Nesse Dia dos Pais lembrei dessa delícia aqui: Pateta - O Filme, de Kevin Lima, com música de Carter Burwell, lançado em 1995. Foi uma das primeiras fitas VHS que ganhei da minha mãe. Há muito tempo não revejo o filme, mas tenho viva a lembrança do quanto ele me deixava melancólico, mais até do que fazia rir. Era uma abordagem mais adolescente - em constraste com as histórias infantis que a Disney produzia na época -, tratando do relacionamento complicado entre Pateta e seu filho "rebelde" Max. Os conflitos típicos de um choque de gerações faziam do filme uma experiência divertida, mas imensamente carismática e de forte apelo emocional. Bons tempos! Feliz Dia dos Pais a todos. ❤
Nesse Dia dos Pais lembrei dessa delícia aqui: Pateta - O Filme, de Carter Burwell, lançado em 1995. Foi uma das primeiras fitas VHS que ganhei da minha mãe. Há muito tempo não revejo o filme, mas tenho viva a lembrança do quanto ele me deixava melancólico, mais até do que fazia rir. Era uma abordagem mais adolescente - em constraste com as histórias infantis que a Disney produzia na época -, tratando do relacionamento complicado entre Pateta e seu filho "rebelde" Max. Os conflitos típicos de um choque de gerações faziam do filme uma experiência divertida, mas imensamente carismática e de forte apelo emocional. Bons tempos! Feliz Dia dos Pais a todos. ❤
Tudo é "inho" nesse filme. Bonitinho, limpinho, bem feitinho, tudo em função de uma avalanche de convencionalidades, truques velhos e umas ceninhas de redenção novelesca cafonas e artificiais. As crianças dão show e o uso de Pink Floyd num momento chave foi excelente, assim como as citações a O Massacre da Serra Elétrica, de Tobe Hooper. Ethan Hawke está ali apenas para que se possa incluir um nome de peso no poster de divulgação e o diretor, coitado, perde umas 15 oportunidades de criar cenas impactantes.
De surpreendente mesmo, apenas as revelações de Mason Thames e Madeleine McGraw como dois talentos a quem devemos prestar atenção. A trama, baseada num conto de Joe Hill, serve para uma óbvia constatação: ele não é seu pai.
Uma produção que nunca falha em derreter meu coração é Pequena Miss Sunshine (Little Miss Sunshine), de Jonathan Dayton e Valerie Faris. Esse compartilha de muitas características dos supracitados. É um filme para rir e chorar, constatar verdades inconvenientes, perceber que às vezes buscamos a esperança em lugares impossíveis, quando na verdade ela é bem mais acessível do que poderíamos considerar. O pai de família interpretado por Greg Kinnear é um homem obcecado pelo sucesso. Apesar de ser um fracasso na vida profissional, dá palestras do tipo “Sete Passos para o Sucesso”. Pior, acredita na fórmula, mesmo com todas as provas de que não funciona. Repreende a filha por ser gordinha, o cunhado por ser gay, o pai por usar drogas – e por “não ser ninguém” – e o filho mais velho por não ser forte, bonito ou popular. Circunstâncias acabam convencendo-o a atravessar o país com essa turma numa van caindo aos pedaços, para que Olive, a filhinha, possa participar de um famoso concurso infantil de misses, pelo qual é fascinada graças à televisão e aos moralismos que ouve o tempo todo em casa (“Não coma sorvete, você vai engordar!”).
O ideal do sonho é desmistificado em cada pequeno detalhe desse filme. É impossível não se identificar em algum nível. Famílias parecidíssimas com essa estão por toda a parte. Os valores que aprisionam os personagens também. Não se trata apenas do american dream, apesar de o filme ser claramente sobre isso. Já chegamos a um ponto onde muitos aspectos daquela cultura parecem confundir-se quase que implacavelmente com a nossa. Entre muitos, há dois momentos que me emocionam de maneira especial. Um é quando determinado personagem descobre que seu maior sonho é absolutamente impossível (sim, o impossível existe!). Não é preciso partilhar de suas aspirações para entender seu desespero. Faz-me pensar se realmente faz sentido concentrar toda a energia de uma vida em torno de um único objetivo. E se simplesmente não for possível? O que sobra depois? Igualmente cruel é outro questionamento pertinente que o filme desperta: e se der “tudo certo”? O que você fará em seguida?
O outro grande momento acontece durante o ridículo e indefensável concurso de “beleza” do qual Olive participa. Enoja- me saber que aquilo condiz com a realidade. Crianças que parecem miniadultos, comportando-se de maneira absolutamente incondizente com sua idade, enquanto Olive, a única criança de verdade ali, é repreendida justo pelas execráveis mães das robóticas concorrentes. É impossível conter as lágrimas diante da atitude dessa família durante a apresentação. Sob os olhares estupefatos dos hipócritas que infestam o recinto, eles provam que Olive é a vencedora absoluta do concurso, a única concorrente que levou a verdadeira e pura beleza ao palco. E claro, seu pai acaba experimentando na pele uma bela prova da fragilidade de suas convicções. Embora essas cenas isoladas sejam minhas prediletas, o filme todo é entrecortado por uma imagem simbólica, que sintetiza as discussões desse e dos demais citados: a van desgastada que só sai do lugar quando todos a empurram ao mesmo tempo. Que ela funcione – ainda que com muita dificuldade – é a mais palpável definição de sucesso que consigo identificar nessa história, familiar em tantos sentidos.
Trecho de meu livro O Filme Nosso de Cada Dia, de 2014
Aos 12 anos eu amava Tropas Estelares (StarshipTroopers), só que pelas razões erradas. Nada de mal nisso, o filme definitivamente não é para crianças. Paul Verhoeven fez uma das mais ácidas sátiras do totalitarismo e militarismo já filmadas, ao contar a história de uma raça de insetos alienígenas que ameaçam a paz naTerra. Mais uma vez, o mestre do exagero foi recebido com um estrondo. Não chegou a ser um escândalo como o provocado dois anos antes por seu Showgirls, mas o filme não deixou ninguém indiferente. Houve quem entendeu, quem não entendeu, quem fingiu não entender e quem se ofendeu ao notar que o regime retratado era também uma metáfora da América moderna. A pior das reações que provocou, porém, foi a acusação de tratar-se de uma obra “fascista”.
Assim como em Showgirls, tudo em Tropas Estelares foi obviamente planejado para ser exatamente o que é, inclusive as atuações canastronas. Não imagino de que maneira alguém não notaria o tom satírico escancarado logo nas primeiras cenas.Começa com um intencionalmente patético vídeo de recrutamento militar e já corta para uma escola onde um professor ensina a adolescentes que a democracia é ridícula, que a violência é a única forma de manter a ordem e que só os que se alistam no exército são cidadãos, os demais são “apenas” civis. A partir daí o filme nunca para de cutucar a ferida.
Há o veterano de guerra que não tem pernas, mas encoraja um voluntário dizendo que “A infantaria me tornou o homem que sou”; diversas provas de que alguns insetos são mais inteligentes que alguns soldados; os soldados, sempre sorridentes e inexpressivos, mesmo em meio à morte e ao caos; a cientista desmoralizada na televisão por tentar expor sua descoberta de que os insetos também são capazes de pensar; as hilárias peças de propaganda ideológica que, mesmo absurdas, lembram muita coisa que vemos todos os dias; as crianças ensinadas desde cedo a cultuar armas e pisotear baratas gritando “Morram! Morram!”; o protagonista que tira péssimas notas na escola, mas é o melhor dos soldados. É uma fonte infinita de observações e insights sempre contundentes.
Os insetos gosmentos não deixam de representar a forma como todo o aparato estratégico envolvido na guerra induz a população a enxergar o inimigo. No final, um dos soldados indaga aos demais “E aí, macacos, querem viver para sempre?”, deixando clara a conclusão: o que se perpetua com essa noção de civilização é a irracionalidade.
Tropas Estelares tornou-se mais um clássico sci-fi para a coleção de Verhoeven, figurando ao lado de RoboCop e O Vingador do Futuro (Total Recall) em listas dos melhores do gênero e finalmente sendo reconhecido como a genial sátira que é. Assim como Showgirls, gerou centenas de ótimas análises, que podem ser encontradas na internet. Com o mesmo bom humor que exibiu ao aceitar o absurdo “prêmio” de Pior Diretor por Showgirls no Framboesa de Ouro, Verhoeven já ironizou as esdrúxulas acusações de fascismo por Tropas Estelares. Sem explicar-se, lógico. Mesmo as melhores piadas precisam de um bom piadista para funcionar. Ele compreende isso como poucos.
Trecho de meu livro O Filme Nosso de Cada Dia, de 2014
Mentes perturbadas foram tema de muitos filmes inesquecíveis. Tenho um carinho especial por alguns lançados nos anos 60. Além do charme da fotografia em preto e branco e das grandes estrelas da época, esses eram filmes onde o medo e a tensão vinham da sugestão e da confusão mental dos personagens. É claro que não conseguirei fugir do clichê: Psicose (Pycho), de Alfred Hitchcock implora para estar aqui. Não vou me estender quanto à perfeição do filme em diversos quesitos, primeiro porque daria um livro à parte, segundo porque livros e teses inteiras já foram escritos sobre a obra e terceiro porque não me julgo digno de analisá-la.
Psicose habita meu inconsciente desde a infância, mesmo antes de vê-lo. Quando finalmente consegui, foi um evento, quase como se eu pertencesse àquele tempo e estivesse na première do clássico. Qualquer um que dê a devida atenção ao filme notará que ele tem um poder de absorção incomum. Não posso escolher o que mais gosto nele, mas a primeira cena que me vem à cabeça é sempre a de Marion Crane, personagem de Janet Leigh, atormentada pelo sentimento de culpa enquanto dirige na chuva. Hitchcock manipula e questiona nossa moralidade como ninguém. Se tememos por Marion Crane é porque sabemos muito bem o que é sentir medo de que as verdades varridas para debaixo do tapete venham à tona. O mesmo acontece quando Norman Bates tenta fazer com que o carro com um corpo no porta- malas afunde num pântano: por que será que todo o mundo fica tenso quando o carro ameaça parar de afundar?
Trecho de meu livro O Filme Nosso de Cada Dia, de 2014
No clássico Taxi Driver, de Martin Scorsese, o Travis Bickle de Robert DeNiro é um fracassado, solitário e angustiado. Seu hábitat é a rua, onde trabalha como taxista e tem a chance de ver toda a sujeira que se esconde por trás do falso glamour da noite. Embora pouco fale, posso identificar que Travis é altamente moralista e que seus valores baseiam-se em padrões bem antigos. Calcado neles, deseja promover mudanças, limpar um pouco do lixo que tanto o enoja. Não há ironia alguma no fato de que o banho de sangue que promove ao final é o único momento em que sente-se bem, confortável, aliviado: ele acredita piamente que aquilo é bom e necessário. Os valores de Travis simplesmente não cabem no mundo em que vive. As coisas mudaram e ele não é capaz de adequar- se, justamente por não abrir mão de noções que pertencem ao passado. Aquela violência é sua maneira de extravasar esse vazio existencial que o corrói, bem como uma espécie de vingança, já que ele sente-se constantemente vitimado e esquecido.
Scorsese jamais justifica seu comportamento, mas sim problematiza, sem pregar qualquer moral. Há muitos Travis Bickles circulando por aí e só vamos descobri-los quando perderem o controle. Há de se notar a extrema ironia no fato de que Travis passa a ser considerado um herói, já que acaba “salvando” a personagem de Jodie Foster. Caso tivesse sucesso em seu plano de matar o senador, no entanto, o título que recairia sobre ele seria outro, bem como seu destino. Um filme eternamente reassistível, cujo protagonista me parece ser um dos mais complexos do cinema.
