Eu me envolvi muito com a série na primeira temporada. Aqui não foi diferente, com momentos brilhantes no desenvolvimento de diversas personagens. Mas apesar disso, ao longo de toda a temporada, cresceu em mim a impressão de que o roteiro não só se acovardou com a brutalidade de Gilead, mas jogou muito sujo com as personagens e os espectadores.
Quando falo em brutalidade, não me refiro às punições físicas e psicológicas, que são mais enfurecedoras que nunca. O que ocorreu foi perda de consequências reais para a protagonista.
June fugiu 3 vezes e chegou a revidar um tapa do merda do Waterford. Nenhuma dessas ações teve consequências para ela. Não só isso, mas dada nova oportunidade de fugir de Gilead no episódio final, ela desiste, supostamente para proteger Hannah.
E não digo "supostamente" por não acreditar nessa motivação, mas porque não faz qualquer sentido para a personagem, que sabe bem que
Não se a série ainda tem qualquer preocupação com verossimilhança do que é viver como uma mulher escravizada em Gilead.
Eu relevei muitos momentos em que senti a inconsistência em relação às pesadas consequências que recaíram sobre as personagens, incluindo June, inclusive pelas menores transgressões, na primeira temporada. Mas é difícil engolir
um final que só parece indicar que cederam de vez ao comercialismo para continuar a explorar o sofrimento dessas personagens, dure quanto durar, custe o que custar, inclusive a credibilidade da história.
Em geral, sim, gostei muito da temporada, mas prossigo, agora, com muito receio pela qualidade do que vem a seguir.
Que a impiedade de obras como O Conto da Aia seja reveladora. Às vezes parece que a posição do gênero distopia na cultura de massa, ou quem sabe justamente por ele estar tão bem consolidado na consciência popular como espécie de entretenimento, aliena os destinatários dessas obras do seu caráter satírico e da concretude da sua denúncia.
Se em 2022 O Conto da Aia parece ressoar como um presságio da recente e imensurável perda aos direitos das mulheres nos EUA, assim como Afeganistão e outros tantos países tomados pela ascensão de grupos reacionários — para não mancionar o eterno risco de regresso no Brasil, hoje ainda maior —, não se enganem, pois essa não é uma obra premonitória. O Conto da Aia parece fadada a sempre ser uma obra secamente descritiva da realidade corrente, fosse primeiro contada há 500 ou daqui a 200 anos .
Nosso país foi fundado no estupro de mulheres indígenas e negras escravizadas. Também foi fundado no estupro de mulheres brancas, "livres" apenas numa interpretação muito ampla do termo. Essa herança não se perde. Em 2021, mais de 17 mil meninas com menos de 14 anos se tornaram mães no Brasil. Tantas outras crianças estupradas que conseguiram realizar o aborto legal foram continuamente violentadas e psicologicamente torturadas para não recorrerem ao seu direito. Tantas outras milhares de mulheres jovens e adultas enfrentaram a mesma realidade. E para além delas, aquelas que não podem engravidar, não se esqueçam que há muitas outras crianças e mulheres idosas. Não se esqueçam também que o estupro é apenas um dos atos simbólicos da opressão feminina, e que os crimes de indivíduos não são nada diante da escala da dominação institucional em todas suas esferas, do Estado e da religião à família e outros espaços de convívio social.
As tragédias de June, Moira, Emily, Janine, Alma, e mesmo de monstros como Serena Joy e Tia Lydia, não são tragédias de um futuro imaginado de uma distopia fictícia. São as vidas de bilhões das mulheres que hoje estão vivas, e das incontáveis mulheres que já se foram.
Acabo de terminar a 3ª temporada, mas não trarei nenhum spoiler aqui. Se alguém lendo isso ainda está incerto sobre assistir a essa série ou não, eu espero muito te convencer a fazer isso.
Começar a assistir Barry, com uma premissa que por si só já é hilária e magnífica, foi uma coisa. Mas nada te prepara para a coragem do Bill Hader ao conduzir essa história.
Ao longo de uma temporada, a quase absoluta maioria das séries antecipará, aos poucos, um certo desfecho grandioso, culminando num acontecimento surpreendente, cujo maior objetivo é criar um hype imenso para o que virá a seguir. Mas ao começar a temporada seguinte, toda aquela grandiosidade será contida, muitas vezes de forma completamente anti-climática, apenas para que novamente se construa um grande hype para o ano seguinte. Todo fã de série sabe e aceita isso, porque a essa altura é mera metalinguagem.
Barry não faz isso. Coisas acontecem, coisas são feitas, personagens crescem e se revelam, e não há volta. Nunca. A série nunca se trai. A história continua crescendo, e entre o riso impossível de conter, gargalhando de muitas das coisas mais humanamente reprováveis e devastadoras, a bizarra tragédia de personagens tão improváveis apenas te deixa sem palavras.
Com esse novo arco, finalmente (!), nos é revelado algo mais sobre o Upside-Down. É o mínimo, depois de dezenas de horas investidas e 6 anos desde a primeira temporada. Igualmente, muito bem vindo é o desenvolvimento de certos personagens (com destaque para Max), mas ainda paira sobre ST o absurdo desperdício de tantos outros. Há quantos anos os fãs não apontam o potencial do Will, só para aqui ele ser relegado ao núcleo mais redundante e entediante dos quatro? E digo isso, SIM, levando em conta o núcleo da Joyce e da União Soviética. E por que diabos introduzir um novo personagem a um núcleo recorrente, apenas para fazê-lo tão sem propósito como o Argyle!? POR QUÊ!???
ST4 tem muitos pontos positivos, mas também recai em muitos dos mesmos erros das temporadas anteriores. Representa uma evolução para Stranger Things, sem dúvidas, mas também não é revolucionária. A série teima em seguir um fórmula muito rígida com a movimentação dos seus núcleos, com a inicial separação dos personagens, reunião no último episódio e um clímax à base do "poder da amizade". É muito peculiar como uma série que permanece andando em círculos, continua causando tanto alvoroço sempre que novos episódios são lançados, mas também não posso fingir que já não aceitei que essa é realidade de quem assiste ST. Com a 3ª temporada, considerei não retornar, mas aqui estamos e também recuperei um pouco do meu entusiasmo com a série. Que venha a quinta e última.
Em qualquer outro trabalho independente, as atuações amadoras poderiam acrescentar um certo charme ao filme. Aqui, os atores não parecem ter qualquer noção de timing cômico e reproduzem toda fala da maneira mais desinteressante possível — ou quem sabe seja mais uma falha da própria direção do Kevin Smith. Para tornar tudo ainda mais insuportavelmente chato, toda a ideia de comédia desse filme é baseado em referências pop e tentativas de chocar o espectador, sempre batendo na mesma tecla de misoginia e babaquice injustificada, como se bastasse isso para fazer sátira e humor negro.
Em qualquer outro trabalho independente, as atuações amadoras poderiam acrescentar um certo charme ao filme. Em Clerks, escancara o quão maçante e ruim é o roteiro.
Me sinto tão validado em ver que essa saga é odiada rs
Na época que estava sendo lançada, eu já bastante exausto com alguns animes eternos e até One Piece perdendo seu rumo nessa saga interminável e chata, acabei abandonando o anime e, meses depois, o mangá (os dois estavam bem próximos na época, então era sofrimento em dobro). Até comecei Punk Hazard no mangá e me lembro da minha primeira gargalhada em muito tempo (com o Usopp, é claro), mas já tinha acumulado tantos capítulos que aos poucos deixei de acompanhar. Vendo as datas de lançamento do mangá, já vai fazer 10 anos (caramba).
Ainda sinto falta, mas (re)começar agora parece ainda mais intimidante do que quando comecei a ler o mangá, em 2009.
Demora um pouco para mostrar a que veio, mas a chegada do Blackbeard realmente transforma a série. Depois que ele se encontra com o Stede, não há um episódio arrastado, como foram os primeiros, e OFMD te conquista tanto pelos momentos não ortodoxos quanto pelos mais bobos.
