Assim como em Drácula, de Tod Browning, Frankenstein se apoia totalmente nas aparições do monstro, fazendo com que as subtramas fiquem vazias. O tom romântico permeia a obra, sendo Frankenstein, o agente de ruptura. Da encenação à decupagem, tudo soa frívolo e cafona; e há ainda as espertinhas inserções de caveiras e raios, artifícios de mise-en-scene forçados.
Sem dúvida a melhor sequência é a de Frankenstein e a garotinha. O romantismo do espaço e o monstro que o destrói. A sequência se dilui facilmente, sem truncagem, e temos um dos momentos mais belos e tristes da história do cinema.
Camila. Para o amigo, apenas uma péssima ex-namorada. Para o cinegrafista, um mar de lembranças que tenta recuperar. Camila, enquanto corpo, é apenas representação de bons tempos, de bons sentimentos, que embora tenham terminado de forma negativa - aparentemente -, foram importantes o suficientes para ainda impactar, mesmo com um rápido gesto de olhar. A conversa despretensiosa entre os dois, revela suas diferenças temporais: enquanto um fala do futuro, do futebol de amanhã e da próxima semana, o cinegrafista se mostra esmorecido, não sabe se vai jogar, mas vibra com a representação de uma parte do seu passado. Ele está preso. O looping enquanto autoengano. O tempo passou, Camila passou, mas a obsessão nostálgica fez a sua vítima.
Segundo filme que vejo do autor Edgard Navarro - Superoutro foi o primeiro-, e mais uma vez me deparo com uma criação incomodante. A imagem em Super 8 casou com a "sujeira" do espaço, regada a fezes e bundas. Seus personagens, sempre transeuntes de grandes cidades, vivem uma liberdade invejável, sempre respeitando seus instintos - aliás, nossos instintos. Qual o fetiche de Navarro com homens que jogam fezes em motoristas? Não sei, mas é engraçado. A curta duração da obra foi ideal para a apreciação do subversivo enredo apresentado; diferente de Superoutro, que embora seja curto, tem uma construção em esquetes que me soa cansativo.
O privilégio mór de um indivíduo num país terceiro mundista: na solidão da classe média, frutas e legumes se convertem em objetos sexuais; e a feira - agora transmutada - um sex shop a céu aberto. Há um equilíbrio entre o visual - quase uma chanchada com melancia - e a verbalização do homem, que se mostra consciente de sua perversão horti-fruteira, e das implicações sociais do seu ato.
Lembro-me da primeira vez em que vi 2001, há alguns anos atrás, e da frase que me veio à mente logo após o filme se encerrar: "Provavelmente eu nunca irei ao espaço, mas 2001 me levou até lá por alguns minutos". Hoje, um dia de Abril de 2021, resolvo escrever depois de mais uma (de várias) revisão da obra de Stanley Kubrick. Uma dúvida vem à minha mente: Por que um filme sobre o futuro feito nos anos 60 ainda causa tamanho impacto? Vivemos na era da internet; do streaming; do air fryer; e dos smartphones - hoje eu consigo comer assistindo ao noticiário na pequena tela do meu celular -; temos foguetes sendo lançados toda semana; tivemos recentemente o primeiro vôo controlado em Marte. Sendo assim, o que um filme de mais de 50 anos ainda tem para nos mostrar? Tenho três pontos:
O osso arremessado ao ar é substituído por uma bomba em órbita; o maior salto temporal do cinema nos mostra onde estamos; somos agora, mais do que já éramos, animais estelares. Kubrick e Clarke alargam essa visão: Dr. Floyd conversa com a filha por video chamada em meio ao vazio do cosmos; o mesmo Floyd come um sanduíche enquanto se desloca na Lua - a elevação do banal -; a máquina-homem Hal 9000 - que ainda é uma realidade distante para nós em termos de IA - confronta seus semelhantes, e é morto pelo homem-máquina, Dave; Júpiter é o ponto de partida para o portal que levará Dave ao cativeiro montado por uma raça inteligente e superior aos terráqueos sapiens. Essas são algumas escolhas narrativas que não só impactam, mas causam esse valor de revisão, essa busca incessante do espectador por contemplar uma experiência que, embora esteja familiarizado em algumas questões, provavelmente nunca viverá - pelo menos não em 2021. Só nos resta o encanto.
O macaco acorda e se depara com o monólito; sobe a trilha de Ligeti; os macacos, assustados e nervosos, tocam e pulam em volta do objeto. Passam-se anos, o homem vai à Lua e desenterra o monólito; espanto e curiosidade; o toque precede a fotografia; então, um ruído vem para tirar não só aqueles homens, mas também nós, espectadores, da zona de conforto com relação a aparição. O ruído leva Dave ao portal estelar; uma viagem pelo profundo desconhecido - nem mesmo os seus superiores sabiam o que seria encontrado lá -; cores e supernovas guiam o nosso herói e os nossos sentidos. Ficam as dúvidas: seria o monólito um deus? É possível que haja vida extraterrestre interferindo em nossa vida? E o que é aquele bebê no final? Uma sonda? Jesus? Um alerta? Ficam as dúvidas... O mistério construído em 2001 pode ser respondido por fãs de "finais explicados"; conspiradores; ou, podem apenas ficar no campo sensorial e deixar que se assuma como mistério.
