente quando rola a ação. O roteiro do filme é um tanto ruim, clichê do clichê, amontoando elementos de diversos outros filmes já vistos. Os vilões interpretados por Patrick Wilson e Yahya Abdul-Mateen tem motivações válidas, mas poderiam ser melhor explorados em atuações.
Mas é interessante que todos estes defeitinhos acabam sendo contornados de algum modo. As 2 horas e 30 minutos são eletrizantes, não te deixando no tédio nenhum minuto. O diretor James Wan vem de um cinema de horror, para quem não sabe ele dirigiu o primeiro 'Jogos Mortais', os dois 'Invocação do Mal', os dois primeiros 'Sobrenatural', dentre outros. Nesses filmes, ele sempre soube utilizar a tensão, a atmosfera obscura, ângulos de câmera interessantes que mostram mas não mostram, dentre outros artifícios, afim de incomodar o público. Mas recentemente ele se aventurou nos blockbusters, dirigindo 'Velozes e Furiosos 7' (aquele que se despede de Paul Walker), que acabou sendo o melhor da franquia, justamente pela direção de Wan, com uma câmera tensa que acompanha as cenas de ação. Aqui em 'Aquaman' ele repete o feito, fazendo uma imersão nas cenas de aventura e ação. Existem ângulos de câmera inspirados, sequências frenéticas e um ritmo alucinante. A cena de perseguição em telhados na Sicília é uma das melhores cenas de ação do ano inteiro. As perseguições e combates aquáticos submarinos lembram 'Star Wars', mas com luzes neon e efeitos sonoros de sintetizadores eletrônicos que lembram 'Tron'.
Aliás, tanto na trilha sonora como no visual, é um filme a cara dos anos 80, um tanto retrô. Falando no visual, apesar de excessivo, o CGI tem sim uma alta qualidade. Na verdade, dentre os filmes de heróis de 2018, é o que tem o visual mais bonito de todos (desculpa 'Vingadores'), construindo todo um belíssimo mundo novo. Com 'Aquaman', a DC não tem medo de parecer uma HQ, beirando o cartunesco, mas em um bom sentido. De maneira autoconsciente, tem elementos visuais "bregas" e trash, propositalmente bizarros, afim de manter a fidelidade com o lúdico das HQ's. Assim, parece um filme classe B, mas com orçamento classe A. E isto é bacana, pois a DC abraça a causa de um de seus heróis mais "zuados" sem medo de ser feliz. Pode não agradar a todos, mas dá certo dentro deste universo mitológico. Falando em mitologia, Wan utiliza várias lendas e simbologias dos sete mares, inclusive para fazer referência ao terror que ele tanto ama. Há toda uma sequência envolvendo criaturas do fosso que é digna de um filme de terror, com cenas em preto e vermelho que mais lembram uma pintura artística, fazendo até mesmo referência ao mestre do gótico H. P. Lovecraft.
Com sequências que lembram aventuras arqueológicas (estilo 'A Múmia' e 'Indiana Jones'), batalhas submarinas insanas e épicas, muita diversão descontraída e excelente trilha sonora (algo que a DC comumente faz melhor que a Marvel), 'Aquaman' é um ótimo blockbuster para passar o tempo. Embora Jason Momoa não seja um excelente ator dramático, seu jeito "brucutu de bom coração" encaixa bem neste tipo de papel, ele abraça a causa e entrega um herói de respeito. Depois deste filme, quero ver chamarem ele de "carinha que fala com os golfinhos". Mesmo que prejudicado por excessos e roteiro, o filme é salvo pelo incrível visual, ação desenfreada, momentos épicos e mais uma boa direção de James Wan. Ao menos o filme tem vida e identidade própria, entregando um longa muito divertido e uma esperança para a DC. Que ela continue fazendo seu próprio caminho, entregando sua própria pegada.
Neste bonito filme, o garoto Christopher Robin cresce, é pai de família, tem seu chato emprego e esqueceu-se da magia da vida, deixando Ursinho Pooh e sua turma no imaginário do passado. E quando tudo se complica, há o tal reencontro entre Christopher Robin e os seus amigos de infância, bagunçando ainda mais a vida. Lúdico e bonito visualmente, o filme é mais direcionado a adultos do que crianças, pois tem um tom mais sério e uma mensagem que cutuca diretamente os mais velhos. Quando você se tornou adulto, o que o fez perder a alegria, o colorido e a imaginação? Vale a pena deixar a família de lado pelo emprego, pelo dinheiro e os problemas da rotina? Nada tem relação com maturidade, mas como enxergamos a vida. Pooh e os demais bichos são incrivelmente criados em um CGI realista, mas note o detalhe: não parecem animais de verdade, mas bichinhos de pelúcia de verdade, inclusive na textura do pelo, brilho opaco dos olhos, etc. Com momentos divertidos e outros emocionantes, é um filme que merecia mais reconhecimento no ano que passou. Tanto o ator Ewan McGregor quanto o diretor Marc Forster mandam bem e comprovam sua versatilidade para diferentes tipos de papéis e filmes. Recomendo a todos, especialmente as "crianças grandinhas", muitos precisam redescobrir as coisas simples e imaginativas que trazem alegria.
Um retrato íntimo e sensível, Alfonso Cuarón faz uma viagem de volta as origens no México, em um retrato do passado, lindamente fotografado em preto e branco, plano-sequências de tirar o fôlego, em um dos melhores filmes do ano.
Alfonso Cuarón, que ganhou o mundo com as ficções científicas cult 'Filhos da Esperança' e 'Gravidade' (que lhe rendeu Oscar de Melhor Diretor), retorna de maneira mais sutil e simplista, retratando o cotidiano de uma empregada e a família na qual trabalha, no bairro Roma, na capital Cidade do México. Espécie de túnel do tempo, pontuando lembranças marcantes na vida da protagonista, o filme te leva em uma viagem sensorial, te proporcionando experimentar emoções humanas, mundanas e comuns, mas poderosas na pele da protagonista. Considerado por muitos o melhor filme de 2018, só não o coloco neste patamar devido a uns pequenos probleminhas: falta uma melhor construção das personagens coadjuvantes por parte do roteiro, há uma cena expositiva no início do filme que não acrescenta nada a trama, e o longa de 2 horas e 15 minutos poderia ser um pouquinho mais curto, com 2 horas redondas poderia-se ser mais enxuto, especialmente no início do filme. Mas isto são detalhes que nada impedem de apreciar a beleza do filme, especialmente na metade final, na qual somos pegos por algumas das mais belas cenas do ano.
Nos 40 minutos finais, temos 3 sequências de tirar o fôlego. A sequência da repressão policial e do governo contra a passeata do povo refere-se a momentos reais da história do México, pois poucos sabem que existe lá um histórico de muitas mortes e desaparecimentos, principalmente jovens, quando estes manifestam-se contra o governo, um fato que todos tememos que se repita em outros países, como Brasil. A cena do parto é um plano-sequência cru e sem cortes, sufocante, de dar um nó no estômago e de desmontar os mais fracos. A cena final da praia, além de igualmente tensa, também é belíssima, poética e funciona como um forte e caloroso abraço: nos sentimos abraçados e sentimos como se nós estivéssemos abraçando a nossa forte protagonista. O roteiro ainda aborda o choque de classes sociais, o amor que empregadas e babás tem pelos filhos dos chefes, consegue-se dar beleza a coisas do cotidiano, como limpar o pátio. O filme é repleto de cenas extremamentes simples e sutis, mas que dizem muito, como na cena da chuva de granizo, onde o cãozinho se esconde do temporal, enquanto as crianças brincam com o gelo. São coisas "bobas", simples, mas lindamente filmadas, repletas de simbolismos, explorando a amargura e principalmente, a beleza da vida.
A fotografia é estonteante, mesmo sem cores, é tão linda que conseguimos sentir o realismo e o calor das ocasiões. O filme é uma obra de arte visual, daquelas que poucas vezes vemos. Alfonso Cuarón usa e abusa de sequências longas e sem cortes, ângulos de câmera inspirados e um brilhantismo único ao contar esta jornada. Em uma Era Trump, onde busca-se distanciar estrangeiros mexicanos, mesmo que os mesmos estejam fazendo muita coisa acontecer dentro e fora dos EUA, 'Roma' é uma carta de amor ao México, um presente para seu povo humilde e sofrido, uma obra tocante que através da Netflix, está a disposição de todos que aventuram-se nas lembranças das coisas simples e belas da vida.
'Casablanca' é um dos maiores clássicos americanos já filmados. Em plena 2° Guerra Mundial, a cidade de Casablanca, no Marrocos, é palco de encontros e desencontros entre Rick (Humphrey Bogart) e Ilsa (Ingrid Bergman), que estão fugindo dos nazistas pelo Oriente. É uma obra atemporal, com diálogos longos e romatizados, uma química irrestível entre Bogart e Bergman, uma fotografia em preto e branco linda, cenografia elegante, figurino caprichado e trilha sonora marcante. Um dos expoentes do cinema noir, cheio de cenas climáticas, traz bom desempenho do elenco, especialmente Ingrid Bergman, maravilhosa atriz do cinema clássico. Vencedor de 3 Oscar (Filme, Diretor e Roteiro Adaptado), contém algumas das cenas mais icônicas e copiadas da história, como as famosas cenas de beijo entre o casal protagonista, consideradas as mais longas e apaixonadas até aquela época, fato que marcou uma geração inteira de apaixonados pela sétima arte. Até hoje, o filme segue como referência e inspiração a vários outros, uma fonte inesgotável para romances dramáticos.
-"We'll always have Paris." ("Nós sempre teremos Paris")
Poderoso em conceito e em execução, um dos melhores filmes do ano, disseca as tramas do preconceito, com cenas e diálogos que são um soco na mente.