Wes Craven pode ter uma carreira irregular, mas nos momentos mais inspirados cravou seu nome para sempre na história do cinema de horror. É fácil notar quais de seus filmes foram feitos para ganhar uns trocados e quais escancaram a visão apaixonada do artista. Nos melhores, percebe-se que ele faz parte da gangue de Tobe Hooper, William Friedkin, John Carpenter e George Romero, os cineastas que entendiam o terror como um reflexo dos medos que caracterizam uma época. Fui fanático por seus filmes durante a adolescência e hoje me reconforta poder revê- los sem qualquer remorso. São obras de grande valor. Em 1984, sete anos após a alegoria niilista de Quadrilha de Sádicos (The Hills Have Eyes), lançou meu preferido entre sua filmografia, A Hora do Pesadelo (Nightmare on Elm Street), que marca o surgimento do icônico Freddy Krueger (magnificamente vivido por Robert Englund). O cenário social lembra O Clube dos Cinco (The Breakfast Club), de John Hughes. Adolescentes conformistas, perdidos, com pais ausentes. O bicho-papão, materializado em Freddy, aterroriza e mata jovens enquanto dormem. Mais tarde, revela-se que o monstro foi criado por um ato vingativo dos aborrecidos pais das vítimas, que tentam esconder o passado a todo custo. É o retrato de uma geração castigada pelos pecados da anterior. A simbologia do sonho também é engenhosa: aqueles jovens nunca ouviram falar de Freddy, mas ele está ao seu redor o tempo todo, em cada ato cheio de remorso e censura de seus pais. Ou seja, Freddy habita seu subconsciente de alguma maneira e é isso que dá a ele a força para ressurgir e atormentá-los. O desconforto e imprevisibilidade do sonho é transmitido com ressonância. Por vezes não se sabe se os personagens estão dormindo ou acordados. Eu amo esse filme. Foi um trauma durante a infância, já que insisti em vê-lo escondido, quando minha mãe me proibiu. Ela estava certa, Freddy me causou pesadelos por um bom tempo. Cheguei a ter febre e vomitar uma vez, graças a ele. Mas ao contrário de outros filmes de terror que me marcaram na infância e depois se revelaram vagabundos, A Hora do Pesadelo melhora e cresce em minha compreensão a cada vez que o revejo. Há muitas alfinetadas ao conservadorismo, principalmente em relação ao sexo, culminando em momentos de horror extremamente sugestivos, como a cena da banheira, a morte de Tina arrastada pelas paredes, a língua que sai do telefone e cama “ejaculando sangue”, como já a vi definida em um artigo. Freddy é sarcástico e impiedoso, mas a melhor fala vem de Nancy, a protagonista. Ao declarar que “a moralidade é uma merda”, Nancy sintetiza o choque de gerações e os debates ideológicos que caracterizaram toda uma época – Reaganismo, alguém? –, num contexto fácil de ser aplicado de maneira globalizada. Como muito bem definiu o especialista Guilherme de Martino em seu Guia de Vídeo – Terror, a posterior banalização do personagem – e do próprio gênero – faz com que pareça exagero fomentar essa leitura, mas Craven sempre teve preocupações críticas em seu trabalho e A Hora do Pesadelo não é a exceção. O próprio diretor, inclusive, temia que Freddy Krueger se tornasse um ídolo adolescente, algo que jamais foi sua intenção e que tentou impedir, mas acabou perdendo a batalha para os colegas gananciosos da indústria. Para quem não se importa com nada disso, no entanto, há o clima tétrico, humor negro abundante, sustos constantes, reviravoltas divertidas, as más atuações que fazem parte do charme desses filmes – Johnny Depp em início de carreira é um atrativo extra – e o alívio dos efeitos práticos, infinitamente mais eficientes que os digitais vistos no insuportável remake de 2010. As inúmeras continuações divertem, mas arranharam a reputação do clássico ao abandonar o horror em nome do humor negro. Craven tem sido constantemente insultado por remakes anêmicos de seus filmes. Dizem os hipócritas que a nova geração merece conhecer suas histórias, mas não pode ser obrigada a ver filmes “datados”. Pois que fiquem com seus monstros digitais sem personalidade e desprovidos de significado, que perdem o valor em menos de um ano. Eu prefiro o eterno. Se para os simplistas isso é ser saudosista, então é o que quero ser. Trecho de meu livro O Filme Nosso de Cada Dia
Em 2009, o sul-africano Neil Blomkamp pegou todo o mundo de surpresa com o mais improvável hit do ano, o delirante Distrito 9 (District 9), sci-fi de orçamento baixo para os padrões do gênero, que tornou- se um cult instantâneo. Não foi em vão. A trama trata basicamente de uma invasão alienígena, como muitas que já vimos, mas os detalhes fazem toda a diferença. Uma enorme nave pousa sobre a cidade de Joanesburgo, na África do Sul e os alienígenas que a controlavam pedem asilo por ali. Ao contrário do que imaginavam, porém, passam a ser hostilizados, obrigados a viver em péssimas condições numa miserável colônia chamada Distrito 9, de onde são proibidos de sair. Ao entrar acidentalmente em contato com uma substância alienígena, Wikus van der Merwe, empregado de uma empresa privada militar encarregada de realocar os aliens para outro distrito, passa a desenvolver uma mutação que aos poucos o iguala às criaturas. Contar mais seria estragar a surpresa de quem não conhece o filme, mas essa simples trama é o ponto de partida para uma controversa e excitante coleção de reviravoltas. A partir do momento em que é capturado, Wikus começa a conhecer melhor sua própria raça – a humana – e é aí que passa a gradativamente se afeiçoar aos monstros que antes repudiava. O filme, uma escancarada alegoria do apartheid, mantém suas metáforas sempre em primeiro plano, bastante visíveis (e o fato de que, mesmo assim, boa parte do público não tenha sequer notado qual o verdadeiro assunto, é apenas assustador). Isso, porém, jamais o desmerece. Blomkamp se assemelha a Paul Verhoeven em sua falta de sutileza, que na verdade não é uma falta, mas o próprio projeto estético do diretor. A eloquência é justamente sua maior qualidade. Distrito 9 é vibrante do início ao fim, mas se fosse apenas isso não teria metade do impacto. Conforme a história avança, as criaturas gosmentas passam a me parecer bem menos asquerosas que os humanos. Para mim, a presença de tal mensagem num filme emocionante e divertido como esse o torna imediatamente especial. Trecho de meu livro O Filme Nosso de Cada Dia
Em A Vila (The Village), M. Night Shyamalan me presenteou com uma simbologia que nunca sai da minha cabeça. Como é bom revê-lo e sempre encontrar novos elementos para serem decodificados. É uma crônica, o que já derruba a boba argumentação de quem aponta erros físicos e lógicos no filme, que não precisa de nada disso para fazer sentido. É uma perfeita metaforização da política do medo. A falsa perfeição da vida naquela aldeia cai por terra quando um imprevisto obriga os moradores a enfrentarem pela primeira vez um grande dilema: um deles terá que atravessar a floresta, onde habitam monstros terríveis cujo nome não deve sequer ser pronunciado, para conseguir remédios. Que a escolhida seja justamente a cega da vila não poderia ser mais perfeito. Há algo além da fronteira que os superiores não querem que o resto do povo saiba, algo que poderia acabar com a “ordem” que vêm mantendo.
Não sei se vale a pena contar aqui o segredo, mas adianto a quem não viu que ele nem é tão difícil de antever, o que em nada diminui a força da mensagem. A Vila evoca pelo menos duas grandes alegorias, Chapeuzinho Vermelho, de Charles Perrault e A Alegoria da Caverna, de Platão. Do famoso conto de fadas, o filme aproveita a função da crendice como instrumento de moralização e controle através do medo, além de parte da simbologia das cores (o vermelho é o perigo, o amarelo, a proteção). Do mito de Platão, A Vila revive a crença de que existem forças que operam a manutenção da ignorância, transformando os cidadãos em cegos que pensam ser capazes de enxergar.
Quem eram os monstros, afinal? O filme reacende o conflito entre realidade e aparência – chegando a lembrar Matrix, que também evoca Platão – de uma maneira que me parece bastante original. Caso não seja, o que ninguém me provou ainda, não me importarei. A Vila nunca falhou em me deixar com os nervos à flor da pele e a mente em frangalhos.
Trecho de meu livro O Filme Nosso de Cada Dia, de 2014
Em A Primeira Noite de um Homem, temos os típicos conflitos internos de um personagem que vive um momento de transição. Recém-formado na faculdade, o rapaz, genialmente interpretado por Dustin Hoffman, simplesmente não sabe o que fazer com seu futuro. Está completamente perdido e solitário, mesmo cercado de pessoas que nunca param de dar pitacos em sua vida. Para representar essa angústia, o diretor criou algumas das cenas mais maravilhosamente simbólicas do cinema. Em uma, Benjamin, o protagonista, aparece aprisionado numa ridícula roupa de mergulho. Através de seu ponto de vista, detrás dos óculos de mergulho e com o som de sua respiração abafada pela máscara de oxigênio, vemos seus pais bombardeando-o com frases que nem ele e nem nós somos capazes de escutar. Então Benjamin pula na água e, toda vez que tenta voltar à superfície é empurrado de volta pelos pais. A cena é, ao mesmo tempo, engraçada e triste. É uma poética representação da agonia de um jovem constantemente sufocado pelas dúvidas e pelos pais, que além de serem incapazes de comunicar-se com ele, são os verdadeiros donos de seu destino. Posteriormente, há uma outra cena que faz um inteligente contraponto a essa, quando Benjamin perde a virgindade e surge relaxando, deitado sobre uma boia na piscina, numa clara alusão ao sentimento de liberdade que tomou conta dele naquele momento. Sempre digo que esse é um dos filmes mais mal interpretados de todos os tempos e toda a vez que o revejo essa noção se fortalece. Não entendo as pessoas que enxergam romantismo e felicidade em A Primeira Noite de um Homem. Para mim, é um dos mais realistas e tristes já feitos, mesmo contando com uma boa parcela de risadas. Realista não na abordagem, que afinal é satírica, mas com certeza nas conclusões que produz através dela. Vejamos, os pais de Benjamin sempre são retratados como completos idiotas que só se importam com frivolidades, dando a impressão de que o garoto estará ferrado enquanto seu futuro depender deles. A senhora Robinson, em atuação antológica deAnne Bancroft, é uma mulher amarga, marcada por traumas e fracassos, que encontra nos pequenos encontros com o garoto a única válvula de escape para sua infeliz existência. Há um diálogo emblemático, que sempre causou longas discussões. Na cena da festa de comemoração de formatura de Benjamin, um senhor se aproxima dele e diz: “Quero lhe dizer uma palavra. Apenas uma palavra, Benjamin: Plástico!”– então se afasta, nunca mais aparecendo. Sim, ele pode estar se referindo à possível melhor carreira para Benjamin e também à camisinha, duas das mais clássicas hipóteses levantadas e que estão perfeitamente de acordo com os temas do filme e as discussões típicas da época. Porém tenho que concordar com todos os que têm certeza de que, acima de tudo, a palavra plástico se refere às pessoas com quem Benjamin convive o tempo todo. São todas prisioneiras de vidas vazias, falsas, insignificantes. São todas de plástico. Então chegamos à cena final, com Benjamin e a personagem de Katharine Ross fugindo do casamento de fachada a que ela estava sendo submetida por sua família. Felizes e livres, decididos a viver a plenitude do amor, longe de tudo e todos. Que romântico. Só que não! Assim que se sentam no ônibus, suas expressões começam a mudar sutilmente, até que ficam visivelmente tristes, percebendo que agiram impulsivamente. Então a lendária canção The Sound of Silence, de Simon & Garfunkel, começa a tocar e a primeira estrofe resume tudo. “Olá escuridão, minha velha amiga/Voltei para conversar com você novamente.” Ou seja, não há final feliz algum. A dúvida e o vazio voltam a pairar sobre os personagens. O filme não mostra o que aconteceu depois, mas deixa a dica. Provavelmente foram viver as vidas de plástico às quais a cultura em que foram criados os condenou. Trecho de meu livro O Filme Nosso de Cada Dia, de 2014
RoboCop é uma sátira, ácida e implacável, como quase todos os filmes de Paul Verhoeven. Guarda também uma forte carga de poesia pop. O personagem Alex Murphy, após ser transformado em RoboCop, é o policial perfeito, por um único motivo: não é humano, é um homem que morreu e renasceu completamente desumanizado, artificialmente transformado numa máquina de matar. Há cenas que me comovem nesse filme. Uma delas é aquela em que a parceira de Murphy, já sabendo que ele é o RoboCop, olha fundo nos olhos da máquina e pergunta “Murphy, você está aí?” – como se buscasse algum resquício de humanidade dentro daquele corpo. Há outra em que Murphy visita sua antiga casa, onde tem alucinações em que reencontra a esposa e o filho. É ali que começa a recuperar o que o torna humano, passando a discernir o certo e o errado, o que gera mais cenas de riqueza simbólica, como quando é praticamente torturado por controle remoto por tentar prender um superior, quando descobre os crimes que o mesmo cometeu.