A única dificuldade que persiste, e que espero muito que consigam superar na segunda temporada, é a inconsistência interna dos episódios. Blackbeard e Stede, (juntos, principalmente) são incríveis, e a série sabe disso. O problema é que os outros personagens são tão mal explorados que, salvo os poucos momentos em que alguns deles puderam brilhar, suas cenas mais pareceram intervalos indesejados que interrompiam o que realmente te conquista na série.
Nota final: be gay, do crime/10 estrelas (mas na real, 6/10)
queerbaiting um filme em que a protagonista É QUEER. Não é poque a Ellie não fica com a Aster que o filme deixa de ser sobre uma personagem lésbica. Não existe baiting nenhum aqui.
Pessoal tá precisando de um dicionário lgbt se estão jogando essa palavra por aí de qualquer jeito, como se fizesse sentido.
Dito isso, minhas impressões: não sou fã de comédias românticas, nem costumo procurar por filmes do gênero, mas fiquei curioso em como uma trama inspirada em Cyrano seria desenvolvida com uma protagonista lésbica. E afinal, fui muito bem surpreendido por como a Alice Wu aborda as convenções do gênero no filme, mas também imprime na história uma identidade bastante própria, favorecendo o crescimento da Ellie e optanto por uma rota não-tradicional, até mesmo intimista. E é essa ousadia que, pela sessão de comentários, parece não ter agradado tanto alguns dos que assistiram ao filme, mas para mim com certeza tornou a experiência do filme muito mais rica e memorável — o que eu realmente não esperava de uma comédia romântica, muito menos de uma produzida pela Netflix.
Sobre o que eu chamo de convenções, é que me pareceu haver um contraste curioso entre as duas metades do filme. Na primeira, o filme parece transcorrer pelo que, geralmente, seria a história inteira de uma comédia romântica, com a amizade entre Ellie e Paul. Fossem ambos heterossexuais, a trama não precisaria ir além para ser encerrada da forma mais convencional possível. Ocorre que não só a Ellie é lésbica, como ela traz em sua vida diversos outros dilemas que uma comédia romântica tradicional não seria suficiente para permitir que ela crescesse. E aí está o grande acerto da Alice Wu, que além de libertar a Ellie das amarras daquela cidade e do que foi sua vida até então, também a liberta das regras comumente rígidas das comédias românticas.
Uma mais que grata surpresa. A sinopse transcrita no filmow é bastantes direta, embora seja mesmo apenas a camada mais superficial da história.
Intercalando passado e presente, acompanhamos, em 1996, o grupo que sobreviveu ao desastre aéreo, e em 2021, quatro das sobreviventes que foram regatadas, 19 meses depois do ocorrido. O cuidado em conectar o elenco de ambos períodos é mais que evidente, e um dos grandes pontos positivos da série, que consegue transitar entre as duas tramas de forma bastante orgânica e engajadora. É aos poucos que vamos conhecendo as personagens, a dinâmica entre elas, e como a tragédia que as uniu afetou cada uma intimamente.
Ocorre que não se trata de apenas um drama de sobreviventes, mas também de um mistério. A cena que introduz a série de pronto estabelece que o trauma sofrido não se limitou à ocorrência do acidente, tampouco ao que precisaram fazer para não sucumbir na selva. Apesar disso, o que nos é revelado até o décimo e último episódio da temporada ocorre gradualmente, tanto no núcleo de 96 quanto no núcleo de 2021. E entre conflitos e paranoia, nunca sabemos se os elementos sobrenaturais da história realmente existem naquele mundo ou se são manifestação da perturbação interna das personagens.
Sem querer revelar muito, garanto que vale a pena ser conferida.
Agora que a série se encerrou e as inevitáveis reações negativas estão aparecendo, eu começo dizendo o que para mim já era evidente há muitos episódios: a trama de New Blood foi muito mal escrita, e não se limita ao último episódio.
Inclusive, aquele evento final não me parece um caminho inusitado para a jornada do Dexter, como foi o também terrível encerramento da série original. Foi, é claro, muito mal executado, com o incoerente comportamento do Dexter e do Harrison, como muitos já escreveram abaixo, mas também pela falta de desenvolvimento da relação entre pai e filho. Entre as infinitas birras do Harrison e o eterno silêncio do Dexter, tivemos um único episódio, com pouco proveito do que antecedeu o episódio 8 (no qual eles só têm a última cena juntos).
Apesar de não ver o destino do Dexter como algo saído do nada, como foi na 8ª temporada (e só o do Dexter, o do Harrison é outra história) o que me parece é que roteiristas criaram a série a partir do que tinham em mente para o final, e deixaram um rastro de furos, contradições e deus ex machina no caminho.
Dexter foi o único personagem minimamente desenvolvido ao longo de New Blood. Harrison foi instrumental, e os outros personagens e a promessa do primeiro episódio de que eles teriam alguma jornada pessoal, simplesmente desapareceram. Angela, cuja vida adulta INTEIRA foi moldada pelo desaparecimento da melhor amiga, desiste da investigação do assassinato da Iris sem maiores repercussões, e com pouco ou nenhum motivo decide investigar o Dexter. Desde o encontro dela com Batista, a Angela foi reduzida ao mais ridículo artifício de roteiro que essa série já viu.
Quando não eram as coincidências mais inacreditáveis possíveis para tentar mover a trama para o fim desejado, tornando a exposição do Dexter como o assassino de Matt e como o Bay Harbor Butcher completamente desmerecida e inorgânica, eram as mais irritantes contradições e absurdos. Investigação policial que avança com simples pesquisas ao Google? Marca de injeção em cadáver? Em cadáver que ficou meses, anos até, submerso no mar? E ketamina!? Nem era essa a substância que o Dexter usava na série original! Era Etorfina, e isso foi parte integral de diversas tramas de diversas temporadas. Como uma substância que ele usou somente em New Blood, justamente por já não ter acesso ao laboratório forense, ser o que ligou ele ao Bay Harbor Butcher, um caso que foi concluído 20 anos antes? Como Angela se contenta e para de investigar o Kurt, apesar de a única oposição à evidência FORENSE que ela coletou, de ele ter mentido sobre ter conversado com o filho, de ele ter uma maldita cabana isolada na floresta, para onde ele levou a Molly, que foi RESGATADA pelo Dexter e EXPRESSAMENTE FALOU para a Angela sobre como ela achou que seria morta (cabine cuja área subterrânea foi completamente destruída pelo próprio Kurt) é uma historiazinha contada justamente pelo único suspeito de matar a Iris? Em vez disso, sem qualquer correlação com nada, ela "institivamente" suspeita que o Dexter é um assassino e passa a investigá-lo sem ter qualquer razão sólida para fazer isso.
Pois é, no fim eu já não esperava qualquer coisa perto de satisfatória. Até engraçado dizer isso depois do textão, mas no fim eu realmente não me importava com o que aconteceria no último episódio, porque já tinha desistido da série há uma boas semanas. Para quem pelo menos achou esse final melhor que o original, que tenham feito bom proveito do que nos foi dado. Para mim, infelizmente, não consigo ser favorável a qualquer de duas péssimas alternativas.
E agora que estravazei o que me restava de frustração, enterro Dexter de vez e encerro uma review desnecessariamente longa sobre uma série desnecessariamente desnecessária.
Nos dois primeiros filmes da franquia, Myers é creditado simplesmente como "The Shape". Não à toa, pois Myers foi concebido pelo Carpenter como algo simples e puramente maligno, cuja única força motriz é o desejo de matar. Nada mais, nada menos, e a Laurie era apenas uma pobre infeliz que teve o azar de se tornar seu alvo e teve que se virar para sobreviver.
3 anos depois de achar que escapei de acreditar na cilada que seria a promessa de mais outro reboot que corrigiria os problemas das sequências da franquia, cá estou eu. Halloween 2018 realmente corrige alguns problemas, como as inúmeras tentativas de ligar o Myers a qualquer motivação externa que pudesse dar ao personagem uma aparência porca de profundidade. Vimos isso nas sequências originais, quando introduziram misticismos baratos para tentar explicar a resistência e insistência do Myers, assim no completo lixo realizado pelo Rob Zombie, onde tentaram encaixá-lo numa tramazinha batida de família disfuncional (descrição ainda um tanto generosa do que são aqueles filmes).