Ao lado de 'Infiltrado na Klan', 'O Ódio que Você Semeia' torna-se um filme obrigatório. Os dois formam uma espécie de dobradinha, que deveria ser passada em escolas, instituições e empresas. Aqui nesta trama, Starr é uma jovem que mora no gueto, mas que graças aos esforços dos pais, estuda em uma escola de privilegiados brancos. Ela namora um rapaz branco e ambos sofrem preconceitos. Alguns a tratam exageradamente bem ou como coitada, outros acham que ele está com ela por pena ou para ser descolado e não parecer racista. Mas isso é só a ponta do iceberg. Quando o melhor amigo e primeiro amor de Starr, um menino negro, é morto por um policial branco, ela enfrentará uma jornada de autodescoberta, tornando-se uma voz contra as barreiras e injustiças sociais. Mas tudo é muito emaranhado de tal forma que todos contribuem para a proliferação do ódio. A "amiga" que defende o policial pois ele estava a serviço, os traficantes do gueto, a mãe superprotetora que não quer a filha protestando. É aí que o roteiro se aprofunda naquilo que prolonga os preconceitos no cotidiano. Que deixar de clamar por justiça é deixar sua voz ser calada. E como o pai diz, não deixe ninguém lhe calar. São 2 horas e 10 minutos onde cada cena é pensada afim de provocar, não há uma cena sequer que seja banal. Da primeira tomada, com o pai ensinando os filhos a como se portar se forem parados por um policial branco, até os instantes finais, são golpes na mente, que provocam diversas reações, que buscam concientizar que não é vitimismo e polemização, mas é a realidade e que quanto mais for abafada, mais opressora será para pessoas que sofrem determinada rotulação. O ódio que você semeia marca as crianças, e crianças com sementes de ódio "ferram" com todos nós. Direção segura, belas atuações e competente na dissertação do assunto, filmaço que todos deveriam assistir. Mas infelizmente, por tratar de assuntos que tiram da zona de conforto, a maioria vai apenas ignorar, como já andam fazendo no dia-a-dia.
Este tocante filme de 1990 baseado em fatos reais, traz Robin Williams como um neurologista que decide experimentar uma medicação em pacientes catatônicos que sofrem de encefalite letárgica. Além disso, ao contrário de seus colegas de trabalho, ele trata os pacientes com dignidade, indiferente da situação do mesmo, pois acredita que eles tem noção de tudo o que acontece. O primeiro paciente a receber o tratamento é o personagem de Robert De Niro, que começa a responder a medicação e a "despertar". O filme é brilhante de várias maneiras. Primeiro, a atuação de De Niro é fantástica, ele encara um papel difícil, de alguém doente cheio de "tics" e limitações, mas faz isso sem exagerar ou ficar caricato. Não atoa, concorreu ao Oscar de Melhor Ator. Robin Williams não fica atrás, e como ele faz falta no cinema! Seus personagens sempre humildes, humanos e sensíveis. É difícil não se emocionar com os dois em cena. Mas a maior força do filme é a mensagem ambígua que o roteiro traz. Embora a medicação faça efeito em pacientes que ficaram décadas em um estado de sono, quem aprende a lição é quem nunca teve este tipo de problema. Pois enquanto descobre-se que os pacientes sempre estiveram cientes de tudo ao seu redor, agora com o tratamento, eles conseguem fazer aquilo que querem e viver de verdade. Isto é o oposto das pessoas que tem saúde, mas não vivem como querem ou deveriam, pois estão dormentes nos seus empregos, dinheiro, compras, problemas, burocracias e divisões sociais. Vemos isso no contraste dos protagonistas: enquanto que De Niro desperta da doença vivendo tudo o que pode de maneira verdadeiramente feliz, Robin Williams desperta do seu comodismo mental, percebendo o quanto é solitário e desperdiça a vida, independente da boa saúde. Com um final melancólico que dói saber que isso aconteceu na vida real, 'Tempo de Despertar' traz uma mensagem poderosa sobre acordar para a vida. A vida de verdade, dando valor as coisas mais simples e deixando de lado todas as bobagens da sociedade moderna. Termino aqui com uma frase do filme:
- Leia o jornal. O que diz? Só coisa ruim. Está tudo ruim. As pessoas esqueceram o sentido da vida. Esqueceram o que é estar vivo. Elas precisam ser lembradas. Elas precisam ser lembradas o que elas tem e o que podem perder. O que eu sinto é alegria em viver, o presente da vida, a liberdade da vida, o encantamento da vida.
Filme argentino interessante, com umas ideias diferentes. Bacana este título fazer uma brincadeira com Lúcifer e a tuba uterina da mulher (que aparece simbolizado diversas vezes), uma vez que no seu metafórico e psicológico contexto, o roteiro aborda a represssão e liberdade sexual, a gravidez e seus afins. Pena que pelo que vejo nos comentários, a maioria aqui não entendeu ou aderiu a ideia. Filme está sendo bem recebido pela crítica ai pelo mundo.
Chernobyl
4.7 1,4K Assista AgoraAh HBO, assim tu destrói com a gente. 'Chernobyl' é a grande série do ano até então, forte, chocante, deprimente, marcante, humana, realista. Com 5 episódios de uma hora e numa narrativa que mais parece um filme de 5 horas de duração, a grandiosa obra não sairá da sua cabeça.
Primeiro, dois pequenos defeitinhos que apontarei. Primeiro, a série ainda cai numas muletas narrativas típicas de obras cujos arcos são baseados em fatos reais. A estrutura do roteiro já foi vista em outras obras, com momentos metódicos ao narrar os fatos. Segundo, por ser uma série americana, ela tem tal visão dos fatos, que por vezes pode "culpar" em demasiado o socialismo, aquela coisa dos filmes do 007 de sempre vilanizar os russos, sabe? É importante lembrar que o que causou toda tragédia foram negligências que não cabem somente no socialismo ou comunismo, mas também no capitalismo e qualquer outra política, pois ambição e ego inflado é algo que cabe ao homem de modo geral, Brasil e Brumadinho que o digam, além de outras tragédias que ocorrem por descaso com segurança do trabalho, ambiental, etc. Dito isto, vamos aos elogios.
A série é bem dirigida e atuada. A composição das cenas, figurinos e recriação da época, a fotografia e paleta de cores que agregam ao clima cinzeto da tragédia, tudo é perfeitamente detalhado. O roteiro, apesar de às vezes burocrático, consegue explicar sem demagogias algumas questões técnicas sobre a explosão do reator, a radiação emitida, questões nucleares e o principal foco: os efeitos que tal radiação terão nas pessoas e no meio ambiente. Assim, ao focar no resultado da tragédia, no fator humano, a série choca e acerta ao mesmo tempo. Dói o coração vermos todo sofrimento causado. Pessoas se desintegrando de dentro pra fora, famílias se dizimando, bebês ainda no ventre sugando a radiação de suas mães, animais morrendo aos montes, aves caindo e gerações de seres vivos contaminados para sempre. A série consegue trazer todo alcance da tragédia, deste os técnicos que trabalhavam lá até o fazendeiro mais humilde da região e seus animais. E o trabalho de contenção que vem após a explosão é tão assustador e massacrante quanto a própria. Ter que sacrificar diversos trabalhadores voluntários ou pressionados numa missão suicida para estancar a emissão de detritos, ter que abater todos animais ainda vivos, ter que trabalhar na região sabendo que tal ato acarretará em um futuro câncer, é tudo extremamente aterrador. Nisso tudo, os episódios 3 e 4 são dilaceradores.
Eu costumo dizer que não há nada mais assustador do que a realidade e 'Chernobyl' é o lembrete disso. Toda vez que alguém precisa fazer algo simples como girar uma maçaneta, ou tirar pedras do caminho, se cria tensão, com uma trilha sonora angustiante, pois sabe-se qua a cada contato com materiais radioativos, é um atestado de morte. E o clima pesado, aliado à trilha sonora, consegue criar esta atmosfera de medo, mesmo que com coisas simples. A obra ainda faz questão de retratar e homenagear as centenas de vítimas da tragédia, muitas destas voluntárias e outras obrigadas pelas autoridades para controlar o desastre. Heróis da vida real, cuja maioria morreu de câncer posteriormente. Nesse quesito, apesar das questões ideológicas que eu comentei no início do texto, o roteiro acaba se redimindo ao honrar as pessoas que enfrentaram essa situação.
Marcante do início ao fim, esta obra de arte nos lembra que quando o ego do ser humano e sua sede de poder e lucro, a sede por armas, energia nuclear e a manipulação da natureza falam mais alto, quem mais sofre são as pessoas simples, a própria natureza e aqueles que são bem intencionados de verdade.
A Rebelião
2.6 126 Assista AgoraUm excelente, mas excelente potencial, desperdiçado em um filme confuso. Já começa pelo título no Brasil, bastante genérico, já que o original 'Captive State' faz mais sentido. Com um ótimo elenco um tanto desperdiçado, onde vale salientar que o grande John Goodman e o protagonista Ashton Sanders entregam bons desempenhos, o filme parece perdido. Na trama, após um colapso mundial, alienígenas que invadem a Terra conseguem trazer uma "política de paz" com os humanos. É claro que não há paz, apenas mais barreiras sociais. E é claro que haverão conflitos entre os que apoiam a nova política autoritária e aqueles que resistem e lutam contra a mesma.
O filme é uma clara metáfora da resistência, da luta contra essas políticas falsamente bem intencionadas que surgiram por aí (Brasil!) e que no fundo só fazem bem pro seu próprio lado. O roteiro tentar abordar isso de forma séria, complexa e abrasiva e até é interessante. O problema é que é um filme que falta algo. Não há desenvolvimento crítico profundo para ser algo mais complexo. E não há ação ou efeitos especiais suficientes para ser algo mais puxado pro entretenimento. Então o filme não chega a divertir de forma boba como a maioria dos filmes de ação fazem, se levando a sério, mas também sem explorar os limites da seriedade a que propõe, o que é uma pena.