O filme ainda retrata a hipocrisia de uma corporação que quer “acabar com a criminalidade” – leia-se exterminar os criminosos, com toda a subjetividade do termo e a utópica e desumana noção de que uma “limpeza social” é a solução para o crime – mas cujos membros adoram festas regadas a cocaína e prostitutas. Há ainda a lavagem cerebral promovida pela mídia para desviar a atenção da população, com telejornais não muito honestos e vídeos comerciais que anunciam produtos “para toda a família”, entre eles um jogo de tabuleiro que simula a explosão de bombas em solos hostis. A violência exagerada é também um comentário em torno da banalização do crime e o desrespeito ao valor da vida humana, temas recorrentes em toda a obra de Verhoeven.
RoboCop é uma fonte inesgotável de observações ácidas sobre as consequências sociais do neoliberalismo econômico na Era Reagan, mas que faz tanto sentido hoje quanto em 1987, talvez até mais. Uma pérola atrás da outra. Ah, não posso esquecer, me arrepio só de pensar na retumbante trilha sonora de Basil Poledouris, o saudoso compositor de muitos dos melhores temas do cinema de ação das décadas de 80 e 90. Lamento apenas o preconceito contra o gênero. Obras como essa possuem relevância cultural e estética que às vezes não se percebe apenas por que não se quer.
Trecho de meu livro O Filme Nosso de Cada Dia, de 2014
A Onda se passa na Alemanha dos anos 2000, mas baseia-se num fato real acontecido nos Estados Unidos, em 1967.A transição é perfeita e faz todo o sentido. Conta a história de Rainer Wegner, professor de Ensino Médio que propõe uma experiência prática aos alunos. Para entenderem como se estabelece uma autocracia, sugere que formem um grupo que funcione através de uma lógica fascista. Surge então A Onda, cujo líder é Wegner e o lema é “força pela disciplina”. O estudo foge ao controle rapidamente, por razões diversas. Uma delas é que o próprio Wegner se deixa seduzir pelo poder que lhe é conferido. Os integrantes da Onda passam a agir de maneira violenta e hostil, demonstrando enorme cumplicidade entre si e nenhuma tolerância ao que julgam traição, remetendo a regimes totalitários e grupos extremistas.
Naturalmente, nem todos permanecem no grupo, alguns acabam tornando-se opostos ao mesmo quando notam que há algo de errado. Não fica claro, porém, se a garota mais radicalmente contra a Onda mantém sua posição por convicção ou por vingança pessoal, algo bem sugestivo. O final é ótimo. O professor, percebendo que a situação se agrava, mostra aos alunos que eles fizeram tudo o que ele esperava, o que é bom para o estudo, mas ruim para eles, a escola, suas famílias e a sociedade. Tarde demais, porém. Nem todos possuem a inteligência e autocrítica que seriam necessárias para interromper o que iniciaram. Consequências desastrosas ainda viriam. Não entendo quem reclama da falta de “realismo” dos acontecimentos: do início ao fim, é óbvio que trata-se de uma crônica.
A Onda insinua que as novas gerações, na Alemanha e em qualquer outro lugar, não estão nem de longe livres de cometerem os mesmos erros que possibilitaram os horrores do passado.
Trecho de meu livro O Filme Nosso de Cada Dia, de 2014
Muita gente reclama que Os Melhores Anos de Nossas Vidas (The Best Years of Our Lives), de William Wyler, tirou o Oscar de A Felicidade Não se Compra (It’s aWonderful Life). Também amo o clássico natalino de Frank Capra, mas o filme de Wyler ocupa um patamar bem mais elevado em meu coração. Trata de três veteranos da Segunda Guerra Mundial tentando reintegrar-se a uma sociedade que, sem perceber, ajudaram a modificar. O filme já começa dando um soco no estômago. Enquanto Al (Fredric March) e Fred (Dana Andrews) estão empolgados para rever suas famílias e mulheres, Homer (Harold Russell) teme que sua amada o rejeite por conta de uma fatalidade: voltou com próteses metálicas no lugar das mãos, que perdeu em combate.
A partir daí, o filme surpreende a cada segundo, esfacelando impiedosamente o american way of life, algo bastante incomum na Hollywood dos anos 40. Se a direção de Wyler é clássica, pomposa como sempre, o conteúdo jamais poderia ser considerado “conservador” ou “edificante”, como a maioria das pessoas – incluindo eu – imagina antes de vê-lo. Nas primeiras conversas de Al com os filhos, após seu retorno, a impressão que fica é a de que eles têm um entendimento muito mais amplo e esclarecido sobre as motivações e consequências da guerra, mesmo ele tendo estado lá. É como se os soldados fossem meras peças de um jogo que não é de fato executado por eles. Eles sequer têm o direito de assisti-lo, já que estão no centro do espetáculo. A questão da liberdade, valor máximo – e talvez o mais deturpado – da sociedade retratada, é a discussão central, que dá peso ao filme.
Enquanto Homer se entrega à depressão, repelindo todas as tentativas de aproximação das pessoas ao redor – incluindo a amada – Al e Fred tentam se utilizar das honrarias conquistadas na guerra para reconstruírem suas vidas. Al consegue um cargo importante em um banco, muito mais pela influência social que já exercia que por qualquer outro motivo. Em troca, porém, deve abrir mão de seus valores, especialmente o altruísmo. Fica claro que o dinheiro é mais importante que qualquer coisa naquela sociedade. O caso de Fred confirma isso, mas é bem mais extremo. Como o rapaz é de família pobre, não tem a mesma facilidade. Logo percebe que as leis e a economia de seu país simplesmente não favorecem sua situação. Pelo contrário, suas conquistas como soldado não lhe tornam sequer apto a concorrer a uma boa vaga de emprego, tampouco existe interesse dos empregadores em contratá-lo.
Fred está abandonado, condenado a trabalhar vendendo perfumes numa farmácia, em troca de um salário pífio. Num dos diversos momentos que me emocionam, ele visita um ferro velho de aviões de combate e entra numa das aeronaves. É a primeira vez que sente-se confortável, desde o retorno. Começa então a reviver memórias de guerra até que, ao olhar para fora, nota que as hélices foram retiradas. Ou seja, seu hábitat é a guerra, para onde foi acreditando lutar por liberdade. A mesma guerra que cortou-lhe as asas. A guerra que parece ter favorecido a muita gente, mas não aos que de fato se sacrificaram. O que se segue é poeticamente simbólico: acaba indo trabalhar numa empresa que recicla esses aviões e os transforma em matéria-prima para a construção de casas.
Muitas cenas desmistificam uma das mais sagradas instituições conservadoras, o casamento. Em uma, a filha de Al cai no choro ao descobrir que a união dos pais sempre foi conturbada e passou perto de terminar diversas vezes. O tal casamento não é o conto de fadas que a cultura em que foi criada a levou a acreditar. Já Fred é abandonado e humilhado pela esposa quando ela percebe que ele não terá dinheiro para sustentar seus luxos. Al permanece casado, mas torna-se alcoólatra e muda bastante sua maneira de comportar-se e tratar as pessoas. Homer é constantemente assediado pela antiga pretendente, mas não para de repeli-la, com dificuldade de aceitar sua própria condição. No fim das contas, de certa maneira, os três acabam conseguindo algo que almejavam. Porém, o que o filme não mostra é o mais importante. Basta refletir sobre as implicações futuras da cena final e a conclusão é a de que a guerra não termina nunca. Esses eternos soldados continuarão travando batalhas diariamente contra si mesmos, a sociedade e as ironias do destino.
Trecho de meu livro O Filme Nosso de Cada Dia, de 2014
O preconceito contra gêneros cinematográficos impede quemuitos gênios sejam devidamente reconhecidos em suas épocas, mas a História trata de recompensar aqueles cuja obra está à frente do tempo. Isso se aplica, certamente, a Douglas Sirk, um de meus diretores prediletos. O alemão realizou uma série de melodramas em Hollywood nos anos 50.
Seus filmes foram grandes sucessos de público, mas os críticos os desprezavam. Adorado por grandes nomes como Jean Luc Godard e RainerWerner Fassbinder, hoje Sirk é estudado e reverenciado, além de ser influência para cineastas como Pedro Almodóvar, entre outros.
Meu primeiro contato com sua obra foi numa madrugada fria, em 1999, quando Imitação daVida (Imitation of Life) foi reprisado na TV a cabo. Apesar de minha pouca idade, me interessei muito pelo tema, as ambiguidades e tragédias de vidas calcadas em aparências. O final, extremamente dramático, me fez chorar muito na época. Nunca esqueci de Imitação da Vida, porém sempre que lembrava dele, acreditava que fosse apenas um dramalhão. Foi uma grata surpresa poder revê-lo e analisá-lo alguns anos depois, num curso sobre História do Cinema, ministrado pelo professor Fabio Francener Pinheiro. Um dos materiais era o livro Cinema – Entre a Realidade e o Artifício, de Luiz Carlos Merten, que dedica um capítulo inteiro a Sirk. Por “culpa” do Merten, acabei me interessando em rever o filme e conhecer as outras obras do diretor. Agora percebo que não apenas Imitação daVida, mas todos os filmes que Sirk realizou nos Estados Unidos, são obras que se valem da estética do melodrama para ironizar a sociedade norte-americana dos anos 50.
Com o auxílio simbólico das cores exageradas, música incisiva e emoções à flor da pele, Sirk denunciava a artificialidade das vidas vazias de seus personagens. Um de seus filmes de que mais gosto é Tudo que o Céu Permite (All that Heaven Allows). Há uma cena em que uma mãe de família, viúva, impedida pelos filhos e amigos de viver um romance com seu jardineiro, é presenteada com uma televisão. Após ouvir que “Agora terá toda a companhia de que necessita”, ela enxerga o próprio rosto refletido no aparelho, como se aquela máquina fosse um espelho de sua realidade. A indústria televisiva ainda era um embrião naquela época, mas Sirk já previa o impacto que ela teria na cultura popular e tratou de transformá-la em símbolo de conformismo muito antes dessa associação se tornar comum como é hoje.
No lindo Longe do Paraíso (Far from Heaven), de Todd Haynes, uma homenagem explícita ao cinema de Sirk, há uma cena curiosa onde a personagem de Dennis Haysberg pergunta para a de Julianne Moore se ela “Nunca tentou ver as coisas além da superfície”. É a chave para entender não apenas Douglas Sirk, mas o trabalho de diversos artistas sensacionais que encontram barreiras por se dedicarem a gêneros considerados “menores”. Ouse tentar enxergar além da superfície e talvez escute o que eles tentam dizer.
Publicado originalmente em meu livro O Filme Nosso de Cada Dia, de 2014
Asas do Desejo (Der himmel über Berlin), o filme mais cultuado de Wim Wenders, nunca falha em me deixar intrigado. Para ser sincero, ele parece acompanhar as mudanças que o passar dos anos traz. Não é apenas uma questão de atemporalidade temática, as escolhas visuais de Wenders também contribuem para a eterna sensação de frescor que ele me transmite. Sei que essa é uma associação óbvia, mas não consigo pensar numa palavra melhor que “poesia” para descrever esse filme.
Imagine que você é um anjo, um ser abençoado pelo direito à imortalidade (uma bênção bem ambígua, considerando o aparente vazio existencial dos anjos). Além disso, você não possui sentimentos, logo, está livre de angústia, dúvida e sofrimento, que são inerentes ao ser humano. Porém, sabe da existência de outras sensações humanas que parecem especiais o suficiente para justificar as já citadas.Agora imagine que você, sendo um anjo, tenha um único direito em comum com a humanidade: o livre arbítrio. A partir dessa ideia simples,WimWenders cria um conflito existencial dos mais provocantes, dando ao anjo Damiel, interpretado por Bruno Ganz, a opção de abrir mão da imortalidade para viver como um ser humano. Damiel aceita o desafio, principalmente por causa da trapezista Marion (Solveig Dommartin), que desperta nele a curiosidade em torno do amor, essa coisa inexplicável da qual ele tanto ouve falar, mas jamais experimentou.