Sim, Halloween 2018 não recorre a artifícios baratos que, desde a década de 80, só empobreceram o espírito do conceito original do Carpenter. O problema aqui é que o resultado final é um filme tão absolutamente entediante e sem personalidade, sem qualquer resquício de suspense ou tensão, que eu nem sou capaz de dizer que o odiei. Ele simplesmente existe, não adiciona nada, e será prontamente esquecido por mim com o tempo.
No mais, pobre da Jamie Lee Curtis que retornou para a franquia "uma última vez" pela terceira vez, encontrou, talvez, a rota mais promissora já proposta para a Laurie, e ter sido esse o resultado. Ela é o que carrega os poucos pontos positivos desse reboot, e talvez por isso a Laurie pareça completamente perdida nesse mar de 109 minutos de completa chatice.
Felizmente, precisando de um bom slasher e suspense, ainda temos o original.
Apenas um alerta para quem ainda não assistiu e lhe disseram que a história é uma metáfora para ISTs (como fizeram comigo e parece ser repetido por muitos como se fosse *o* ponto interessante do filme). Esqueçam isso.
Essa interpretação é reducionista e nem se sustenta diante de muito que nos é mostrado. Entrem de cabeça aberta, parem de esperar que tudo seja entregue de bandeja por diálogos expositivos enfadonhos (é um trabalho audiovisual, não se apeguem exclusivamente ao que é ou não dito), e exigir que filmes de horror sejam escapismos preguiçosos.
Digo isso tudo mais pelo desapontamento de perceber que comentários desproporcionalmente negativos são tão mais comuns em filmes de horror (não-formulaicos) que em qualquer outro gênero aqui no Filmow. De resto, que cada um continue assistindo e chegando às suas próprias conclusões sobre o que gostaram e não gostaram numa obra. Só não precisamos nos perpetuar na ignorância de pensar que filmes de horror são uma expressão menos valiosa de cinema e que por isso podemos ser passivos ao assisti-los.
Muito mais que uma narrativa sobre a pobreza, Lola retrata um país esquecido de si e de seu povo.
As Filipinas foram um dos primeiros territórios asiáticos a serem vitimados pelo imperialismo europeu, e só no século passado alcançou sua soberania: foi colônia espanhola do século XVI ao XIX, mas teve sua revolução frustrada, e passou para o domínio dos EUA, situação que perdurou até 1946.
Ao longo do filme, em diversos ambientes de estrutura precarizada, somos — se tal paradoxo é possível — sutilmente bombardeados pela língua inglesa, que infesta não só as ruas da cidade, mas também todas as instituições públicas, as quais supostamente se destinariam a assistir aquela população que não reconhece o idioma como seu. Em duas cenas particularmente bizarras, para não dizer enfurecedoras, uma das idosas recebe uma intimação do tribunal, mas não consegue lê-la, pois não foi redigida na língua que fala; mais tarde, quando todo o núcleo de personagens vai à Corte para o julgamento do acusado, nada podem fazer além de se sentar rígidos, desnorteados, pois a audiência é integralmente realizada em inglês — quando o juiz lhes exige a palavra, ato de mera formalidade, devem mecanicamente repetir três vocábulos que pouco lhes faz sentido: "Yes, your Honour".
As personagens principais, vovó Sepa e vovó Puring, tem em comum sobretudo o fato de serem alvo de diversos processos de segregação. Se por um lado são marginalizadas pelo sistema público, por outro, embora matriarcas de suas respectivas famílias, são esquecidas pelos parentes até que a voz da necessidade reclame a sua presença — e elas, eternas mães, fadadas à servilidade feminina e à invisibilidade da terceira idade, fazem de bom grado; sorriem, amam. Em ambos os casos, quando servem ao seu propósito, são novamente enxotadas como criaturas inconvenientes. O desmazelo social também se reproduz na confusão entre o espaço urbano precário e a natureza, que toma parte na agressão: para conseguir sair do casebre onde vive, vovó Sepá precisa de balsa; nas ruas falhas da cidade, ambas enfrentam com suas ossadas artríticas o vento que lhes sopra a imundice e a chuva violenta que lhes faz encolher sob um guarda-chuva desgastado; quer em casa ou na cidade, em passos lentos e rígidos, devem subir e descer uma série sem fim de degraus, sempre pelo bem dos seus queridos ingratos.
Não confundam o desfecho com outro caso de fetichização da pobreza ou da devoção materna. Não é que
Os 15 anos que compreendem o cinema novo americano são únicos na história filmográfica do país. Afrouxadas as correntes do monopólio dos grandes estúdios e do código de auto-censura da indústria, a nova geração de artistas não só se recusava a alimentar a velha e decadente glamourização hollywoodiana, como a atacava diretamente.
Sempre me pareceu que precisamente quando essas novas vozes passaram a relatar experiências regionalistas dos EUA, sobretudo sob a ótica do íntimo perturbado das suas personagens, é que o cinema americano finalmente alcançou um certo patamar de universalidade — não em sentido de alcançar um vasto público e gerar lucro, como querem as produtoras, mas na capacidade de criar e expressar uma experiência genuinamente humana.
Em sua honestidade crua e desconfortante, A Última Sessão de Cinema é certamente uma das obras-primas da Nova Hollywood. O delírio do estilo de vida americano é aqui revelado tão inautêntico quanto o escapismo dos ridículos faroestes hipermasculinizados. Já a mitológica moralidade da década de 1950, nostálgica, é revelada como um código de conduta que tudo dita, mas que nunca poderia se concretizar, embora teimem em querer conservá-lo sobre os ruinosos pilares da religião, do patriotismo bélico e da dita família tradicional.
Em Anarene, a morte da juventude não abala a vida adulta, já derrotada — longe disso, o mal-estar é muito bem acolhido, num abraço eterno e putrefato.
Engraçado como em Antoine e Colette, Doinel assume para si, de certa forma, responsabilidade pelo mau relacionamento com os pais. E aqui, então, descobrimos que o livro que está escrevendo é justamente sobre os conflitos não resolvidos da infância. Não acredito que ele tenha, em algum momento da vida, realmente afastado a lembrança dos pais, como sei que supus ao ver o curta da Collete,
mas me fez pensar sobre como a paternidade deve ter feito com que tudo reemergisse com mais intensidade. Ele diz a Christine, afinal, que tudo voltaria ao normal entre eles quando terminasse de escrever.
Tenho que confessar que, num primeiro momento, tive um certo desapontamento ao começar a assistir a Baiser Voles e pensar que os filmes seguintes a 400 Coups não seriam tão grandiosos quanto ele, mas ainda estou para encontrar outra série que permita a experiência de conhecer o íntimo de uma personagem como o Truffaut nos possibilitou com o Antoine Doinel.
Happy Together, há pouco mais de dois meses, foi meu primeiro contato com o Wong Kar-wai. Eu não seria capaz de satisfatoriamente pôr em palavras o quão forte foi a impressão construída em mim ao longo desse filme, me trazendo uma obsessão com sua filmografia que beira a devoção religiosa. É claro, o mérito não é apenas do diretor: se não é possível falar na estética de Bergman sem Sven Nykvist e Gunnar Fischer, ou seria injusto falar em Hitchcock e esquecer de Robert Burks, também o trabalho cinematográfico Wong é resultado da visão de seu cinematografista, Christopher Doyle. O conjunto meticuloso de fotografia, design, som, edição, constrói uma realidade visual e narrativa inimaginavelmente peculiar. Aqui estão presentes muitos dos temas comuns na filmografia do diretor, tal quais o amor impossível, a solidão, o sufocante ambiente urbano, além uma melancólica latente e nostálgica por Hong Kong. Tudo isso converge não em prol da imersão numa estrutura narrativa tradicional, mas para trazer presença ao íntimo das personagens. Tampouco poderia querer fazê-lo de outra forma; seu processo de criação é completamente assistemático: Wong escreve seus roteiros ao passo em que os realiza em filme, partindo tão somente de sua ideia inicial, permitindo-se a liberdade de desenvolvê-lo ao passo que contempla as diversas possibilidades de se contar a história. Aliás, mesmo a seleção de música e locais de filmagem, que tanto marcam o longa, antecedem a própria criação narrativa. A associação desses artifícios é de um encaixe tão ideal com o todo do filme que me impossibilitam de vê-los separadamente: nunca mais California Dreaming ou Cranberries sem Chunking Express; nunca Nat King Cole sem Amor à Flor da Pele; e, sem possibilidade me questionar, Chunga's Revenge do Zappa e o tango de Astor Piazzola, na falta de palavras melhores, são, propriamente, Happy Together. Sua obra é o visual no sentido excelente da palavra. Wong Kar-wai é verdadeiro autor de cinema.