Há um certo valor narrativo, mas que contenta-se com um final inacabado. Perde-se a chance de se fazer algo fora da caixinha. Poderia não haver alienígena nenhum e ser tudo manipulação governamental. Ou poderia-se aprofundar mais na guerra contra o poder. Mas fica tudo no mesmo lugar, dando voltas em alguns discursos que pouco avançam na obra, uma pena. Há elementos interessantes, existe um teor realista em como funcionam as políticas "amigas' que enganam o povo pra parecer tudo bem, enquanto que na verdade a casa está caindo. Mas foi pouco explorado. Quem sabe com o tempo a obra possa ser melhor avaliada.
Vingadores: Ultimato
4.3 2,6K Assista AgoraFilme: 'Vingadores: Ultimato' (2019, de Anthony e Joe Russo)
Breves comentários SEM SPOILERS. Futuramente farei comentários com spoilers. Mas quem já viu e quiser falar spoilers no privado, é só chamar. Só não comenta aqui em respeito a quem não viu.
Não é perfeito. Mas falar de perfeição torna-se um paradoxo cinematográfico. Filmes de super-heróis são mainstream, são para consumo rápido, com objetivo de atingir o maior público possível e vender produtos para fãs. Isso afasta aqueles que gostam de obras maduras e cult por exemplo. Não se engane, se você não gosta de fantasia e heróis, não gostará desse aqui. Na verdade já deve estar saturado de tantos comentários sobre os Vingadores. Mas se você acompanha essa saga ao longo dos seus 11 anos e 22 filmes, se você acompanha o cinema moderno e a sua principal fonte de renda (blockbusters de heróis) e se você gostou do que viu até aqui, este é seu filme.
Há problemas de excesso de piadas, pequenos furos e lacunas no roteiro, clichês, melodramas, excesso de CGI, dentre outras coisas. Mas isso são coisas mínimas distribuídas nas 3 horas de duração, onde os acertos compensam. O Ultimato é o encontro de todos universos e destinos até aqui. É fan service puro, escapismo escancarado, que abraça o impossível e não tem medo de ser feliz, nerd e maluco.
Há um certo amadurecimento na forma de se apresentar o misticismo dos heróis. Esse filme aparece como uma metáfora e sintetiza toda essa era moderna com dezenas de filmes baseados em quadrinhos. Aqui a Marvel se ajoelha diante de si mesma e cria a referência da referência. Assume-se de vez as possibilidades infinitas dos quadrinhos, mas ainda tentando homenagear quem acompanha a simplicidade do que é ser um herói, isso desde o primeiro 'Homem de Ferro'. Começaram de maneira mais realista, foram fincando os pés na fantasia e criaram assim sua saga do Infinito.
Há no filme belos momentos, alguns inesperadamente tocantes. Robert Downey Jr e seu Homem de Ferro entrega uma sólida atuação, até mesmo maior do que se exigia. Jeremy Renner e seu Gavião Arqueiro, Chris Evans como Capitão América e Scarlett Johansson como Viúva Negra também entregam belas passagens. Até Paul Rudd como o Homem-Formiga tem momentos emotivos, por mais engraçado que ele seja. Ah, Rocket é o melhor, sou fã daquele guaxinim rsrs. O elenco é grandioso, talvez um dos maiores já montados até aqui.
O início lento é necessário pra dar peso. É o tudo ou nada. A ação demora, mas engata. O final é épico e empolga qualquer um que goste de super-heróis. É um sonho nerd realizado e concretizado. E quem conseguir se envolver com esse universo, se dará ao luxo de se emocionar. Prepare-se para alguns nós na garganta.
Filmes de heróis são bobos. Nunca será diferente. E tudo bem, não existe problemas nisso. 'Vingadores: Ultimato' não será eleito o melhor filme do ano pela crítica e pelos cinéfilos exigentes. Tampouco é esta a intenção. Não será o melhor, mas será o filme do ano. Em bilheteria, em comoção pública, em momentos épicos, em debates, em novas portas que se abrem e outras que se fecham nesse universo. Vejo alguns irritados com tamanha comoção. Mas foram 11 anos cativando o público, levando milhões de pessoas por essas jornadas, fazendo a gente esquecer dos problemas diários e viajando por novos mundos. 11 anos de construção da magia e encanto. Tal sucesso torna-se inevitável. Tal sucesso torna-se merecido.
É mais que um filme. Assim como 'Avatar' ou 'Titanic', é um evento onde o mundo parará pra assistir. Mas aqui tem essa diferença de se ter construído isso e ter se cativado todo esse público. E hoje ao ver no cinema cerca de 400 pessoas rindo e chorando juntas, batendo palmas, empolgadas e desesperadas, no banheiro haviam rapazes que não se conheciam conversando e criando laços pelo filme, ver dezenas de pessoas com camisetas nerds sem se sentir ridículas, ver tudo isso confirma o motivo de toda esta comoção. É o poder que um filme popular tem. Estamos em um mundo destruído por diversos Thanos, então ver um único filme de fantasia unir e fazer pessoas tão distintas viajarem juntas, isso tem o seu valor. Pode não ser a arte na forma mais complexa, mas é a fuga do nosso cotidiano na forma mais sincera. E por tudo isso, meus parabéns Marvel. Podem vir mais 10 anos e 20 filmes. Que venham mais filmes de todos os tipos pra todas pessoas e que eles possam fazer isso em pequenas ou grandes escalas: somar a todos nós.
NOTA: 9
Vidro
3.5 1,3K Assista AgoraO diretor M. Night Shyamalan ('O Sexto Sentido') entrega com 'Vidro' o capítulo final de sua trilogia de suspense, que começou com o ótimo 'Corpo Fechado' e surpreendeu ao continuar no bom 'Fragmentado'. Porém, em 'Vidro', temos um desfecho que por vezes é interessante, mas por outro lado decepciona um pouco. Não é um filme ruim ou horrível. Há muito o que se aproveitar nessa saga do Shyamalan. Se pensarmos nos três filmes, temos um estudo psicológico, filosófico e desconstruído dos heróis, vilões e poderes. Com um viés mais realista, as fantasias das HQ's são desconstruídas por um lado mais sombrio e misterioso. Muito mais do que glamouroso, uma habilidade especial pode ser assustadora. E é isso que o cineasta fez com essa saga, dissertando em cima do imaginário que hoje permeia forte o cinema: os super-heróis.
Em 'Vidro' é interessante a forma que o diretor leva a trama. Em vez de um caminho mais grandioso, ele toma o rumo oposto e entrega um filme pequeno, intimista, sutil. O problema é que às vezes é quase chato. É salvo pelo bom elenco em cena, especialmente Samuel L. Jackson, James McAvoy e Sarah Paulson, todos os 3 brilhando em cena. Já Bruce Willis está estranhamente apagado diante o restante. E Anya Taylor-Joy, apesar de sempre competente, pouco acrescenta no longa. O visual é bem simples e limpo, mas competente. Há um jogo de cores e luzes conforme a personalidade do personagem que está em cena, o que é bem legal. A reviravolta típica dos filmes do diretor é ok dentro da trama, mas nada que surpreenda de fato. No fim, 'Vidro' é um filme ok, merece ser conferido pra fechar a trilogia e deixa uma interessante reflexão diante o fascínio atual pelos super-heróis. Mas por tomar um caminho mais contido, perdeu a chance de ser o confronto épico desejado. Preferiu ser um ensaio e uma metáfora aos heróis, vilões e poderes, do que ser um filme sobre isso mais propriamente dito.
O Homem Que Matou Hitler e o Pé Grande
2.6 36 Assista AgoraO nome da obra vende a ideia de um trash daqueles, o que poderia render um filme divertido. Mas na verdade é um drama com trechos históricos e de caráter pseudo-conspiratório, onde na verdade a fantasia serve de pano de fundo para uma história sobre envelhecimento. Sam Elliott, que concorreu ao Oscar de Ator Coadjuvante pelo ótimo 'Nasce Uma Estrela', interpreta um veterano de guerra, cujos dias são envoltos de lembranças e nostalgia, em uma vida já cansada. Até que o governo o chama para conter um misterioso ser (um Pé-Grande?). Então ele começa a se lembrar dos tempos de guerra e de sua difícil missão, matar o próprio Hitler. Apesar de misturar duas teorias da conspiração ao mesmo tempo, o filme surge como uma espécie de metáfora sobre a velhice, olhar pra trás e se arrepender de não ter feito coisas, de não ter aproveitado a vida. Agora, será que ele realmente realizou isso tudo? Ou são devaneios?
O filme é prejudicado pelo orçamento baixo e um ritmo um tanto lento. Até os confrontos são mais lentos. Há uma interessante direção de arte de época, um dos poucos recursos visuais do longa. A direção e o roteiro parecem não saber bem que rumo tomar: será um drama, um suspense conspiratório ou uma fantasia trash? Então parece que se tivessem tomado um rumo mais cômico e dinâmico, teríamos uma grande obra. Mas contentam-se com pouco, o que tira a força sarcástica da trama. Mas a atuação de Sam Elliott carrega o filme nas costas. Seus trejeitos, tom de voz, a dinâmica com todos em cena, até o seu velho cachorro, tudo passa algo verossímel, que salva o filme de ser mais fraco. Brevemente divertido, com um bom protagonista e uma interessante crônica à velhice, é um filme mais curioso pela trama do que pela execução, mas que merece ser conferido sem preconceitos.
Nós
3.8 2,3K Assista Agora*Comentário com SPOILERS, se não viu o filme, não leia!
Outro dia falei do filme sem spoilers e disse que voltaria pra falar dele com spoilers e alguns aprofundamentos e simbolismos, bem vamos lá.
