"O messianismo pedagógico é o ponto forte e como outros filmes semelhantes, este também é baseado em "fatos reais". No entanto, a arte imita a vida de forma muito imperfeita, sendo mais manifestação de concepções, valores, sentimentos, etc., do que retrato fiel da realidade. Este é o caso de Escritores da Liberdade. A professora consegue reverter o quadro através de um forte sacrifício pessoal (teve que trabalhar em outros dois empregos para ter dinheiro para comprar livros e cadernos para os alunos, divórcio, etc.) e isso só é possível se for o sentido da vida para tal professor. Obviamente que a dedicação da professora é louvável, bem como sua ação e os resultados individuais conseguidos. Porém, isso não serve de modelo e de inspiração, não só por causa dos valores, concepções, sentimentos por detrás da prática da referida professora (e do filme), mas também porque os resultados atingem apenas determinadas pessoas, pois para se concretizar em grande escala não só seria necessário outras professoras abnegadas e que fazem da prática educacional o sentido da sua vida, como também ter apoio institucional, políticas educacionais estatais, etc. Nem todos dispostos ao mesmo sacrifício (por exemplo, trabalhar em dois empregos para comprar materiais para alunos, pois é necessário, não só estar disposto a isto como também conseguir tal emprego e não se pode abstrair que a referida professora no filme é oriunda das classes privilegiadas - possuindo acesso a determinado "capital cultural", como diria Bourdieu, além do vil metal - e tem apoio do pai, um juiz, que pode, por exemplo, pagar jantar para os alunos devido seus altos rendimentos). O caso é ainda mais difícil em países como o Brasil, onde o salário do professor é insuficiente para ele sobreviver e além disso não possui recursos, condições e incentivo para formação/qualificação, etc."
Cf. Cinema e Manifestação social, "Escritores da Liberdade" ou liberdade dos escritores?
"O filme O Jovem Karl Marx, é uma excelente obra cinematográfica que, sem dúvida, ajudará na divulgação e compreensão do pensamento do teórico revolucionário que se tornou a maior referência intelectual para todos que querem transformar o mundo. O pensador mais deformado da história do pensamento da humanidade e muito mal compreendido, ganha um retrato relativamente fiel de sua evolução política e intelectual. O filme também traz uma lição para todo militante: ser revolucionário pressupõe coragem, radicalidade e criticidade. Nesse sentido, é um filme que deve ser assistido, debatido e se tornar mais um material a ser utilizado na luta cultural por uma sociedade radicalmente diferente." Cf. Karl Marx no Cinema, blog Informe e Crítica
O filme sobre Freud inicialmente, teve o seu roteiro feito por Jean-Paul Sartre, que tinha enorme interesse pela psicanálise, e direção com o aclamado John Huston. Entretanto, a experiência de Sartre com cinema era praticamente nula e o Huston teve que fazer novas adaptações, dirigindo um filme mais enxuto, sem (ou quase nenhuma) influência do roteiro feito por Sartre. Podemos ver que o filme, estrelado por Montgomery Clift (Freud), faz um recorte da vida de Freud, contando as suas primeiras experiências como médico e as primeiras fundamentações das posteriores teorias freudianas.
Freud, em sua época como médico, estava começando a clinicar alguns pacientes. Analisando o problema da histeria, ele começou a se interessar por análises que se utilizavam da hipnose, técnica que consistia em deixar o paciente relembrar de fatos no passado, no seu sono, para quando ao acordar, remediar alguns sintomas que lhe atormentavam. No entanto, depois de acordar os pacientes, os sintomas cessavam, mas após um tempo, eles voltavam, o que lhe dava um caráter bastante deficiente para o método. Nas conversas entre Freud e o seu colega Breuer, o primeiro começa a relatar as suas ideias sobre a neurose e a relação com a sexualidade, enquanto o segundo critica um pouco a determinação sexual que Freud colocava em suas hipóteses. Porém, no decorrer de suas próprias auto-análises, Freud foi percebendo através dos seus sonhos que a relação conflituosa que ele tinha com seu pai, decorria de um Complexo de Édipo (termo que ele utilizará posteriormente). Assim, umas das questões mais importantes para o sistema freudiano são as fases sexuais que são desenvolvidas na infância – uma novidade na época –, que se não tivessem um desenvolvimento saudável, acarretaria em traumas no futuro.
Na análise da paciente que é retratada no filme, Ana O., Freud vai percebendo que existe um trauma na sua infância, causado por uma repressão dos instintos sexuais na infância, o chamado recalque, devido a um desejo não atendido pelo pai de Ana na sua infância. Depois da sua descoberta, Freud vai a um congresso em Viena para relatar um pouco sobre os seus estudos sobre a sexualidade infantil, porém, a maioria dos médicos ali presentes não concordam com sua visão, e começam a se retirar. Até mesmo o seu colega Breuer, apesar de admirá-lo, vê que Freud coloca o comportamento sexual como sendo o determinante psíquico do indivíduo, o que não é totalmente correto.
Podemos destacar que o percurso de Freud é inovador para sua época. Tratando de métodos novos (a associação livre, a interpretação dos sonhos) ele começa a questionar os paradigmas da psicologia até então vigentes, dando ênfase à subjetividade e também a uma auto-análise. O filme conclui com um olhar de Freud sobre a lápide de seu pai, nela está escrito a mensagem: “Conheça a si próprio”. Podemos entender que o trabalho do psicanalista tem o pressuposto de uma relação recíproca entre paciente e analista, descobrindo e solucionando os seus conflitos individuais de forma com que cada um possa entender mais sobre o seu aparelho psíquico – o inconsciente.
Lembrando a morte do grande cineasta Eduardo Coutinho, um dos melhores documentaristas do cinema mundial, quero destacar a sua última realização artística. Observando a sua carreira, não é difícil perceber que Coutinho sempre procurou retratar pessoas comuns de uma forma sempre íntima e objetiva, colocando em evidência as idiossincrasias de cada indivíduo. Diferentemente do que vemos na televisão, que possui uma linguagem precária, o cinema de Coutinho faz de indivíduos, histórias interessantes e situações tristes, uma forma de reconhecermos pessoas singulares. Neste filme, o seu cinema encontra o ápice crítico – na verdade não sei se podemos chamar de filme. O longa-metragem mostra um resumo da programação da televisão brasileira, em 90 minutos, de manhã até a noite. Assim, observar as limitações, os problemas e a ideologia central na tevê brasileira é o foco principal.
Desde o período da manhã, comerciais sobre brinquedos são passados junto com desenhos, em um incentivo aos pequenos espectadores infantis para consumirem cada vez mais, tornando a lógica do consumismo uma inculcação que começa desde cedo. Logo depois, programas sobre culinária e estética são mostrados com o intuito de criarem um padrão da beleza determinado pelos programas - curioso notar que todas as pessoas, depois da transformação, se assemelham à apresentadora do programa. No período da tarde este aspecto será repetido, com inserções sobre pessoas que mudam de rosto, fazem lipoaspiração, e compram produtos para entrarem em forma, mostrando a covardia que a televisão cria nos desejos dos seus espectadores – um ciclo de consumo sem fim. Mas, o pior está nos telejornais. Desde o jornal da Band, até o Jornal das 20h na Rede Globo, o telejornalismo brasileiro é um insulto, uma verdadeira ode à violência. Cenas de violência, comentários ignorantes por parte dos apresentadores – em um momento, o apresentador diz que mulher deve ser segurada à força, ao invés de bater nela -, ressaltam que as reportagens não possuem qualidade nenhuma e valores como o sexismo e a violência em si mesma se colocam como paradigmas centrais, e são reforçados cada vez mais no pobre universo jornalístico das meras aparências.
A televisão é a síndrome de uma sociedade que possui valores conservadores, os reproduz, reforçando como se fosse um serviço social obrigatório a todos que vivem nela. Lembrando assim que, na verdade, o que a televisão faz é um desserviço à sociedade e que, portanto, deveria ser radicalmente transformada com a conscientização crescente das pessoas. Depois disso, Coutinho e outros grandes cineastas serão reconhecidos e grandes histórias serão substituídas pela barbárie que é mostrada na televisão brasileira, dia a dia.
A Família Bélier O filme Família Bélier dirigido por Eric Lartigau, de 2014, retrata a vida de uma família no interior da França. No entanto, diferente de grande parte das famílias, o pai, a mãe e o filho são surdos, enquanto a filha é a única que não possui nenhuma necessidade especial. Essa questão diferencia um pouco o cotidiano dessa família, mas o filme dá ênfase mais à personagem Paula, a filha da família Bélier, que se encontra no momento de certo descobrimento amoroso, um talento musical escondido e os estudos no Ensino Médio.
A família Bélier mora no campo, sendo dona de uma fazenda que cria vacas e produz leite e derivados, constituindo a renda mensal com a venda dessa produção na feira da cidade. No momento, as eleições estão chegando, o prefeito favorito a vencer as eleições discursa sobre a criação de um shopping Center na zona rural, o que provavelmente desapropriará a família Bélier de sua fazenda, entre outras famílias. Isso faz com que a família também entre na política, lançando o pai Rodolphe como candidato às eleições, o único candidato surdo. Esse é um desafio que o filme coloca para a família surda, pois tal obstáculo poderia dificultar a vitória deles nas eleições. Mesmo assim, eles permanecem unidos e acreditam que podem vencer as eleições. Começam dessa maneira a fazer a divulgação política da campanha de Rodolphe, junto a toda a família, mostrando o cotidiano de cada um dos membros da família e suas propostas políticas para a cidade.
No meio da trama que coloca a divulgação da campanha da família Bélier para vencer as eleições, o filme ainda destaca os conflitos internos da adolescente Paula. Ela descobre nas aulas de coral um talento especial para a música, depois de entrar no coral; ainda se vê em um relacionamento com outro menino do coral, Gabriel; e vive a expectativa de terminar o Ensino Médio e depois morar na cidade metropolitana de Paris. Assim, a personagem Paula, como única pessoa não surda e muda, é a protagonista do filme. Ela tenta lidar com todos esses obstáculos, as diferenças entre ela e a família, o sonho de ir para Paris, o concurso no coral de música e a candidatura política de seu pai.
O filme assim retrata a vida dessa família, como qualquer outra, não deixando que o fato de serem surdos, faça com que eles sejam diferentes de qualquer outra pessoa. Eles possuem problemas amorosos, trabalham na sua fazenda, a filha passa pelas primeiras experiências amorosas na vida, os estudos, entre quaisquer outras atividades que fazem parte de qualquer família dentro dessa sociedade capitalista. No entanto, o filme trata todas essas questões de maneira superficial, como um conto de fadas da vida real. As dificuldades vividas pelos personagens são facilmente superados, os conflitos são previsíveis e as situações que acontecem no filme são desinteressantes. Assim, o filme apenas retrata situações, sem lançar qualquer crítica mais aprofundada sobre a problemática das pessoas surdas na sociedade; a falta de qualquer disciplina na escola que possa ensinar Libras aos alunos; quando a família assiste tevê, não existe nenhum instrutor de Libras para auxiliar na compreensão; e na campanha política a família Bélier é sempre tratada como pessoas excêntricas. Por fim, o relacionamento amoroso é ainda colocado como fundamental na história, sendo que nada acrescenta de importante à trama do filme. Portanto, a Família Bélier apenas contenta em retratar de maneira fabulosa a vida de uma família surda, sem aprofundar esta necessidade especial e as implicações disso na sociedade contemporânea.
Nesta obra de Lars Von Trier, filmada no ano de 2002, acompanhamos a história de Grace, uma mulher que ao fugir de mafiosos, vai parar em uma cidade minúscula chamada Dogville, que possui pouco mais de dezenas de habitantes. O período da história situa-se no ano de 1930, o ano da depressão econômica nos EUA.