A história de Asas do Desejo já é linda, mas Wenders penetra fundo nas infindáveis possibilidades e transforma o filme numa experiência quase religiosa, de incomparável beleza. A genialidade estética de que falei, embora criteriosamente obtida, parece tão natural que impede o filme de soar pretensioso. Peguemos como exemplo a questão das cores. Quando trata do ponto de vista dos anjos, a fotografia é sempre em preto e branco. Essas cenas são as mais estonteantes, alguns quadros chegam a dar um nó na garganta de tão belos. Porém, quando a perspectiva é humana, o filme ganha cores. As cenas coloridas também são bonitas, mas contrastam com as demais por terem um aspecto menos espetaculoso, próximo à realidade. É claro que isso tem um propósito narrativo: os anjos representam o sublime, o inalcançável, por isso a beleza exacerbada e irreal. Os seres humanos são a realidade, então as imagens se tornam ásperas e menos rebuscadas, mas não menos belas. A associação é simples, mas poderosa.
Asas do Desejo é pura filosofia. Damiel sabe que o ser humano sofre, afinal, toda sua existência anterior ele passou ouvindo as lamúrias de milhares de pessoas. Mas quando toma uma xícara de café, fuma um cigarro ou sente o gosto do próprio sangue – numa das cenas mais lindas – ele sente-se tão sortudo por estar vivo que está disposto a enfrentar quaisquer intempéries para poder desfrutar desses pequenos prazeres. E não seriam os momentos de regozijo, ainda que breves, uma de nossas principais motivações para viver? Após essas primeiras descobertas – que incluem a dor, recebida por ele como uma bênção, afinal, é mais um direito conquistado –Wenders parte para a grande questão: o amor. Quando os créditos finais de Asas do Desejo começam a cruzar a tela, a pergunta que me atormenta é sempre a mesma: o que é a morte, ou mesmo a falsa promessa de uma existência livre de angústias, perto da imensidão dolorosa – mas indispensável – do amor, seja físico ou espiritual? Após experimentar pela primeira vez esse indecifrável sentimento, Damiel tenta descrevê-lo por meio de uma frase singela: “Eu estive dentro dela e ela em volta de mim. Hoje eu sei o que nenhum anjo sabe.” É sua tentativa de verbalizar as misteriosas sensações que só o calor humano é capaz de provocar. Quando decido reviver Asas do Desejo, termino experimentando um curioso misto de desconforto e proteção. É como sentir-se tocado por um anjo.
Publicado originalmente em meu livro O Filme Nosso de Cada Dia, de 2014
Um filme vendido como símbolo de redenção, quando apenas resgata noções retrógradas e preconceituosas que demoraram décadas para serem combatidas. Aí a ofensa é grave. Foi a impressão que tive ao ver o tão celebrado Histórias Cruzadas (The Help). Vejamos, o filme supostamente presta homenagem às mulheres negras que trabalhavam como faxineiras e governantas nos Estados Unidos da década de 60. Digamos que a intenção seria nobre se o filme não fizesse questão de subestimá-las o tempo todo. Em Histórias Cruzadas, o pior que essas mulheres sofrem é não poder utilizar o banheiro das patroas. Inclusive o diretor Tate Taylor não teve vergonha de afirmar, numa entrevista, que a cena em que uma das personagens está sendo apressada pela patroa enquanto utiliza o banheiro é “cruel”, e que “Isso é muito pior que ver um espancamento”. Não termina por aí. Com uma pequena pesquisa é possível descobrir que, naquela época e local, foram registrados centenas de casos de mulheres negras abusadas por seus patrões – entre outras barbaridades que Taylor ignora completamente –, mas o filme prefere retratar o drama de uma negra que apanha do marido alcoólatra, também negro. Os patrões são apenas objetos decorativos, já que os realizadores tinham que dar alguma função a eles. Não, filme algum precisa ser fiel à História, mas essa é uma inversão que afronta a própria “mensagem” que Histórias Cruzadas clama pregar. A protagonista, interpretada por Emma Stone, é uma lourinha que teoricamente nunca foi racista, logo, não aprende nada durante o filme. Ela escreve um livro sobre as experiências das mulheres negras, mas o máximo de impacto que a leitura provoca nas madames são carinhas de ofensa. Nada muda, nem ninguém. A personagem de Octavia Spencer literalmente faz a chefe comer cocô – me contorci de constrangimento e incredulidade durante essa cena –, mas nada de grave acontece a ela depois disso. A malvada apenas fica ultrajada. Honesto, não? No final, a lourinha vai ser rica e bem-sucedida em NovaYork graças ao sucesso do livro. Já as personagens de Viola Davis (numa fantástica atuação, a única coisa que realmente gostei no filme) e Octavia Spencer encontram destinos bem menos glamourosos, que a fotografia ensolarada de comercial de banco e a música de novela mexicana nos avisam tratar-se de suas redenções: a primeira se demite e vai pro olho da rua só com uma malinha; a segunda ganha um emprego vitalício – releia as duas últimas palavras em voz alta e reflita – na casa de outra loura de bom coração. Um filme tão ingênuo a respeito do tema de que trata, que acaba produzindo o efeito inverso ao supostamente desejado: parece perdoar os opressores ao invés de confrontá-los.
Muitos dos cineastas que admiro transformam a paixão pelo Cinema em matéria prima para criação. Billy Wilder criou um dos melhores filmes nesse sentido, a obra-prima incontestável Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard). É, ao mesmo tempo, celebrativo e crítico, mostrando a maneira como a indústria cinematográfica descarta seres humanos como se fossem mercadorias, quando estes deixam de atender às necessidades do mercado. Sim, nessa hora não há “estrela” ou “celebridade” que escape. O filme faz pensar em quanta sujeira pode estar escondida detrás de todo o glamour do cinema. Gloria Swanson é um assombro no papel de Norma Desmond, o ex-ícone do cinema mudo que não é capaz de aceitar que os dias de glória se foram. William Holden também impressiona como o roteirista decadente que se refugia na opressiva mansão de Desmond. Não faltam diálogos inesquecíveis e citações a grandes nomes do cinema norte-americano, incluindo inacreditáveis participações especiais de Buster Keaton, Cecil B. DeMille e outros. Esse é seguramente o maior filme sobre o tema, algo que qualquer amante da sétima arte precisa ver e absorver.
Tinha 15 anos quando assisti pela primeira vez ao filme Pearl Harbor, de Michael Bay. Hoje o considero um dos maiores anúncios de cigarros já produzidos (tenha paciência e entenderá). Na época, bobinho, me deixei levar por aquelas belas imagens, aliadas à música grandiloquente de Hans Zimmer. Chorei assistindo a Pearl Harbor, sou humilde o suficiente para admitir (mas dói). Quando vi pela segunda vez, fiquei me forçando a reviver a emoção da primeira. Nunca aconteceu. Começou a ficar claro que as sensações provocadas eram supérfluas, imediatistas. Quando chorei, foi porque o diretor quis, não porque o filme me disse algo. Foi aí que comecei a tentar absorver melhor o que via. Estava me convencendo de que a superficialidade não era a única coisa errada ali. Lá pela terceira vez, algo me deu a luz que faltava para decifrar o enigma. Ao término, uma amiga, aos prantos, declarou: "Se encontrar um japonês hoje, dou um soco na cara dele!" Pronto, constatei não apenas o objetivo do filme (aparentemente o único, além do lucro), como a assustadora eficácia dos artifícios de que se utiliza para atingi-lo. Sempre que Pearl Harbor é reprisado, tento rever ao menos um pedaço. Primeiro, porque me diverte, com bobagens como Alec Baldwin declarando que "Não há nada mais puro que o coração de um soldado voluntário" (algo que seria aceitável num filme de ação despretensioso, mas não num de guerra que pretende ser levado a sério), ou o final, com a bandeira americana tremulando ao sol, enquanto a voz de Kate Beckinsale nos "explica" que depois da guerra a América nunca parou de se fortalecer, ignorando as duas bombas atômicas lançadas sobre civis no Japão. Em segundo, porque essa mesma audácia me lembra que tudo o que consumimos tem uma intenção ideológica por trás, mesmo que inconsciente (o que não é o caso desse filme). Vale lembrar que O Nascimento de Uma Nação, de D. W. Griffith, cujos heróis eram da Ku Klux Klan e O Triunfo da Vontade, de Leni Riefenstahl, que enaltecia Hitler, eram tecnicamente impecáveis e foram sucessos. Pearl Harbor é belo, persuasivo, vazio, frouxo e mal-intencionado, como aqueles famosos vídeos comerciais de cigarros.
Ninguém perguntou mas eu digo: A primeira aventura solo do Buzz Lightyear é bem legal, mas padece do mesmo mal que 99% dos filmes populares recentes: evapora assim que os créditos finais surgem na tela. A trama é claramente uma transposição dos ensinamentos do professor Chistopher Vogler, aquele que literalmente salvou os estúdios Disney de uma longa crise com a consultoria prestada ao desenvolvimento dos personagens e histórias de A Pequena Sereia, A Bela e a Fera, Aladdin e O Re Leão. É uma reinterpretação dos arquétipos da Jornada do Heroi segundo o lendário mitólogo Joseph Campbell, mergulhada numa linguagem visual dinâmica, altamente contemporânea. Nesse sentido, Lightyear é perfeito. O roteiro é redondinho, abre diversos arcos dramáticos e fecha um por um a contento. No entanto, como os próprios Vogler e Campbell muito bem sabiam, arquétipos são apenas estruturais, o que realmente importa numa boa história é criado a partir deles. Nesse ponto, Lightyear deixa um pouco a desejar. O protagonista permanece infinitamente carismático (e Marcos Mion surpreende com uma ótima performance como dublador), a dinâmica do time multirracial que se forma é muito bonita e o filme tem alguns belos momentos emotivos, como se espera de uma produção Disney feat. Pixar. As lições são aprendidas através da jornada, não de frases de efeito cafonas (ao contrário dos patéticos filmes do Sonic... #falomesmo) e as cenas de ação são empolgantes. O filme, no entanto, não tem ressonância. Assim como a musiquinha franzina de Michael Giacchino, que falha ao se atrever a tentar emular John Williams (#obviedades), Lightyear,o filme, evapora igual a algodão doce, assim que se sai do cinema. Ao menos é doce enquanto se degusta, né? As crianças vão amar, podem levá-las sem medo, mas é bom lembrar de como nossos pais saíram da sessão de Toy Story tão apaixonados quanto nós em 1995.
Tá passando essa porcaria no Paramount Network e eu tô rindo só de lembrar da treta que deu o texto que publiquei sobre o filme no antigo Kawabonga, da querida @nataliexrosa.
Aida bem que era cabine de imprensa: vi de graça e saí com bastante maldade pra falar sobre o filmeco milionário dos zumbis digitais maratonistas.
Romero deve ter rido de nervoso assistindo a essa nulidade.
É surreal a quantidade de gente que tá cagando pra cultura e arte, mas faz questão de comentar filmes e seriados, com suas preocupações reacionárias e mesquinhas.
Vão pra igreja! Combina muito mais com a cabeça de vocês.
Eles Vivem
3.7 730 Assista AgoraDeprimentes boa parte dos comentários por aqui. Público que merece a decadência que tomou conta do cinema popular.
Pateta: O Filme
3.6 206 Assista AgoraNesse Dia dos Pais lembrei dessa delícia aqui: Pateta - O Filme, de Kevin Lima, com música de Carter Burwell, lançado em 1995. Foi uma das primeiras fitas VHS que ganhei da minha mãe. Há muito tempo não revejo o filme, mas tenho viva a lembrança do quanto ele me deixava melancólico, mais até do que fazia rir. Era uma abordagem mais adolescente - em constraste com as histórias infantis que a Disney produzia na época -, tratando do relacionamento complicado entre Pateta e seu filho "rebelde" Max. Os conflitos típicos de um choque de gerações faziam do filme uma experiência divertida, mas imensamente carismática e de forte apelo emocional.
Bons tempos!
Feliz Dia dos Pais a todos.