'Nós' traz diversos simbolismos, metáforas e referências, a maioria bem sutis e deve-se estar bem atento à detalhes, além de estar por dentro de parte da história social dos Estados Unidos. Aliás, 'Nós' pode ser considerado um quebra-cabeça social. Começando pelo nome original 'Us', que traduzindo seria o 'Nós', mas que também serve para a sigla United States, pois na trama, temos uma alusão e uma crítica ao estilo de vida das famílias americanas, além de questões sociais bem pertinentes. Uma dessas questões vem na forma das sombras, ou os acorrentados. Eles facilmente podem ser as minorias menosprezadas, mau tratadas e deixadas à deriva pelo governo e pela sociedade classe média/alta (alô Brasil). O fato das sombras atacarem faz um paralelo à violência que algumas minorias acabam recorrendo. Mas estes também podem ser encarados como os instintos adormecidos nas pessoas, que vez por outra afloram de forma destrutiva.
As luvas lembram as que os membros dos grupos Panteras Negras usavam, um partido socialista americano que lutava a favor dos negros, principalmente para combater a violência dos policiais brancos. As tesouras trazem um sentido de duplicação: duas partes iguais em um mesmo objeto. Assim como as aranhas que a protagonista enxerga no início do filme. Na psicologia e na literatura as aranhas representam duplicação. Isso eu percebi já de cara graças ao filme 'O Homem Duplicado', baseado no livro de José Saramago, onde o protagonista enxerga aranhas gigantes e sofre da síndrome da duplicação. Todos esses elementos acabam justificando a reviravolta do filme, de que a protagonista já era a "sombra", o duplicado, e não a "original" que havia ficado acorrentada nos túneis, quando elas se encontraram na infância. O medo da protagonista então não é de ter uma cópia, mas da original voltar e a desmascarar, por isso que de todas as cópias, somente a dela falava, pois era a original. Mas o fato da cópia dela falar indica que sim, as sombras poderiam então se adaptar ao nosso mundo. Tudo foi resultado de um experimento de cunho governamental e místico (religioso talvez? não se sabe). Os coelhos, além de alimento pras sombras, representam reinícios e fertilidade, explicando assim a necessidade das sombras de se libertarem das correntes e irem pra superfície, matando os originais no mundo todo e recomeçando a sociedade. Uma metáfora aos oprimidos quererem ter sua voz ouvida e recomeçarem suas vidas de igual para igual com os privilegiados. Há ainda diversas referências e easter eggs com o próprio cinema de horror, como 'Tubarão', 'Corra!' (filme anterior do diretor), 'Corrente do Mal' e outros, assim como uma homenagem aos home invasion, filmes onde assassinos invadem e atacam uma família ('Os Estranhos', 'Você é o Próximo').
A corrente de mãos dadas é uma referência a um movimento social que não deu certo (1° cena do filme, a menina assiste na TV), outra crítica a como nós falhamos como sociedade em sermos igualitários. Há muito mais a se dicutir, como duras cutucadas na era presidencial de Trump, à hipocrisias da sociedade, os excessos da polícia contra os negros (note a música fuck the police tocando em momentos chave), assim como a família de amigos brancos dos protagonistas são representações estereotipadas de famílias problemáticas (ele é um playboy malandro, ela superficial, as filhas são mimadas). No fim, 'Nós' é sobre nós, nossos problemas, nosso lado obscuro, a luta social que cada um trava e nosso fracasso coletivo como humanidade.
E você que assistiu, o que mais notou na obra?
Família Soprano (6ª Temporada)
4.7 308 Assista AgoraAfiada, implacável e praticamente perfeita, uma das melhores séries de todos os tempos.
Criada por David Chase e produzida pela HBO, 'The Sopranos' (também chamada 'A Família Soprano' no Brasil) teve 6 temporadas e mudou o formato da TV americana e mundial. Seu sucesso impulsionu outras grandes obras, espécies de "filhos", onde destaca-se a também grandiosa 'Breaking Bad'. Com 'Sopranos', passamos a acompanhar a trajetória de uma família italiana mafiosa, figuras sombrias, perversas, defeituosas, mas ironicamente falhas, humanas e cheias de camadas e complexidade. De início é difícil se acostumar a acompanhar a jornada dos "vilões" e todos os horrores que cometem, cujos caminhos levam à traições, mortes e os mais variados crimes. Mas o roteiro, engenhosamente faz-nos apegar aos personagens, porém sem deixar de lembrar que não estamos diante mocinhos, mas de criminosos e que cedo ou tarde, haverão consequências.
Para não parecer que defende-se o crime, o racismo e o egocentrismo, o time de roteiristas criam uma trama ácida, sarcástica, com momentos tragicômicos, mas nos lembrando constantemente que ter tal proceder é podridão pura. Mas as atuações e a construção complexa dos personagens e suas narrativas nos força a querer continuar vendo onde isso irá parar. O elenco é formidável, de fazer inveja a muito filme. James Gandolfini encabeça o protagonista Tony Soprano, o líder da família. Nós temos uma relação de amor e ódio com ele, tamanha sua grandioidade em cena. Com uma atuação magistral, ele encarna um temperamento explosivo, sempre à flor da pele, sempre nocivo, mas aparentemente sempre bem intencionado com aqueles a quem ama. A mesma mão que mata os inimigos (alguns inocentes), acalenta os amados (alguns odiáveis). Ele transborda sentimentos complexos: um mafioso sanguinário, mas que possui momentos de lucidez, onde tenta-se procurar a paz. Muitas das vezes ele se encontra em uma encruzilhada: está prestes a dar um novo rumo na vida, mas situações extremas o forçam a tomar suas medidas criminosas.
Os diálogos de Tony com sua psicóloga são geniais. Vão das origens da violência, à mais complexa filosofia, passando por teorias da conspiração, até fatos históricos ocorridos na época da série (11 de Setembro, Guerra do Iraque, etc). A psicóloga (muito bem interpretada por Lorraine Bracco) representa nós, o público, que "escuta" (assiste) a história de Tony. Mesmo que ela fique perplexa com toda barbárie, não consegue parar de tratar ele e saber mais deste submundo, fazendo um paralelo com nós assistindo a série.
'Sopranos' dispensa sensacionalismo, grandes reviravoltas e outros artifícios. Apesar de uma construção lenta, tudo é natural, como se fosse o cotidiano. Acredite: cada personagem, diálogo e acontecimento levará à um lugar, nem que demore algumas temporadas. Tudo faz sentido, tudo fecha um ciclo e uma trama impecável. E mesmo que sem forçações, existem sim acontecimentos de cair o queixo, mas sempre bem dosados e crus, como a vida é. Há muito, mas muito o que se discutir em 'Sopranos', daria aqui um post muito maior do que este ficará. Existe muita ironia em ver que criminosos também tem seus desafios cotidianos, como lutar contra uma doença ou passar por uma crise existencialista. A propósito, a série debate todos assuntos sociais possíveis que se possa imaginar. Mas há 3 destaques: as metáforas entre a vida e a morte, a depressão como pano de fundo de vários acontecimentos extremos e uma dura crítica à família tradicional. Sobre este último, note que temos aqui uma família branca, rica, de influência, conservadora e respeitada. Máscaras e mais máscaras. Aos poucos tudo se desconstrói em um emaranhado de podridão e como tudo é superficial, negativo e frágil. É genial, por exemplo, como os mafiosos italianos são machistas, homofóbicos, racistas, religiosos e defensores dos bons costumes, mas essa "defesa" é violenta a ponto de tirar vidas, tornado-os hipócritas o tempo todo. Assim se faz uma dura crítica a como a América como um todo (EUA, Brasil, etc) é hipócrita, defensora de bons costumes, mas sanguinária e perversa, a como tudo pode desmoronar graças essas redomas de vidro sociais, redomas arranhadas e prestes a quebrar.
Um colosso, uma obra-prima, com um final poético e reflexivo, 'The Sopranos' foi uma jornada e tanto nos últimos meses, entrou fácil como uma das melhores séries que já vi em todos os tempos, bastante atual, muito bem dirigida, roteirizada e atuada, um marco para ser revisto e contemplado, parase levar pra vida. Obrigado HBO, agora irei pra mais uma lendária série da produtora, 'The Wire' ('A Escuta').
NOTA: 10
Dumbo
3.4 611 Assista AgoraÉ complexo criticar filmes que apelam para a emoção se utilizando de animais, ainda mais se você é sensível à esta temática. 'Dumbo' é um filme que traz alguns clichês, reconta a mesma história da clássica animação Disney dos anos 40, porém com uns acréscimos de personagens e dramas humanos. É nesta parte humana que o filme não é tão bom, pois temos pouco interesse pelos humanos, quando queremos mesmo é ver o elefantinho orelhudo. Mas quando Tim Burton traz a magia e encanto com o Dumbo em cena, o filme cresce muito e é encantador. O CGI usado na criação do bichinho é surreal de tão bom, parece de fato um ser vivo em cena. Ele tem mais expressões faciais do que o elenco humano. As cenas em que ele esboça tristeza, medo, espanto, são tão críveis e sensíveis que é difícil não se emocionar.
O grandioso elenco está ok, não fazem nada muito extraordinário, mas estão para dar suporte ao Dumbo. Colin Farrel está ok, Danny DeVito é uma grata surpresa e apesar de Michael Keaton estar caricato e exagerado como o vilão, é bacana ver Keaton e DeVito novamente em um filme do Tim Burton (eles foram o Batman e o Pinguim nos anos 90, respectivamente). Ah, e é sempre bom ver Eva Green, mesmo que não tanto utilizada. A fotografia, o figurino, a maquiagem e a direção de arte são lindas, capturam o espírito circense e juntos aos bons efeitos de computação, tornam este um dos filmes mais belos de se olhar nesse início de ano. E é muito bom ver Tim Burton, depois de uns anos de trabalhos mais fracos, trazendo um filme mais bacana e que aquece o coração. Me lembrou aquele ótimo 'Peixe Grande e suas Histórias Maravihosas', um Tim Burton mais otimista e acolhedor.