Pensei em escrever isso em resposta a um comentário, mas a extensão do texto fugiu meu controle. Sempre achei muito estranha a questão de Michel. Primeiro porque na mesma época em que Gilmore Girls estreou, Buffy, do mesmo canal, tinha Willow e Tara como um casal de mulheres. Buffy mudou de emissora para suas duas últimas temporadas, mas durante seu tempo na Warner elas se beijaram uma única vez, com o criador da série conseguindo, com bastante dificuldade, convencê-los de que a ação era uma reação natural e esperada ao que acontecera no episódio anterior. A emissora nunca teve problema com expressões de sexo e afetividade mostradas na série, inclusive com Willow, anteriormente em uma relação heterossexual. É clara, então, a posição da WB na época, mas meu ponto é que as personagens eram *reconhecidas* como um casal de lésbicas. E então há Michel, que possui vários dos estereótipos atribuídos a personagens homossexuais, em uma série que teve sua evidente parcela de piadas homofóbicas. No revival confirmam o que nunca foi um segredo, expõe que ele está casado com outro homem, mas essa personagem nunca aparece, então não há qualquer interação verdadeira de Michel como homossexual. Não é muito diferente de personagens gays que, nunca sendo estando em uma relação [com alguém do mesmo sexo], servem apenas de alívio cômico por observações sobre suas peculiaridades e falta de masculinidade. E masculinidade porque, não só personagens lésbicas sempre foram mais raras -- e sequer me recordo de alguma personagem feminina que tenha assumido essa posição de alívio cômico por tempo tão prolongado quanto toda a extensão de uma série --, mas porque é a primeira característica a ser insultada em um homem. E há ainda aquele diálogo/piada sobre Stars Hollow não poder ter sua própria parada gay, porque há apenas um homossexual na cidade. Vendo reações ao revival, parece ser consenso agora de que Lorelai e Rory não são exatamente boas pessoas, mas a criadora sempre foi muito confusa ao abordar (ou deixar de fazer menção à) sexualidade, raça, ou mesmo quando ela e o marido escrevem cenas como aquela na piscina, no terceiro episódio -- que levou muitos à essa conclusão sobre as protagonistas. É apenas estranho ver isso em uma série considerada progressiva e, por que não, icônica. O revival parece tão parado no tempo quanto o desenvolvimento das suas personagens.
Sim, é um filme de horror. E horror é um gênero divisivo, poucas vezes aclamado e raramente levado a sério. As expectativas em torno dessas obras é sempre bastante fixa, esquemática, e por isso também penso que a maioria daqueles que se viram decepcionados com A Bruxa não fazem parte da audiência que se interessaria por esse tipo de abordagem. O potencial do horror não está em Premonição, Sexta-feira 13 ou Mama. Não desmerecendo quem gosta desses filmes -- apesar de tê-los escolhido como exemplo por não gostar deles --, mas por estarem entre aqueles mais associados ao gênero, escondem o poder do subjetivo e da introspecção que está presente nas obras primas. O horror é humano, e o horror é parte da vida. Não há nada de errado com obras completamente voltadas ao entretenimento, mas não se deve privar o sentimento horror da sua ligação intrínseca com o drama e o psíquico. Um dos melhores exemplos é a obra de Edgar Allan Poe. O conto Berenice é uma ótima amostra disso, e talvez valha a leitura para aqueles que ainda não decidiram se valeria a pena investir em A Bruxa ou mesmo para quebrar os tantos pressupostos resultantes dos maus costumes do terror comercial, que há tanto tempo são usados para desmerecer o gênero e negligenciar obras que propõem uma alternativa ao formulaico.
Didático demais, mas pouco a apresentar. Infelizmente, é uma armadilha e como muitos filmes semelhantes, apesar de tentar se apresentar como material de postura verdadeiramente crítica, é simplório, um teatro de excessos sustentado pela polêmica fácil e que pouco deixa para reflexão do próprio espectador — e que do pouco que se tira é na esperança de que esse encontre suas próprias frustrações quotidianas retratadas na ira caricata de Frank.
É sempre estranho pensar em como avaliar um documentário. Não é um filme semibiográfico, concedido à liberdade artística dos realizadores para reinventar uma história, ainda que tenhamos acesso apenas à uma curta exposição dos acontecimentos -- nesse caso, de uma vida --, com limitada consciência do que nos foi privado e com a dúvida de se realmente podemos nos atrever a pensar que entendemos algo sobre aquelas pessoas. Resta a habilidade dos realizadores e como abordaram o apresentado.
Desde que conheci seu trabalho, li apenas o bastante para saber o que esperar: como a questão racial afetou seus estudos, seu envolvimento com a luta pelos direitos civis, sua saúde mental e as agressões que sofreu pelo marido -- esse sim o maior defeito desse filme.
Se é possível dizer que foi pela dinâmica da narrativa e que isso não torna Andy Stroud digno de perdão, que não afeta o poder do documentário, é relativo, mas e quanto a responsabilidade da obra? É claro que uma versão santificada e inventada de Nina Simone não é desejada em uma obra biográfica. Do pouco que vimos, sabemos como suas ações também afetaram outros, principalmente sua filha. Mas é bastante desconcertante ter que ouvir o homem que ela publicamente revelou como seu agressor, que chegou a ameaçá-la com uma arma e estuprá-la, falar sobre como ELA podia ser violenta. A obra tem um papel, e dar esse tipo de voz a um violentador não é parte dele. Também queria mais material das suas apresentações e entrevistas, mas esse foi o único verdadeiro desapontamento.
Não sei se foi uma das intenções do diretor ao criar essa obra, mas eu realmente gosto de filmes que zombam da audiência -- esse não tão focado nesse objetivo, mas ainda me lembra de Funny Games. Somos todos voyeurs da ficção, da realidade imaginada, satisfazendo a lacuna da existência com devaneios do que nos move. Até mesmo no poster, somos a terceira personagem, observando o banco no parque em frente à casa. Detalhe para essas insinuações no filme, como quando a porta da sala de aula é fechada, e, através da janela, vemos Rapha, objeto do nosso eu pervertido; ou os objetos em exposição na galeria, a antiarte contemporânea, a observação do cotidiano.
O Conto da Aia (2ª Temporada)
4.5 1,2K Assista AgoraEu me envolvi muito com a série na primeira temporada. Aqui não foi diferente, com momentos brilhantes no desenvolvimento de diversas personagens. Mas apesar disso, ao longo de toda a temporada, cresceu em mim a impressão de que o roteiro não só se acovardou com a brutalidade de Gilead, mas jogou muito sujo com as personagens e os espectadores.
Quando falo em brutalidade, não me refiro às punições físicas e psicológicas, que são mais enfurecedoras que nunca. O que ocorreu foi perda de consequências reais para a protagonista.
June fugiu 3 vezes e chegou a revidar um tapa do merda do Waterford. Nenhuma dessas ações teve consequências para ela. Não só isso, mas dada nova oportunidade de fugir de Gilead no episódio final, ela desiste, supostamente para proteger Hannah.