❤
Pateta: O Filme
3.6 206 Assista AgoraNesse Dia dos Pais lembrei dessa delícia aqui: Pateta - O Filme, de Carter Burwell, lançado em 1995. Foi uma das primeiras fitas VHS que ganhei da minha mãe. Há muito tempo não revejo o filme, mas tenho viva a lembrança do quanto ele me deixava melancólico, mais até do que fazia rir. Era uma abordagem mais adolescente - em constraste com as histórias infantis que a Disney produzia na época -, tratando do relacionamento complicado entre Pateta e seu filho "rebelde" Max. Os conflitos típicos de um choque de gerações faziam do filme uma experiência divertida, mas imensamente carismática e de forte apelo emocional.
Bons tempos!
Feliz Dia dos Pais a todos.
❤
O Telefone Preto
3.5 1,0K Assista AgoraTudo é "inho" nesse filme. Bonitinho, limpinho, bem feitinho, tudo em função de uma avalanche de convencionalidades, truques velhos e umas ceninhas de redenção novelesca cafonas e artificiais. As crianças dão show e o uso de Pink Floyd num momento chave foi excelente, assim como as citações a O Massacre da Serra Elétrica, de Tobe Hooper. Ethan Hawke está ali apenas para que se possa incluir um nome de peso no poster de divulgação e o diretor, coitado, perde umas 15 oportunidades de criar cenas impactantes.
De surpreendente mesmo, apenas as revelações de Mason Thames e Madeleine McGraw como dois talentos a quem devemos prestar atenção. A trama, baseada num conto de Joe Hill, serve para uma óbvia constatação: ele não é seu pai.
Pequena Miss Sunshine
4.1 2,8K Assista AgoraUma produção que nunca falha em derreter meu coração é Pequena Miss Sunshine (Little Miss Sunshine), de Jonathan Dayton e Valerie Faris. Esse compartilha de muitas características dos supracitados. É um filme para rir e chorar, constatar verdades inconvenientes, perceber que às vezes buscamos a esperança em lugares impossíveis, quando na verdade ela é bem mais acessível do que poderíamos considerar. O pai de família interpretado por Greg Kinnear é um homem obcecado pelo sucesso. Apesar de ser um fracasso na vida profissional, dá palestras do tipo “Sete Passos para o Sucesso”. Pior, acredita na fórmula, mesmo com todas as provas de que não funciona. Repreende a filha por ser gordinha, o cunhado por ser gay, o pai por usar drogas – e por “não ser ninguém” – e o filho mais velho por não ser forte, bonito ou popular. Circunstâncias acabam convencendo-o a atravessar o país com essa turma numa van caindo aos pedaços, para que Olive, a filhinha, possa participar de um famoso concurso infantil de misses, pelo qual é fascinada graças à televisão e aos moralismos que ouve o tempo todo em casa (“Não coma sorvete, você vai engordar!”).
O ideal do sonho é desmistificado em cada pequeno detalhe desse filme. É impossível não se identificar em algum nível. Famílias parecidíssimas com essa estão por toda a parte. Os valores que aprisionam os personagens também. Não se trata apenas do american dream, apesar de o filme ser claramente sobre isso. Já chegamos a um ponto onde muitos aspectos daquela cultura parecem confundir-se quase que implacavelmente com a nossa. Entre muitos, há dois momentos que me emocionam de maneira especial. Um é quando determinado personagem descobre que seu maior sonho é absolutamente impossível (sim, o impossível existe!). Não é preciso partilhar de suas aspirações para entender seu desespero. Faz-me pensar se realmente faz sentido concentrar toda a energia de uma vida em torno de um único objetivo. E se simplesmente não for possível? O que sobra depois? Igualmente cruel é outro questionamento pertinente que o filme desperta: e se der “tudo certo”? O que você fará em seguida?
O outro grande momento acontece durante o ridículo e indefensável concurso de “beleza” do qual Olive participa. Enoja- me saber que aquilo condiz com a realidade. Crianças que parecem miniadultos, comportando-se de maneira absolutamente incondizente com sua idade, enquanto Olive, a única criança de verdade ali, é repreendida justo pelas execráveis mães das robóticas concorrentes. É impossível conter as lágrimas diante da atitude dessa família durante a apresentação. Sob os olhares estupefatos dos hipócritas que infestam o recinto, eles provam que Olive é a vencedora absoluta do concurso, a única concorrente que levou a verdadeira e pura beleza ao palco. E claro, seu pai acaba experimentando na pele uma bela prova da fragilidade de suas convicções. Embora essas cenas isoladas sejam minhas prediletas, o filme todo é entrecortado por uma imagem simbólica, que sintetiza as discussões desse e dos demais citados: a van desgastada que só sai do lugar quando todos a empurram ao mesmo tempo. Que ela funcione – ainda que com muita dificuldade – é a mais palpável definição de sucesso que consigo identificar nessa história, familiar em tantos sentidos.
Trecho de meu livro O Filme Nosso de Cada Dia, de 2014
Tropas Estelares
3.5 466 Assista AgoraAos 12 anos eu amava Tropas Estelares (StarshipTroopers), só que pelas razões erradas. Nada de mal nisso, o filme definitivamente não é para crianças. Paul Verhoeven fez uma das mais ácidas sátiras do totalitarismo e militarismo já filmadas, ao contar a história de uma raça de insetos alienígenas que ameaçam a paz naTerra. Mais uma vez, o mestre do exagero foi recebido com um estrondo. Não chegou a ser um escândalo como o provocado dois anos antes por seu Showgirls, mas o filme não deixou ninguém indiferente. Houve quem entendeu, quem não entendeu, quem fingiu não entender e quem se ofendeu ao notar que o regime retratado era também uma metáfora da América moderna. A pior das reações que provocou, porém, foi a acusação de tratar-se de uma obra “fascista”.
Assim como em Showgirls, tudo em Tropas Estelares foi obviamente planejado para ser exatamente o que é, inclusive as atuações canastronas. Não imagino de que maneira alguém não notaria o tom satírico escancarado logo nas primeiras cenas.Começa com um intencionalmente patético vídeo de recrutamento militar e já corta para uma escola onde um professor ensina a adolescentes que a democracia é ridícula, que a violência é a única forma de manter a ordem e que só os que se alistam no exército são cidadãos, os demais são “apenas” civis. A partir daí o filme nunca para de cutucar a ferida.
Há o veterano de guerra que não tem pernas, mas encoraja um voluntário dizendo que “A infantaria me tornou o homem que sou”; diversas provas de que alguns insetos são mais inteligentes que alguns soldados; os soldados, sempre sorridentes e inexpressivos, mesmo em meio à morte e ao caos; a cientista desmoralizada na televisão por tentar expor sua descoberta de que os insetos também são capazes de pensar; as hilárias peças de propaganda ideológica que, mesmo absurdas, lembram muita coisa que vemos todos os dias; as crianças ensinadas desde cedo a cultuar armas e pisotear baratas gritando “Morram! Morram!”; o protagonista que tira péssimas notas na escola, mas é o melhor dos soldados. É uma fonte infinita de observações e insights sempre contundentes.
Os insetos gosmentos não deixam de representar a forma como todo o aparato estratégico envolvido na guerra induz a população a enxergar o inimigo. No final, um dos soldados indaga aos demais “E aí, macacos, querem viver para sempre?”, deixando clara a conclusão: o que se perpetua com essa noção de civilização é a irracionalidade.
Tropas Estelares tornou-se mais um clássico sci-fi para a coleção de Verhoeven, figurando ao lado de RoboCop e O Vingador do Futuro (Total Recall) em listas dos melhores do gênero e finalmente sendo reconhecido como a genial sátira que é. Assim como Showgirls, gerou centenas de ótimas análises, que podem ser encontradas na internet. Com o mesmo bom humor que exibiu ao aceitar o absurdo “prêmio” de Pior Diretor por Showgirls no Framboesa de Ouro, Verhoeven já ironizou as esdrúxulas acusações de fascismo por Tropas Estelares. Sem explicar-se, lógico. Mesmo as melhores piadas precisam de um bom piadista para funcionar. Ele compreende isso como poucos.
Trecho de meu livro O Filme Nosso de Cada Dia, de 2014
Psicose
4.4 2,5K Assista AgoraMentes perturbadas foram tema de muitos filmes inesquecíveis. Tenho um carinho especial por alguns lançados nos anos 60. Além do charme da fotografia em preto e branco e das grandes estrelas da época, esses eram filmes onde o medo e a tensão vinham da sugestão e da confusão mental dos personagens. É claro que não conseguirei fugir do clichê: Psicose (Pycho), de Alfred Hitchcock implora para estar aqui. Não vou me estender quanto à perfeição do filme em diversos quesitos, primeiro porque daria um livro à parte, segundo porque livros e teses inteiras já foram escritos sobre a obra e terceiro porque não me julgo digno de analisá-la.
Psicose habita meu inconsciente desde a infância, mesmo antes de vê-lo. Quando finalmente consegui, foi um evento, quase como se eu pertencesse àquele tempo e estivesse na première do clássico.
Qualquer um que dê a devida atenção ao filme notará que ele tem um poder de absorção incomum. Não posso escolher o que mais gosto nele, mas a primeira cena que me vem à cabeça é sempre a de Marion Crane, personagem de Janet Leigh, atormentada pelo sentimento de culpa enquanto dirige na chuva. Hitchcock manipula e questiona nossa moralidade como ninguém. Se tememos por Marion Crane é porque sabemos muito bem o que é sentir medo de que as verdades varridas para debaixo do tapete venham à tona. O mesmo acontece quando Norman Bates tenta fazer com que o carro com um corpo no porta- malas afunde num pântano: por que será que todo o mundo fica tenso quando o carro ameaça parar de afundar?
Trecho de meu livro O Filme Nosso de Cada Dia, de 2014
Taxi Driver
4.2 2,6K Assista AgoraNo clássico Taxi Driver, de Martin Scorsese, o Travis Bickle de Robert DeNiro é um fracassado, solitário e angustiado. Seu hábitat é a rua, onde trabalha como taxista e tem a chance de ver toda a sujeira que se esconde por trás do falso glamour da noite. Embora pouco fale, posso identificar que Travis é altamente moralista e que seus valores baseiam-se em padrões bem antigos. Calcado neles, deseja promover mudanças, limpar um pouco do lixo que tanto o enoja. Não há ironia alguma no fato de que o banho de sangue que promove ao final é o único momento em que sente-se bem, confortável, aliviado: ele acredita piamente que aquilo é bom e necessário. Os valores de Travis simplesmente não cabem no mundo em que vive. As coisas mudaram e ele não é capaz de adequar- se, justamente por não abrir mão de noções que pertencem ao passado. Aquela violência é sua maneira de extravasar esse vazio existencial que o corrói, bem como uma espécie de vingança, já que ele sente-se constantemente vitimado e esquecido.
Scorsese jamais justifica seu comportamento, mas sim problematiza, sem pregar qualquer moral. Há muitos Travis Bickles circulando por aí e só vamos descobri-los quando perderem o controle. Há de se notar a extrema ironia no fato de que Travis passa a ser considerado um herói, já que acaba “salvando” a personagem de Jodie Foster. Caso tivesse sucesso em seu plano de matar o senador, no entanto, o título que recairia sobre ele seria outro, bem como seu destino. Um filme eternamente reassistível, cujo protagonista me parece ser um dos mais complexos do cinema.
Trecho de meu livro O Filme Nosso de Cada Dia
A Hora do Pesadelo
3.8 1,2K Assista AgoraWes Craven pode ter uma carreira irregular, mas nos momentos mais inspirados cravou seu nome para sempre na história do cinema de horror. É fácil notar quais de seus filmes foram feitos para ganhar uns trocados e quais escancaram a visão apaixonada do artista. Nos melhores, percebe-se que ele faz parte da gangue de Tobe Hooper, William Friedkin, John Carpenter e George Romero, os cineastas que entendiam o terror como um reflexo dos medos que caracterizam uma época. Fui fanático por seus filmes durante a adolescência e hoje me reconforta poder revê- los sem qualquer remorso. São obras de grande valor.