Ambos os argumentos anteriores poderiam servir para analisar a obra literária de Clarke, mas como se trata de cinema, temos que amarrá-los com as propriedades visuais e sonoras.
"Eu quero fazer a primeira ficção científica que não seja considerada um lixo" - Stanley Kubrick.
O gênero sci-fi no cinema era composto por filmes de "homenzinhos verdes", cujas narrativas beiravam a satira. Kubrick deu a 2001 um realismo que, diferente dos sci-fis anteriores a ele que causavam distanciamento, aproximou o espectador e deu a ele o poder de se reconhecer em tela. Esse realismo se inicia nos primeiros planos gerais da savana africana, e chega a assombrosa maquiagem dos falsos macacos - hoje sei que são falsos, mas na primeira vez que vi, me perguntei "como fizeram esses macacos atuarem tão bem?". Kubrick brinca com seu realismo e faz um jogo de percepção quando insere dois macacos de verdade entre os atores, embaralhando as cartas. O realismo segue por todo o filme, se chocando com o mistério e com o onírico.
A demonstração do poder criativo dos humanos faz com que, por alguns minutos, o cosmos perca o seu silêncio. Trata-se de Danúbio Azul e o baile das naves. O homem não só ganhou o território de parte do espaço, como também o dominou. No espaço fílmico, o vislumbre dos detalhes, das dimensões, e da complexidade de locomoção dos meios de transporte mais ambiciosos já criados.
No campo do som, além da música que irrompe o silêncio sepulcral, o próprio silêncio se faz presente sufocando o possível grito de pavor de Frank, jogado no vazio por Hal. A respiração pesada de Dave dá o tom de sua condição, e a fragilidade de sua empreitada - em dado momento, o que o separa da morte é seu traje.
O onirismo, parte importante do grand finale, extrapola com as possibilidades técnicas - foi necessário a criação de um maquinário para produzir as luzes do portal. O ápice da viagem; o espetáculo visual vivido por Dave e por nós, não só é a quebra da limitação narrativa - consegue imaginar uma sequência como essa sendo realizada na indústria atualmente? -, como também é a quebra do limite em si mesmo, do limite daquilo que imaginamos.
A palavra que melhor resume 2001, é estímulo. Cada som; cada cor; cada botão nos painéis; cada peça de vestuário; cada gesto - ou falta de -; cada detalhe das naves; tudo está ali para estimular profundamente a área criativa do cérebro humano. Trata-se de uma obra de arte no sentido mais bruto da definição. 2001 é o próprio monólito que vem expandir as percepções humanas sobre o universo que o cerca; sobre o espaço que os suspende - talvez os 5 minutos de tela preta no início seja um indício consciente disso. No desfecho, Dolly In na direção do monólito e saltamos ao lado do bebê estelar, que se vira e nos encara como se quisesse nos perguntar: E agora? O que você vai fazer de agora em diante depois de tal experiência?
O preto e branco, o figurino e as poses, usados para efeito de glamour, são contrastados pelos conflitos do casal. Esse jogo de antíteses, num primeiro momento interessante, torna-se banal ao longo da trama, pois não há uma ruptura em si mesmo. O filme assume esse caráter de "comercial da Calvin Klein (sqn)" e o leva até o fim, fazendo diluir o efeito formal, restando apenas a apreciação do texto - por sinal, ponto alto do filme.
Me incomodou também o uso excessivo de desfoque no cenário. Nesse caso particular, o espaço poderia ser melhor utilizado.
Com um equilíbrio narrativo satisfatório, Fusi (título original) consegue se manter afastado dos extremos (pena ou euforia), deixando o julgamento para os habitantes daquele espaço, e para a reflexão do espectador.
A amplitude de sentimentos é invocada pelas situações vividas pelo protagonista, mas também em como ele reage a elas - quantos de nós cuidariam de uma desconhecida garota deprimida? Quantos de nós teríamos consertado o motor do carro do nosso bully?. As ações desconsertantes de Fusi, aliado a sua (quase nula) expressividade; junto a mise en scene que, apesar de ilustrar sua limitação (a casa está pequena para ele), por outro lado, mostra que ele vive com prazer apesar das limitações (o seu campo de batalha dentro da mesma casa; sua paixão). No fim, cabe a nós aceitarmos Fusi como ele é. No final da viagem, há uma grande probabilidade de sua vida continuar a mesma - e tudo bem.
O choque entre a vida nômade e o american way of life - ou, off society vs on society - foram, para mim, o ponto alto do filme - com destaque para a melhor sequencia: Fern abandonando o quarto em uma casa enorme e indo para o aconchego de sua van(guarda). Outro ponto positivo fica para o tom oral nas partes em que os nômades se reúnem e compartilham sua opiniões e historias de vida; a narrativa visual "documental" - ou naturalista - funciona muito bem nesses blocos.