E não digo "supostamente" por não acreditar nessa motivação, mas porque não faz qualquer sentido para a personagem, que sabe bem que
ela não teria meios de protegê-la ali dentro.
Eu relevei muitos momentos em que senti a inconsistência em relação às pesadas consequências que recaíram sobre as personagens, incluindo June, inclusive pelas menores transgressões, na primeira temporada. Mas é difícil engolir
um final que só parece indicar que cederam de vez ao comercialismo para continuar a explorar o sofrimento dessas personagens, dure quanto durar, custe o que custar, inclusive a credibilidade da história.
Em geral, sim, gostei muito da temporada, mas prossigo, agora, com muito receio pela qualidade do que vem a seguir.
O Conto da Aia (1ª Temporada)
4.7 1,5K Assista AgoraQue a impiedade de obras como O Conto da Aia seja reveladora. Às vezes parece que a posição do gênero distopia na cultura de massa, ou quem sabe justamente por ele estar tão bem consolidado na consciência popular como espécie de entretenimento, aliena os destinatários dessas obras do seu caráter satírico e da concretude da sua denúncia.
Se em 2022 O Conto da Aia parece ressoar como um presságio da recente e imensurável perda aos direitos das mulheres nos EUA, assim como Afeganistão e outros tantos países tomados pela ascensão de grupos reacionários — para não mancionar o eterno risco de regresso no Brasil, hoje ainda maior —, não se enganem, pois essa não é uma obra premonitória. O Conto da Aia parece fadada a sempre ser uma obra secamente descritiva da realidade corrente, fosse primeiro contada há 500 ou daqui a 200 anos .
Nosso país foi fundado no estupro de mulheres indígenas e negras escravizadas. Também foi fundado no estupro de mulheres brancas, "livres" apenas numa interpretação muito ampla do termo. Essa herança não se perde. Em 2021, mais de 17 mil meninas com menos de 14 anos se tornaram mães no Brasil. Tantas outras crianças estupradas que conseguiram realizar o aborto legal foram continuamente violentadas e psicologicamente torturadas para não recorrerem ao seu direito. Tantas outras milhares de mulheres jovens e adultas enfrentaram a mesma realidade. E para além delas, aquelas que não podem engravidar, não se esqueçam que há muitas outras crianças e mulheres idosas. Não se esqueçam também que o estupro é apenas um dos atos simbólicos da opressão feminina, e que os crimes de indivíduos não são nada diante da escala da dominação institucional em todas suas esferas, do Estado e da religião à família e outros espaços de convívio social.
As tragédias de June, Moira, Emily, Janine, Alma, e mesmo de monstros como Serena Joy e Tia Lydia, não são tragédias de um futuro imaginado de uma distopia fictícia. São as vidas de bilhões das mulheres que hoje estão vivas, e das incontáveis mulheres que já se foram.
Barry (1ª Temporada)
4.1 118 Assista AgoraAcabo de terminar a 3ª temporada, mas não trarei nenhum spoiler aqui. Se alguém lendo isso ainda está incerto sobre assistir a essa série ou não, eu espero muito te convencer a fazer isso.
Começar a assistir Barry, com uma premissa que por si só já é hilária e magnífica, foi uma coisa. Mas nada te prepara para a coragem do Bill Hader ao conduzir essa história.
Ao longo de uma temporada, a quase absoluta maioria das séries antecipará, aos poucos, um certo desfecho grandioso, culminando num acontecimento surpreendente, cujo maior objetivo é criar um hype imenso para o que virá a seguir. Mas ao começar a temporada seguinte, toda aquela grandiosidade será contida, muitas vezes de forma completamente anti-climática, apenas para que novamente se construa um grande hype para o ano seguinte. Todo fã de série sabe e aceita isso, porque a essa altura é mera metalinguagem.
Barry não faz isso. Coisas acontecem, coisas são feitas, personagens crescem e se revelam, e não há volta. Nunca. A série nunca se trai. A história continua crescendo, e entre o riso impossível de conter, gargalhando de muitas das coisas mais humanamente reprováveis e devastadoras, a bizarra tragédia de personagens tão improváveis apenas te deixa sem palavras.
Stranger Things (4ª Temporada)
4.2 1,0K Assista AgoraCom esse novo arco, finalmente (!), nos é revelado algo mais sobre o Upside-Down. É o mínimo, depois de dezenas de horas investidas e 6 anos desde a primeira temporada. Igualmente, muito bem vindo é o desenvolvimento de certos personagens (com destaque para Max), mas ainda paira sobre ST o absurdo desperdício de tantos outros. Há quantos anos os fãs não apontam o potencial do Will, só para aqui ele ser relegado ao núcleo mais redundante e entediante dos quatro? E digo isso, SIM, levando em conta o núcleo da Joyce e da União Soviética. E por que diabos introduzir um novo personagem a um núcleo recorrente, apenas para fazê-lo tão sem propósito como o Argyle!? POR QUÊ!???
ST4 tem muitos pontos positivos, mas também recai em muitos dos mesmos erros das temporadas anteriores. Representa uma evolução para Stranger Things, sem dúvidas, mas também não é revolucionária. A série teima em seguir um fórmula muito rígida com a movimentação dos seus núcleos, com a inicial separação dos personagens, reunião no último episódio e um clímax à base do "poder da amizade". É muito peculiar como uma série que permanece andando em círculos, continua causando tanto alvoroço sempre que novos episódios são lançados, mas também não posso fingir que já não aceitei que essa é realidade de quem assiste ST. Com a 3ª temporada, considerei não retornar, mas aqui estamos e também recuperei um pouco do meu entusiasmo com a série. Que venha a quinta e última.
O Balconista
3.9 222 Assista AgoraEm qualquer outro trabalho independente, as atuações amadoras poderiam acrescentar um certo charme ao filme. Aqui, os atores não parecem ter qualquer noção de timing cômico e reproduzem toda fala da maneira mais desinteressante possível — ou quem sabe seja mais uma falha da própria direção do Kevin Smith. Para tornar tudo ainda mais insuportavelmente chato, toda a ideia de comédia desse filme é baseado em referências pop e tentativas de chocar o espectador, sempre batendo na mesma tecla de misoginia e babaquice injustificada, como se bastasse isso para fazer sátira e humor negro.
Em qualquer outro trabalho independente, as atuações amadoras poderiam acrescentar um certo charme ao filme. Em Clerks, escancara o quão maçante e ruim é o roteiro.
One Piece: Saga 9 - Ilha dos Tritões
4.1 32Me sinto tão validado em ver que essa saga é odiada rs
Na época que estava sendo lançada, eu já bastante exausto com alguns animes eternos e até One Piece perdendo seu rumo nessa saga interminável e chata, acabei abandonando o anime e, meses depois, o mangá (os dois estavam bem próximos na época, então era sofrimento em dobro). Até comecei Punk Hazard no mangá e me lembro da minha primeira gargalhada em muito tempo (com o Usopp, é claro), mas já tinha acumulado tantos capítulos que aos poucos deixei de acompanhar. Vendo as datas de lançamento do mangá, já vai fazer 10 anos (caramba).
Ainda sinto falta, mas (re)começar agora parece ainda mais intimidante do que quando comecei a ler o mangá, em 2009.
Nossa Bandeira é a Morte (1ª Temporada)
4.2 51 Assista AgoraDemora um pouco para mostrar a que veio, mas a chegada do Blackbeard realmente transforma a série. Depois que ele se encontra com o Stede, não há um episódio arrastado, como foram os primeiros, e OFMD te conquista tanto pelos momentos não ortodoxos quanto pelos mais bobos.
A única dificuldade que persiste, e que espero muito que consigam superar na segunda temporada, é a inconsistência interna dos episódios. Blackbeard e Stede, (juntos, principalmente) são incríveis, e a série sabe disso. O problema é que os outros personagens são tão mal explorados que, salvo os poucos momentos em que alguns deles puderam brilhar, suas cenas mais pareceram intervalos indesejados que interrompiam o que realmente te conquista na série.