Em 1984, sete anos após a alegoria niilista de Quadrilha de Sádicos (The Hills Have Eyes), lançou meu preferido entre sua filmografia, A Hora do Pesadelo (Nightmare on Elm Street), que marca o surgimento do icônico Freddy Krueger (magnificamente vivido por Robert Englund). O cenário social lembra O Clube dos Cinco (The Breakfast Club), de John Hughes. Adolescentes conformistas, perdidos, com pais ausentes. O bicho-papão, materializado em Freddy, aterroriza e mata jovens enquanto dormem. Mais tarde, revela-se que o monstro foi criado por um ato vingativo dos aborrecidos pais das vítimas, que tentam esconder o passado a todo custo. É o retrato de uma geração castigada pelos pecados da anterior. A simbologia do sonho também é engenhosa: aqueles jovens nunca ouviram falar de Freddy, mas ele está ao seu redor o tempo todo, em cada ato cheio de remorso e censura de seus pais. Ou seja, Freddy habita seu subconsciente de alguma maneira e é isso que dá a ele a força para ressurgir e atormentá-los. O desconforto e imprevisibilidade do sonho é transmitido com ressonância. Por vezes não se sabe se os personagens estão dormindo ou acordados.
Eu amo esse filme. Foi um trauma durante a infância, já que insisti em vê-lo escondido, quando minha mãe me proibiu. Ela estava certa, Freddy me causou pesadelos por um bom tempo. Cheguei a ter febre e vomitar uma vez, graças a ele. Mas ao contrário de outros filmes de terror que me marcaram na infância e depois se revelaram vagabundos, A Hora do Pesadelo melhora e cresce em minha compreensão a cada vez que o revejo. Há muitas alfinetadas ao conservadorismo, principalmente em relação ao sexo, culminando em momentos de horror extremamente sugestivos, como a cena da banheira, a morte de Tina arrastada pelas paredes, a língua que sai do telefone e cama “ejaculando sangue”, como já a vi definida em um artigo.
Freddy é sarcástico e impiedoso, mas a melhor fala vem de Nancy, a protagonista. Ao declarar que “a moralidade é uma merda”, Nancy sintetiza o choque de gerações e os debates ideológicos que caracterizaram toda uma época – Reaganismo, alguém? –, num contexto fácil de ser aplicado de maneira globalizada. Como muito bem definiu o especialista Guilherme de Martino em seu Guia de Vídeo – Terror, a posterior banalização do personagem – e do próprio gênero – faz com que pareça exagero fomentar essa leitura, mas Craven sempre teve preocupações críticas em seu trabalho e A Hora do Pesadelo não é a exceção. O próprio diretor, inclusive, temia que Freddy Krueger se tornasse um ídolo adolescente, algo que jamais foi sua intenção e que tentou impedir, mas acabou perdendo a batalha para os colegas gananciosos da indústria.
Para quem não se importa com nada disso, no entanto, há o clima tétrico, humor negro abundante, sustos constantes, reviravoltas divertidas, as más atuações que fazem parte do charme desses filmes – Johnny Depp em início de carreira é um atrativo extra – e o alívio dos efeitos práticos, infinitamente mais eficientes que os digitais vistos no insuportável remake de 2010. As inúmeras continuações divertem, mas arranharam a reputação do clássico ao abandonar o horror em nome do humor negro.
Craven tem sido constantemente insultado por remakes anêmicos de seus filmes. Dizem os hipócritas que a nova geração merece conhecer suas histórias, mas não pode ser obrigada a ver filmes “datados”. Pois que fiquem com seus monstros digitais sem personalidade e desprovidos de significado, que perdem o valor em menos de um ano. Eu prefiro o eterno. Se para os simplistas isso é ser saudosista, então é o que quero ser.
Trecho de meu livro O Filme Nosso de Cada Dia
Distrito 9
3.7 2,0K Assista AgoraEm 2009, o sul-africano Neil Blomkamp pegou todo o mundo de surpresa com o mais improvável hit do ano, o delirante Distrito 9 (District 9), sci-fi de orçamento baixo para os padrões do gênero, que tornou- se um cult instantâneo. Não foi em vão.
A trama trata basicamente de uma invasão alienígena, como muitas que já vimos, mas os detalhes fazem toda a diferença. Uma enorme nave pousa sobre a cidade de Joanesburgo, na África do Sul e os alienígenas que a controlavam pedem asilo por ali. Ao contrário do que imaginavam, porém, passam a ser hostilizados, obrigados a viver em péssimas condições numa miserável colônia chamada Distrito 9, de onde são proibidos de sair. Ao entrar acidentalmente em contato com uma substância alienígena, Wikus van der Merwe, empregado de uma empresa privada militar encarregada de realocar os aliens para outro distrito, passa a desenvolver uma mutação que aos poucos o iguala às criaturas.
Contar mais seria estragar a surpresa de quem não conhece o filme, mas essa simples trama é o ponto de partida para uma controversa e excitante coleção de reviravoltas. A partir do momento em que é capturado, Wikus começa a conhecer melhor sua própria raça – a humana – e é aí que passa a gradativamente se afeiçoar aos monstros que antes repudiava.
O filme, uma escancarada alegoria do apartheid, mantém suas metáforas sempre em primeiro plano, bastante visíveis (e o fato de que, mesmo assim, boa parte do público não tenha sequer notado qual o verdadeiro assunto, é apenas assustador). Isso, porém, jamais o desmerece. Blomkamp se assemelha a Paul Verhoeven em sua falta de sutileza, que na verdade não é uma falta, mas o próprio projeto estético do diretor. A eloquência é justamente sua maior qualidade.
Distrito 9 é vibrante do início ao fim, mas se fosse apenas isso não teria metade do impacto. Conforme a história avança, as criaturas gosmentas passam a me parecer bem menos asquerosas que os humanos. Para mim, a presença de tal mensagem num filme emocionante e divertido como esse o torna imediatamente especial.
Trecho de meu livro O Filme Nosso de Cada Dia
A Vila
3.3 1,6KEm A Vila (The Village), M. Night Shyamalan me presenteou com uma simbologia que nunca sai da minha cabeça. Como é bom revê-lo e sempre encontrar novos elementos para serem decodificados. É uma crônica, o que já derruba a boba argumentação de quem aponta erros físicos e lógicos no filme, que não precisa de nada disso para fazer sentido. É uma perfeita metaforização da política do medo. A falsa perfeição da vida naquela aldeia cai por terra quando um imprevisto obriga os moradores a enfrentarem pela primeira vez um grande dilema: um deles terá que atravessar a floresta, onde habitam monstros terríveis cujo nome não deve sequer ser pronunciado, para conseguir remédios. Que a escolhida seja justamente a cega da vila não poderia ser mais perfeito. Há algo além da fronteira que os superiores não querem que o resto do povo saiba, algo que poderia acabar com a “ordem” que vêm mantendo.
Não sei se vale a pena contar aqui o segredo, mas adianto a quem não viu que ele nem é tão difícil de antever, o que em nada diminui a força da mensagem. A Vila evoca pelo menos duas grandes alegorias, Chapeuzinho Vermelho, de Charles Perrault e A Alegoria da Caverna, de Platão. Do famoso conto de fadas, o filme aproveita a função da crendice como instrumento de moralização e controle através do medo, além de parte da simbologia das cores (o vermelho é o perigo, o amarelo, a proteção). Do mito de Platão, A Vila revive a crença de que existem forças que operam a manutenção da ignorância, transformando os cidadãos em cegos que pensam ser capazes de enxergar.
Quem eram os monstros, afinal? O filme reacende o conflito entre realidade e aparência – chegando a lembrar Matrix, que também evoca Platão – de uma maneira que me parece bastante original. Caso não seja, o que ninguém me provou ainda, não me importarei. A Vila nunca falhou em me deixar com os nervos à flor da pele e a mente em frangalhos.
Trecho de meu livro O Filme Nosso de Cada Dia, de 2014
A Primeira Noite de Um Homem
4.1 810 Assista AgoraEm A Primeira Noite de um Homem, temos os típicos conflitos internos de um personagem que vive um momento de transição. Recém-formado na faculdade, o rapaz, genialmente interpretado por Dustin Hoffman, simplesmente não sabe o que fazer com seu futuro. Está completamente perdido e solitário, mesmo cercado de pessoas que nunca param de dar pitacos em sua vida. Para representar essa angústia, o diretor criou algumas das cenas mais maravilhosamente simbólicas do cinema.
Em uma, Benjamin, o protagonista, aparece aprisionado numa ridícula roupa de mergulho. Através de seu ponto de vista, detrás dos óculos de mergulho e com o som de sua respiração abafada pela máscara de oxigênio, vemos seus pais bombardeando-o com frases que nem ele e nem nós somos capazes de escutar. Então Benjamin pula na água e, toda vez que tenta voltar à superfície é empurrado de volta pelos pais. A cena é, ao mesmo tempo, engraçada e triste. É uma poética representação da agonia de um jovem constantemente sufocado pelas dúvidas e pelos pais, que além de serem incapazes de comunicar-se com ele, são os verdadeiros donos de seu destino. Posteriormente, há uma outra cena que faz um inteligente contraponto a essa, quando Benjamin perde a virgindade e surge relaxando, deitado sobre uma boia na piscina, numa clara alusão ao sentimento de liberdade que tomou conta dele naquele momento.
Sempre digo que esse é um dos filmes mais mal interpretados de todos os tempos e toda a vez que o revejo essa noção se fortalece. Não entendo as pessoas que enxergam romantismo e felicidade em A Primeira Noite de um Homem. Para mim, é um dos mais realistas e tristes já feitos, mesmo contando com uma boa parcela de risadas. Realista não na abordagem, que afinal é satírica, mas com certeza nas conclusões que produz através dela.
Vejamos, os pais de Benjamin sempre são retratados como completos idiotas que só se importam com frivolidades, dando a impressão de que o garoto estará ferrado enquanto seu futuro depender deles. A senhora Robinson, em atuação antológica deAnne Bancroft, é uma mulher amarga, marcada por traumas e fracassos, que encontra nos pequenos encontros com o garoto a única válvula de escape para sua infeliz existência. Há um diálogo emblemático, que sempre causou longas discussões. Na cena da festa de comemoração de formatura de Benjamin, um senhor se aproxima dele e diz: “Quero lhe dizer uma palavra. Apenas uma palavra, Benjamin: Plástico!”– então se afasta, nunca mais aparecendo. Sim, ele pode estar se referindo à possível melhor carreira para Benjamin e também à camisinha, duas das mais clássicas hipóteses levantadas e que estão perfeitamente de acordo com os temas do filme e as discussões típicas da época. Porém tenho que concordar com todos os que têm certeza de que, acima de tudo, a palavra plástico se refere às pessoas com quem Benjamin convive o tempo todo. São todas prisioneiras de vidas vazias, falsas, insignificantes. São todas de plástico.
Então chegamos à cena final, com Benjamin e a personagem de Katharine Ross fugindo do casamento de fachada a que ela estava sendo submetida por sua família. Felizes e livres, decididos a viver a plenitude do amor, longe de tudo e todos. Que romântico. Só que não! Assim que se sentam no ônibus, suas expressões começam a mudar sutilmente, até que ficam visivelmente tristes, percebendo que agiram impulsivamente. Então a lendária canção The Sound of Silence, de Simon & Garfunkel, começa a tocar e a primeira estrofe resume tudo. “Olá escuridão, minha velha amiga/Voltei para conversar com você novamente.” Ou seja, não há final feliz algum. A dúvida e o vazio voltam a pairar sobre os personagens. O filme não mostra o que aconteceu depois, mas deixa a dica. Provavelmente foram viver as vidas de plástico às quais a cultura em que foram criados os condenou.
Trecho de meu livro O Filme Nosso de Cada Dia, de 2014
A Maldição da Chorona
2.3 524 Assista AgoraMais um filmeco de terror onde o mal é derrotado pela cruz cristã. Um tremendo retrocesso.