Por outro lado, o uso de closes e a imposição contemplativa que tenta nos aproximar da protagonista, acabou me desagradando em vários momentos, soando como um exercício de linguagem vazio.
Não sei quem é mais corajoso: a Universal por dar uma obra de tamanho calibre nas mãos de um diretor experimentalista; ou Gus Van Sant em aceitar dirigir tal obra. De qualquer forma, o saldo foi positivo.
Gostei de como Van Sant respeita a obra original, praticamente repetindo os mesmos planos, mas, em vários momentos coloca novos elementos que alteram nossa percepção do clássico de 1960 - por ex: a bunda do Sam no inicio; a masturbação de Norman; e os ruídos e vozes na trilha.
Ação e reação. Um filme sobre o passado, a saudade e a nostalgia que praticamente não utiliza flashbacks para impactar o espectador - o único flashback é apenas para resolver um "problema" da narrativa. A ação da protagonista de se livrar dos objetos que pertencem ao seu passado, desencadeia uma gama de reações que, graças aos planos estaticos que focam nas expressividade dos atores - planos esses que nem sempre são close ups; uma demonstração do controle de pontos focais do diretor - aproximam e resultam na identificação do espectador.
A ação de ver uma foto antiga, de um momento especial, resulta numa reação que é cara a qualquer humano que ja teve essa experiencia. E Nawapol consegue transmitir isso.
Se não fossem os creditos iniciais, pensaria que se tratava de um "Spike Lee Joint". Com certeza Shaka King se inspirou no cinema do Lee, e nos entregou uma biografia nervosa, com um grande foco na expressividade dos seus atores (Kaluuya e Lakeith são dois dos atores mais expressivos do mainstream atualmente).
Embora com uma tematica necessaria (e, ainda hoje, atual), não traz nenhuma novidade no ambito formal (a semelhança com Spike Lee prova isso). Mesmo a inserção documental do encerramento soa clichê.
João Moreira Salles desabafa seus abortos criativos da primeira versão do doc - que seria muito estilizado, por sinal - e suas decepções com o material bruto que lhe restou; uma sinceridade que demonstra a insatisfação do autor à imposição formal do processo criativo de um filme.
Por outro lado, fiquei pensando durante o filme em como Santiago estaria perpetuando ali o ato de "estar a serviço de um Salles" - o que fez durante trinta anos de sua vida. A maturidade, a revisão, e a melancolia de João, deram a ele a oportunidade de enxergar, e a coragem de se autocriticar pela arrogância de "invadir" o espaço de outrem em busca de extrair o seu passado sem lhe dar o mínimo de liberdade.
Liberdade. Talvez seja o que faltou para João. Liberdade que Santiago alcançou em sua imaginação, e que, no processo fílmico, o diretor falhou em sequer cogitar.
A referência à Ozu, um diretor rígido que retratava uma cultura igualmente rígida, é reveladora.
Se por um lado, Salles alcança a melancolia que buscava, por outro, sua insatisfação verbalizada é o que engrandece o documentário.
"Quando o homem nasce, é fraco e flexível; quando morre é impassível e duro. Quando uma árvore nasce, é tenra e flexível; quando se torna seca e dura, ela morre. A dureza e a força são atributos da morte; a flexibilidade e a fraqueza são a frescura do ser. Por isso, quem endurece, nunca vencerá…” - dialogo do filme Stalker, de Andrei Tarkovski.
A dureza dos personagens, em destaque para a protagonista, Gertrud, é evidente desde o olhar vago e inexpressivo, até para os movimentos corporais que aparentam ser calculados. Essa dureza, que aqui seria resultado da morte do amor romantico, é ainda denunciada pelo seu contrario, a leveza expressada pela lembrança de Gertrud em seu relacionamento com o poeta Gabriel. Um suspiro de vida toma conta do filme, e nós podemos ver um lado da personagem até então desconhecido. A solidão que ela se impõe, e a sua morte pós despedida, demonstram, talvez de forma simbólica (sino), que a reação e a escolhas de Gertrud ao longo se suas decepções, ao invés de liberta-la, causaram seu próprio sepultamento - uma espécie de "suicidio" sentimental e comportamental.
Por um lado, a montagem consegue evidenciar a trama mais importante do filme: a de Michael Corleone. Se, na primeira versão, temos um enredo bem diluído que alterna entre as tramas de Michael e Vincent (o passado e o futuro dos Corleone), na nova versão, Coppola resolveu focar nas últimas causas que trarão ao padrinho suas consequências finais. A ideia é plausível e bem executada em vários momentos - o início, por exemplo, indo direto para a negociação entre Michael e o Bispo, foi um acerto - porém, a montagem também tem seus problemas. As elipses seriam minha crítica principal. Os saltos temporais através de cortes secos por vezes me fez sentir como se assistisse a um filme de máfia comum; a elegância e a cadência rítmica da unidade presente na trilogia, aqui, se perde em alguns momentos. Isso sem contar um corte que foi um tanto confuso: Michael está na Sicília, de repente, o corte vai para uma cena em que ele entrega uma folha para o filho, com um desenho feito pelo mesmo quando criança. O início dessa sequência já havia acontecido - Michael pede para a filha se afastar de Vincent -, e a ordem que a cena aparece aqui, não tem nenhum sentido na narrativa, a não ser o de tentar emocionar o espectador - o que na versão original funciona bem, aqui se torna forçado. A essência do filme continua lá, porém, a tentativa de dar um novo olhar ao desfecho da história de Michael, me pareceu um exercício preguiçoso. Bem, no fim das contas, fico feliz por ainda pertencer ao grupo de pessoas que gostam do capítulo final desta grande trilogia.