Mas o importante mesmo é Dumbo e sua mensagem. São duas as lições: a primeira refere-se ao combate à violência e maus tratos com os animais, inclusive em circos e outros trabalhos; e a outra lição seria aquela história de você se sentir o "patinho feio". Em tempos intolerantes, é importante mostrar que ser diferente é normal e bonito, que cada um carrega sua beleza e que aquilo que os outros ridicularizam, pode ser seu dom especial. Bonito e emocionante, é um dos melhores live-actions da Disney. Levem seus pequenos pra assisitr, eles irão amar e você ainda poderá ensinar algumas coisas a eles. E pra finalizar, o vôo de Dumbo é libertador e simbólico, é a quebra das correntes que os outros querem impor pra cima de você!
Nós
3.8 2,3K Assista AgoraÉ complexo falar de 'Nós' sem soltar spoilers, é um daqueles filmes que é um "spoiler ambulante". Mas resumidamente, é o melhor filme do ano que assisti até então. O diretor Jordan Peele, que ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Original com o excelente 'Corra!', além das indicações de Diretor, Filme e outras, entrega aqui mais outro filme imponente. Se em 'Corra!' tínhamos um suspense mais crescente e sutil, com uma estrutura aparentemente simples, mas uma excelente construção da crítica racial que se fazia, aqui em 'Nós', temos um terror mais propriamente dito, com uma ideia muito mais complexa, cheia de camadas e lotada de críticas sociais, raciais, teorias da conspiração e simbolismos metafóricos e metalinguísticos.
Essa complexidade, além dos inúmeros plot twists (alguns um pouquinho previsíveis, mas vários muito bem elaborados), são coisas que podem afastar alguns. Algumas coisas aparentemente abstratas podem confundir o expectador, sem falar que em dado momento o filme aparenta tentar ser inteligente demais. Mas sinceramente, gostei muito desta inteligência. O diretor Peele prova que conhece bem o gênero terror e não tem medo de brincar com o estilo, trazendo referências, mas desconstruindo características do mesmo, dando algumas guinadas interessantes. O título original 'Us' serve tanto para a tradução 'Nós', quanto para a sigla United States, numa clara crítica aos Estados Unidos e seus diversos problemas sociais. Mas vai além disso, trazendo os problemas mais íntimos de famílias e indivíduos, de formas bastante simbólicas. Eu costumo dizer que poucas coisas assustam tanto quanto a realidade. E o que o diretor faz com seus filmes é trazer uma fantasia que na verdade traça paralelos com a realidade.
A direção é boa, com algumas cenas onde o ponto de vista varia de acordo com o personagem e o cenário. O elenco é fenomenal. Lupita Nyong'o é destruidora, uma atuação monstruosa. A moça está crescendo e já pode ser considerada uma das grandes atrizes da atualidade. Sua performance dramática, corporal e vocal é incrível, de cair o queixo em dados momentos. Mas todo restante dos atores estão bem, especialmente Elisabeth Moss.
'Nós' é enigmático, levemente divertido, bastante cruel e um complexo quebra-cabeça social e moral. Você poderá amá-lo ou odiá-lo, mas ele irá de algum modo te contar alguma coisa, seja aquilo o que você absorver.
Não há nada pior do que nós mesmos.
O Menino que Descobriu o Vento
4.3 741O ator Chiwetel Ejiofor estreia na cadeira de diretor com esta emocionante história real, sobre um menino de uma pobre aldeia da África, que diante a face da seca, fome e morte, decidiu colocar seus conhecimentos em prática e construir um moinho de vento, para gerar energia elétrica e ligar a bomba de água da aldeia.
Apesar do baixo orçamento e de clichês típicos de cinebiografias na construção da narrativa, o filme te ganha pela força. Se você não se fragiliza com uma situação dessas, você não é humano, simples assim. E é impossível falar desta obra sem tocar em feridas sociais e políticas. Vamos pensar: o que impedia os vários adultos de construir moinhos e salvar vidas? O conhecimento? Até certo ponto sim, mas há muito por trás. O momento em que a trama se passa é conturbado. Temos a influência do tempo, ocasionando tanto enchentes como seca. Temos um fundo político onde o governo nada faz. Ao contrário, ainda faz-se racionamento de comida. Ajuda estrangeira não vem, ainda mais com a atenção dos Estados Unidos voltada para o Iraque logo após o 11 de Setembro (na verdade o interesse era o petróleo). A vila ainda possui um fervor religioso e tradicionalista que atrasa e impede que o conhecimento ganhe forma prática. O próprio pai do garoto é conservador e desacredita nos livros de ciência do filho, renegando a esperança do menino como simples "imaginação" ou utopia.
Sendo assim, 'O Menino que Descobriu o Vento' traz uma forte verdade que se estende por outros países, até mesmo nosso Brasil (com seu árido sertão). A política e o militarismo se lixam pra fome e sofrimento do povo, se escondendo atrás de armas, repressão e burocracia política. O povo fica cego diante costumes conservadores e religiosos, nada fazendo para solucionar o problema, esperando um milagre ou uma ação política. Tudo burocracias, tudo bobagens que matam. Pois política, armas, religiões, pré-conceitos e conservadorismos levam à ignorância. E um povo ignorante e cego mata e morre! Mas o conhecimento, os livros, a cultura, o amor ao próximo, isso colocado na prática, salva. Não estamos aqui sendo demagogos em teorias. Falamos da prática, do que torna o homem um ser vivo, humano com sentimentos e empático à dor alheia. Essa é aquela verdade incoveniente que renegamos no cotidiano, mas em que em um momento de verdadeira crise, faz toda diferença. O garoto do filme tem tudo que precisa: seus livros, sua educação, seu conhecimento. Então ele bate de frente com todo conservadorismo que for preciso, pois ele sabe que há vidas em risco, ele sente na pele a dor da perda, de ver um ser vivo ao seu lado morrer de fome descenessariamente, visto que a solução estava ali, na frente de todos, era só colocar em prática.
Emocionante do começo ao fim, tem uma cena que marcou e até agora não superei, quem já assistiu e quiser falar sobre no privado, à vontade. Um filmão atual e necessário, que rende algumas reflexões interessantes sobre a importância da educação, cultura, conhecimento, professores, livros e história, coisas cada vez mais negligenciadas por uma sociedade moderna cada vez mais hipócrita e cega, cegueira causada seja pela inútil política, seja pela comodidade dos indiferentes.
Vingadores: Ultimato
4.3 2,6K Assista AgoraEstamos sorteando pares de ingressos para Vingadores: Ultimato no Instagram e no Facebook oficiais do site Minha Visão do Cinema, acessem nossas redes e participem!
Vestígios do Dia
3.8 219 Assista AgoraCinema em Cena: 'Vestígios do Dia' (1993, de James Ivory)
Nosso quadro que analisa a composição das cenas de filmes vai falar hoje sobre este tocante drama britânico. Anthony Hopkins interpreta um perfeccionista mordomo, que lidera a criadagem da mansão de um aristocrata inglês, durante a Segunda Guerra Mundial. Anos depois, ao viajar de volta ao local, o personagem de Hopkins se vê diante lembranças que o marcaram para sempre. Com uma belíssima direção de arte e fotografia, aliadas à uma direção competente de James Ivory, sempre sutil e delicada, temos uma composição de mise en scène pontual e acolhedora. Somos imersos no acompanhamento da câmera pelos cômodos da mansão, o estilo voyeur no qual espiamos os bastidores da aristocracia, em contraste com o reprimido amor entre o mordomo e a governanta (Emma Thompson em brilhante atuação). Em determinados ângulos, como em uma das imagens do post, nós vigiamos os afazeres dos empregados e os tolos mistérios dos burgueses, através do ponto de vista de portas entre abertas, janelas e objetos. Assim como a mansão e tudo que a compõe, nós somos expectadores da passividade do casal, que fica recluso de acender seu amor diante o compromisso com sua profissão. Em plena guerra, onde políticos bebem e aproveitam sua burocrática vida fútil, vemos os trabalhadores e reais protagonistas, serem incapazes de tomar as rédeas da sua vida, cegados pelo falso senso de dever, como se isso fosse a coisa mais importante de outrora. Tal análise requer traçar um paralelo com nossos dias, onde infelizmente alguns insistem em renegar suas próprias escolhas, em prol de agradar ou ganhar um favor daqueles que se acham superiores ou privilegiados de alguma forma. E isso se aplica tanto no emprego, como na política, na família e em outras situações. Tal contenção exagerada de si próprio, renegando aquilo que você já quis pra si no passado, torna tudo muito agridoce, mas poético e iluminado. Negar aquilo a que você ama e tem desejo de se dedicar irá acarretar em arrependimentos, fatos estes que ficarão em vãs lembranças do passado, lembranças essas que soam como fagulhas no tempo, breves raios de luz de um pôr do sol, vestígios de uma luz que outrora já foram um dia. Vestígios de um dia, vestígios de uma vida e vestígios de uma escolha não tomada.
Capitã Marvel
3.7 1,9K Assista AgoraO filme segue o padrão da casa Marvel/Disney, uma superprodução escapista e divertida, que mostra a origem solo da heroína título. Existem pequeninos probleminhas na estrutura e edição do filme: uma "barriga" no meio que quebra um pouco do ritmo, um ou outro efeito de CGI que poderia ser melhor trabalhado, uma ou outra piada que não funciona tanto, pequeninas coisas que poderiam ser podadas na edição e montagem da fita. Exceto estes apontamentos, é uma superprodução divertida e com alguns belos momentos. Apesar do humor de sempre da Marvel, que serve para descarregar um pouco da tensão e adrenalina, ainda é um filme um pouco mais sóbrio.