A grande característica visual desse filme é a exclusão dos cenários, sendo substituídos por marcações de giz. Uma técnica, a princípio, ousada, que depois é entendida como um excelente recurso técnico usado pelo diretor, para enriquecer a proposta temática do filme.
Na cidade de Dogville, o que pode ser traduzido como “cidade de cachorro”, conhecemos um lugar que está localizado em uma região periférica. Não há estradas, escolas e hospitais; porém, existe uma prisão um pouco afastada da cidade, uma montanha não muito distante e um agente da lei, que informa todos os dias aos habitantes, sobre os problemas da cidade. Em uma sociedade como essa, mesmo distante dos problemas econômicos das cidades grandes, os cidadãos vivem isolados e sem muitas perspectivas de vida, contrastando com uma mina de minério abandonada, que poderia ser fruto de grandes riquezas no passado.
O diretor foca sua câmera em planos abertos e verticais, revelando a natureza da cidade e demarcando a divisão social, ali presente. Cada cidadão tem um trabalho bem definido, o que confere uma sociedade planificada, à qual o trabalho é realizado em horários definidos e com funções específicas. Apesar dessa universalidade, ocasionada por uma falta de cenários, que pode ser visto como um meio de aproximação entre as pessoas, já que não existem “barreiras” entre elas, os indivíduos ali presentes, parecem estar imersos em um individualismo, em que existe uma preocupação com o bem-estar de todos, ao mesmo em que cada um parece se importar apenas com o seu “eu”.
Diante desses problemas, uma estrangeira chega à cidade e tenta inserir-se naquela sociedade, com o intuito de se tornar cidadã. Confrontada por eles em uma votação na igreja, ela é convencida a realizar trabalhos por algumas semanas, a fim de que se faça outra votação, para decidirem se ela poderá ou não fazer parte daquela cidade.
É interessante perceber o papel inocente e belo de Grace, que em seus próprios valores, apreende aquela realidade como sendo diferente das demais – ela fugia dos problemas com a família. Em um primeiro momento, as pessoas parecem acolhedoras e familiares, mas com o passar do tempo, elas começam a demonstrar hostilidade e mostram o lado mais cruel do ser humano. Através do mediador, chamado Thomas Edison, presenciamos uma experiência social de transformação. Aliás, o nome Thomas Edison, sugere o nome do inventor da lâmpada elétrica. O que é curioso, pois ele deveria ser o “iluminador” no caminho de Grace, mas em uma democracia em que a maioria decide os rumos do todo, de modo irracional, ele não pode fazer nada, além de aceitar a situação de sua anfitriã. Assim, Dogville à primeira vista, poderia ser uma cidade qualquer, mas em um segundo momento, ela se transforma no pior inimigo aos valores morais e humanos, presentes em Grace. Ela é corrompida e transformada em objeto.
A presença de uma estrangeira é tratada como um estudo de alteridade para aquela sociedade. À medida que Grace vai sendo abusada sexualmente, e começa a acumular trabalhos, isso se reflete mais ainda na maneira com que as pessoas, isoladas de si mesmas e do mundo, tratam o “outro”, o próximo. Apesar dos esforços do mediador, em tentar fazer uma conexão e perguntar às pessoas o que acham da presença dela na cidade, todas as tentativas são frustradas, pois o estrangeiro não pode ser aceito. Com a total desistência do mediador em tentar esse contato, Grace fica em total rejeição e, abandonada, tenta fugir da cidade.
Com a chegada dos mafiosos, o que resta agora para os habitantes de Dogville é o fim de sua existência. Depois de uma completa rejeição a uma estrangeira, eles são eliminados após uma breve reflexão de Grace, que conclui: “o mundo seria melhor sem essa cidade”. O que de fato pode ser perfeitamente compreensível para a personagem, é crítica para a nossa realidade atual. Em uma sociedade, digamos “civilizada” e desenvolvida, parece claro que os indivíduos vivem em total integração com o próximo, e cientes que devem prezar pelo bem estar comum. O que podemos interpretar na obra de Lars Von Trier, é entender como um sistema fechado de relações sociais, em que o interesse egoísta de cada um, funciona como uma barreira que se mostra incapaz de atravessar, causando assim um rompimento entre as pessoas. Aqui se justifica a sua opção estética, como uma bela ironia.
A questão é o individualismo e o fim da sociabilidade entre os seres, que é a grande pergunta do mundo pós-moderno. O que sempre pensamos como um problema amplo, e refém apenas de grandes sociedades, podem ser encontrados em uma cidade isolada e deserta, chamada Dogville, onde mesmo com uma divisão social bem simples, existem problemas tão universais e complexos, que estão presentes em todos nós.
Um filme de poucos gestos, poucas falas e poucos cenários. Um filme baseado em seus personagens, apenas neles e nos seus conflitos internos. A protagonista Akiko, é uma moça apaixonada por um rapaz, mecânico e extremamente ciumento. Logo no começo, já acompanhamos o problema de relacionamento, entre os dois jovens em uma longa conversa telefônica. Ela reclama dele, diz que quer terminar o namoro. Mas é difícil, todos nós sabemos que certos relacionamentos, não possuem uma explicação razoável. Às vezes, duas pessoas não convivem bem uma com a outra, mas mesmo assim, continuam convivendo juntas, pois necessitam inexplicavelmente, uma da outra. Logo depois, Akiko encontra um cliente e nele, encontra um forte laço de amizade, como um "avô" cuidando de sua querida neta. São expressões, amores diferentes que evocam diferentes paixões que culminam, em um final explosivo e inconclusivo, em um filme realista e sem explicações claras.
Infelizmente, confesso que não sou fã de musicais e achei esse filme bem fraco. Salvo, as atuações de Hugh Jackman, Russel Crowe e outras, o filme não consegue dar uma importância real à sua história ou a seus personagens. O que realmente importa é ver os atores cantando os seus diálogos - sei que é um musical, mas... -. A trama é enfraquecida ainda mais por um diretor que não sabe utilizar os cenários no filme. Sempre temos planos perto dos atores, e poucos planos gerais, de visão mais ampla. Os números musicais inventivos são escassos, as músicas não "grudam" na nossa cabeça e os diálogos, nunca desenvolvem a história como deveria. Esse filme como adaptação do clássico Os Miseráveis é esquecível e, tão logo, é melhor você ler o livro do que ver este filme.
Um dos filmes mais críticos e interessantes que já assisti. Do diretor romeno, Cristian Mungiu. Temos duas garotas apaixonadas, que moram em um monastério isolado - Além das montanhas. O filme parece desenvolver-se lentamente, bem no estilo europeu, mas aos poucos, acompanhamos o problema de uma das garotas da trama que possui esquizofrenia ou algum tipo de transtorno mental. Apesar do filme estar situado no século recente, os meios que o padre daquele monastério, usa para tratá-la, são dos mais primitivos possíveis, nos fazendo lembrar de épocas passadas, como a Idade Média. O final do filme é seco, direto e realista. Ficamos pensando, até que ponto, a religião pode ainda ser confundida com ciência?
Confesso que conheço pouco, o aclamado diretor William Friedlkin - diretor de O Exorcista. Portanto, não sabia o que esperar desse filme e fui surpreendido. Em uma trama simples, pesada, suja e amoral, conhecemos uma família que mora em uma pequena casa. Cada membro dessa família, não tem o menor receio de expor os seus piores defeitos. O filho vende drogas e tem sua última remessa de cocaína, roubada pela mãe. A madrasta, trabalha em uma lanchonete e se relaciona com outros homens, além do seu marido. O patriarca da casa, na verdade, é um homem que não tem o respeito de ninguém, portanto, é o filho e a madrasta quem mandam. E por fim, temos a pequena Dottie - destaque para Juno Temple, menina de 9 anos, tentando viver sua infância-adolescência, sem que todos esses problemas familiares a atrapalhem. A trama vai crescendo aos poucos, até chegar no maior destaque, Joe, o assassino de aluguel do título - vivido por Matthew McConaughey. A história é surreal, repleta de humor negro e nos envolve, em suas particularidades até, chegar em um grande clímax. Saímos do filme, aliviados por não estarmos presentes naquele "mundo".
Um filme sobre conflitos pessoais, entre relacionamentos arruinados e superação destes. O protagonista convence - Bradley Cooper, como um bipolar que ao mesmo tempo, pode trazer antipatia, como empatia, em suas mais variadas reações a certos momentos da trama. Depois, conhecemos Tiffany, uma mulher que também possui problemas, com um relacionamento passado e busca tirar sua estigma, de mulher fútil e "fácil". A trama do filme é interessante e os atores principais, têm ótimas interpretações. O problema reside na resolução de todos esses problemas no meio, e no final da história. O diretor aposta de muitos clichês de histórias românticas e o resultado, soa simples e artificial. Por isso, esse é mais um desses filmes para você assistir, se sentir bem e esquecer logo depois.
Magnífico filme de Thomas Paul Anderson que conta a história de 9 personagens, retratados de forma humana e crível, nos fazendo realmente crer que não se trata de uma filme, mas de uma história real, em que "coisas estranhas acontecem o tempo todo", como retratado logo no início. No final, há uma metáfora e cada pessoa que o assistir, pode tirar sua própria interpretação. Penso que existem coincidências na vida, talvez intervenções casuais, mas não causais. Não se trata de sermos predestinados a cumprir um papel no mundo que nos é dado, pois temos escolhas e basta seguir em frente e termos atitude de enfrentar, mesmo que aconteçam coincidências e "forças" que nos ajudem em alguma situação difícil, não adianta nada continuar o mesmo e não seguir adiante. Esse pra mim é o nosso papel mais difícil, continuar e seguir adiante aos nossos problemas na vida, sem esquecer o passado.
Apenas uma noite, sem trocar os telefones, nem ao menos dizerem seus sobrenomes. No começo, ao raiar do sol, encontramos dois jovens que estão viajando de metrô por Viena. Em um pequeno vislumbre romântico, os dois se conhecem, o acaso os reune e a viagem, por ora apenas trivial, torna-se um momento inesquecível, capaz de se manter na memória para sempre um encontro entre pessoas que conseguiram finalmente encontrar o seu caminho.
No começo de qualquer relacionamento que seja de certa forma marcante para alguma pessoa, é notável que possamos manter um otimismo contagiante, que nos faça depositar todas as esperanças, sonhos e desejos pela pessoa amada. Essas pessoas são Jesse e Celine. No passeio pela cidade de Viena presenciamos momentos de encantamento por compreender que o relacionamento entre eles possui todas as nuances que dão uma aura quase mágica. Os diálogos são sempre construídos de forma apaixonada, em que cada um possa demonstrar, impressionar e tentar encantar o outro, pois para aqueles dois jovens, o momento é sempre importante, cheio de detalhes que devem ser apreciados ao máximo. Não há conflitos, apenas entendimento, ou consenso. Jesse e Celine possuem confiança um no outro, por nutrirem um sopro de esperança de que será sempre assim, como um diálogo entre poesia, música, um beijo romântico e um jardim, que resulta em um amor consumado, encerrando um dia que ficará guardado na memória. Desse dia, os jovens românticos sempre se lembrarão como um ideal que determinará o sentido de suas vidas.