De uns tempos pra cá, eu, que sou morador da periferia, venho notando a importância da paisagem na vida humana. O horizonte como escape, principalmente para pessoas de perfil contemplativo ou com uma sensibilidade que lhes dão acesso à essa necessidade ocular - penso que a protagonista, interpretada por Kim Min-hee, se encaixe nesse perfil -, sendo assim, a paisagem não serviria como um remédio para os problemas do mundo (caso contrário, o Rio de Janeiro seria a terra prometida), mas sim, como um paliativo subjetivo para um nicho; uma fuga da opressão na civilização moderna.
Em A Mulher que Foge, Hong Sang-soo ilustra isso através das janelas e de uma tela. A protagonista, Gam-hee, visita amigas num raro momento em que está longe do marido. - A primeira amiga, recém divorciada, vive numa casa de design moderno, mas com uma vista para a montanha. Gam-hee, num momento em que está só, abre uma janela e contempla o horizonte. - A segunda amiga, uma artista solitária, também mora numa casa moderna e com uma vista bem destacada - como uma pintura - para uma montanha. Num dado momento, a protagonista mal espera a saída da anfitriã e salta para a janela. - A terceira amiga está no local de trabalho - uma espécie de café que abriga um cinema e um espaço para atividades artísticas. Gam-hee, seguindo a recomendação da amiga, vai a sala de cinema e assiste a exibição de um filme. Na terceira "janela", vemos apenas um plano geral extremo, e de longa duração, do mar. A protagonista volta, tem uma conversa tensa com um possível ex companheiro, e, ao sair do local, ela para, e o plano que a enquadra faz com que o ambiente da metrópole tome conta do quadro, destacando a ausência de paisagem no entorno. Gam-hee volta, entra novamente na sala de cinema, e, talvez, tenha o seu último suspiro antes de voltar à rotina (esse foi o meu, pelo menos): a fuga através da paisagem.
Raso até o ultimo fio de cabelo da barba do Clooney.
O filme se apoia numa sensorialidade que, pelo menos pra mim, foi indiferente. Os blocos sensoriais, junto ao conteúdo que o intervém, fazem uma combinação que resulta numa obra soporífera.
Um filme de montagem onde Bernardet faz uma organização de cenas que fazem parte de um universo narrativo proprio, mas que, aqui, se unem e se ressignificam dentro da tematica: uma sintese da cidade de São Paulo através do olhar cinematografico. Entre o plano geral da cidade viva e pulsante que inicia o filme, ao close de uma criança que o encerra, a obra conseguiu extrair de mim os mesmos sentimentos de quando caminho pela terra da garoa: a contemplação e maravilhamento do espaço, e a melancolia do mesmo.
Por conta da forma como o som é usado aqui - alternando entre o interior o exterior do protagonista - tive uma experiência conflitante durante o filme:
- a agonia, de quando o filme nos coloca no plano sensorial, sentindo a dimensão interior do Ruben (os melhores momentos, cinematograficamente falando).
- a partir do momento que a surdez aparece, essa alternância me fez sentir como um "voyeur" que saboreia um pudim enquanto assiste a derrocada de uma pessoa. Isso também é reforçado pelo uso dos planos fechados - me lembrou os programas de tv que buscam sempre o olhar num momento de emoção para impactar o espectador, seja esse momento feliz ou não. Outro ponto: num filme sobre surdez, temos um plano aberto numa mata, com um som muito nítido e característico desse ambiente, e duas pessoas surdas andando pelo local; isso daria margem para alguém pensar que, diferente daquelas pessoas, tem a dádiva de poder ouvir a natureza que os cerca?
Esse conflito poderia não ter acontecido se o filme realmente quisesse abordar a temática a que se refere, e, aderisse ao plano interior do personagem em sua totalidade - o que, talvez, levaria a obra para o lado experimental; uma ousadia que os produtores preferiram se abster.
No fim, Sound of Metal apresenta uma dramaturgia melodramática que se sai bem na fórmula, mas que é confuso na forma.
Buñuel conseguiu uma façanha: ser um diretor burguês que retrata a relação entre periféricos de forma cruelmente realista - diferente de outros, que preferem mostrar uma periferia romanticamente inverossímil.
Realismo e onirismo - um jovem covardemente agredido e roubado; e um ovo jogado em nosso rosto. Buñuel equilibra o real e o surreal, e mostra que, nem no campo físico, nem no inconsciente, há escape para os esquecidos.