Nota final: be gay, do crime/10 estrelas (mas na real, 6/10)
Você Nem Imagina
3.4 518 Assista AgoraHonestamente intrigado por como tantas pessoas podem chamar de
queerbaiting um filme em que a protagonista É QUEER. Não é poque a Ellie não fica com a Aster que o filme deixa de ser sobre uma personagem lésbica. Não existe baiting nenhum aqui.
Dito isso, minhas impressões: não sou fã de comédias românticas, nem costumo procurar por filmes do gênero, mas fiquei curioso em como uma trama inspirada em Cyrano seria desenvolvida com uma protagonista lésbica.
E afinal, fui muito bem surpreendido por como a Alice Wu aborda as convenções do gênero no filme, mas também imprime na história uma identidade bastante própria, favorecendo o crescimento da Ellie e optanto por uma rota não-tradicional, até mesmo intimista. E é essa ousadia que, pela sessão de comentários, parece não ter agradado tanto alguns dos que assistiram ao filme, mas para mim com certeza tornou a experiência do filme muito mais rica e memorável — o que eu realmente não esperava de uma comédia romântica, muito menos de uma produzida pela Netflix.
Sobre o que eu chamo de convenções, é que me pareceu haver um contraste curioso entre as duas metades do filme. Na primeira, o filme parece transcorrer pelo que, geralmente, seria a história inteira de uma comédia romântica, com a amizade entre Ellie e Paul. Fossem ambos heterossexuais, a trama não precisaria ir além para ser encerrada da forma mais convencional possível. Ocorre que não só a Ellie é lésbica, como ela traz em sua vida diversos outros dilemas que uma comédia romântica tradicional não seria suficiente para permitir que ela crescesse. E aí está o grande acerto da Alice Wu, que além de libertar a Ellie das amarras daquela cidade e do que foi sua vida até então, também a liberta das regras comumente rígidas das comédias românticas.
Yellowjackets (1ª Temporada)
3.8 219 Assista AgoraUma mais que grata surpresa. A sinopse transcrita no filmow é bastantes direta, embora seja mesmo apenas a camada mais superficial da história.
Intercalando passado e presente, acompanhamos, em 1996, o grupo que sobreviveu ao desastre aéreo, e em 2021, quatro das sobreviventes que foram regatadas, 19 meses depois do ocorrido. O cuidado em conectar o elenco de ambos períodos é mais que evidente, e um dos grandes pontos positivos da série, que consegue transitar entre as duas tramas de forma bastante orgânica e engajadora. É aos poucos que vamos conhecendo as personagens, a dinâmica entre elas, e como a tragédia que as uniu afetou cada uma intimamente.
Ocorre que não se trata de apenas um drama de sobreviventes, mas também de um mistério. A cena que introduz a série de pronto estabelece que o trauma sofrido não se limitou à ocorrência do acidente, tampouco ao que precisaram fazer para não sucumbir na selva. Apesar disso, o que nos é revelado até o décimo e último episódio da temporada ocorre gradualmente, tanto no núcleo de 96 quanto no núcleo de 2021. E entre conflitos e paranoia, nunca sabemos se os elementos sobrenaturais da história realmente existem naquele mundo ou se são manifestação da perturbação interna das personagens.
Sem querer revelar muito, garanto que vale a pena ser conferida.
Dexter: Sangue Novo
3.7 396Agora que a série se encerrou e as inevitáveis reações negativas estão aparecendo, eu começo dizendo o que para mim já era evidente há muitos episódios: a trama de New Blood foi muito mal escrita, e não se limita ao último episódio.
Inclusive, aquele evento final não me parece um caminho inusitado para a jornada do Dexter, como foi o também terrível encerramento da série original. Foi, é claro, muito mal executado, com o incoerente comportamento do Dexter e do Harrison, como muitos já escreveram abaixo, mas também pela falta de desenvolvimento da relação entre pai e filho. Entre as infinitas birras do Harrison e o eterno silêncio do Dexter, tivemos um único episódio, com pouco proveito do que antecedeu o episódio 8 (no qual eles só têm a última cena juntos).
Apesar de não ver o destino do Dexter como algo saído do nada, como foi na 8ª temporada (e só o do Dexter, o do Harrison é outra história) o que me parece é que roteiristas criaram a série a partir do que tinham em mente para o final, e deixaram um rastro de furos, contradições e deus ex machina no caminho.
Dexter foi o único personagem minimamente desenvolvido ao longo de New Blood. Harrison foi instrumental, e os outros personagens e a promessa do primeiro episódio de que eles teriam alguma jornada pessoal, simplesmente desapareceram. Angela, cuja vida adulta INTEIRA foi moldada pelo desaparecimento da melhor amiga, desiste da investigação do assassinato da Iris sem maiores repercussões, e com pouco ou nenhum motivo decide investigar o Dexter. Desde o encontro dela com Batista, a Angela foi reduzida ao mais ridículo artifício de roteiro que essa série já viu.
Quando não eram as coincidências mais inacreditáveis possíveis para tentar mover a trama para o fim desejado, tornando a exposição do Dexter como o assassino de Matt e como o Bay Harbor Butcher completamente desmerecida e inorgânica, eram as mais irritantes contradições e absurdos. Investigação policial que avança com simples pesquisas ao Google? Marca de injeção em cadáver? Em cadáver que ficou meses, anos até, submerso no mar? E ketamina!? Nem era essa a substância que o Dexter usava na série original! Era Etorfina, e isso foi parte integral de diversas tramas de diversas temporadas. Como uma substância que ele usou somente em New Blood, justamente por já não ter acesso ao laboratório forense, ser o que ligou ele ao Bay Harbor Butcher, um caso que foi concluído 20 anos antes? Como Angela se contenta e para de investigar o Kurt, apesar de a única oposição à evidência FORENSE que ela coletou, de ele ter mentido sobre ter conversado com o filho, de ele ter uma maldita cabana isolada na floresta, para onde ele levou a Molly, que foi RESGATADA pelo Dexter e EXPRESSAMENTE FALOU para a Angela sobre como ela achou que seria morta (cabine cuja área subterrânea foi completamente destruída pelo próprio Kurt) é uma historiazinha contada justamente pelo único suspeito de matar a Iris? Em vez disso, sem qualquer correlação com nada, ela "institivamente" suspeita que o Dexter é um assassino e passa a investigá-lo sem ter qualquer razão sólida para fazer isso.
Pois é, no fim eu já não esperava qualquer coisa perto de satisfatória. Até engraçado dizer isso depois do textão, mas no fim eu realmente não me importava com o que aconteceria no último episódio, porque já tinha desistido da série há uma boas semanas. Para quem pelo menos achou esse final melhor que o original, que tenham feito bom proveito do que nos foi dado. Para mim, infelizmente, não consigo ser favorável a qualquer de duas péssimas alternativas.
E agora que estravazei o que me restava de frustração, enterro Dexter de vez e encerro uma review desnecessariamente longa sobre uma série desnecessariamente desnecessária.
Halloween
3.4 1,1KA completa antítese do suspense.
Nos dois primeiros filmes da franquia, Myers é creditado simplesmente como "The Shape". Não à toa, pois Myers foi concebido pelo Carpenter como algo simples e puramente maligno, cuja única força motriz é o desejo de matar. Nada mais, nada menos, e a Laurie era apenas uma pobre infeliz que teve o azar de se tornar seu alvo e teve que se virar para sobreviver.
3 anos depois de achar que escapei de acreditar na cilada que seria a promessa de mais outro reboot que corrigiria os problemas das sequências da franquia, cá estou eu. Halloween 2018 realmente corrige alguns problemas, como as inúmeras tentativas de ligar o Myers a qualquer motivação externa que pudesse dar ao personagem uma aparência porca de profundidade. Vimos isso nas sequências originais, quando introduziram misticismos baratos para tentar explicar a resistência e insistência do Myers, assim no completo lixo realizado pelo Rob Zombie, onde tentaram encaixá-lo numa tramazinha batida de família disfuncional (descrição ainda um tanto generosa do que são aqueles filmes).