"Em uma estrada, atrás da cerca de um vasto jardim, ao fim do qual aparecia a brancura de um lindo castelo ensolarado, havia um menino lindo e sadio, vestido com essas roupas do campo e cheio de elegância. O luxo, o descuido e o espetáculo habitual da riqueza tornam essas crianças tão bonitas que a gente crê que sejam feitas de outra matéria que os filhos da mediocridade e da pobreza. Ao lado dele, jazia, sobre a relva, um brinquedo esplêndido, tão novo quanto seu dono, envernizado, dourado, vestido com uma roupagem purpurina e coberto de plumas e de vidrilhos. Mas o menino não se ocupava de seu brinquedo preferido e vejam para o que ele olhava: do outro lado da cerca, na estrada, entre os espinhos e as urtigas, havia outro menino, sujo, magro, fuliginoso, uma dessas marmotas-párias, em quem um olho imparcial descobriria beleza, sim, como o olho de um conhecedor adivinha uma pintura ideal sob o verniz de carroceiro e o limpa da repugnante pátina da miséria. Através dessas barras simbólicas separando os dois mundos, a estrada e o castelo, a criança pobre mostrava à criança rica o seu próprio brinquedo, que esta examinava avidamente como um objeto raro e desconhecido. Ora, tal brinquedo, que o pequeno sujinho irritava, agitava e sacudia dentro de uma gaiola, era um rato vivo! Os pais, por economia, sem dúvida, tinham tirado o brinquedo do dia-a-dia da vida. E os dois meninos riam, um para o outro, fraternalmente, mostrando os dentes de igual brancura."
Filme Laranja Mecânica – O Controle Totalitário sobre a Natureza Humana
Na teoria hobbesiana sobre o estado de natureza dos homens existe uma asserção que é bastante conhecida: “o homem é o lobo do homem”. Nessa passagem, Hobbes afirma o caráter maligno da natureza humana que, inserido em uma realidade social, precisa se submeter a um contrato social perante o Estado, para que a sociedade possa estar dentro de uma ordem, livre e pacífica. Não é por menos que o filme Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick, trará tal proposição para ser discutida.
Logo no começo do filme, somos apresentados à gangue de Alex, em uma espécie de “boate”, repleta de estátuas em forma de mulheres nuas que fornecem uma bebida similar a um leite para os rapazes. Depois de presenciarmos o ambiente em que os rapazes convivem, adentramos um pouco às suas atividades cotidianas. A gangue de Alex se satisfaz em bater em um velho mendigo sozinho debaixo da ponte, participar de uma briga com uma gangue rival no teatro e estuprar a esposa de um escritor em uma mansão perto da estrada. Todas essas atividades são realizadas com a justificativa de uma “ultraviolência”, necessária para a satisfação pessoal dos rapazes adolescentes.
Depois de conhecermos um pouco sobre as atividades desses jovens “delinqüentes”, podemos entender um pouco da vida do jovem Alex – protagonista e narrador do filme. Filho de pais, aparentemente com condições financeiras privilegiadas, ele possui um quarto próprio, preferência por música clássica (Ludwig van Beethoven), um animal de estimação (uma cobra), e parece pouco se preocupar com seus afazeres escolares – em um momento, sua mãe diz que ele não vai à escola por uma semana. Além disso, descobrimos que os pais de Alex desconhecem as atividades que o seu filho realiza fora da escola, ou seja, a sua participação em uma gangue e em atividades violentas. Podemos dizer que entre Alex e os seus pais, há um distanciamento grande, o que gerará problemas no futuro.
Em um desentendimento com os seus “drugs” (companheiros), Alex em uma tentativa de mais um estupro, vai a um SPA, mata uma mulher e logo depois, é alvo de uma traição por parte deles. Então ele é preso e começa o segundo momento do filme, à qual Alex começa a vivenciar a realidade prisional daquela sociedade. As prisões são superlotadas e o ministro do interior procurando uma solução para a diminuição da violência e do crime, permite a alguns cientistas a utilização de um novo método chamado Ludovico, que busca transformar as pessoas más em boas. Assim, o corpo se adaptaria a certas reações fisiológicas negativas para inibir o comportamento violento. O método é similar ao behaviorismo clássico, corrente teórica da psicologia que surgiu no começo do século XX, e frequentemente era utilizado para esses casos na época em que o filme foi realizado.
Acompanhamos o tratamento de Alex que se dispôs a melhorar a sua condição problemática, para poder sair da prisão. No decorrer deste tratamento, seu organismo começa a ser aplicado com vitaminas, e logo depois, ele começa a assistir cenas de violência, guerra e estupros, junto com uma trilha sonora da nona sinfonia de Beethoven. Assim, concluímos que a sua natureza violenta é restringida por certos medicamentos, gerando uma reação de náusea que o impede de cometer qualquer ato que seja contrário às normas sociais. Alex “aprende” a ser bom para viver em sociedade, tal como o contrato social hobbesiano.
Ao sair da prisão, Alex é ressocializado e se torna manchete dos principais jornais, considerando-o como um sucesso para a solução da criminalidade e violência nesta sociedade. Podemos ver que o indivíduo é culpabilizado pela sua situação, tratado pelo Estado como delinquente, e depois de receber o seu tratamento, poderá voltar à sua situação anterior e se adaptar à sociedade, agora como um indivíduo bom. O problema é que Alex já possuía problemas que não eram determinados apenas por uma suposta “natureza má”. Assim, seus conflitos familiares se mostram mais evidentes no segundo momento do filme. Pouco depois de voltar à sua casa, ele é abandonado por seus pais, e por conta disso, é forçado a procurar um lugar para ficar; porém, a sociedade já era violenta antes dele e problemas sociais existiam. Não é por menos que Alex revive todos os atos que cometera antes de ser preso. No decorrer do filme, revivemos a “ultraviolência”, mas dessa vez pelo lado das vítimas. O mesmo mendigo que ele havia maltratado em um primeiro momento, procura revidar o que tinha acontecido consigo. Pouco depois, os seus ex-amigos se tornaram policiais e encontram Alex na rua, o que lhe permitem utilizar da violência do seu cargo para revidarem a violência afligida a eles anteriormente. Depois, Alex entra na mansão, em que tinha cometido o estupro à mulher de um escritor; ele percebe que o seu detrator está em sua casa, e não obstante, utiliza de técnicas para revidar a morte de sua amada, levando Alex a cometer um ato de suicídio. É um círculo vicioso: a violência vai gerando a violência.
Por fim, Alex não morre. Ele é encontrado pelo governo, que passa a tratá-lo da melhor forma possível, pois sua imagem diante da sociedade fora manchada, já que o tratamento utilizado para diminuir a criminalidade levou um indivíduo a quase se matar. Para que o partido possa se eleger nas próximas eleições, Alex é utilizado como propaganda, e em sua situação de abandono social, ele é levado a consentir em ser utilizado e amparado pelo Estado. Percebemos assim que a utilização do método ludovico foi um pressuposto que o Estado utilizou para gerar o controle social e a ordem, não chegando a propor nenhuma resolução dos conflitos sociais, mas apenas uma forma de propaganda para se perpetuar no poder. O que permite afirmar, por parte deles, que o indivíduo seria determinado por uma natureza má e culpabilizado pela sua situação, dando a omissão necessária para que as instituições, tais como a polícia, as prisões, a desigualdade social, os partidos e os governantes, não sejam agentes também determinantes pela situação de violência social naquela sociedade.
Porém, não podemos seguir tal raciocínio, pois consideramos o behaviorismo clássico uma ideologia que parte de premissas científicas consideradas verdadeiras em certo momento, mas que não parte da totalidade das relações sociais, ocultando assim a sua base fundamental: a ciência é permeada por valores sociais que são perpassados por uma classe dominante, criado por indivíduos reais e históricos, e, dessa forma, a sua criação justifica a dominação social. O indivíduo é construído socialmente, e de acordo com os valores sociais e condições históricas, ele poderá ter uma personalidade mais fraternal com os seus próximos, ou mais depreciativa e violenta com os demais. O indivíduo não é mau; ele pode ser tanto mau, bom, individualista ou solidário. A teoria hobbesiana parte de pressupostos de uma teoria política, mas que em sua essência está naturalizando a realidade, através da necessidade de um Estado monárquico (totalitário), assim como o behaviorismo clássico, elevado a um estatuto de uma ciência psicológica, está também naturalizando a realidade, através de uma determinação biológica que condicionará certas ações dos indivíduos, excluindo, portanto, as múltiplas determinações que constroem o caráter psíquico do indivíduo (a sociedade, a sua classe social, os seus valores, o inconsciente etc.). As duas teorias possuem bases insuficientes para a complexa realidade social ali presente.
Colocamos então que o filme possui uma visão crítica, colocando que nessa sociedade distópica existe um conflito de interesses políticos entre os partidos (liberal e conservador) que estão buscando apenas o poder em si, e não o desenvolvimento e melhoramento por uma sociedade mais humana. O governo se utiliza de métodos que restringem as possibilidades dos indivíduos serem livres, o que é criticado pelo padre que não aceita o método ludovico. Portanto, um governo totalitário se utilizará de métodos ideológicos (científicos) que impedem o desenvolvimento da capacidade individual dos indivíduos, e a liberdade da expressão humana de cada um, seja violenta ou pacífica, mostrando apenas que o indivíduo é mau, bom, ou pode ser transformado milagrosamente por um método científico.
Como poderíamos relacionar o papel da televisão com a formação do indivíduo? Hoje a pergunta não se faz tão pertinente, pois existem outros meios de comunicação mais utilizados do que este, mas na década de 70, em plena Guerra Fria, não podemos ignorar a crescente massificação que a televisão veiculava em sua limitada programação. Grande parte das pessoas construíam o seu imaginário, os seus valores, ideias e crenças através desse poderoso meio de comunicação, fazendo deste um componente fundamental da sua própria vida. É nesse ponto que o belo filme de Hal Ashby toca.
Muito além de um jardim poderia ser uma fábula, mas não é. A história é centrada no jardineiro Chance (Peter Sellers) que foi criado desde pequeno pela criada Louise, e agora, encontra-se perdido, sem ter para onde ir, pois o dono da casa onde ele estava empregado, morre, e deixa a propriedade sem nenhum herdeiro. Nas cenas adiante, descobrimos que todas as experiências deste indivíduo estão reduzidas a apenas duas coisas: a televisão e o jardim. E podemos notar que o seu vínculo com a realidade, ainda se faz por causa do segundo, enquanto a outra parte de sua vida se reflete em uma mímica, uma imitação da realidade televisa. Notamos esses as características superficiais de Chance, logo na cena no começo do filme, em que o senhor da casa morre, a empregada relata o acontecimento a Chance e espera dele uma reação, o que não vem a acontecer. Em um primeiro momento, ela fica nervosa, mas logo depois, ela relembra que o indivíduo nunca se relacionou com ninguém, e dificilmente poderia expressar alguma emoção. Seria a culpa dela, por Chance nunca ter saído da casa e ter conhecido o mundo “real”? Ou, a televisão sempre o manipulou de tal forma que os relacionamentos entre os seres humanos se reduziram àquela superficialidade veiculada por ela mesma?
Dessa forma, tratarei aqui de interpretar a história pela segunda opção. Uma leitura poderia apontar o filme como uma crítica ácida, um desvelamento de uma realidade massificada em que as pessoas aceitam, sem julgar, toda a realidade construída pela televisão. Ao acaso, ele é confundido com um empresário rico, e sob os cuidados de uma família milionária, recebe um tratamento por parte desta, já que havia sido acometido por um acidente de carro. Então, gradativamente ele vai se mostrando uma pessoa confiável, perspicaz e, à medida que ganha notoriedade, vai começando a ocupar o futuro espaço político nos EUA. Assim, não é ocasional que Chance se torne uma pessoa reconhecida pelo público, ganhando fama entre os figurões do alto escalão e ele próprio, se tornando uma estrela dos programas em que assistia. Os indivíduos que estão inseridos dentro deste espaço são pessoas como ele, alienadas pela própria realidade televisiva, que para estarem adequadas dentro deste meio, precisam conhecê-lo e se conformarem por segui-lo. Em um momento do filme, a jornalista afirma:
- É interessante ver a sinceridade de Chauncey por dizer que nunca lê jornal.