Somos imergidos nesse universo e acompanhamos a vida de Cookie, sua relação sensível com a vegetação, e com o ambiente hostil que o cerca - tanto pelos homens violentos, tanto por lobos. A sensibilidade de Cookie é visível, e destoa de seus semelhantes; o protagonista - que está sempre se mudando - parece estar constantemente numa fuga implícita daquele ambiente, indo na contramão dos homens que visam ascender naquele contexto social. Mas, é claro, ninguém é imune a psicopatia alheia, e, num dado momento, a violência vem de encontro ao fugitivo.
Kelly Reichardt parece buscar um "hiper" naturalismo; ela nem sequer chega a fazer um movimento de câmera, optando por planos rigorosamente estáticos. Desde um homem caminhando em meio a mata, uma simples ordenha, ou um personagem que prova um bolinho, todas essas ações simples são valorizadas pela excelente captação de som, que, além de nos fazer contemplar essas ações, também fará a conexão homem-natureza - conexão essa que, passa pelo encanto inicial; estabelece uma relação de fuga; e, no final, será uma armadilha; porém, a conexão nunca se perde.
As ruínas alemãs; as ruínas sociais; as ruínas da infância.
A dureza permeia a obra: seja na fotografia, que valoriza os prédios destruídos, e as pedras que permeiam o lugar; seja nas atuações que, mesmo teatrais, não conseguem passar um realismo sentimental, ficando sempre na superfície da tentativa; e os vários personagens que entram e saem rapidamente, apenas dando nos uma síntese e uma contextualização daquele espaço, sem nos dar a chance de nos apegarmos a eles. Isso sem falar, é claro, da derradeira cena final, onde Rosselini amarra tudo isso, e deixa o sentimentalismo para nós, espectadores, em frente a uma tela escura.
Durante o filme, pensava em quantos "Alemanha Ano Zero" daria pra fazer no Brasil de 2020...
De Sica pesca seu protagonista em meio a multidão, lhe dá uma bicicleta, e, graças ao tom profético do titulo - o melhor uso de titulo que já vi -, nos deixa em tensão constante pelo futuro prenunciado.
A forma como o diretor trabalhou o suspense implícita e explicitamente - o primeiro, na sequência em que Antonio vai buscar Maria na vidente e deixa sua bicicleta sob a vigia de desconhecidos. Quando volta, a descida da escada angústia o espectador que teme o possível roubo da bicicleta (efeito dado pelo titulo do filme), e, sabendo disso, De Sica, sem qualquer uso dos elementos sonoros para nos alardear, faz um leve movimento de câmera, abre o quadro, e mostra o guidão, o que nos trás um breve momento do alivio. O suspense explicito está, por exemplo, no possível afogamento de Bruno, e no eminente roubo de Antonio -, não é apenas uma aula de narrativa, mas também o retrato da Itália pós guerra, onde suspense e sobrevivência eram sinônimos - bom, pelo menos por uma parte da população; haviam aqueles que ganhavam 1mi por mês e conseguiam fazer uma refeição farta nos restaurantes mais caros. Ao final, nosso peixe é devolvido ao cardume; devolvido ao mar de inconsistências sociais de sua época.
Frankenstein
3.9 285 Assista AgoraAssim como em Drácula, de Tod Browning, Frankenstein se apoia totalmente nas aparições do monstro, fazendo com que as subtramas fiquem vazias. O tom romântico permeia a obra, sendo Frankenstein, o agente de ruptura. Da encenação à decupagem, tudo soa frívolo e cafona; e há ainda as espertinhas inserções de caveiras e raios, artifícios de mise-en-scene forçados.
Sem dúvida a melhor sequência é a de Frankenstein e a garotinha. O romantismo do espaço e o monstro que o destrói. A sequência se dilui facilmente, sem truncagem, e temos um dos momentos mais belos e tristes da história do cinema.
Fantasmas
3.9 22Das obsessões.
Sorte daquele que nunca tentou salvar um fragmento do seu passado.
Sorte?
Ou falta de passado?
Camila. Para o amigo, apenas uma péssima ex-namorada. Para o cinegrafista, um mar de lembranças que tenta recuperar. Camila, enquanto corpo, é apenas representação de bons tempos, de bons sentimentos, que embora tenham terminado de forma negativa - aparentemente -, foram importantes o suficientes para ainda impactar, mesmo com um rápido gesto de olhar.
A conversa despretensiosa entre os dois, revela suas diferenças temporais: enquanto um fala do futuro, do futebol de amanhã e da próxima semana, o cinegrafista se mostra esmorecido, não sabe se vai jogar, mas vibra com a representação de uma parte do seu passado. Ele está preso.
O looping enquanto autoengano. O tempo passou, Camila passou, mas a obsessão nostálgica fez a sua vítima.
O Rei do Cagaço
3.3 10Segundo filme que vejo do autor Edgard Navarro - Superoutro foi o primeiro-, e mais uma vez me deparo com uma criação incomodante. A imagem em Super 8 casou com a "sujeira" do espaço, regada a fezes e bundas. Seus personagens, sempre transeuntes de grandes cidades, vivem uma liberdade invejável, sempre respeitando seus instintos - aliás, nossos instintos.