Sim, Halloween 2018 não recorre a artifícios baratos que, desde a década de 80, só empobreceram o espírito do conceito original do Carpenter. O problema aqui é que o resultado final é um filme tão absolutamente entediante e sem personalidade, sem qualquer resquício de suspense ou tensão, que eu nem sou capaz de dizer que o odiei. Ele simplesmente existe, não adiciona nada, e será prontamente esquecido por mim com o tempo.
No mais, pobre da Jamie Lee Curtis que retornou para a franquia "uma última vez" pela terceira vez, encontrou, talvez, a rota mais promissora já proposta para a Laurie, e ter sido esse o resultado. Ela é o que carrega os poucos pontos positivos desse reboot, e talvez por isso a Laurie pareça completamente perdida nesse mar de 109 minutos de completa chatice.
Felizmente, precisando de um bom slasher e suspense, ainda temos o original.
Corrente do Mal
3.2 1,8K Assista AgoraApenas um alerta para quem ainda não assistiu e lhe disseram que a história é uma metáfora para ISTs (como fizeram comigo e parece ser repetido por muitos como se fosse *o* ponto interessante do filme). Esqueçam isso.
Essa interpretação é reducionista e nem se sustenta diante de muito que nos é mostrado. Entrem de cabeça aberta, parem de esperar que tudo seja entregue de bandeja por diálogos expositivos enfadonhos (é um trabalho audiovisual, não se apeguem exclusivamente ao que é ou não dito), e exigir que filmes de horror sejam escapismos preguiçosos.
Digo isso tudo mais pelo desapontamento de perceber que comentários desproporcionalmente negativos são tão mais comuns em filmes de horror (não-formulaicos) que em qualquer outro gênero aqui no Filmow.
De resto, que cada um continue assistindo e chegando às suas próprias conclusões sobre o que gostaram e não gostaram numa obra. Só não precisamos nos perpetuar na ignorância de pensar que filmes de horror são uma expressão menos valiosa de cinema e que por isso podemos ser passivos ao assisti-los.
Lola
3.7 35 Assista AgoraMuito mais que uma narrativa sobre a pobreza, Lola retrata um país esquecido de si e de seu povo.
As Filipinas foram um dos primeiros territórios asiáticos a serem vitimados pelo imperialismo europeu, e só no século passado alcançou sua soberania: foi colônia espanhola do século XVI ao XIX, mas teve sua revolução frustrada, e passou para o domínio dos EUA, situação que perdurou até 1946.
Ao longo do filme, em diversos ambientes de estrutura precarizada, somos — se tal paradoxo é possível — sutilmente bombardeados pela língua inglesa, que infesta não só as ruas da cidade, mas também todas as instituições públicas, as quais supostamente se destinariam a assistir aquela população que não reconhece o idioma como seu. Em duas cenas particularmente bizarras, para não dizer enfurecedoras, uma das idosas recebe uma intimação do tribunal, mas não consegue lê-la, pois não foi redigida na língua que fala; mais tarde, quando todo o núcleo de personagens vai à Corte para o julgamento do acusado, nada podem fazer além de se sentar rígidos, desnorteados, pois a audiência é integralmente realizada em inglês — quando o juiz lhes exige a palavra, ato de mera formalidade, devem mecanicamente repetir três vocábulos que pouco lhes faz sentido: "Yes, your Honour".
As personagens principais, vovó Sepa e vovó Puring, tem em comum sobretudo o fato de serem alvo de diversos processos de segregação. Se por um lado são marginalizadas pelo sistema público, por outro, embora matriarcas de suas respectivas famílias, são esquecidas pelos parentes até que a voz da necessidade reclame a sua presença — e elas, eternas mães, fadadas à servilidade feminina e à invisibilidade da terceira idade, fazem de bom grado; sorriem, amam. Em ambos os casos, quando servem ao seu propósito, são novamente enxotadas como criaturas inconvenientes. O desmazelo social também se reproduz na confusão entre o espaço urbano precário e a natureza, que toma parte na agressão: para conseguir sair do casebre onde vive, vovó Sepá precisa de balsa; nas ruas falhas da cidade, ambas enfrentam com suas ossadas artríticas o vento que lhes sopra a imundice e a chuva violenta que lhes faz encolher sob um guarda-chuva desgastado; quer em casa ou na cidade, em passos lentos e rígidos, devem subir e descer uma série sem fim de degraus, sempre pelo bem dos seus queridos ingratos.
Não confundam o desfecho com outro caso de fetichização da pobreza ou da devoção materna. Não é que
o amor resolve o conflito, como a sinopse prenuncia; é que não há escolha.
A Última Sessão de Cinema
4.1 123 Assista AgoraOs 15 anos que compreendem o cinema novo americano são únicos na história filmográfica do país. Afrouxadas as correntes do monopólio dos grandes estúdios e do código de auto-censura da indústria, a nova geração de artistas não só se recusava a alimentar a velha e decadente glamourização hollywoodiana, como a atacava diretamente.
Sempre me pareceu que precisamente quando essas novas vozes passaram a relatar experiências regionalistas dos EUA, sobretudo sob a ótica do íntimo perturbado das suas personagens, é que o cinema americano finalmente alcançou um certo patamar de universalidade — não em sentido de alcançar um vasto público e gerar lucro, como querem as produtoras, mas na capacidade de criar e expressar uma experiência genuinamente humana.
Em sua honestidade crua e desconfortante, A Última Sessão de Cinema é certamente uma das obras-primas da Nova Hollywood. O delírio do estilo de vida americano é aqui revelado tão inautêntico quanto o escapismo dos ridículos faroestes hipermasculinizados. Já a mitológica moralidade da década de 1950, nostálgica, é revelada como um código de conduta que tudo dita, mas que nunca poderia se concretizar, embora teimem em querer conservá-lo sobre os ruinosos pilares da religião, do patriotismo bélico e da dita família tradicional.
Em Anarene, a morte da juventude não abala a vida adulta, já derrotada — longe disso, o mal-estar é muito bem acolhido, num abraço eterno e putrefato.
"Never you mind, honey. Never you mind."
O tédio entorpecente prossegue e consome.
Domicílio Conjugal
4.1 114 Assista AgoraEngraçado como em Antoine e Colette, Doinel assume para si, de certa forma, responsabilidade pelo mau relacionamento com os pais. E aqui, então, descobrimos que o livro que está escrevendo é justamente sobre os conflitos não resolvidos da infância.
Não acredito que ele tenha, em algum momento da vida, realmente afastado a lembrança dos pais, como sei que supus ao ver o curta da Collete,
mas me fez pensar sobre como a paternidade deve ter feito com que tudo reemergisse com mais intensidade. Ele diz a Christine, afinal, que tudo voltaria ao normal entre eles quando terminasse de escrever.
Tenho que confessar que, num primeiro momento, tive um certo desapontamento ao começar a assistir a Baiser Voles e pensar que os filmes seguintes a 400 Coups não seriam tão grandiosos quanto ele, mas ainda estou para encontrar outra série que permita a experiência de conhecer o íntimo de uma personagem como o Truffaut nos possibilitou com o Antoine Doinel.
Felizes Juntos
4.2 261 Assista AgoraHappy Together, há pouco mais de dois meses, foi meu primeiro contato com o Wong Kar-wai. Eu não seria capaz de satisfatoriamente pôr em palavras o quão forte foi a impressão construída em mim ao longo desse filme, me trazendo uma obsessão com sua filmografia que beira a devoção religiosa. É claro, o mérito não é apenas do diretor: se não é possível falar na estética de Bergman sem Sven Nykvist e Gunnar Fischer, ou seria injusto falar em Hitchcock e esquecer de Robert Burks, também o trabalho cinematográfico Wong é resultado da visão de seu cinematografista, Christopher Doyle.