A afirmação da jornalista confirma o que todos precisam fazer para estarem dentro do espaço público. Para serem famosos e reconhecidos, eles precisam fazer parte da grande mídia. Mesmo os indivíduos que contestam a sua existência, como no caso do filme Rede de Intrigas, ainda assim há espaço para eles. Porque na televisão tudo é reduzido a um espetáculo, salvo Chance que ainda preserva o seu humanismo, pela sua metáfora do jardim. O que exemplifica a questão moral que nos coloca um elo entre a nossa existência e pertencimento a este mundo. Quando Chance aparece na vida da família milionária, o ambiente muda e sua importância se faz presente por fazer aparecer novamente os sentimentos vivos que os deixavam atordoados. O que explica toda a nossa existência aproxima-se de questões humanistas, na confiança e empatia que temos um pelo outro, algo relatado por Ben, antes de saber que irá morrer e por Eve, depois de se sentir amada novamente. Por isso, a verdadeira expressão da realidade, explicação de todos os problemas, seja econômicos ou políticos, está além da compreensão deles mesmos, e se faz presente no jardim, no cuidado com o que nós temos com o nosso mundo e com o próximo. O que causa a admiração de todos no filme, que não compreendiam a sabedoria de um homem comum, iletrado e pobre, mas que tinha consigo mesmo uma qualidade especial: humanidade.
A câmera do diretor em um filme representa o olhar do espectador. Ela aponta para a nossa perspectiva dentro daquele universo e, como o “olho do espectador”, nos mostra qual história será contada, e quais personagens acompanharemos, diante de um universo ilimitado. Logo, a nossa visão é limitada, mas as histórias que acontecem ao nosso redor são incontáveis. O imaginário nunca poderá ter um fim.
Dentro dessa observação, podemos dizer que o clássico Janela Indiscreta, de Alfred Hitchcock, é um filme sobre filme. Do início até o final do filme, acompanhamos uma única visão (subjetiva), a do personagem Jeffries (James Stewart). Ele, prestes a se casar, está de repouso em sua casa por não poder mais andar, devido a uma perna engessada. Assim, a sua situação é como uma “sala de cinema”; ele está preso em sua cadeira de rodas e a sua única visão de mundo é a sua janela do seu quarto, à qual ele observa os seus vizinhos diariamente com um binóculos (o espectador).
Entre discussões com a sua namorada Lisa (Grace Kelly) e sua diarista Stella (Thelma Ritter), Jeffries consegue convencê-los de que houve um assassinato no prédio em frente, e à medida que a história avança, pistas vão sendo dadas e o caso parece tomar forma. Hitchcock é hábil, maneja a sua câmera como um voyeur, nos direcionando para várias histórias que existem no prédio em frente, sem que estejam diretamente relacionadas ao assassinato, de modo que os binóculos de Jeffries direcionem o nosso olhar. Em cada apartamento existem várias histórias diferentes, personagens distintos e situações que nos levam a imaginar várias situações. Podemos nos perguntar: Por que a mulher passa a noite sozinha se fantasiando com um encontro? Quem seria o enamorado da bailarina? De fato, houve um assassinato?
As perguntas podem ou não serem respondidas, mas não é o que nos interessa aqui. O filme é sobre um filme e estamos dentro dele como um observador. Diante de um desfecho possível (ou não) de um suposto assassinato, o que nós precisamos são de pistas (imaginárias) que nos levem a acreditar nisso. Hitchcock conhece o cinema como poucos e o seu poder está sempre em evocar o imaginário do espectador, seus medos, emoções e suas angústias, como um “ilusionista” – sabemos que a imagem não é real.
Por fim, a câmera é a nossa visão para o mundo, pois é nele que construímos as histórias. Ao acompanharmos o filme, somos transportados para aquele universo, como observadores. Cada apartamento possui histórias diferentes e personagens diferentes para novos filmes. Cabe a nós darmos um sentido a isso: visualizar o mundo como uma câmera, contribuindo com a nossas histórias.
O filme argentino Medianeras: Buenos Aires na Era do Amor Virtual, lançado em 2011, do diretor Gustavo Taretto retrata a solidão nos espaços urbanos cada vez mais segregados e [hiper] individualizados no capitalismo contemporâneo. O filme argentino antecipa temas de filmes como Aquarius, 2016, sobre o problema da especulação imobiliária nas grandes capitais em proveito dos grandes empresários e do lucro; e Her, de 2013, filme sensível sobre o amor na era digital, sem necessariamente a proximidade de um contato físico. Medianeras é a expressão dupla do paradoxo dos meios de comunicação e do crescimento populacional das capitais em grandes centros urbanos, que permite uma proximidade maior das pessoas em espaços menores, mas que, pelo contrário, faz as mesmas também se distanciarem de uma intimidade emocional e física. Quando Marx advertia que a riqueza intelectual de um indivíduo depende inteiramente da riqueza de suas relações reais, o que tinha como pressuposto a capacidade de desfrutar a produção do mundo inteiro em todos os seus domínios, não poderia esperar por uma sociedade tão individualizada e solitária, consolidada nesse paradoxo da tecnologia que ao invés de ampliar as relações entre os indivíduos, consegue limitá-las.
Assim, o filme retrata Buenos Aires, mas serve como espaço para pensar a maior parte das grandes metrópoles nas maiores cidades do mundo. Percebemos que os espaços urbanos crescem cada vez mais, em edifícios irregulares, esteticamente diversificados e que servem como distinção entre classes sociais. Esses são os elementos que dão a pincelada dos problemas no cenário urbano atual. Em cada residência uma miríade de moradores, pessoas que nunca se encontram; ao mesmo tempo próximas e indiferentes umas às outras. É o fenômeno da solidão que os dois personagens centrais (Mariana e Martín) vivenciam durante a trama – até o momento final, o desfecho em que finalmente se encontram. Logo no início os problemas psicológicos desse caos urbano são narrados pelo personagem Martín:
"Estou convencido de que as separações, os divórcios, a violência familiar, o excesso de canais a cabo, a falta de comunicação, a falta de desejo, a apatia, a depressão, o suicídio, as neuroses, os ataques de pânico, a obesidade, as contraturas, a inseguridade, a hipocondria, o estresse e o sedentarismo são responsabilidade dos arquitetos e da construção civil. Destes males, salvo o suicídio, padeço de todos."
A narrativa coloca que a tecnologia cada vez mais avançada, o avanço da fibra ótica, a internet e toda essa chamada “cultura digital” têm levado a problemas psíquicos que cada vez estão mais presentes no cotidiano das pessoas que moram nos centros urbanos. A rotina, o cotidiano, os afazeres diários e, principalmente, o desemprego em um centro urbano suscita questões primordiais sobre a condição humana. Se os dois personagens estão isolados dentro de seu espaço, a sua moradia, e tem conexão com o mundo, como nunca houve antes, por que os indivíduos se sentem isolados no mundo contemporâneo e sofrem com tantos transtornos psíquicos?
Está posto o problema central da trama que envolve os dois personagens: a solidão. Frente a uma história de vida em que os dois acabaram recentemente um relacionamento, a busca se faz em encontrar um novo amor que preencha o vazio existencial. A própria memória dessas relações passadas parece se esvair nas memórias digitais que a apenas um clique se esvanecem. É assim que Mariana exclui todas as fotos compartilhadas de seu relacionamento de quatro anos. O “amor” tão logo desaparece à indiferença virtual, mas o sentimento não deixa de estar presente no íntimo de cada um dos personagens. Procede disso uma busca por novos parceiros (as) que possam preencher o vazio de uma conexão que permita ser real. A conexão na internet (virtual) e o desenvolvimento dos meios de comunicação nos aproximaram e reduziram as fronteiras do mundo, mas nós deixamos de viver (e conviver) com outras pessoas na realidade não virtual (a intimidade pessoal). Essa questão nos leva a diversos questionamentos sobre a angústia, a fobia, o suicídio, os remédios antidepressivos, e toda uma gama de problemas novos decorrentes de um novo período no capitalismo contemporâneo. Assim, o filme argentino é o retrato de sua época, colocando reflexões atuais do nosso mundo, e a partir dele, nos colocando frente a frente com esses problemas cada vez mais presentes em nosso cotidiano.
O espaço urbano cada vez parece mais segregado, e a reformulação deste parece apontar para uma individualização maior entre as classes sociais inseridas nele. Não é por acaso que o filme indica o problema dos espaços pequenos, isolados e separados dentro de uma cidade grande, e propõe através do seu título, uma abertura. Também aponta que os engenheiros e arquitetos, que constituem o ramo lucrativo da construção civil consolidam esses espaços sem se preocuparem com o seu uso – o lucro dessa fração da burguesia tem sido cada vez mais exorbitante. Prédios disformes, espaços inutilizados e completamente inúteis podem ser vistos nos cantos das cidades nessa época da arquitetura “pós-moderna”. As classes privilegiadas habitam os enormes edifícios luxuosos, ao mesmo tempo em que compartilham com os/as empregados/as domésticos/as uma parte dele. A estética predomina em detrimento da ocupação e interação entre os indivíduos, distanciando bairros ricos dos mais afastados, o centro da periferia, os locais turísticos ao lado dos interesses comerciais. O contato com o outro, mostrado pelo filme, só pode ser aproximado através de uma mudança deste próprio espaço, fragmentado, que separa indivíduos da sua socialização com os mais próximos. Por isso, a ideia do "amor" é sugerida, mas ao longo do filme, vemos as barreiras que transpõem a sua realização. Quantas pessoas deixaram de conhecer umas às outras por causa de lugares que nunca se encontram, isolados em seu mundo próprio e cercados por concreto, sem que haja espaço para a única realidade que nos importa, aquela vivenciada por pessoas que, no dia a dia, procuram apenas uma saída, uma pequena chance, para conhecerem alguém diferente, e assim, concretizar um novo amor. Nesse momento, o amor é solitário, pois se defronta com uma idealização dentro de fronteiras unidas por cabos ópticos, que nunca realizada, se isola em momentos individuais, que permitem assistir uma série, comprar comida, consumir sexo online, conversar com pessoas, sem nunca precisar sair de seu espaço individual.
Para que o individualismo não se concretize plenamente, o filme sugere certo romantismo. A mudança, social e individual, deve ocorrer apenas mediante o amor ou a bondade, o que é característico de um filme romântico. Assim, apreendemos que ainda há chances de construir sua "medianera" e procurar novos espaços para encontrar o seu lugar no mundo, caso encontremos a pessoa certa. Se isso não ocorrer, continuaremos vivendo nesse mundo isolado, pois a transformação se opera apenas no ideal metafísico do amor. Porém, indo adiante à mensagem repassada pelo filme, condensado pelo desfecho individualizado que o filme se propõe a criticar, precisamos ir além dele. Observar que o fenômeno da ocupação dos espaços urbanos, das instituições através das lutas sociais é parte de uma ruptura com o planejamento segregado das cidades. É nisso que devemos pensar e repensar sobre o fenômeno da solidão e dos encontros passageiros. A integração das relações sociais, a ampliação da intimidade entre as pessoas, não pode ficar restrita aos meios virtuais de comunicação. A ocupação dos espaços e a instauração de novas relações sociais são também uma ruptura, uma maneira de pensar em aproximar pessoas distantes, que, ainda sem possibilidades de se encontrarem, estão próximas em objetivos, ideias, sentimentos e um ideal em comum, que é a transformação dessa realidade existente e seus problemas consequentes.
Escritores da Liberdade
4.2 1,1K Assista AgoraPura ilusão esse filme...