Qual o fetiche de Navarro com homens que jogam fezes em motoristas? Não sei, mas é engraçado.
A curta duração da obra foi ideal para a apreciação do subversivo enredo apresentado; diferente de Superoutro, que embora seja curto, tem uma construção em esquetes que me soa cansativo.
Vereda Tropical
3.8 4O privilégio mór de um indivíduo num país terceiro mundista: na solidão da classe média, frutas e legumes se convertem em objetos sexuais; e a feira - agora transmutada - um sex shop a céu aberto.
Há um equilíbrio entre o visual - quase uma chanchada com melancia - e a verbalização do homem, que se mostra consciente de sua perversão horti-fruteira, e das implicações sociais do seu ato.
2001: Uma Odisseia no Espaço
4.2 2,4K Assista AgoraO estimulante 2001
Lembro-me da primeira vez em que vi 2001, há alguns anos atrás, e da frase que me veio à mente logo após o filme se encerrar: "Provavelmente eu nunca irei ao espaço, mas 2001 me levou até lá por alguns minutos". Hoje, um dia de Abril de 2021, resolvo escrever depois de mais uma (de várias) revisão da obra de Stanley Kubrick. Uma dúvida vem à minha mente: Por que um filme sobre o futuro feito nos anos 60 ainda causa tamanho impacto? Vivemos na era da internet; do streaming; do air fryer; e dos smartphones - hoje eu consigo comer assistindo ao noticiário na pequena tela do meu celular -; temos foguetes sendo lançados toda semana; tivemos recentemente o primeiro vôo controlado em Marte. Sendo assim, o que um filme de mais de 50 anos ainda tem para nos mostrar?
Tenho três pontos:
1) As possibilidades humanas levadas ao extremo:
O osso arremessado ao ar é substituído por uma bomba em órbita; o maior salto temporal do cinema nos mostra onde estamos; somos agora, mais do que já éramos, animais estelares. Kubrick e Clarke alargam essa visão: Dr. Floyd conversa com a filha por video chamada em meio ao vazio do cosmos; o mesmo Floyd come um sanduíche enquanto se desloca na Lua - a elevação do banal -; a máquina-homem Hal 9000 - que ainda é uma realidade distante para nós em termos de IA - confronta seus semelhantes, e é morto pelo homem-máquina, Dave; Júpiter é o ponto de partida para o portal que levará Dave ao cativeiro montado por uma raça inteligente e superior aos terráqueos sapiens. Essas são algumas escolhas narrativas que não só impactam, mas causam esse valor de revisão, essa busca incessante do espectador por contemplar uma experiência que, embora esteja familiarizado em algumas questões, provavelmente nunca viverá - pelo menos não em 2021. Só nos resta o encanto.
2) A divindade e o mistério:
O macaco acorda e se depara com o monólito; sobe a trilha de Ligeti; os macacos, assustados e nervosos, tocam e pulam em volta do objeto. Passam-se anos, o homem vai à Lua e desenterra o monólito; espanto e curiosidade; o toque precede a fotografia; então, um ruído vem para tirar não só aqueles homens, mas também nós, espectadores, da zona de conforto com relação a aparição. O ruído leva Dave ao portal estelar; uma viagem pelo profundo desconhecido - nem mesmo os seus superiores sabiam o que seria encontrado lá -; cores e supernovas guiam o nosso herói e os nossos sentidos.
Ficam as dúvidas: seria o monólito um deus? É possível que haja vida extraterrestre interferindo em nossa vida? E o que é aquele bebê no final? Uma sonda? Jesus? Um alerta?
Ficam as dúvidas...
O mistério construído em 2001 pode ser respondido por fãs de "finais explicados"; conspiradores; ou, podem apenas ficar no campo sensorial e deixar que se assuma como mistério.
3) A plasticidade:
Ambos os argumentos anteriores poderiam servir para analisar a obra literária de Clarke, mas como se trata de cinema, temos que amarrá-los com as propriedades visuais e sonoras.
"Eu quero fazer a primeira ficção científica que não seja considerada um lixo" - Stanley Kubrick.
O gênero sci-fi no cinema era composto por filmes de "homenzinhos verdes", cujas narrativas beiravam a satira. Kubrick deu a 2001 um realismo que, diferente dos sci-fis anteriores a ele que causavam distanciamento, aproximou o espectador e deu a ele o poder de se reconhecer em tela. Esse realismo se inicia nos primeiros planos gerais da savana africana, e chega a assombrosa maquiagem dos falsos macacos - hoje sei que são falsos, mas na primeira vez que vi, me perguntei "como fizeram esses macacos atuarem tão bem?". Kubrick brinca com seu realismo e faz um jogo de percepção quando insere dois macacos de verdade entre os atores, embaralhando as cartas. O realismo segue por todo o filme, se chocando com o mistério e com o onírico.
A demonstração do poder criativo dos humanos faz com que, por alguns minutos, o cosmos perca o seu silêncio. Trata-se de Danúbio Azul e o baile das naves. O homem não só ganhou o território de parte do espaço, como também o dominou. No espaço fílmico, o vislumbre dos detalhes, das dimensões, e da complexidade de locomoção dos meios de transporte mais ambiciosos já criados.