RoboCop: O Policial do Futuro
3.6 683 Assista AgoraRoboCop é uma sátira, ácida e implacável, como quase todos os filmes de Paul Verhoeven. Guarda também uma forte carga de poesia pop. O personagem Alex Murphy, após ser transformado em RoboCop, é o policial perfeito, por um único motivo: não é humano, é um homem que morreu e renasceu completamente desumanizado, artificialmente transformado numa máquina de matar. Há cenas que me comovem nesse filme. Uma delas é aquela em que a parceira de Murphy, já sabendo que ele é o RoboCop, olha fundo nos olhos da máquina e pergunta “Murphy, você está aí?” – como se buscasse algum resquício de humanidade dentro daquele corpo. Há outra em que Murphy visita sua antiga casa, onde tem alucinações em que reencontra a esposa e o filho. É ali que começa a recuperar o que o torna humano, passando a discernir o certo e o errado, o que gera mais cenas de riqueza simbólica, como quando é praticamente torturado por controle remoto por tentar prender um superior, quando descobre os crimes que o mesmo cometeu.
O filme ainda retrata a hipocrisia de uma corporação que quer “acabar com a criminalidade” – leia-se exterminar os criminosos, com toda a subjetividade do termo e a utópica e desumana noção de que uma “limpeza social” é a solução para o crime – mas cujos membros adoram festas regadas a cocaína e prostitutas. Há ainda a lavagem cerebral promovida pela mídia para desviar a atenção da população, com telejornais não muito honestos e vídeos comerciais que anunciam produtos “para toda a família”, entre eles um jogo de tabuleiro que simula a explosão de bombas em solos hostis. A violência exagerada é também um comentário em torno da banalização do crime e o desrespeito ao valor da vida humana, temas recorrentes em toda a obra de Verhoeven.
RoboCop é uma fonte inesgotável de observações ácidas sobre as consequências sociais do neoliberalismo econômico na Era Reagan, mas que faz tanto sentido hoje quanto em 1987, talvez até mais. Uma pérola atrás da outra. Ah, não posso esquecer, me arrepio só de pensar na retumbante trilha sonora de Basil Poledouris, o saudoso compositor de muitos dos melhores temas do cinema de ação das décadas de 80 e 90. Lamento apenas o preconceito contra o gênero. Obras como essa possuem relevância cultural e estética que às vezes não se percebe apenas por que não se quer.
Trecho de meu livro O Filme Nosso de Cada Dia, de 2014
A Onda
4.2 1,9KA Onda se passa na Alemanha dos anos 2000, mas baseia-se num fato real acontecido nos Estados Unidos, em 1967.A transição é perfeita e faz todo o sentido. Conta a história de Rainer Wegner, professor de Ensino Médio que propõe uma experiência prática aos alunos. Para entenderem como se estabelece uma autocracia, sugere que formem um grupo que funcione através de uma lógica fascista. Surge então A Onda, cujo líder é Wegner e o lema é “força pela disciplina”. O estudo foge ao controle rapidamente, por razões diversas. Uma delas é que o próprio Wegner se deixa seduzir pelo poder que lhe é conferido. Os integrantes da Onda passam a agir de maneira violenta e hostil, demonstrando enorme cumplicidade entre si e nenhuma tolerância ao que julgam traição, remetendo a regimes totalitários e grupos extremistas.
Naturalmente, nem todos permanecem no grupo, alguns acabam tornando-se opostos ao mesmo quando notam que há algo de errado. Não fica claro, porém, se a garota mais radicalmente contra a Onda mantém sua posição por convicção ou por vingança pessoal, algo bem sugestivo. O final é ótimo. O professor, percebendo que a situação se agrava, mostra aos alunos que eles fizeram tudo o que ele esperava, o que é bom para o estudo, mas ruim para eles, a escola, suas famílias e a sociedade. Tarde demais, porém. Nem todos possuem a inteligência e autocrítica que seriam necessárias para interromper o que iniciaram. Consequências desastrosas ainda viriam. Não entendo quem reclama da falta de “realismo” dos acontecimentos: do início ao fim, é óbvio que trata-se de uma crônica.
A Onda insinua que as novas gerações, na Alemanha e em qualquer outro lugar, não estão nem de longe livres de cometerem os mesmos erros que possibilitaram os horrores do passado.
Trecho de meu livro O Filme Nosso de Cada Dia, de 2014
Os Melhores Anos de Nossa Vida
4.1 83Muita gente reclama que Os Melhores Anos de Nossas Vidas (The Best Years of Our Lives), de William Wyler, tirou o Oscar de A Felicidade Não se Compra (It’s aWonderful Life). Também amo o clássico natalino de Frank Capra, mas o filme de Wyler ocupa um patamar bem mais elevado em meu coração. Trata de três veteranos da Segunda Guerra Mundial tentando reintegrar-se a uma sociedade que, sem perceber, ajudaram a modificar. O filme já começa dando um soco no estômago. Enquanto Al (Fredric March) e Fred (Dana Andrews) estão empolgados para rever suas famílias e mulheres, Homer (Harold Russell) teme que sua amada o rejeite por conta de uma fatalidade: voltou com próteses metálicas no lugar das mãos, que perdeu em combate.
A partir daí, o filme surpreende a cada segundo, esfacelando impiedosamente o american way of life, algo bastante incomum na Hollywood dos anos 40. Se a direção de Wyler é clássica, pomposa como sempre, o conteúdo jamais poderia ser considerado “conservador” ou “edificante”, como a maioria das pessoas – incluindo eu – imagina antes de vê-lo. Nas primeiras conversas de Al com os filhos, após seu retorno, a impressão que fica é a de que eles têm um entendimento muito mais amplo e esclarecido sobre as motivações e consequências da guerra, mesmo ele tendo estado lá. É como se os soldados fossem meras peças de um jogo que não é de fato executado por eles. Eles sequer têm o direito de assisti-lo, já que estão no centro do espetáculo. A questão da liberdade, valor máximo – e talvez o mais deturpado – da sociedade retratada, é a discussão central, que dá peso ao filme.
Enquanto Homer se entrega à depressão, repelindo todas as tentativas de aproximação das pessoas ao redor – incluindo a amada – Al e Fred tentam se utilizar das honrarias conquistadas na guerra para reconstruírem suas vidas. Al consegue um cargo importante em um banco, muito mais pela influência social que já exercia que por qualquer outro motivo. Em troca, porém, deve abrir mão de seus valores, especialmente o altruísmo. Fica claro que o dinheiro é mais importante que qualquer coisa naquela sociedade. O caso de Fred confirma isso, mas é bem mais extremo. Como o rapaz é de família pobre, não tem a mesma facilidade. Logo percebe que as leis e a economia de seu país simplesmente não favorecem sua situação. Pelo contrário, suas conquistas como soldado não lhe tornam sequer apto a concorrer a uma boa vaga de emprego, tampouco existe interesse dos empregadores em contratá-lo.
Fred está abandonado, condenado a trabalhar vendendo perfumes numa farmácia, em troca de um salário pífio. Num dos diversos momentos que me emocionam, ele visita um ferro velho de aviões de combate e entra numa das aeronaves. É a primeira vez que sente-se confortável, desde o retorno. Começa então a reviver memórias de guerra até que, ao olhar para fora, nota que as hélices foram retiradas. Ou seja, seu hábitat é a guerra, para onde foi acreditando lutar por liberdade. A mesma guerra que cortou-lhe as asas. A guerra que parece ter favorecido a muita gente, mas não aos que de fato se sacrificaram. O que se segue é poeticamente simbólico: acaba indo trabalhar numa empresa que recicla esses aviões e os transforma em matéria-prima para a construção de casas.
Muitas cenas desmistificam uma das mais sagradas instituições conservadoras, o casamento. Em uma, a filha de Al cai no choro ao descobrir que a união dos pais sempre foi conturbada e passou perto de terminar diversas vezes. O tal casamento não é o conto de fadas que a cultura em que foi criada a levou a acreditar. Já Fred é abandonado e humilhado pela esposa quando ela percebe que ele não terá dinheiro para sustentar seus luxos. Al permanece casado, mas torna-se alcoólatra e muda bastante sua maneira de comportar-se e tratar as pessoas. Homer é constantemente assediado pela antiga pretendente, mas não para de repeli-la, com dificuldade de aceitar sua própria condição. No fim das contas, de certa maneira, os três acabam conseguindo algo que almejavam. Porém, o que o filme não mostra é o mais importante. Basta refletir sobre as implicações futuras da cena final e a conclusão é a de que a guerra não termina nunca. Esses eternos soldados continuarão travando batalhas diariamente contra si mesmos, a sociedade e as ironias do destino.
Trecho de meu livro O Filme Nosso de Cada Dia, de 2014
Tudo o Que o Céu Permite
4.0 93O preconceito contra gêneros cinematográficos impede quemuitos gênios sejam devidamente reconhecidos em suas épocas, mas a História trata de recompensar aqueles cuja obra está à frente do tempo. Isso se aplica, certamente, a Douglas Sirk, um de meus diretores prediletos. O alemão realizou uma série de melodramas em Hollywood nos anos
50.
Seus filmes foram grandes sucessos de público, mas os críticos os desprezavam. Adorado por grandes nomes como Jean Luc Godard e RainerWerner Fassbinder, hoje Sirk é estudado e reverenciado, além de ser influência para cineastas como Pedro Almodóvar, entre outros.
Meu primeiro contato com sua obra foi numa madrugada fria, em 1999, quando Imitação daVida (Imitation of Life) foi reprisado na TV a cabo. Apesar de minha pouca idade, me interessei muito pelo tema, as ambiguidades e tragédias de vidas calcadas em aparências. O final, extremamente dramático, me fez chorar muito na época. Nunca esqueci de Imitação da Vida, porém sempre que lembrava dele, acreditava que fosse apenas um dramalhão. Foi uma grata surpresa poder revê-lo e analisá-lo alguns anos depois, num curso sobre História do Cinema, ministrado pelo professor Fabio Francener Pinheiro. Um dos materiais era o livro Cinema – Entre a Realidade e o Artifício, de Luiz Carlos Merten, que dedica um capítulo inteiro a Sirk. Por “culpa” do Merten, acabei me interessando em rever o filme e conhecer as outras obras do diretor. Agora percebo que não apenas Imitação daVida, mas todos os filmes que Sirk realizou nos Estados Unidos, são obras que se valem da estética do melodrama para ironizar a sociedade norte-americana dos anos 50.
Com o auxílio simbólico das cores exageradas, música incisiva e emoções à flor da pele, Sirk denunciava a artificialidade das vidas vazias de seus personagens. Um de seus filmes de que mais gosto é Tudo que o Céu Permite (All that Heaven Allows). Há uma cena em que uma mãe de família, viúva, impedida pelos filhos e amigos de viver um romance com seu jardineiro, é presenteada com uma televisão. Após ouvir que “Agora terá toda a companhia de que necessita”, ela enxerga o próprio rosto refletido no aparelho, como se aquela máquina fosse um espelho de sua realidade. A indústria televisiva ainda era um embrião naquela época, mas Sirk já previa o impacto que ela teria na cultura popular e tratou de transformá-la em símbolo de conformismo muito antes dessa associação se tornar comum como é hoje.
No lindo Longe do Paraíso (Far from Heaven), de Todd Haynes, uma homenagem explícita ao cinema de Sirk, há uma cena curiosa onde a personagem de Dennis Haysberg pergunta para a de Julianne Moore se ela “Nunca tentou ver as coisas além da superfície”. É a chave para entender não apenas Douglas Sirk, mas o trabalho de diversos artistas sensacionais que encontram barreiras por se dedicarem a gêneros considerados “menores”. Ouse tentar enxergar além da superfície e talvez escute o que eles tentam dizer.
Publicado originalmente em meu livro O Filme Nosso de Cada Dia, de 2014
Asas do Desejo
4.3 493 Assista AgoraAsas do Desejo (Der himmel über Berlin), o filme mais cultuado de Wim Wenders, nunca falha em me deixar intrigado. Para ser sincero, ele parece acompanhar as mudanças que o passar dos anos traz. Não é apenas uma questão de atemporalidade temática, as escolhas visuais de Wenders também contribuem para a eterna sensação de frescor que ele me transmite. Sei que essa é uma associação óbvia, mas não consigo pensar numa palavra melhor que “poesia” para descrever esse filme.