"O messianismo pedagógico é o ponto forte e como outros filmes semelhantes, este também é baseado em "fatos reais". No entanto, a arte imita a vida de forma muito imperfeita, sendo mais manifestação de concepções, valores, sentimentos, etc., do que retrato fiel da realidade. Este é o caso de Escritores da Liberdade. A professora consegue reverter o quadro através de um forte sacrifício pessoal (teve que trabalhar em outros dois empregos para ter dinheiro para comprar livros e cadernos para os alunos, divórcio, etc.) e isso só é possível se for o sentido da vida para tal professor. Obviamente que a dedicação da professora é louvável, bem como sua ação e os resultados individuais conseguidos. Porém, isso não serve de modelo e de inspiração, não só por causa dos valores, concepções, sentimentos por detrás da prática da referida professora (e do filme), mas também porque os resultados atingem apenas determinadas pessoas, pois para se concretizar em grande escala não só seria necessário outras professoras abnegadas e que fazem da prática educacional o sentido da sua vida, como também ter apoio institucional, políticas educacionais estatais, etc. Nem todos dispostos ao mesmo sacrifício (por exemplo, trabalhar em dois empregos para comprar materiais para alunos, pois é necessário, não só estar disposto a isto como também conseguir tal emprego e não se pode abstrair que a referida professora no filme é oriunda das classes privilegiadas - possuindo acesso a determinado "capital cultural", como diria Bourdieu, além do vil metal - e tem apoio do pai, um juiz, que pode, por exemplo, pagar jantar para os alunos devido seus altos rendimentos). O caso é ainda mais difícil em países como o Brasil, onde o salário do professor é insuficiente para ele sobreviver e além disso não possui recursos, condições e incentivo para formação/qualificação, etc."
Cf. Cinema e Manifestação social, "Escritores da Liberdade" ou liberdade dos escritores?
O Jovem Karl Marx
3.6 272 Assista Agora"O filme O Jovem Karl Marx, é uma excelente obra cinematográfica que, sem dúvida, ajudará na divulgação e compreensão do pensamento do teórico revolucionário que se tornou a maior referência intelectual para todos que querem transformar o mundo. O pensador mais deformado da história do pensamento da humanidade e muito mal compreendido, ganha um retrato relativamente fiel de sua evolução política e intelectual. O filme também traz uma lição para todo militante: ser revolucionário pressupõe coragem, radicalidade e criticidade. Nesse sentido, é um filme que deve ser assistido, debatido e se tornar mais um material a ser utilizado na luta cultural por uma sociedade radicalmente diferente."
Cf.
Karl Marx no Cinema, blog Informe e Crítica
Freud, Além da Alma
3.9 175 Assista AgoraCom Spoiler...
Freud – Além da Alma
O filme sobre Freud inicialmente, teve o seu roteiro feito por Jean-Paul Sartre, que tinha enorme interesse pela psicanálise, e direção com o aclamado John Huston. Entretanto, a experiência de Sartre com cinema era praticamente nula e o Huston teve que fazer novas adaptações, dirigindo um filme mais enxuto, sem (ou quase nenhuma) influência do roteiro feito por Sartre. Podemos ver que o filme, estrelado por Montgomery Clift (Freud), faz um recorte da vida de Freud, contando as suas primeiras experiências como médico e as primeiras fundamentações das posteriores teorias freudianas.
Freud, em sua época como médico, estava começando a clinicar alguns pacientes. Analisando o problema da histeria, ele começou a se interessar por análises que se utilizavam da hipnose, técnica que consistia em deixar o paciente relembrar de fatos no passado, no seu sono, para quando ao acordar, remediar alguns sintomas que lhe atormentavam. No entanto, depois de acordar os pacientes, os sintomas cessavam, mas após um tempo, eles voltavam, o que lhe dava um caráter bastante deficiente para o método. Nas conversas entre Freud e o seu colega Breuer, o primeiro começa a relatar as suas ideias sobre a neurose e a relação com a sexualidade, enquanto o segundo critica um pouco a determinação sexual que Freud colocava em suas hipóteses. Porém, no decorrer de suas próprias auto-análises, Freud foi percebendo através dos seus sonhos que a relação conflituosa que ele tinha com seu pai, decorria de um Complexo de Édipo (termo que ele utilizará posteriormente). Assim, umas das questões mais importantes para o sistema freudiano são as fases sexuais que são desenvolvidas na infância – uma novidade na época –, que se não tivessem um desenvolvimento saudável, acarretaria em traumas no futuro.
Na análise da paciente que é retratada no filme, Ana O., Freud vai percebendo que existe um trauma na sua infância, causado por uma repressão dos instintos sexuais na infância, o chamado recalque, devido a um desejo não atendido pelo pai de Ana na sua infância. Depois da sua descoberta, Freud vai a um congresso em Viena para relatar um pouco sobre os seus estudos sobre a sexualidade infantil, porém, a maioria dos médicos ali presentes não concordam com sua visão, e começam a se retirar. Até mesmo o seu colega Breuer, apesar de admirá-lo, vê que Freud coloca o comportamento sexual como sendo o determinante psíquico do indivíduo, o que não é totalmente correto.
Podemos destacar que o percurso de Freud é inovador para sua época. Tratando de métodos novos (a associação livre, a interpretação dos sonhos) ele começa a questionar os paradigmas da psicologia até então vigentes, dando ênfase à subjetividade e também a uma auto-análise. O filme conclui com um olhar de Freud sobre a lápide de seu pai, nela está escrito a mensagem: “Conheça a si próprio”. Podemos entender que o trabalho do psicanalista tem o pressuposto de uma relação recíproca entre paciente e analista, descobrindo e solucionando os seus conflitos individuais de forma com que cada um possa entender mais sobre o seu aparelho psíquico – o inconsciente.
Um Dia na Vida
4.1 72Uma crítica ao formato da televisão brasileira
Lembrando a morte do grande cineasta Eduardo Coutinho, um dos melhores documentaristas do cinema mundial, quero destacar a sua última realização artística. Observando a sua carreira, não é difícil perceber que Coutinho sempre procurou retratar pessoas comuns de uma forma sempre íntima e objetiva, colocando em evidência as idiossincrasias de cada indivíduo. Diferentemente do que vemos na televisão, que possui uma linguagem precária, o cinema de Coutinho faz de indivíduos, histórias interessantes e situações tristes, uma forma de reconhecermos pessoas singulares.
Neste filme, o seu cinema encontra o ápice crítico – na verdade não sei se podemos chamar de filme. O longa-metragem mostra um resumo da programação da televisão brasileira, em 90 minutos, de manhã até a noite. Assim, observar as limitações, os problemas e a ideologia central na tevê brasileira é o foco principal.
Desde o período da manhã, comerciais sobre brinquedos são passados junto com desenhos, em um incentivo aos pequenos espectadores infantis para consumirem cada vez mais, tornando a lógica do consumismo uma inculcação que começa desde cedo. Logo depois, programas sobre culinária e estética são mostrados com o intuito de criarem um padrão da beleza determinado pelos programas - curioso notar que todas as pessoas, depois da transformação, se assemelham à apresentadora do programa.
No período da tarde este aspecto será repetido, com inserções sobre pessoas que mudam de rosto, fazem lipoaspiração, e compram produtos para entrarem em forma, mostrando a covardia que a televisão cria nos desejos dos seus espectadores – um ciclo de consumo sem fim. Mas, o pior está nos telejornais. Desde o jornal da Band, até o Jornal das 20h na Rede Globo, o telejornalismo brasileiro é um insulto, uma verdadeira ode à violência. Cenas de violência, comentários ignorantes por parte dos apresentadores – em um momento, o apresentador diz que mulher deve ser segurada à força, ao invés de bater nela -, ressaltam que as reportagens não possuem qualidade nenhuma e valores como o sexismo e a violência em si mesma se colocam como paradigmas centrais, e são reforçados cada vez mais no pobre universo jornalístico das meras aparências.
A televisão é a síndrome de uma sociedade que possui valores conservadores, os reproduz, reforçando como se fosse um serviço social obrigatório a todos que vivem nela. Lembrando assim que, na verdade, o que a televisão faz é um desserviço à sociedade e que, portanto, deveria ser radicalmente transformada com a conscientização crescente das pessoas. Depois disso, Coutinho e outros grandes cineastas serão reconhecidos e grandes histórias serão substituídas pela barbárie que é mostrada na televisão brasileira, dia a dia.
A Família Bélier
4.2 437A Família Bélier
O filme Família Bélier dirigido por Eric Lartigau, de 2014, retrata a vida de uma família no interior da França. No entanto, diferente de grande parte das famílias, o pai, a mãe e o filho são surdos, enquanto a filha é a única que não possui nenhuma necessidade especial. Essa questão diferencia um pouco o cotidiano dessa família, mas o filme dá ênfase mais à personagem Paula, a filha da família Bélier, que se encontra no momento de certo descobrimento amoroso, um talento musical escondido e os estudos no Ensino Médio.
A família Bélier mora no campo, sendo dona de uma fazenda que cria vacas e produz leite e derivados, constituindo a renda mensal com a venda dessa produção na feira da cidade. No momento, as eleições estão chegando, o prefeito favorito a vencer as eleições discursa sobre a criação de um shopping Center na zona rural, o que provavelmente desapropriará a família Bélier de sua fazenda, entre outras famílias. Isso faz com que a família também entre na política, lançando o pai Rodolphe como candidato às eleições, o único candidato surdo. Esse é um desafio que o filme coloca para a família surda, pois tal obstáculo poderia dificultar a vitória deles nas eleições. Mesmo assim, eles permanecem unidos e acreditam que podem vencer as eleições. Começam dessa maneira a fazer a divulgação política da campanha de Rodolphe, junto a toda a família, mostrando o cotidiano de cada um dos membros da família e suas propostas políticas para a cidade.
No meio da trama que coloca a divulgação da campanha da família Bélier para vencer as eleições, o filme ainda destaca os conflitos internos da adolescente Paula. Ela descobre nas aulas de coral um talento especial para a música, depois de entrar no coral; ainda se vê em um relacionamento com outro menino do coral, Gabriel; e vive a expectativa de terminar o Ensino Médio e depois morar na cidade metropolitana de Paris. Assim, a personagem Paula, como única pessoa não surda e muda, é a protagonista do filme. Ela tenta lidar com todos esses obstáculos, as diferenças entre ela e a família, o sonho de ir para Paris, o concurso no coral de música e a candidatura política de seu pai.
O filme assim retrata a vida dessa família, como qualquer outra, não deixando que o fato de serem surdos, faça com que eles sejam diferentes de qualquer outra pessoa. Eles possuem problemas amorosos, trabalham na sua fazenda, a filha passa pelas primeiras experiências amorosas na vida, os estudos, entre quaisquer outras atividades que fazem parte de qualquer família dentro dessa sociedade capitalista. No entanto, o filme trata todas essas questões de maneira superficial, como um conto de fadas da vida real. As dificuldades vividas pelos personagens são facilmente superados, os conflitos são previsíveis e as situações que acontecem no filme são desinteressantes. Assim, o filme apenas retrata situações, sem lançar qualquer crítica mais aprofundada sobre a problemática das pessoas surdas na sociedade; a falta de qualquer disciplina na escola que possa ensinar Libras aos alunos; quando a família assiste tevê, não existe nenhum instrutor de Libras para auxiliar na compreensão; e na campanha política a família Bélier é sempre tratada como pessoas excêntricas. Por fim, o relacionamento amoroso é ainda colocado como fundamental na história, sendo que nada acrescenta de importante à trama do filme. Portanto, a Família Bélier apenas contenta em retratar de maneira fabulosa a vida de uma família surda, sem aprofundar esta necessidade especial e as implicações disso na sociedade contemporânea.
Dogville
4.3 2,0K Assista AgoraNesta obra de Lars Von Trier, filmada no ano de 2002, acompanhamos a história de Grace, uma mulher que ao fugir de mafiosos, vai parar em uma cidade minúscula chamada Dogville, que possui pouco mais de dezenas de habitantes. O período da história situa-se no ano de 1930, o ano da depressão econômica nos EUA.
A grande característica visual desse filme é a exclusão dos cenários, sendo substituídos por marcações de giz. Uma técnica, a princípio, ousada, que depois é entendida como um excelente recurso técnico usado pelo diretor, para enriquecer a proposta temática do filme.