No campo do som, além da música que irrompe o silêncio sepulcral, o próprio silêncio se faz presente sufocando o possível grito de pavor de Frank, jogado no vazio por Hal. A respiração pesada de Dave dá o tom de sua condição, e a fragilidade de sua empreitada - em dado momento, o que o separa da morte é seu traje.
O onirismo, parte importante do grand finale, extrapola com as possibilidades técnicas - foi necessário a criação de um maquinário para produzir as luzes do portal. O ápice da viagem; o espetáculo visual vivido por Dave e por nós, não só é a quebra da limitação narrativa - consegue imaginar uma sequência como essa sendo realizada na indústria atualmente? -, como também é a quebra do limite em si mesmo, do limite daquilo que imaginamos.
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A palavra que melhor resume 2001, é estímulo. Cada som; cada cor; cada botão nos painéis; cada peça de vestuário; cada gesto - ou falta de -; cada detalhe das naves; tudo está ali para estimular profundamente a área criativa do cérebro humano. Trata-se de uma obra de arte no sentido mais bruto da definição. 2001 é o próprio monólito que vem expandir as percepções humanas sobre o universo que o cerca; sobre o espaço que os suspende - talvez os 5 minutos de tela preta no início seja um indício consciente disso.
No desfecho, Dolly In na direção do monólito e saltamos ao lado do bebê estelar, que se vira e nos encara como se quisesse nos perguntar: E agora? O que você vai fazer de agora em diante depois de tal experiência?
Malcolm & Marie
3.5 314 Assista AgoraO preto e branco, o figurino e as poses, usados para efeito de glamour, são contrastados pelos conflitos do casal. Esse jogo de antíteses, num primeiro momento interessante, torna-se banal ao longo da trama, pois não há uma ruptura em si mesmo. O filme assume esse caráter de "comercial da Calvin Klein (sqn)" e o leva até o fim, fazendo diluir o efeito formal, restando apenas a apreciação do texto - por sinal, ponto alto do filme.
Me incomodou também o uso excessivo de desfoque no cenário. Nesse caso particular, o espaço poderia ser melhor utilizado.
Obs: se houvesse um Prêmio Nicolas Cage, John David merecia pela (péssima) sequência berrante após ler a crítica de seu filme.
Desajustados
3.9 119 Assista AgoraCom um equilíbrio narrativo satisfatório, Fusi (título original) consegue se manter afastado dos extremos (pena ou euforia), deixando o julgamento para os habitantes daquele espaço, e para a reflexão do espectador.
A amplitude de sentimentos é invocada pelas situações vividas pelo protagonista, mas também em como ele reage a elas - quantos de nós cuidariam de uma desconhecida garota deprimida? Quantos de nós teríamos consertado o motor do carro do nosso bully?. As ações desconsertantes de Fusi, aliado a sua (quase nula) expressividade; junto a mise en scene que, apesar de ilustrar sua limitação (a casa está pequena para ele), por outro lado, mostra que ele vive com prazer apesar das limitações (o seu campo de batalha dentro da mesma casa; sua paixão).
No fim, cabe a nós aceitarmos Fusi como ele é. No final da viagem, há uma grande probabilidade de sua vida continuar a mesma - e tudo bem.
Nomadland
3.9 896 Assista AgoraO choque entre a vida nômade e o american way of life - ou, off society vs on society - foram, para mim, o ponto alto do filme - com destaque para a melhor sequencia: Fern abandonando o quarto em uma casa enorme e indo para o aconchego de sua van(guarda). Outro ponto positivo fica para o tom oral nas partes em que os nômades se reúnem e compartilham sua opiniões e historias de vida; a narrativa visual "documental" - ou naturalista - funciona muito bem nesses blocos.
Por outro lado, o uso de closes e a imposição contemplativa que tenta nos aproximar da protagonista, acabou me desagradando em vários momentos, soando como um exercício de linguagem vazio.
Psicose
3.1 467 Assista AgoraNão sei quem é mais corajoso: a Universal por dar uma obra de tamanho calibre nas mãos de um diretor experimentalista; ou Gus Van Sant em aceitar dirigir tal obra. De qualquer forma, o saldo foi positivo.
Gostei de como Van Sant respeita a obra original, praticamente repetindo os mesmos planos, mas, em vários momentos coloca novos elementos que alteram nossa percepção do clássico de 1960 - por ex: a bunda do Sam no inicio; a masturbação de Norman; e os ruídos e vozes na trilha.
Happy Old Year
4.0 46Ação e reação. Um filme sobre o passado, a saudade e a nostalgia que praticamente não utiliza flashbacks para impactar o espectador - o único flashback é apenas para resolver um "problema" da narrativa. A ação da protagonista de se livrar dos objetos que pertencem ao seu passado, desencadeia uma gama de reações que, graças aos planos estaticos que focam nas expressividade dos atores - planos esses que nem sempre são close ups; uma demonstração do controle de pontos focais do diretor - aproximam e resultam na identificação do espectador.