O conjunto meticuloso de fotografia, design, som, edição, constrói uma realidade visual e narrativa inimaginavelmente peculiar. Aqui estão presentes muitos dos temas comuns na filmografia do diretor, tal quais o amor impossível, a solidão, o sufocante ambiente urbano, além uma melancólica latente e nostálgica por Hong Kong. Tudo isso converge não em prol da imersão numa estrutura narrativa tradicional, mas para trazer presença ao íntimo das personagens. Tampouco poderia querer fazê-lo de outra forma; seu processo de criação é completamente assistemático: Wong escreve seus roteiros ao passo em que os realiza em filme, partindo tão somente de sua ideia inicial, permitindo-se a liberdade de desenvolvê-lo ao passo que contempla as diversas possibilidades de se contar a história. Aliás, mesmo a seleção de música e locais de filmagem, que tanto marcam o longa, antecedem a própria criação narrativa. A associação desses artifícios é de um encaixe tão ideal com o todo do filme que me impossibilitam de vê-los separadamente: nunca mais California Dreaming ou Cranberries sem Chunking Express; nunca Nat King Cole sem Amor à Flor da Pele; e, sem possibilidade me questionar, Chunga's Revenge do Zappa e o tango de Astor Piazzola, na falta de palavras melhores, são, propriamente, Happy Together.
Sua obra é o visual no sentido excelente da palavra. Wong Kar-wai é verdadeiro autor de cinema.
O Amor aos Vinte Anos
4.1 47Alguém conseguiu esse filme com o áudio original de cada curta? Só o encontro completamente dublado em italiano.
Gilmore Girls: Um Ano para Recordar
4.2 419 Assista AgoraPensei em escrever isso em resposta a um comentário, mas a extensão do texto fugiu meu controle.
Sempre achei muito estranha a questão de Michel.
Primeiro porque na mesma época em que Gilmore Girls estreou, Buffy, do mesmo canal, tinha Willow e Tara como um casal de mulheres. Buffy mudou de emissora para suas duas últimas temporadas, mas durante seu tempo na Warner elas se beijaram uma única vez, com o criador da série conseguindo, com bastante dificuldade, convencê-los de que a ação era uma reação natural e esperada ao que acontecera no episódio anterior. A emissora nunca teve problema com expressões de sexo e afetividade mostradas na série, inclusive com Willow, anteriormente em uma relação heterossexual. É clara, então, a posição da WB na época, mas meu ponto é que as personagens eram *reconhecidas* como um casal de lésbicas.
E então há Michel, que possui vários dos estereótipos atribuídos a personagens homossexuais, em uma série que teve sua evidente parcela de piadas homofóbicas. No revival confirmam o que nunca foi um segredo, expõe que ele está casado com outro homem, mas essa personagem nunca aparece, então não há qualquer interação verdadeira de Michel como homossexual. Não é muito diferente de personagens gays que, nunca sendo estando em uma relação [com alguém do mesmo sexo], servem apenas de alívio cômico por observações sobre suas peculiaridades e falta de masculinidade. E masculinidade porque, não só personagens lésbicas sempre foram mais raras -- e sequer me recordo de alguma personagem feminina que tenha assumido essa posição de alívio cômico por tempo tão prolongado quanto toda a extensão de uma série --, mas porque é a primeira característica a ser insultada em um homem.
E há ainda aquele diálogo/piada sobre Stars Hollow não poder ter sua própria parada gay, porque há apenas um homossexual na cidade. Vendo reações ao revival, parece ser consenso agora de que Lorelai e Rory não são exatamente boas pessoas, mas a criadora sempre foi muito confusa ao abordar (ou deixar de fazer menção à) sexualidade, raça, ou mesmo quando ela e o marido escrevem cenas como aquela na piscina, no terceiro episódio -- que levou muitos à essa conclusão sobre as protagonistas. É apenas estranho ver isso em uma série considerada progressiva e, por que não, icônica. O revival parece tão parado no tempo quanto o desenvolvimento das suas personagens.
A Bruxa
3.6 3,4K Assista AgoraSim, é um filme de horror. E horror é um gênero divisivo, poucas vezes aclamado e raramente levado a sério. As expectativas em torno dessas obras é sempre bastante fixa, esquemática, e por isso também penso que a maioria daqueles que se viram decepcionados com A Bruxa não fazem parte da audiência que se interessaria por esse tipo de abordagem.
O potencial do horror não está em Premonição, Sexta-feira 13 ou Mama. Não desmerecendo quem gosta desses filmes -- apesar de tê-los escolhido como exemplo por não gostar deles --, mas por estarem entre aqueles mais associados ao gênero, escondem o poder do subjetivo e da introspecção que está presente nas obras primas. O horror é humano, e o horror é parte da vida. Não há nada de errado com obras completamente voltadas ao entretenimento, mas não se deve privar o sentimento horror da sua ligação intrínseca com o drama e o psíquico.
Um dos melhores exemplos é a obra de Edgar Allan Poe. O conto Berenice é uma ótima amostra disso, e talvez valha a leitura para aqueles que ainda não decidiram se valeria a pena investir em A Bruxa ou mesmo para quebrar os tantos pressupostos resultantes dos maus costumes do terror comercial, que há tanto tempo são usados para desmerecer o gênero e negligenciar obras que propõem uma alternativa ao formulaico.
Deus Abençoe a América
4.0 798Didático demais, mas pouco a apresentar. Infelizmente, é uma armadilha e como muitos filmes semelhantes, apesar de tentar se apresentar como material de postura verdadeiramente crítica, é simplório, um teatro de excessos sustentado pela polêmica fácil e que pouco deixa para reflexão do próprio espectador — e que do pouco que se tira é na esperança de que esse encontre suas próprias frustrações quotidianas retratadas na ira caricata de Frank.
What Happened, Miss Simone?
4.4 401 Assista AgoraÉ sempre estranho pensar em como avaliar um documentário. Não é um filme semibiográfico, concedido à liberdade artística dos realizadores para reinventar uma história, ainda que tenhamos acesso apenas à uma curta exposição dos acontecimentos -- nesse caso, de uma vida --, com limitada consciência do que nos foi privado e com a dúvida de se realmente podemos nos atrever a pensar que entendemos algo sobre aquelas pessoas. Resta a habilidade dos realizadores e como abordaram o apresentado.
Desde que conheci seu trabalho, li apenas o bastante para saber o que esperar: como a questão racial afetou seus estudos, seu envolvimento com a luta pelos direitos civis, sua saúde mental e as agressões que sofreu pelo marido -- esse sim o maior defeito desse filme.
Se é possível dizer que foi pela dinâmica da narrativa e que isso não torna Andy Stroud digno de perdão, que não afeta o poder do documentário, é relativo, mas e quanto a responsabilidade da obra? É claro que uma versão santificada e inventada de Nina Simone não é desejada em uma obra biográfica. Do pouco que vimos, sabemos como suas ações também afetaram outros, principalmente sua filha. Mas é bastante desconcertante ter que ouvir o homem que ela publicamente revelou como seu agressor, que chegou a ameaçá-la com uma arma e estuprá-la, falar sobre como ELA podia ser violenta. A obra tem um papel, e dar esse tipo de voz a um violentador não é parte dele. Também queria mais material das suas apresentações e entrevistas, mas esse foi o único verdadeiro desapontamento.
Dentro da Casa
4.1 554 Assista AgoraNão sei se foi uma das intenções do diretor ao criar essa obra, mas eu realmente gosto de filmes que zombam da audiência -- esse não tão focado nesse objetivo, mas ainda me lembra de Funny Games. Somos todos voyeurs da ficção, da realidade imaginada, satisfazendo a lacuna da existência com devaneios do que nos move. Até mesmo no poster, somos a terceira personagem, observando o banco no parque em frente à casa.
Detalhe para essas insinuações no filme, como quando a porta da sala de aula é fechada, e, através da janela, vemos Rapha, objeto do nosso eu pervertido; ou os objetos em exposição na galeria, a antiarte contemporânea, a observação do cotidiano.
Nunca Fui Santa
3.7 297I'm a lesbian because my mother got married in pants =/
A Estranha Passageira
4.2 86Eu diria que seu maior mérito é seguir por um caminho incomum aos romances hollywoodianos, mas como colocar Bette Davis em segundo lugar?