Na cidade de Dogville, o que pode ser traduzido como “cidade de cachorro”, conhecemos um lugar que está localizado em uma região periférica. Não há estradas, escolas e hospitais; porém, existe uma prisão um pouco afastada da cidade, uma montanha não muito distante e um agente da lei, que informa todos os dias aos habitantes, sobre os problemas da cidade. Em uma sociedade como essa, mesmo distante dos problemas econômicos das cidades grandes, os cidadãos vivem isolados e sem muitas perspectivas de vida, contrastando com uma mina de minério abandonada, que poderia ser fruto de grandes riquezas no passado.
O diretor foca sua câmera em planos abertos e verticais, revelando a natureza da cidade e demarcando a divisão social, ali presente. Cada cidadão tem um trabalho bem definido, o que confere uma sociedade planificada, à qual o trabalho é realizado em horários definidos e com funções específicas. Apesar dessa universalidade, ocasionada por uma falta de cenários, que pode ser visto como um meio de aproximação entre as pessoas, já que não existem “barreiras” entre elas, os indivíduos ali presentes, parecem estar imersos em um individualismo, em que existe uma preocupação com o bem-estar de todos, ao mesmo em que cada um parece se importar apenas com o seu “eu”.
Diante desses problemas, uma estrangeira chega à cidade e tenta inserir-se naquela sociedade, com o intuito de se tornar cidadã. Confrontada por eles em uma votação na igreja, ela é convencida a realizar trabalhos por algumas semanas, a fim de que se faça outra votação, para decidirem se ela poderá ou não fazer parte daquela cidade.
É interessante perceber o papel inocente e belo de Grace, que em seus próprios valores, apreende aquela realidade como sendo diferente das demais – ela fugia dos problemas com a família. Em um primeiro momento, as pessoas parecem acolhedoras e familiares, mas com o passar do tempo, elas começam a demonstrar hostilidade e mostram o lado mais cruel do ser humano. Através do mediador, chamado Thomas Edison, presenciamos uma experiência social de transformação. Aliás, o nome Thomas Edison, sugere o nome do inventor da lâmpada elétrica. O que é curioso, pois ele deveria ser o “iluminador” no caminho de Grace, mas em uma democracia em que a maioria decide os rumos do todo, de modo irracional, ele não pode fazer nada, além de aceitar a situação de sua anfitriã. Assim, Dogville à primeira vista, poderia ser uma cidade qualquer, mas em um segundo momento, ela se transforma no pior inimigo aos valores morais e humanos, presentes em Grace. Ela é corrompida e transformada em objeto.
A presença de uma estrangeira é tratada como um estudo de alteridade para aquela sociedade. À medida que Grace vai sendo abusada sexualmente, e começa a acumular trabalhos, isso se reflete mais ainda na maneira com que as pessoas, isoladas de si mesmas e do mundo, tratam o “outro”, o próximo. Apesar dos esforços do mediador, em tentar fazer uma conexão e perguntar às pessoas o que acham da presença dela na cidade, todas as tentativas são frustradas, pois o estrangeiro não pode ser aceito. Com a total desistência do mediador em tentar esse contato, Grace fica em total rejeição e, abandonada, tenta fugir da cidade.
Com a chegada dos mafiosos, o que resta agora para os habitantes de Dogville é o fim de sua existência. Depois de uma completa rejeição a uma estrangeira, eles são eliminados após uma breve reflexão de Grace, que conclui: “o mundo seria melhor sem essa cidade”. O que de fato pode ser perfeitamente compreensível para a personagem, é crítica para a nossa realidade atual. Em uma sociedade, digamos “civilizada” e desenvolvida, parece claro que os indivíduos vivem em total integração com o próximo, e cientes que devem prezar pelo bem estar comum. O que podemos interpretar na obra de Lars Von Trier, é entender como um sistema fechado de relações sociais, em que o interesse egoísta de cada um, funciona como uma barreira que se mostra incapaz de atravessar, causando assim um rompimento entre as pessoas. Aqui se justifica a sua opção estética, como uma bela ironia.
A questão é o individualismo e o fim da sociabilidade entre os seres, que é a grande pergunta do mundo pós-moderno. O que sempre pensamos como um problema amplo, e refém apenas de grandes sociedades, podem ser encontrados em uma cidade isolada e deserta, chamada Dogville, onde mesmo com uma divisão social bem simples, existem problemas tão universais e complexos, que estão presentes em todos nós.
Um Alguém Apaixonado
3.6 118 Assista AgoraUm filme de poucos gestos, poucas falas e poucos cenários. Um filme baseado em seus personagens, apenas neles e nos seus conflitos internos. A protagonista Akiko, é uma moça apaixonada por um rapaz, mecânico e extremamente ciumento. Logo no começo, já acompanhamos o problema de relacionamento, entre os dois jovens em uma longa conversa telefônica. Ela reclama dele, diz que quer terminar o namoro. Mas é difícil, todos nós sabemos que certos relacionamentos, não possuem uma explicação razoável. Às vezes, duas pessoas não convivem bem uma com a outra, mas mesmo assim, continuam convivendo juntas, pois necessitam inexplicavelmente, uma da outra. Logo depois, Akiko encontra um cliente e nele, encontra um forte laço de amizade, como um "avô" cuidando de sua querida neta. São expressões, amores diferentes que evocam diferentes paixões que culminam, em um final explosivo e inconclusivo, em um filme realista e sem explicações claras.
Os Miseráveis
4.1 4,2K Assista AgoraInfelizmente, confesso que não sou fã de musicais e achei esse filme bem fraco. Salvo, as atuações de Hugh Jackman, Russel Crowe e outras, o filme não consegue dar uma importância real à sua história ou a seus personagens. O que realmente importa é ver os atores cantando os seus diálogos - sei que é um musical, mas... -. A trama é enfraquecida ainda mais por um diretor que não sabe utilizar os cenários no filme. Sempre temos planos perto dos atores, e poucos planos gerais, de visão mais ampla. Os números musicais inventivos são escassos, as músicas não "grudam" na nossa cabeça e os diálogos, nunca desenvolvem a história como deveria. Esse filme como adaptação do clássico Os Miseráveis é esquecível e, tão logo, é melhor você ler o livro do que ver este filme.
Além das Montanhas
3.9 117Um dos filmes mais críticos e interessantes que já assisti. Do diretor romeno, Cristian Mungiu. Temos duas garotas apaixonadas, que moram em um monastério isolado - Além das montanhas. O filme parece desenvolver-se lentamente, bem no estilo europeu, mas aos poucos, acompanhamos o problema de uma das garotas da trama que possui esquizofrenia ou algum tipo de transtorno mental. Apesar do filme estar situado no século recente, os meios que o padre daquele monastério, usa para tratá-la, são dos mais primitivos possíveis, nos fazendo lembrar de épocas passadas, como a Idade Média. O final do filme é seco, direto e realista. Ficamos pensando, até que ponto, a religião pode ainda ser confundida com ciência?
Killer Joe: Matador de Aluguel
3.6 880 Assista AgoraConfesso que conheço pouco, o aclamado diretor William Friedlkin - diretor de O Exorcista. Portanto, não sabia o que esperar desse filme e fui surpreendido. Em uma trama simples, pesada, suja e amoral, conhecemos uma família que mora em uma pequena casa. Cada membro dessa família, não tem o menor receio de expor os seus piores defeitos. O filho vende drogas e tem sua última remessa de cocaína, roubada pela mãe. A madrasta, trabalha em uma lanchonete e se relaciona com outros homens, além do seu marido. O patriarca da casa, na verdade, é um homem que não tem o respeito de ninguém, portanto, é o filho e a madrasta quem mandam. E por fim, temos a pequena Dottie - destaque para Juno Temple, menina de 9 anos, tentando viver sua infância-adolescência, sem que todos esses problemas familiares a atrapalhem. A trama vai crescendo aos poucos, até chegar no maior destaque, Joe, o assassino de aluguel do título - vivido por Matthew McConaughey. A história é surreal, repleta de humor negro e nos envolve, em suas particularidades até, chegar em um grande clímax. Saímos do filme, aliviados por não estarmos presentes naquele "mundo".
O Lado Bom da Vida
3.7 4,7K Assista AgoraUm filme sobre conflitos pessoais, entre relacionamentos arruinados e superação destes. O protagonista convence - Bradley Cooper, como um bipolar que ao mesmo tempo, pode trazer antipatia, como empatia, em suas mais variadas reações a certos momentos da trama. Depois, conhecemos Tiffany, uma mulher que também possui problemas, com um relacionamento passado e busca tirar sua estigma, de mulher fútil e "fácil". A trama do filme é interessante e os atores principais, têm ótimas interpretações. O problema reside na resolução de todos esses problemas no meio, e no final da história. O diretor aposta de muitos clichês de histórias românticas e o resultado, soa simples e artificial. Por isso, esse é mais um desses filmes para você assistir, se sentir bem e esquecer logo depois.
Magnólia
4.1 1,3K Assista AgoraMagnífico filme de Thomas Paul Anderson que conta a história de 9 personagens, retratados de forma humana e crível, nos fazendo realmente crer que não se trata de uma filme, mas de uma história real, em que "coisas estranhas acontecem o tempo todo", como retratado logo no início.
No final, há uma metáfora e cada pessoa que o assistir, pode tirar sua própria interpretação. Penso que existem coincidências na vida, talvez intervenções casuais, mas não causais. Não se trata de sermos predestinados a cumprir um papel no mundo que nos é dado, pois temos escolhas e basta seguir em frente e termos atitude de enfrentar, mesmo que aconteçam coincidências e "forças" que nos ajudem em alguma situação difícil, não adianta nada continuar o mesmo e não seguir adiante. Esse pra mim é o nosso papel mais difícil, continuar e seguir adiante aos nossos problemas na vida, sem esquecer o passado.
Antes do Amanhecer
4.3 1,9K Assista AgoraA Utopia de Jovens Românticos
Apenas uma noite, sem trocar os telefones, nem ao menos dizerem seus sobrenomes. No começo, ao raiar do sol, encontramos dois jovens que estão viajando de metrô por Viena. Em um pequeno vislumbre romântico, os dois se conhecem, o acaso os reune e a viagem, por ora apenas trivial, torna-se um momento inesquecível, capaz de se manter na memória para sempre um encontro entre pessoas que conseguiram finalmente encontrar o seu caminho.
No começo de qualquer relacionamento que seja de certa forma marcante para alguma pessoa, é notável que possamos manter um otimismo contagiante, que nos faça depositar todas as esperanças, sonhos e desejos pela pessoa amada. Essas pessoas são Jesse e Celine. No passeio pela cidade de Viena presenciamos momentos de encantamento por compreender que o relacionamento entre eles possui todas as nuances que dão uma aura quase mágica. Os diálogos são sempre construídos de forma apaixonada, em que cada um possa demonstrar, impressionar e tentar encantar o outro, pois para aqueles dois jovens, o momento é sempre importante, cheio de detalhes que devem ser apreciados ao máximo. Não há conflitos, apenas entendimento, ou consenso. Jesse e Celine possuem confiança um no outro, por nutrirem um sopro de esperança de que será sempre assim, como um diálogo entre poesia, música, um beijo romântico e um jardim, que resulta em um amor consumado, encerrando um dia que ficará guardado na memória. Desse dia, os jovens românticos sempre se lembrarão como um ideal que determinará o sentido de suas vidas.
O Menino do Pijama Listrado
4.2 3,7K Assista Agora"Em uma estrada, atrás da cerca de um vasto jardim, ao fim do qual aparecia a brancura de um lindo castelo ensolarado, havia um menino lindo e sadio, vestido com essas roupas do campo e cheio de elegância.
O luxo, o descuido e o espetáculo habitual da riqueza tornam essas crianças tão bonitas que a gente crê que sejam feitas de outra matéria que os filhos da mediocridade e da pobreza.