Brie Larson não é o fiasco que se apontava. A atriz, que já possui um Oscar, entrega uma protagonista que a príncípio parece séria e apática demais, mas faz parte do roteiro trazer esta mulher mais contida e perdida, afim de logo após, trazer sua "liberdade", por assim dizer. Então, Larson entrega uma heroína de porte, que pode sim ganhar mais profundidade em futuros filmes, mas que aqui ao menos segura bem o manto, ao menos ao mostrar seus poderes e salvar o dia. Samuel L. Jackson está bem e hilário como Nick Fury, rejuvenescido digitalmente em excelentes efeitos visuais. A química dele com a protagonista é boa. Lashana Lynch como a melhor amiga da Capitã está bem e representa um elo emocional à nossa heroína. O vilão de Ben Mendelsohn tem um plot bacana, Jude Law entrega a competência de sempre, Clark Gregg como o jovem Agente Coulson da S.H.I.E.L.D. é uma boa participação (também rejuvenescido digitalmente), assim como o cameo do saudoso Stan Lee, em bonitas homenagens. A grande atriz Annette Bening que parece ter sido pouco aproveitada. A gatinha Goose pode aparecer pouco, mas deixa sua marca no filme com uma maluca participação e já queremos ver mais dela.
'Capitã Marvel' sofreu boicotes antes do lançamento, com críticas negativas de um público hater "machão" que teve sua masculinidade ferida por um filme Marvel. Tal fato só prova que tem que existir filmes feministas com mulheres fortes protagonistas. E não apenas isso, como também ter mulheres no comando das câmeras. Aqui, dentre os dois diretores, Anna Boden faz história ao comandar uma superprodução de ação e de sucesso, feito que até então só ocorreu com Patty Jenkins e seu filme 'Mulher-Maravilha', da DC. Em mais de um século de cinema, poucas mulheres terem a chance de comandar filmes deste porte dentro de estúdios majoritariamente comandados por homens, torna esta representatividade válida e crucial. Sem discursos exagerados, 'Capitã Marvel' traz um feminismo natural. Ela quer ser o que ela quer, sem ter que dar satisfação a um homem que a queira manipular. É isso, simples assim. Ela tem o direito de agir como quer e lutar por aquilo que acredita. Com um heroísmo mais contido nas palavras e expressões, mas forte no coração, ela acaba sendo uma espécie de substituta para o 'Capitão América', pois já é sabido que ela será a líder dos 'Vingadores' de agora em diante, mais uma razão dos "machões" se incomodarem. Há no filme uns detalhes interessantes: a manipulação do homem em cima da mulher, seja explicitamente (os vilões invadindo a mente dela), ou sutilmente (sem detalhes pra reservar as reviravoltas). Então tais abusos dão razão pra ela ser mais "sisuda" e contida por assim dizer. Há também um paralelo em como a menina filha da amiga dela admira a heroína, tal menina é uma representação de todas menininhas desta geração, que agora podem vibrar com mulheres fortes e heróicas no cinema, como a Capitã Marvel e Mulher-Maravilha. Note como o encanto e brilho nos olhos da garota no filme representa o encanto das meninas da atual geração, que podem e devem ser aquilo que quiserem por elas mesmas, e não por escolhas dos pais, maridos, chefes, etc.
A trilha sonora grunge dos ano 90, com músicas do Nirvana, No Doubt, R.E.M. e vários outros da época, assim como as referências e criações da década, são nostálgicas. Também temos influências narrativas de filmes e séries noventistas, como cenas de perseguição de carros típicas dos filmes de ação daquela época, assim como um clima de ficção científica conspiratória (muito em alta lá nos anos 90), como 'MIB - Homens de Preto' e até mesmo a série 'Arquixo X'.
Mesmo que clichê quanto a entretenimento, é divertido, bem feito e um sopro de encorajamento para as mulheres guerreiras da vida real. Por ser homem, não tenho propriedade pra falar de feminismo, embora apoie as guerreiras mulheres, por isso, confiram a crítica do filme lá do site Minha Visão do Cinema, onde a Eduarda Souza e a Natália Vieira escreveram com detalhes da importância do filme.
E que venha 'Vingadores: Ultimato'! Quero ver a Capitã Marvel dando uma surra no Thanos!
O Retorno de Mary Poppins
3.5 343 Assista Agora54 anos após o clássico musical lúdico 'Mary Poppins', com os incríveis Julie Andrews e Dick Van Dyke, chegou uma improvável continuação. Conseguindo capturar o espírito leve, infantil, doce e bastante puro, temos o retorno da babá Mary Poppins à vida da família Banks. As crianças de antes agora são crescidas, com suas próprias crias e estão passando por um momento turbulento. Tais pressões do cotidiano tiraram a alegria e o encanto dos adultos que outrora acreditavam no fantástico, e isso já está afetando as crianças. É quando Poppins entra em ação, trazendo lições para os pequeninos e mais ainda aos mais velhos. Emily Blunt é encantadora no papel da firme, mas amável babá. A atriz vem se destacando muito no cinema recente e com muita versatilidade! Do drama à comédia, do infantil ao terror, ela tem se destacado demais. Vide 2018, onde ela nos deixou apreensivos em 'Um Lugar Silencioso' e depois nos reconfortou aqui neste filme em questão. Mas Lin-Manuel Miranda também demonstra seu talento como um ascendedor de lampiões, ele canta, dança e atua muito bem, se provando um artista completo à moda antiga. Digo "completo" pois houve uma época em Hollywood, entre os anos 40 e 60, que para fazer sucesso não bastava atuar. Nos musicais, os filmes colossais dessas décadas, se precisava dançar, cantar, assobiar, sapatear e muito mais. É aí que chegamos a Dick Van Dyke, que fazia isso no 'Mary Poppins' original e aqui faz uma pequena participação - bastante nostálgica e emocionante. Já bastante idoso, o ator dono de um sorriso que marcou gerações, faz uma breve cena de dança que pega o coração daqueles que conhecem o cinema daquela época.
Assim como no riginal, há uma bela sequência onde os atores contracenam com animação, é como se fosse um desenho animado dentro de um live-action. Uma cena divertida, visualmente chamativa e com uma direção diferenciada em alguns momentos (note nos ângulos de câmera contorcidos conforme a carroça anda pelas curvas do objeto de porcelana no qual estão desenhados, além do visual rachado da porcelana, é muito inventivo!). As letras das canções contém morais que criticam nitidamente o estilo de vida estressado dos adultos, lotados de afazeres, em busca frenética por dinheiro, sempre perdendo tempo com coisas menos importantes, deixando de viver bem e deixando de respeitar as diferenças das outras pessoas. Tais morais, por mais simplistas e direcionadas às crianças, reflete diretamente nos adultos, cuja felicidade se esvai quando perde-se o brilho no olhar, quando perde-se a magia das coisas, quando passa a desrespeitar quem é diferente, quando confunde-se amadurecer com tornar-se alguém amargo e sem amor.
Bonito, simples e à moda antiga, é uma bela sessão retrô.
A Noite de 12 Anos
4.3 302 Assista AgoraSensacional filme do Uruguai, um dos melhores de 2018, que narra a jornada de 3 homens que ficaram 12 anos presos, alguns destes em cárcere privado, durante a ditadura militar de seu país. Esses 12 anos são como uma obscura e longa noite, cheia de trevas, tortura e falta de liberdade. Mas é interessante como a obra se abstém de cenas mais fortes, deixando o pesado na trama e no imaginário de quem assiste (a ditadura por si só já é pesada), focando assim, de uma maneira mais branda e positiva, o psicológico destas 3 figuras. Apesar de todo sofrimento, eles utilizam de esperança, inteligência, bom humor e trabalho duro para sobreviver dia após dia, ano após ano. As atuações são todas boas e a direção de Alvaro Brechner é firme, mas também positiva, conduzindo a narrativa de forma suave, como se fosse um raio de sol iluminando a tenebrosa noite dos nossos protagonistas. Há uma bonita mensagem sobre não desistir, se manter íntegro e ajudar ao próximo que está na mesma situação, mesmo que em minoria. O roteiro é muito coerente em não exagerar nos fatos, mas focar no tratamento e na construção destes personagens. Em tempos em que no nosso país se tenta apagar a história, onde se ignora os nossos livros, se ridiculariza professores, que se boicota tudo que destoa dos falsos ideais moralistas (como o boicote ao filme do Wagner Moura, que sequer saiu aqui ainda), em tempos em que se saúda a militarização robótica de maneira histérica e afetada, com materiais vindos da "faculdade do Whatsapp"; um filme como esse sempre é bem-vindo. Lembra-nos de que só damos valor à liberdade depois que a perdemos. Que só damos valor às pessoas depois que sangue é derramado. Que trabalhar duro, manter a positividade, utilizar de intelecto e alimentar a alma é aquilo que dá forças para atravessar longos anos, anos estes que mais parecem uma longa noite de trevas.
Guerra Fria
3.8 326 Assista AgoraLindamente construído e fotografado em preto e branco, o filme polonês 'Guerra Fria' (que concorre em algumas categorias do Oscar 2019) faz um paralelo entre história, arte e romance. Um casal desconstruído e amargo, tão "frio" quanto os emaranhados fatores políticos e culturais que esvaziam o amor e a graça do dia a dia do ser humano. Se a obra deixa momentos amargos na boca, deixa lindas cenas na memória, tremendamente bem dirididas por Pawel Pawlikowski, que faz deste um deleite visual. Cada cena é bela, meticulosamente montada para parecer uma obra de arte, uma pintura que carrega histórias e figuras de outras épocas. A química do casal protagonista é impecável, de fazer inveja à Hollywood. Especialmente Joanna Kulig, hipnótica, magnética e complexa na pele de Zula. Entre encontros e desencontros por diferentes momentos históricos e políticos da Europa, que vai desde uma Polônia devastada no pós-guerra e ocupada pela Rússia, passando por uma Paris boêmia e agitada, o filme mescla um romance disfuncional com um fundo artístico. A narrativa transborda paixão pela música nativa da Polônia, mas faz uma crítica à generalização da mesma diante a indústria. Descontrói-se algumas questões como: a perda da arte diante o lucro, a perda da liberdade diante a guerra e política, a perda do amor diante as complicações do relacionamento. Com trechos que ecoam à Nouvelle Vague da França, é um belíssimo filme, indispensável para amantes de arte e de um cinema mais maduro.
Creed II
3.8 540Respeite o passado e os veteranos. Mas deixe-os no seu lugar e trilhe seu próprio caminho.