Imagine que você é um anjo, um ser abençoado pelo direito à imortalidade (uma bênção bem ambígua, considerando o aparente vazio existencial dos anjos). Além disso, você não possui sentimentos, logo, está livre de angústia, dúvida e sofrimento, que são inerentes ao ser humano. Porém, sabe da existência de outras sensações humanas que parecem especiais o suficiente para justificar as já citadas.Agora imagine que você, sendo um anjo, tenha um único direito em comum com a humanidade: o livre arbítrio. A partir dessa ideia simples,WimWenders cria um conflito existencial dos mais provocantes, dando ao anjo Damiel, interpretado por Bruno Ganz, a opção de abrir mão da imortalidade para viver como um ser humano. Damiel aceita o desafio, principalmente por causa da trapezista Marion (Solveig Dommartin), que desperta nele a curiosidade em torno do amor, essa coisa inexplicável da qual ele tanto ouve falar, mas jamais experimentou.
A história de Asas do Desejo já é linda, mas Wenders penetra fundo nas infindáveis possibilidades e transforma o filme numa experiência quase religiosa, de incomparável beleza. A genialidade estética de que falei, embora criteriosamente obtida, parece tão natural que impede o filme de soar pretensioso. Peguemos como exemplo a questão das cores. Quando trata do ponto de vista dos anjos, a fotografia é sempre em preto e branco. Essas cenas são as mais estonteantes, alguns quadros chegam a dar um nó na garganta de tão belos. Porém, quando a perspectiva é humana, o filme ganha cores. As cenas coloridas também são bonitas, mas contrastam com as demais por terem um aspecto menos espetaculoso, próximo à realidade. É claro que isso tem um propósito narrativo: os anjos representam o sublime, o inalcançável, por isso a beleza exacerbada e irreal. Os seres humanos são a realidade, então as imagens se tornam ásperas e menos rebuscadas, mas não menos belas. A associação é simples, mas poderosa.
Asas do Desejo é pura filosofia. Damiel sabe que o ser humano sofre, afinal, toda sua existência anterior ele passou ouvindo as lamúrias de milhares de pessoas. Mas quando toma uma xícara de café, fuma um cigarro ou sente o gosto do próprio sangue – numa das cenas mais lindas – ele sente-se tão sortudo por estar vivo que está disposto a enfrentar quaisquer intempéries para poder desfrutar desses pequenos prazeres. E não seriam os momentos de regozijo, ainda que breves, uma de nossas principais motivações para viver? Após essas primeiras descobertas – que incluem a dor, recebida por ele como uma bênção, afinal, é mais um direito conquistado –Wenders parte para a grande questão: o amor.
Quando os créditos finais de Asas do Desejo começam a cruzar a tela, a pergunta que me atormenta é sempre a mesma: o que é a morte, ou mesmo a falsa promessa de uma existência livre de angústias, perto da imensidão dolorosa – mas indispensável – do amor, seja físico ou espiritual? Após experimentar pela primeira vez esse indecifrável sentimento, Damiel tenta descrevê-lo por meio de uma frase singela: “Eu estive dentro dela e ela em volta de mim. Hoje eu sei o que nenhum anjo sabe.” É sua tentativa de verbalizar as misteriosas sensações que só o calor humano é capaz de provocar. Quando decido reviver Asas do Desejo, termino experimentando um curioso misto de desconforto e proteção. É como sentir-se tocado por um anjo.
Publicado originalmente em meu livro O Filme Nosso de Cada Dia, de 2014
Histórias Cruzadas
4.4 3,8K Assista AgoraUm filme vendido como símbolo de redenção, quando apenas resgata noções retrógradas e preconceituosas que demoraram décadas para serem combatidas. Aí a ofensa é grave. Foi a impressão que tive ao ver o tão celebrado Histórias Cruzadas (The Help). Vejamos, o filme supostamente presta homenagem às mulheres negras que trabalhavam como faxineiras e governantas nos Estados Unidos da década de 60. Digamos que a intenção seria nobre se o filme não fizesse questão de subestimá-las o tempo todo.
Em Histórias Cruzadas, o pior que essas mulheres sofrem é não poder utilizar o banheiro das patroas. Inclusive o diretor Tate Taylor não teve vergonha de afirmar, numa entrevista, que a cena em que uma das personagens está sendo apressada pela patroa enquanto utiliza o banheiro é “cruel”, e que “Isso é muito pior que ver um espancamento”. Não termina por aí. Com uma pequena pesquisa é possível descobrir que, naquela época e local, foram registrados centenas de casos de mulheres negras abusadas por seus patrões – entre outras barbaridades que Taylor ignora completamente –, mas o filme prefere retratar o drama de uma negra que apanha do marido alcoólatra, também negro. Os patrões são apenas objetos decorativos, já que os realizadores tinham que dar alguma função a eles. Não, filme algum precisa ser fiel à História, mas essa é uma inversão que afronta a própria “mensagem” que Histórias Cruzadas clama pregar.
A protagonista, interpretada por Emma Stone, é uma lourinha que teoricamente nunca foi racista, logo, não aprende nada durante o filme. Ela escreve um livro sobre as experiências das mulheres negras, mas o máximo de impacto que a leitura provoca nas madames são carinhas de ofensa. Nada muda, nem ninguém. A personagem de Octavia Spencer literalmente faz a chefe comer cocô – me contorci de constrangimento e incredulidade durante essa cena –, mas nada de grave acontece a ela depois disso. A malvada apenas fica ultrajada. Honesto, não?
No final, a lourinha vai ser rica e bem-sucedida em NovaYork graças ao sucesso do livro. Já as personagens de Viola Davis (numa fantástica atuação, a única coisa que realmente gostei no filme) e Octavia Spencer encontram destinos bem menos glamourosos, que a fotografia ensolarada de comercial de banco e a música de novela mexicana nos avisam tratar-se de suas redenções: a primeira se demite e vai pro olho da rua só com uma malinha; a segunda ganha um emprego vitalício – releia as duas últimas palavras em voz alta e reflita – na casa de outra loura de bom coração. Um filme tão ingênuo a respeito do tema de que trata, que acaba produzindo o efeito inverso ao supostamente desejado: parece perdoar os opressores ao invés de confrontá-los.
Crepúsculo dos Deuses
4.5 794 Assista AgoraMuitos dos cineastas que admiro transformam a paixão pelo Cinema em matéria prima para criação.
Billy Wilder criou um dos melhores filmes nesse sentido, a obra-prima incontestável Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard). É, ao mesmo tempo, celebrativo e crítico, mostrando a maneira como a indústria cinematográfica descarta seres humanos como se fossem mercadorias, quando estes deixam de atender às necessidades do mercado. Sim, nessa hora não há “estrela” ou “celebridade” que escape. O filme faz pensar em quanta sujeira pode estar escondida detrás de todo o glamour do cinema. Gloria Swanson é um assombro no papel de Norma Desmond, o ex-ícone do cinema mudo que não é capaz de aceitar que os dias de glória se foram. William Holden também impressiona como o roteirista decadente que se refugia na opressiva mansão de Desmond. Não faltam diálogos inesquecíveis e citações a grandes nomes do cinema norte-americano, incluindo inacreditáveis participações especiais de Buster Keaton, Cecil B. DeMille e outros.
Esse é seguramente o maior filme sobre o tema, algo que qualquer amante da sétima arte precisa ver e absorver.
#SunsetBoulevard #CrepúsculoDosDeuses #Hollywood #Cinema
Pearl Harbor
3.6 1,2K Assista AgoraTinha 15 anos quando assisti pela primeira vez ao filme Pearl Harbor, de Michael Bay. Hoje o considero um dos maiores anúncios de cigarros já produzidos (tenha paciência e entenderá). Na época, bobinho, me deixei levar por aquelas belas imagens, aliadas à música grandiloquente de Hans Zimmer. Chorei assistindo a Pearl Harbor, sou humilde o suficiente para admitir (mas dói). Quando vi pela segunda vez, fiquei me forçando a reviver a emoção da primeira. Nunca aconteceu. Começou a ficar claro que as sensações provocadas eram supérfluas, imediatistas. Quando chorei, foi porque o diretor quis, não porque o filme me disse algo. Foi aí que comecei a tentar absorver melhor o que via. Estava me convencendo de que a superficialidade não era a única coisa errada ali. Lá pela terceira vez, algo me deu a luz que faltava para decifrar o enigma. Ao término, uma amiga, aos prantos, declarou: "Se encontrar um japonês hoje, dou um soco na cara dele!" Pronto, constatei não apenas o objetivo do filme (aparentemente o único, além do lucro), como a assustadora eficácia dos artifícios de que se utiliza para atingi-lo. Sempre que Pearl Harbor é reprisado, tento rever ao menos um pedaço. Primeiro, porque me diverte, com bobagens como Alec Baldwin declarando que "Não há nada mais puro que o coração de um soldado voluntário" (algo que seria aceitável num filme de ação despretensioso, mas não num de guerra que pretende ser levado a sério), ou o final, com a bandeira americana tremulando ao sol, enquanto a voz de Kate Beckinsale nos "explica" que depois da guerra a América nunca parou de se fortalecer, ignorando as duas bombas atômicas lançadas sobre civis no Japão. Em segundo, porque essa mesma audácia me lembra que tudo o que consumimos tem uma intenção ideológica por trás, mesmo que inconsciente (o que não é o caso desse filme). Vale lembrar que O Nascimento de Uma Nação, de D. W. Griffith, cujos heróis eram da Ku Klux Klan e O Triunfo da Vontade, de Leni Riefenstahl, que enaltecia Hitler, eram tecnicamente impecáveis e foram sucessos. Pearl Harbor é belo, persuasivo, vazio, frouxo e mal-intencionado, como aqueles famosos vídeos comerciais de cigarros.
#PearlHarbor #MichaelBay #Cinema
Lightyear
3.2 391 Assista AgoraNinguém perguntou mas eu digo:
A primeira aventura solo do Buzz Lightyear é bem legal, mas padece do mesmo mal que 99% dos filmes populares recentes: evapora assim que os créditos finais surgem na tela.
A trama é claramente uma transposição dos ensinamentos do professor Chistopher Vogler, aquele que literalmente salvou os estúdios Disney de uma longa crise com a consultoria prestada ao desenvolvimento dos personagens e histórias de A Pequena Sereia, A Bela e a Fera, Aladdin e O Re Leão. É uma reinterpretação dos arquétipos da Jornada do Heroi segundo o lendário mitólogo Joseph Campbell, mergulhada numa linguagem visual dinâmica, altamente contemporânea. Nesse sentido, Lightyear é perfeito. O roteiro é redondinho, abre diversos arcos dramáticos e fecha um por um a contento.
No entanto, como os próprios Vogler e Campbell muito bem sabiam, arquétipos são apenas estruturais, o que realmente importa numa boa história é criado a partir deles. Nesse ponto, Lightyear deixa um pouco a desejar. O protagonista permanece infinitamente carismático (e Marcos Mion surpreende com uma ótima performance como dublador), a dinâmica do time multirracial que se forma é muito bonita e o filme tem alguns belos momentos emotivos, como se espera de uma produção Disney feat. Pixar. As lições são aprendidas através da jornada, não de frases de efeito cafonas (ao contrário dos patéticos filmes do Sonic... #falomesmo) e as cenas de ação são empolgantes.
O filme, no entanto, não tem ressonância. Assim como a musiquinha franzina de Michael Giacchino, que falha ao se atrever a tentar emular John Williams (#obviedades), Lightyear,o filme, evapora igual a algodão doce, assim que se sai do cinema. Ao menos é doce enquanto se degusta, né?
As crianças vão amar, podem levá-las sem medo, mas é bom lembrar de como nossos pais saíram da sessão de Toy Story tão apaixonados quanto nós em 1995.
Guerra Mundial Z
3.5 3,2K Assista AgoraTá passando essa porcaria no Paramount Network e eu tô rindo só de lembrar da treta que deu o texto que publiquei sobre o filme no antigo Kawabonga, da querida @nataliexrosa.
Aida bem que era cabine de imprensa: vi de graça e saí com bastante maldade pra falar sobre o filmeco milionário dos zumbis digitais maratonistas.
Romero deve ter rido de nervoso assistindo a essa nulidade.
Amém!
#WorldWarZ
Lightyear
3.2 391 Assista AgoraÉ surreal a quantidade de gente que tá cagando pra cultura e arte, mas faz questão de comentar filmes e seriados, com suas preocupações reacionárias e mesquinhas.
Vão pra igreja! Combina muito mais com a cabeça de vocês.
Trevas!