Ao lado dele, jazia, sobre a relva, um brinquedo esplêndido, tão novo quanto seu dono, envernizado, dourado, vestido com uma roupagem purpurina e coberto de plumas e de vidrilhos. Mas o menino não se ocupava de seu brinquedo preferido e vejam para o que ele olhava: do outro lado da cerca, na estrada, entre os espinhos e as urtigas, havia outro menino, sujo, magro, fuliginoso, uma dessas marmotas-párias, em quem um olho imparcial descobriria beleza, sim, como o olho de um conhecedor adivinha uma pintura ideal sob o verniz de carroceiro e o limpa da repugnante pátina da miséria.
Através dessas barras simbólicas separando os dois mundos, a estrada e o castelo, a criança pobre mostrava à criança rica o seu próprio brinquedo, que esta examinava avidamente como um objeto raro e desconhecido. Ora, tal brinquedo, que o pequeno sujinho irritava, agitava e sacudia dentro de uma gaiola, era um rato vivo! Os pais, por economia, sem dúvida, tinham tirado o brinquedo do dia-a-dia da vida.
E os dois meninos riam, um para o outro, fraternalmente, mostrando os dentes de igual brancura."
O Brinquedo de Pobre - Charles Baudelaire
Laranja Mecânica
4.3 3,8K Assista AgoraFilme Laranja Mecânica – O Controle Totalitário sobre a Natureza Humana
Na teoria hobbesiana sobre o estado de natureza dos homens existe uma asserção que é bastante conhecida: “o homem é o lobo do homem”. Nessa passagem, Hobbes afirma o caráter maligno da natureza humana que, inserido em uma realidade social, precisa se submeter a um contrato social perante o Estado, para que a sociedade possa estar dentro de uma ordem, livre e pacífica. Não é por menos que o filme Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick, trará tal proposição para ser discutida.
Logo no começo do filme, somos apresentados à gangue de Alex, em uma espécie de “boate”, repleta de estátuas em forma de mulheres nuas que fornecem uma bebida similar a um leite para os rapazes. Depois de presenciarmos o ambiente em que os rapazes convivem, adentramos um pouco às suas atividades cotidianas. A gangue de Alex se satisfaz em bater em um velho mendigo sozinho debaixo da ponte, participar de uma briga com uma gangue rival no teatro e estuprar a esposa de um escritor em uma mansão perto da estrada. Todas essas atividades são realizadas com a justificativa de uma “ultraviolência”, necessária para a satisfação pessoal dos rapazes adolescentes.
Depois de conhecermos um pouco sobre as atividades desses jovens “delinqüentes”, podemos entender um pouco da vida do jovem Alex – protagonista e narrador do filme. Filho de pais, aparentemente com condições financeiras privilegiadas, ele possui um quarto próprio, preferência por música clássica (Ludwig van Beethoven), um animal de estimação (uma cobra), e parece pouco se preocupar com seus afazeres escolares – em um momento, sua mãe diz que ele não vai à escola por uma semana. Além disso, descobrimos que os pais de Alex desconhecem as atividades que o seu filho realiza fora da escola, ou seja, a sua participação em uma gangue e em atividades violentas. Podemos dizer que entre Alex e os seus pais, há um distanciamento grande, o que gerará problemas no futuro.
Em um desentendimento com os seus “drugs” (companheiros), Alex em uma tentativa de mais um estupro, vai a um SPA, mata uma mulher e logo depois, é alvo de uma traição por parte deles. Então ele é preso e começa o segundo momento do filme, à qual Alex começa a vivenciar a realidade prisional daquela sociedade. As prisões são superlotadas e o ministro do interior procurando uma solução para a diminuição da violência e do crime, permite a alguns cientistas a utilização de um novo método chamado Ludovico, que busca transformar as pessoas más em boas. Assim, o corpo se adaptaria a certas reações fisiológicas negativas para inibir o comportamento violento. O método é similar ao behaviorismo clássico, corrente teórica da psicologia que surgiu no começo do século XX, e frequentemente era utilizado para esses casos na época em que o filme foi realizado.
Acompanhamos o tratamento de Alex que se dispôs a melhorar a sua condição problemática, para poder sair da prisão. No decorrer deste tratamento, seu organismo começa a ser aplicado com vitaminas, e logo depois, ele começa a assistir cenas de violência, guerra e estupros, junto com uma trilha sonora da nona sinfonia de Beethoven. Assim, concluímos que a sua natureza violenta é restringida por certos medicamentos, gerando uma reação de náusea que o impede de cometer qualquer ato que seja contrário às normas sociais. Alex “aprende” a ser bom para viver em sociedade, tal como o contrato social hobbesiano.
Ao sair da prisão, Alex é ressocializado e se torna manchete dos principais jornais, considerando-o como um sucesso para a solução da criminalidade e violência nesta sociedade. Podemos ver que o indivíduo é culpabilizado pela sua situação, tratado pelo Estado como delinquente, e depois de receber o seu tratamento, poderá voltar à sua situação anterior e se adaptar à sociedade, agora como um indivíduo bom. O problema é que Alex já possuía problemas que não eram determinados apenas por uma suposta “natureza má”. Assim, seus conflitos familiares se mostram mais evidentes no segundo momento do filme. Pouco depois de voltar à sua casa, ele é abandonado por seus pais, e por conta disso, é forçado a procurar um lugar para ficar; porém, a sociedade já era violenta antes dele e problemas sociais existiam. Não é por menos que Alex revive todos os atos que cometera antes de ser preso. No decorrer do filme, revivemos a “ultraviolência”, mas dessa vez pelo lado das vítimas. O mesmo mendigo que ele havia maltratado em um primeiro momento, procura revidar o que tinha acontecido consigo. Pouco depois, os seus ex-amigos se tornaram policiais e encontram Alex na rua, o que lhe permitem utilizar da violência do seu cargo para revidarem a violência afligida a eles anteriormente. Depois, Alex entra na mansão, em que tinha cometido o estupro à mulher de um escritor; ele percebe que o seu detrator está em sua casa, e não obstante, utiliza de técnicas para revidar a morte de sua amada, levando Alex a cometer um ato de suicídio. É um círculo vicioso: a violência vai gerando a violência.
Por fim, Alex não morre. Ele é encontrado pelo governo, que passa a tratá-lo da melhor forma possível, pois sua imagem diante da sociedade fora manchada, já que o tratamento utilizado para diminuir a criminalidade levou um indivíduo a quase se matar. Para que o partido possa se eleger nas próximas eleições, Alex é utilizado como propaganda, e em sua situação de abandono social, ele é levado a consentir em ser utilizado e amparado pelo Estado. Percebemos assim que a utilização do método ludovico foi um pressuposto que o Estado utilizou para gerar o controle social e a ordem, não chegando a propor nenhuma resolução dos conflitos sociais, mas apenas uma forma de propaganda para se perpetuar no poder. O que permite afirmar, por parte deles, que o indivíduo seria determinado por uma natureza má e culpabilizado pela sua situação, dando a omissão necessária para que as instituições, tais como a polícia, as prisões, a desigualdade social, os partidos e os governantes, não sejam agentes também determinantes pela situação de violência social naquela sociedade.
Porém, não podemos seguir tal raciocínio, pois consideramos o behaviorismo clássico uma ideologia que parte de premissas científicas consideradas verdadeiras em certo momento, mas que não parte da totalidade das relações sociais, ocultando assim a sua base fundamental: a ciência é permeada por valores sociais que são perpassados por uma classe dominante, criado por indivíduos reais e históricos, e, dessa forma, a sua criação justifica a dominação social. O indivíduo é construído socialmente, e de acordo com os valores sociais e condições históricas, ele poderá ter uma personalidade mais fraternal com os seus próximos, ou mais depreciativa e violenta com os demais. O indivíduo não é mau; ele pode ser tanto mau, bom, individualista ou solidário. A teoria hobbesiana parte de pressupostos de uma teoria política, mas que em sua essência está naturalizando a realidade, através da necessidade de um Estado monárquico (totalitário), assim como o behaviorismo clássico, elevado a um estatuto de uma ciência psicológica, está também naturalizando a realidade, através de uma determinação biológica que condicionará certas ações dos indivíduos, excluindo, portanto, as múltiplas determinações que constroem o caráter psíquico do indivíduo (a sociedade, a sua classe social, os seus valores, o inconsciente etc.). As duas teorias possuem bases insuficientes para a complexa realidade social ali presente.
Colocamos então que o filme possui uma visão crítica, colocando que nessa sociedade distópica existe um conflito de interesses políticos entre os partidos (liberal e conservador) que estão buscando apenas o poder em si, e não o desenvolvimento e melhoramento por uma sociedade mais humana. O governo se utiliza de métodos que restringem as possibilidades dos indivíduos serem livres, o que é criticado pelo padre que não aceita o método ludovico. Portanto, um governo totalitário se utilizará de métodos ideológicos (científicos) que impedem o desenvolvimento da capacidade individual dos indivíduos, e a liberdade da expressão humana de cada um, seja violenta ou pacífica, mostrando apenas que o indivíduo é mau, bom, ou pode ser transformado milagrosamente por um método científico.
Muito Além do Jardim
4.1 267 Assista AgoraMuito Além do Jardim
Como poderíamos relacionar o papel da televisão com a formação do indivíduo? Hoje a pergunta não se faz tão pertinente, pois existem outros meios de comunicação mais utilizados do que este, mas na década de 70, em plena Guerra Fria, não podemos ignorar a crescente massificação que a televisão veiculava em sua limitada programação. Grande parte das pessoas construíam o seu imaginário, os seus valores, ideias e crenças através desse poderoso meio de comunicação, fazendo deste um componente fundamental da sua própria vida. É nesse ponto que o belo filme de Hal Ashby toca.
Muito além de um jardim poderia ser uma fábula, mas não é. A história é centrada no jardineiro Chance (Peter Sellers) que foi criado desde pequeno pela criada Louise, e agora, encontra-se perdido, sem ter para onde ir, pois o dono da casa onde ele estava empregado, morre, e deixa a propriedade sem nenhum herdeiro. Nas cenas adiante, descobrimos que todas as experiências deste indivíduo estão reduzidas a apenas duas coisas: a televisão e o jardim. E podemos notar que o seu vínculo com a realidade, ainda se faz por causa do segundo, enquanto a outra parte de sua vida se reflete em uma mímica, uma imitação da realidade televisa. Notamos esses as características superficiais de Chance, logo na cena no começo do filme, em que o senhor da casa morre, a empregada relata o acontecimento a Chance e espera dele uma reação, o que não vem a acontecer. Em um primeiro momento, ela fica nervosa, mas logo depois, ela relembra que o indivíduo nunca se relacionou com ninguém, e dificilmente poderia expressar alguma emoção. Seria a culpa dela, por Chance nunca ter saído da casa e ter conhecido o mundo “real”? Ou, a televisão sempre o manipulou de tal forma que os relacionamentos entre os seres humanos se reduziram àquela superficialidade veiculada por ela mesma?
Dessa forma, tratarei aqui de interpretar a história pela segunda opção. Uma leitura poderia apontar o filme como uma crítica ácida, um desvelamento de uma realidade massificada em que as pessoas aceitam, sem julgar, toda a realidade construída pela televisão. Ao acaso, ele é confundido com um empresário rico, e sob os cuidados de uma família milionária, recebe um tratamento por parte desta, já que havia sido acometido por um acidente de carro. Então, gradativamente ele vai se mostrando uma pessoa confiável, perspicaz e, à medida que ganha notoriedade, vai começando a ocupar o futuro espaço político nos EUA.
Assim, não é ocasional que Chance se torne uma pessoa reconhecida pelo público, ganhando fama entre os figurões do alto escalão e ele próprio, se tornando uma estrela dos programas em que assistia. Os indivíduos que estão inseridos dentro deste espaço são pessoas como ele, alienadas pela própria realidade televisiva, que para estarem adequadas dentro deste meio, precisam conhecê-lo e se conformarem por segui-lo. Em um momento do filme, a jornalista afirma:
- É interessante ver a sinceridade de Chauncey por dizer que nunca lê jornal.