A franquia do 'Rocky Balboa' sempre manteve-se fiel ao seu legado. Isso inclui os atuais filmes do 'Creed'. Muito além das lutas do ringue de boxe, a saga fala sobre o ringue da vida. Enfrentar crises econômicas, o preço da fama, cuidar da família, lutar contra uma doença, lidar com o luto. São nocautes que a vida te dá e os filmes conseguem tecer este paralelo com o boxe. Apanhar, apanhar e apanhar. Mas se levantar e continuar a lutar. Na vida, não importa bater e vencer, mas aguentar a dor dos golpes que ela te dá, se manter íntegro e dar valor ao mais importante.
O primeiro 'Creed' acertou mais em trazer um frescor, adicionando elementos como representatividade, Stallone enfrentando uma doença e ainda temos a ótima direção de Ryan Coogler, que deixou de fazer o dois para dirigir o sucesso 'Pantera Negra'. Aqui, Steven Caple Jr. é quem dirige, com uma pegada menos forte e mais genérica, tornando o filme um pouco inferior ao primeiro. Também vale acentuar que uma enxugada na primeira metade da obra ajudaria no seu ritmo inicial. Mas lá pelo meio do filme a coisa engrena, estamos convencidos da trama e daí é um deleite só. Assim, 'Creed 2' perde por bem pouco para o primeiro, mas ainda é uma obra relevante. Temos aqui os conflitos entre gerações, entre treinadores e atletas, entre pais, filhos e netos. Respeitar o passado, os veteranos, aprender com os erros e a dor são coisas necessárias. Mas se desprender disso até certo ponto, trilhar seu próprio caminho e deixar cicatrizar algumas coisas, isso é essencial.
Há aqui conflitos bem interessantes. Adonis quer vingar a morte do seu pai Apollo, mas não quer viver à sombra dele. Rocky não quer que Adonis tenha o mesmo fim que Apollo, morto no ringue. Ivan (Dolph Lundgren) não quer ficar no limbo, humilhado por ter sido derrotado por Rocky no passado, usando seu filho para voltar aos holofotes. Viktor (Florian Munteanu) vive numa dividida em não decepcionar seu pai Ivan, ao mesmo tempo que não quer ser controlado sempre por ele. E ainda temos com pequeno destaque Tony (Wood Harris), filho do treinador de Apollo, que agora treina Adonis e não quer que ele fracasse sob suas mãos. Nisso tudo, temos as mulheres em cena como as sensatas: a mãe e a esposa (Tessa Thompson) de Adonis servem como o peso na balança, não o controlando, mas servindo como a voz da razão. Este interessante jogo de perspectivas dá o que pensar sobre legado, fracasso e família.
Com a metade final da obra repleta de emoções, intensas cenas de luta no ringue e belas cenas emocionais fora dele, 'Creed 2' mantém a qualidade desta longínqua e fundamental franquia. O final é ótimo, a trilha sonora empolga e temos um contemplativo take de Rocky Balboa lá pelo fim, sob uma diferente ótica do ringue, da comemoração e da perda. Simbólico ...
Aquaman
3.7 1,7K Assista AgoraAlgumas cenas exageradas e um roteiro clichê e bobo são compensados com um belo espetáculo visual e sonoro, além da grande direção do talentoso James Wan.
Se você acompanha filmes, não tem como escapar deles, os reis do cinema moderno: os filmes de heróis. Nos últimos anos, os universos nerds, geeks e especialmente de super-heróis alcançaram níveis épicos, são líderes em bilheterias, geram discussões entre diferentes círculos e estão alcançando até mesmo níveis artísticos e premiações. Mas uma das maiores polêmicas recentes gira em torno da rivalidade entre os fãs da Marvel e seus 'Vingadores' (com um universo bem estruturado), contra a DC e sua 'Liga da Justiça' (com seu universo de altos e baixos). Na DC, 'Batman vs Superman', 'Esquadrão Suicida' e 'Liga da Justiça' foram alvos de críticas massivas (se são ruins ou apenas abaixo do esperado, cabe a outra discussão). 'O Homem de Aço' fica no mediano, enquanto que 'Mulher-Maravilha' parece ser o grande acerto da casa até então. Com expectativas baixas da grande maioria e depois de já amargarem muito, a DC entrega em 'Aquaman' uma competente aventura, com contornos épicos e colossais.
Primeiramente é preciso apontar uns probleminhas: ainda há muitos excessos, não existe sutileza, tudo é sempre muito grandioso e épico, sempre com muito, mas muito CGI e efeitos visuais, o tempo de duração sempre é longo, tudo ainda é muito apocalíptico. Outro ponto é que nem todo elenco atua bem. A Mera é uma importante personagem, visualmente bela, uma grande guerreira, gostaria de ver filmes da DC colocando ela lado a lado com a Mulher-Maravilha, já que no quesito girl power a DC sai na frente da Marvel (mas a 'Capitã Marvel' vem aí rsrs). Mas a atriz Amber Heard é bastante limitada, inclusive não tem tanta química com o herói nas cenas mais lentas, sendo convincente somente quando rola a ação. O roteiro do filme é um tanto ruim, clichê do clichê, amontoando elementos de diversos outros filmes já vistos. Os vilões interpretados por Patrick Wilson e Yahya Abdul-Mateen tem motivações válidas, mas poderiam ser melhor explorados em atuações.
Mas é interessante que todos estes defeitinhos acabam sendo contornados de algum modo. As 2 horas e 30 minutos são eletrizantes, não te deixando no tédio nenhum minuto. O diretor James Wan vem de um cinema de horror, para quem não sabe ele dirigiu o primeiro 'Jogos Mortais', os dois 'Invocação do Mal', os dois primeiros 'Sobrenatural', dentre outros. Nesses filmes, ele sempre soube utilizar a tensão, a atmosfera obscura, ângulos de câmera interessantes que mostram mas não mostram, dentre outros artifícios, afim de incomodar o público. Mas recentemente ele se aventurou nos blockbusters, dirigindo 'Velozes e Furiosos 7' (aquele que se despede de Paul Walker), que acabou sendo o melhor da franquia, justamente pela direção de Wan, com uma câmera tensa que acompanha as cenas de ação. Aqui em 'Aquaman' ele repete o feito, fazendo uma imersão nas cenas de aventura e ação. Existem ângulos de câmera inspirados, sequências frenéticas e um ritmo alucinante. A cena de perseguição em telhados na Sicília é uma das melhores cenas de ação do ano inteiro. As perseguições e combates aquáticos submarinos lembram 'Star Wars', mas com luzes neon e efeitos sonoros de sintetizadores eletrônicos que lembram 'Tron'.
Aliás, tanto na trilha sonora como no visual, é um filme a cara dos anos 80, um tanto retrô. Falando no visual, apesar de excessivo, o CGI tem sim uma alta qualidade. Na verdade, dentre os filmes de heróis de 2018, é o que tem o visual mais bonito de todos (desculpa 'Vingadores'), construindo todo um belíssimo mundo novo. Com 'Aquaman', a DC não tem medo de parecer uma HQ, beirando o cartunesco, mas em um bom sentido. De maneira autoconsciente, tem elementos visuais "bregas" e trash, propositalmente bizarros, afim de manter a fidelidade com o lúdico das HQ's. Assim, parece um filme classe B, mas com orçamento classe A. E isto é bacana, pois a DC abraça a causa de um de seus heróis mais "zuados" sem medo de ser feliz. Pode não agradar a todos, mas dá certo dentro deste universo mitológico. Falando em mitologia, Wan utiliza várias lendas e simbologias dos sete mares, inclusive para fazer referência ao terror que ele tanto ama. Há toda uma sequência envolvendo criaturas do fosso que é digna de um filme de terror, com cenas em preto e vermelho que mais lembram uma pintura artística, fazendo até mesmo referência ao mestre do gótico H. P. Lovecraft.
Com sequências que lembram aventuras arqueológicas (estilo 'A Múmia' e 'Indiana Jones'), batalhas submarinas insanas e épicas, muita diversão descontraída e excelente trilha sonora (algo que a DC comumente faz melhor que a Marvel), 'Aquaman' é um ótimo blockbuster para passar o tempo. Embora Jason Momoa não seja um excelente ator dramático, seu jeito "brucutu de bom coração" encaixa bem neste tipo de papel, ele abraça a causa e entrega um herói de respeito. Depois deste filme, quero ver chamarem ele de "carinha que fala com os golfinhos". Mesmo que prejudicado por excessos e roteiro, o filme é salvo pelo incrível visual, ação desenfreada, momentos épicos e mais uma boa direção de James Wan. Ao menos o filme tem vida e identidade própria, entregando um longa muito divertido e uma esperança para a DC. Que ela continue fazendo seu próprio caminho, entregando sua própria pegada.
Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível
3.9 457 Assista AgoraNeste bonito filme, o garoto Christopher Robin cresce, é pai de família, tem seu chato emprego e esqueceu-se da magia da vida, deixando Ursinho Pooh e sua turma no imaginário do passado. E quando tudo se complica, há o tal reencontro entre Christopher Robin e os seus amigos de infância, bagunçando ainda mais a vida. Lúdico e bonito visualmente, o filme é mais direcionado a adultos do que crianças, pois tem um tom mais sério e uma mensagem que cutuca diretamente os mais velhos. Quando você se tornou adulto, o que o fez perder a alegria, o colorido e a imaginação? Vale a pena deixar a família de lado pelo emprego, pelo dinheiro e os problemas da rotina? Nada tem relação com maturidade, mas como enxergamos a vida. Pooh e os demais bichos são incrivelmente criados em um CGI realista, mas note o detalhe: não parecem animais de verdade, mas bichinhos de pelúcia de verdade, inclusive na textura do pelo, brilho opaco dos olhos, etc. Com momentos divertidos e outros emocionantes, é um filme que merecia mais reconhecimento no ano que passou. Tanto o ator Ewan McGregor quanto o diretor Marc Forster mandam bem e comprovam sua versatilidade para diferentes tipos de papéis e filmes. Recomendo a todos, especialmente as "crianças grandinhas", muitos precisam redescobrir as coisas simples e imaginativas que trazem alegria.