A afirmação da jornalista confirma o que todos precisam fazer para estarem dentro do espaço público. Para serem famosos e reconhecidos, eles precisam fazer parte da grande mídia. Mesmo os indivíduos que contestam a sua existência, como no caso do filme Rede de Intrigas, ainda assim há espaço para eles. Porque na televisão tudo é reduzido a um espetáculo, salvo Chance que ainda preserva o seu humanismo, pela sua metáfora do jardim. O que exemplifica a questão moral que nos coloca um elo entre a nossa existência e pertencimento a este mundo. Quando Chance aparece na vida da família milionária, o ambiente muda e sua importância se faz presente por fazer aparecer novamente os sentimentos vivos que os deixavam atordoados. O que explica toda a nossa existência aproxima-se de questões humanistas, na confiança e empatia que temos um pelo outro, algo relatado por Ben, antes de saber que irá morrer e por Eve, depois de se sentir amada novamente. Por isso, a verdadeira expressão da realidade, explicação de todos os problemas, seja econômicos ou políticos, está além da compreensão deles mesmos, e se faz presente no jardim, no cuidado com o que nós temos com o nosso mundo e com o próximo. O que causa a admiração de todos no filme, que não compreendiam a sabedoria de um homem comum, iletrado e pobre, mas que tinha consigo mesmo uma qualidade especial: humanidade.
Janela Indiscreta
4.3 1,2K Assista AgoraJanela Indiscreta: a metalinguagem no cinema
A câmera do diretor em um filme representa o olhar do espectador. Ela aponta para a nossa perspectiva dentro daquele universo e, como o “olho do espectador”, nos mostra qual história será contada, e quais personagens acompanharemos, diante de um universo ilimitado. Logo, a nossa visão é limitada, mas as histórias que acontecem ao nosso redor são incontáveis. O imaginário nunca poderá ter um fim.
Dentro dessa observação, podemos dizer que o clássico Janela Indiscreta, de Alfred Hitchcock, é um filme sobre filme. Do início até o final do filme, acompanhamos uma única visão (subjetiva), a do personagem Jeffries (James Stewart). Ele, prestes a se casar, está de repouso em sua casa por não poder mais andar, devido a uma perna engessada. Assim, a sua situação é como uma “sala de cinema”; ele está preso em sua cadeira de rodas e a sua única visão de mundo é a sua janela do seu quarto, à qual ele observa os seus vizinhos diariamente com um binóculos (o espectador).
Entre discussões com a sua namorada Lisa (Grace Kelly) e sua diarista Stella (Thelma Ritter), Jeffries consegue convencê-los de que houve um assassinato no prédio em frente, e à medida que a história avança, pistas vão sendo dadas e o caso parece tomar forma. Hitchcock é hábil, maneja a sua câmera como um voyeur, nos direcionando para várias histórias que existem no prédio em frente, sem que estejam diretamente relacionadas ao assassinato, de modo que os binóculos de Jeffries direcionem o nosso olhar. Em cada apartamento existem várias histórias diferentes, personagens distintos e situações que nos levam a imaginar várias situações. Podemos nos perguntar: Por que a mulher passa a noite sozinha se fantasiando com um encontro? Quem seria o enamorado da bailarina? De fato, houve um assassinato?
As perguntas podem ou não serem respondidas, mas não é o que nos interessa aqui. O filme é sobre um filme e estamos dentro dele como um observador. Diante de um desfecho possível (ou não) de um suposto assassinato, o que nós precisamos são de pistas (imaginárias) que nos levem a acreditar nisso. Hitchcock conhece o cinema como poucos e o seu poder está sempre em evocar o imaginário do espectador, seus medos, emoções e suas angústias, como um “ilusionista” – sabemos que a imagem não é real.
Por fim, a câmera é a nossa visão para o mundo, pois é nele que construímos as histórias. Ao acompanharmos o filme, somos transportados para aquele universo, como observadores. Cada apartamento possui histórias diferentes e personagens diferentes para novos filmes. Cabe a nós darmos um sentido a isso: visualizar o mundo como uma câmera, contribuindo com a nossas histórias.
Medianeras: Buenos Aires na Era do Amor Virtual
4.3 2,3K Assista AgoraMedianeras - O Amor Solitário
O filme argentino Medianeras: Buenos Aires na Era do Amor Virtual, lançado em 2011, do diretor Gustavo Taretto retrata a solidão nos espaços urbanos cada vez mais segregados e [hiper] individualizados no capitalismo contemporâneo. O filme argentino antecipa temas de filmes como Aquarius, 2016, sobre o problema da especulação imobiliária nas grandes capitais em proveito dos grandes empresários e do lucro; e Her, de 2013, filme sensível sobre o amor na era digital, sem necessariamente a proximidade de um contato físico. Medianeras é a expressão dupla do paradoxo dos meios de comunicação e do crescimento populacional das capitais em grandes centros urbanos, que permite uma proximidade maior das pessoas em espaços menores, mas que, pelo contrário, faz as mesmas também se distanciarem de uma intimidade emocional e física.
Quando Marx advertia que a riqueza intelectual de um indivíduo depende inteiramente da riqueza de suas relações reais, o que tinha como pressuposto a capacidade de desfrutar a produção do mundo inteiro em todos os seus domínios, não poderia esperar por uma sociedade tão individualizada e solitária, consolidada nesse paradoxo da tecnologia que ao invés de ampliar as relações entre os indivíduos, consegue limitá-las.
Assim, o filme retrata Buenos Aires, mas serve como espaço para pensar a maior parte das grandes metrópoles nas maiores cidades do mundo. Percebemos que os espaços urbanos crescem cada vez mais, em edifícios irregulares, esteticamente diversificados e que servem como distinção entre classes sociais. Esses são os elementos que dão a pincelada dos problemas no cenário urbano atual. Em cada residência uma miríade de moradores, pessoas que nunca se encontram; ao mesmo tempo próximas e indiferentes umas às outras. É o fenômeno da solidão que os dois personagens centrais (Mariana e Martín) vivenciam durante a trama – até o momento final, o desfecho em que finalmente se encontram. Logo no início os problemas psicológicos desse caos urbano são narrados pelo personagem Martín:
"Estou convencido de que as separações, os divórcios, a violência familiar, o excesso de canais a cabo, a falta de comunicação, a falta de desejo, a apatia, a depressão, o suicídio, as neuroses, os ataques de pânico, a obesidade, as contraturas, a inseguridade, a hipocondria, o estresse e o sedentarismo são responsabilidade dos arquitetos e da construção civil. Destes males, salvo o suicídio, padeço de todos."
A narrativa coloca que a tecnologia cada vez mais avançada, o avanço da fibra ótica, a internet e toda essa chamada “cultura digital” têm levado a problemas psíquicos que cada vez estão mais presentes no cotidiano das pessoas que moram nos centros urbanos. A rotina, o cotidiano, os afazeres diários e, principalmente, o desemprego em um centro urbano suscita questões primordiais sobre a condição humana. Se os dois personagens estão isolados dentro de seu espaço, a sua moradia, e tem conexão com o mundo, como nunca houve antes, por que os indivíduos se sentem isolados no mundo contemporâneo e sofrem com tantos transtornos psíquicos?
Está posto o problema central da trama que envolve os dois personagens: a solidão. Frente a uma história de vida em que os dois acabaram recentemente um relacionamento, a busca se faz em encontrar um novo amor que preencha o vazio existencial. A própria memória dessas relações passadas parece se esvair nas memórias digitais que a apenas um clique se esvanecem. É assim que Mariana exclui todas as fotos compartilhadas de seu relacionamento de quatro anos. O “amor” tão logo desaparece à indiferença virtual, mas o sentimento não deixa de estar presente no íntimo de cada um dos personagens. Procede disso uma busca por novos parceiros (as) que possam preencher o vazio de uma conexão que permita ser real. A conexão na internet (virtual) e o desenvolvimento dos meios de comunicação nos aproximaram e reduziram as fronteiras do mundo, mas nós deixamos de viver (e conviver) com outras pessoas na realidade não virtual (a intimidade pessoal). Essa questão nos leva a diversos questionamentos sobre a angústia, a fobia, o suicídio, os remédios antidepressivos, e toda uma gama de problemas novos decorrentes de um novo período no capitalismo contemporâneo. Assim, o filme argentino é o retrato de sua época, colocando reflexões atuais do nosso mundo, e a partir dele, nos colocando frente a frente com esses problemas cada vez mais presentes em nosso cotidiano.
O espaço urbano cada vez parece mais segregado, e a reformulação deste parece apontar para uma individualização maior entre as classes sociais inseridas nele. Não é por acaso que o filme indica o problema dos espaços pequenos, isolados e separados dentro de uma cidade grande, e propõe através do seu título, uma abertura. Também aponta que os engenheiros e arquitetos, que constituem o ramo lucrativo da construção civil consolidam esses espaços sem se preocuparem com o seu uso – o lucro dessa fração da burguesia tem sido cada vez mais exorbitante. Prédios disformes, espaços inutilizados e completamente inúteis podem ser vistos nos cantos das cidades nessa época da arquitetura “pós-moderna”. As classes privilegiadas habitam os enormes edifícios luxuosos, ao mesmo tempo em que compartilham com os/as empregados/as domésticos/as uma parte dele. A estética predomina em detrimento da ocupação e interação entre os indivíduos, distanciando bairros ricos dos mais afastados, o centro da periferia, os locais turísticos ao lado dos interesses comerciais. O contato com o outro, mostrado pelo filme, só pode ser aproximado através de uma mudança deste próprio espaço, fragmentado, que separa indivíduos da sua socialização com os mais próximos. Por isso, a ideia do "amor" é sugerida, mas ao longo do filme, vemos as barreiras que transpõem a sua realização. Quantas pessoas deixaram de conhecer umas às outras por causa de lugares que nunca se encontram, isolados em seu mundo próprio e cercados por concreto, sem que haja espaço para a única realidade que nos importa, aquela vivenciada por pessoas que, no dia a dia, procuram apenas uma saída, uma pequena chance, para conhecerem alguém diferente, e assim, concretizar um novo amor. Nesse momento, o amor é solitário, pois se defronta com uma idealização dentro de fronteiras unidas por cabos ópticos, que nunca realizada, se isola em momentos individuais, que permitem assistir uma série, comprar comida, consumir sexo online, conversar com pessoas, sem nunca precisar sair de seu espaço individual.
Para que o individualismo não se concretize plenamente, o filme sugere certo romantismo. A mudança, social e individual, deve ocorrer apenas mediante o amor ou a bondade, o que é característico de um filme romântico. Assim, apreendemos que ainda há chances de construir sua "medianera" e procurar novos espaços para encontrar o seu lugar no mundo, caso encontremos a pessoa certa. Se isso não ocorrer, continuaremos vivendo nesse mundo isolado, pois a transformação se opera apenas no ideal metafísico do amor. Porém, indo adiante à mensagem repassada pelo filme, condensado pelo desfecho individualizado que o filme se propõe a criticar, precisamos ir além dele. Observar que o fenômeno da ocupação dos espaços urbanos, das instituições através das lutas sociais é parte de uma ruptura com o planejamento segregado das cidades. É nisso que devemos pensar e repensar sobre o fenômeno da solidão e dos encontros passageiros. A integração das relações sociais, a ampliação da intimidade entre as pessoas, não pode ficar restrita aos meios virtuais de comunicação. A ocupação dos espaços e a instauração de novas relações sociais são também uma ruptura, uma maneira de pensar em aproximar pessoas distantes, que, ainda sem possibilidades de se encontrarem, estão próximas em objetivos, ideias, sentimentos e um ideal em comum, que é a transformação dessa realidade existente e seus problemas consequentes.