Roma
4.1 1,4K Assista AgoraUm retrato íntimo e sensível, Alfonso Cuarón faz uma viagem de volta as origens no México, em um retrato do passado, lindamente fotografado em preto e branco, plano-sequências de tirar o fôlego, em um dos melhores filmes do ano.
Alfonso Cuarón, que ganhou o mundo com as ficções científicas cult 'Filhos da Esperança' e 'Gravidade' (que lhe rendeu Oscar de Melhor Diretor), retorna de maneira mais sutil e simplista, retratando o cotidiano de uma empregada e a família na qual trabalha, no bairro Roma, na capital Cidade do México. Espécie de túnel do tempo, pontuando lembranças marcantes na vida da protagonista, o filme te leva em uma viagem sensorial, te proporcionando experimentar emoções humanas, mundanas e comuns, mas poderosas na pele da protagonista. Considerado por muitos o melhor filme de 2018, só não o coloco neste patamar devido a uns pequenos probleminhas: falta uma melhor construção das personagens coadjuvantes por parte do roteiro, há uma cena expositiva no início do filme que não acrescenta nada a trama, e o longa de 2 horas e 15 minutos poderia ser um pouquinho mais curto, com 2 horas redondas poderia-se ser mais enxuto, especialmente no início do filme. Mas isto são detalhes que nada impedem de apreciar a beleza do filme, especialmente na metade final, na qual somos pegos por algumas das mais belas cenas do ano.
Nos 40 minutos finais, temos 3 sequências de tirar o fôlego. A sequência da repressão policial e do governo contra a passeata do povo refere-se a momentos reais da história do México, pois poucos sabem que existe lá um histórico de muitas mortes e desaparecimentos, principalmente jovens, quando estes manifestam-se contra o governo, um fato que todos tememos que se repita em outros países, como Brasil. A cena do parto é um plano-sequência cru e sem cortes, sufocante, de dar um nó no estômago e de desmontar os mais fracos. A cena final da praia, além de igualmente tensa, também é belíssima, poética e funciona como um forte e caloroso abraço: nos sentimos abraçados e sentimos como se nós estivéssemos abraçando a nossa forte protagonista. O roteiro ainda aborda o choque de classes sociais, o amor que empregadas e babás tem pelos filhos dos chefes, consegue-se dar beleza a coisas do cotidiano, como limpar o pátio. O filme é repleto de cenas extremamentes simples e sutis, mas que dizem muito, como na cena da chuva de granizo, onde o cãozinho se esconde do temporal, enquanto as crianças brincam com o gelo. São coisas "bobas", simples, mas lindamente filmadas, repletas de simbolismos, explorando a amargura e principalmente, a beleza da vida.
A fotografia é estonteante, mesmo sem cores, é tão linda que conseguimos sentir o realismo e o calor das ocasiões. O filme é uma obra de arte visual, daquelas que poucas vezes vemos. Alfonso Cuarón usa e abusa de sequências longas e sem cortes, ângulos de câmera inspirados e um brilhantismo único ao contar esta jornada. Em uma Era Trump, onde busca-se distanciar estrangeiros mexicanos, mesmo que os mesmos estejam fazendo muita coisa acontecer dentro e fora dos EUA, 'Roma' é uma carta de amor ao México, um presente para seu povo humilde e sofrido, uma obra tocante que através da Netflix, está a disposição de todos que aventuram-se nas lembranças das coisas simples e belas da vida.
Casablanca
4.3 1,0K Assista Agora'Casablanca' é um dos maiores clássicos americanos já filmados. Em plena 2° Guerra Mundial, a cidade de Casablanca, no Marrocos, é palco de encontros e desencontros entre Rick (Humphrey Bogart) e Ilsa (Ingrid Bergman), que estão fugindo dos nazistas pelo Oriente. É uma obra atemporal, com diálogos longos e romatizados, uma química irrestível entre Bogart e Bergman, uma fotografia em preto e branco linda, cenografia elegante, figurino caprichado e trilha sonora marcante. Um dos expoentes do cinema noir, cheio de cenas climáticas, traz bom desempenho do elenco, especialmente Ingrid Bergman, maravilhosa atriz do cinema clássico. Vencedor de 3 Oscar (Filme, Diretor e Roteiro Adaptado), contém algumas das cenas mais icônicas e copiadas da história, como as famosas cenas de beijo entre o casal protagonista, consideradas as mais longas e apaixonadas até aquela época, fato que marcou uma geração inteira de apaixonados pela sétima arte. Até hoje, o filme segue como referência e inspiração a vários outros, uma fonte inesgotável para romances dramáticos.
-"We'll always have Paris." ("Nós sempre teremos Paris")
O Ódio que Você Semeia
4.3 457Poderoso em conceito e em execução, um dos melhores filmes do ano, disseca as tramas do preconceito, com cenas e diálogos que são um soco na mente.
Ao lado de 'Infiltrado na Klan', 'O Ódio que Você Semeia' torna-se um filme obrigatório. Os dois formam uma espécie de dobradinha, que deveria ser passada em escolas, instituições e empresas. Aqui nesta trama, Starr é uma jovem que mora no gueto, mas que graças aos esforços dos pais, estuda em uma escola de privilegiados brancos. Ela namora um rapaz branco e ambos sofrem preconceitos. Alguns a tratam exageradamente bem ou como coitada, outros acham que ele está com ela por pena ou para ser descolado e não parecer racista. Mas isso é só a ponta do iceberg. Quando o melhor amigo e primeiro amor de Starr, um menino negro, é morto por um policial branco, ela enfrentará uma jornada de autodescoberta, tornando-se uma voz contra as barreiras e injustiças sociais. Mas tudo é muito emaranhado de tal forma que todos contribuem para a proliferação do ódio. A "amiga" que defende o policial pois ele estava a serviço, os traficantes do gueto, a mãe superprotetora que não quer a filha protestando. É aí que o roteiro se aprofunda naquilo que prolonga os preconceitos no cotidiano. Que deixar de clamar por justiça é deixar sua voz ser calada. E como o pai diz, não deixe ninguém lhe calar. São 2 horas e 10 minutos onde cada cena é pensada afim de provocar, não há uma cena sequer que seja banal. Da primeira tomada, com o pai ensinando os filhos a como se portar se forem parados por um policial branco, até os instantes finais, são golpes na mente, que provocam diversas reações, que buscam concientizar que não é vitimismo e polemização, mas é a realidade e que quanto mais for abafada, mais opressora será para pessoas que sofrem determinada rotulação. O ódio que você semeia marca as crianças, e crianças com sementes de ódio "ferram" com todos nós. Direção segura, belas atuações e competente na dissertação do assunto, filmaço que todos deveriam assistir. Mas infelizmente, por tratar de assuntos que tiram da zona de conforto, a maioria vai apenas ignorar, como já andam fazendo no dia-a-dia.
Tempo de Despertar
4.3 647 Assista AgoraEste tocante filme de 1990 baseado em fatos reais, traz Robin Williams como um neurologista que decide experimentar uma medicação em pacientes catatônicos que sofrem de encefalite letárgica. Além disso, ao contrário de seus colegas de trabalho, ele trata os pacientes com dignidade, indiferente da situação do mesmo, pois acredita que eles tem noção de tudo o que acontece. O primeiro paciente a receber o tratamento é o personagem de Robert De Niro, que começa a responder a medicação e a "despertar". O filme é brilhante de várias maneiras. Primeiro, a atuação de De Niro é fantástica, ele encara um papel difícil, de alguém doente cheio de "tics" e limitações, mas faz isso sem exagerar ou ficar caricato. Não atoa, concorreu ao Oscar de Melhor Ator. Robin Williams não fica atrás, e como ele faz falta no cinema! Seus personagens sempre humildes, humanos e sensíveis. É difícil não se emocionar com os dois em cena. Mas a maior força do filme é a mensagem ambígua que o roteiro traz. Embora a medicação faça efeito em pacientes que ficaram décadas em um estado de sono, quem aprende a lição é quem nunca teve este tipo de problema. Pois enquanto descobre-se que os pacientes sempre estiveram cientes de tudo ao seu redor, agora com o tratamento, eles conseguem fazer aquilo que querem e viver de verdade. Isto é o oposto das pessoas que tem saúde, mas não vivem como querem ou deveriam, pois estão dormentes nos seus empregos, dinheiro, compras, problemas, burocracias e divisões sociais. Vemos isso no contraste dos protagonistas: enquanto que De Niro desperta da doença vivendo tudo o que pode de maneira verdadeiramente feliz, Robin Williams desperta do seu comodismo mental, percebendo o quanto é solitário e desperdiça a vida, independente da boa saúde. Com um final melancólico que dói saber que isso aconteceu na vida real, 'Tempo de Despertar' traz uma mensagem poderosa sobre acordar para a vida. A vida de verdade, dando valor as coisas mais simples e deixando de lado todas as bobagens da sociedade moderna. Termino aqui com uma frase do filme:
- Leia o jornal. O que diz? Só coisa ruim. Está tudo ruim. As pessoas esqueceram o sentido da vida. Esqueceram o que é estar vivo. Elas precisam ser lembradas. Elas precisam ser lembradas o que elas tem e o que podem perder. O que eu sinto é alegria em viver, o presente da vida, a liberdade da vida, o encantamento da vida.
Luciferina
2.1 55Filme argentino interessante, com umas ideias diferentes. Bacana este título fazer uma brincadeira com Lúcifer e a tuba uterina da mulher (que aparece simbolizado diversas vezes), uma vez que no seu metafórico e psicológico contexto, o roteiro aborda a represssão e liberdade sexual, a gravidez e seus afins. Pena que pelo que vejo nos comentários, a maioria aqui não entendeu ou aderiu a ideia. Filme está sendo bem recebido pela crítica ai pelo mundo.