A ação de ver uma foto antiga, de um momento especial, resulta numa reação que é cara a qualquer humano que ja teve essa experiencia. E Nawapol consegue transmitir isso.
Judas e o Messias Negro
4.1 517 Assista AgoraSe não fossem os creditos iniciais, pensaria que se tratava de um "Spike Lee Joint". Com certeza Shaka King se inspirou no cinema do Lee, e nos entregou uma biografia nervosa, com um grande foco na expressividade dos seus atores (Kaluuya e Lakeith são dois dos atores mais expressivos do mainstream atualmente).
Embora com uma tematica necessaria (e, ainda hoje, atual), não traz nenhuma novidade no ambito formal (a semelhança com Spike Lee prova isso). Mesmo a inserção documental do encerramento soa clichê.
Santiago
4.1 134A angústia do processo fílmico. O diretor como um refém do formalismo, e, Santiago, refém da subserviência.
João Moreira Salles desabafa seus abortos criativos da primeira versão do doc - que seria muito estilizado, por sinal - e suas decepções com o material bruto que lhe restou; uma sinceridade que demonstra a insatisfação do autor à imposição formal do processo criativo de um filme.
Por outro lado, fiquei pensando durante o filme em como Santiago estaria perpetuando ali o ato de "estar a serviço de um Salles" - o que fez durante trinta anos de sua vida. A maturidade, a revisão, e a melancolia de João, deram a ele a oportunidade de enxergar, e a coragem de se autocriticar pela arrogância de "invadir" o espaço de outrem em busca de extrair o seu passado sem lhe dar o mínimo de liberdade.
Liberdade. Talvez seja o que faltou para João. Liberdade que Santiago alcançou em sua imaginação, e que, no processo fílmico, o diretor falhou em sequer cogitar.
A referência à Ozu, um diretor rígido que retratava uma cultura igualmente rígida, é reveladora.
Se por um lado, Salles alcança a melancolia que buscava, por outro, sua insatisfação verbalizada é o que engrandece o documentário.
Gertrud
4.1 33"Quando o homem nasce, é fraco e flexível; quando morre é impassível e duro. Quando uma árvore nasce, é tenra e flexível; quando se torna seca e dura, ela morre. A dureza e a força são atributos da morte; a flexibilidade e a fraqueza são a frescura do ser. Por isso, quem endurece, nunca vencerá…” - dialogo do filme Stalker, de Andrei Tarkovski.
A dureza dos personagens, em destaque para a protagonista, Gertrud, é evidente desde o olhar vago e inexpressivo, até para os movimentos corporais que aparentam ser calculados. Essa dureza, que aqui seria resultado da morte do amor romantico, é ainda denunciada pelo seu contrario, a leveza expressada pela lembrança de Gertrud em seu relacionamento com o poeta Gabriel. Um suspiro de vida toma conta do filme, e nós podemos ver um lado da personagem até então desconhecido.
A solidão que ela se impõe, e a sua morte pós despedida, demonstram, talvez de forma simbólica (sino), que a reação e a escolhas de Gertrud ao longo se suas decepções, ao invés de liberta-la, causaram seu próprio sepultamento - uma espécie de "suicidio" sentimental e comportamental.
O Poderoso Chefão - Desfecho: A Morte de Michael Corleone
4.2 26Essa versão me despertou um sentimento misto:
Por um lado, a montagem consegue evidenciar a trama mais importante do filme: a de Michael Corleone. Se, na primeira versão, temos um enredo bem diluído que alterna entre as tramas de Michael e Vincent (o passado e o futuro dos Corleone), na nova versão, Coppola resolveu focar nas últimas causas que trarão ao padrinho suas consequências finais.
A ideia é plausível e bem executada em vários momentos - o início, por exemplo, indo direto para a negociação entre Michael e o Bispo, foi um acerto - porém, a montagem também tem seus problemas. As elipses seriam minha crítica principal. Os saltos temporais através de cortes secos por vezes me fez sentir como se assistisse a um filme de máfia comum; a elegância e a cadência rítmica da unidade presente na trilogia, aqui, se perde em alguns momentos. Isso sem contar um corte que foi um tanto confuso: Michael está na Sicília, de repente, o corte vai para uma cena em que ele entrega uma folha para o filho, com um desenho feito pelo mesmo quando criança. O início dessa sequência já havia acontecido - Michael pede para a filha se afastar de Vincent -, e a ordem que a cena aparece aqui, não tem nenhum sentido na narrativa, a não ser o de tentar emocionar o espectador - o que na versão original funciona bem, aqui se torna forçado.
A essência do filme continua lá, porém, a tentativa de dar um novo olhar ao desfecho da história de Michael, me pareceu um exercício preguiçoso.
Bem, no fim das contas, fico feliz por ainda pertencer ao grupo de pessoas que gostam do capítulo final desta grande trilogia.
A Mulher que Fugiu
3.6 36A paisagem como fuga
De uns tempos pra cá, eu, que sou morador da periferia, venho notando a importância da paisagem na vida humana. O horizonte como escape, principalmente para pessoas de perfil contemplativo ou com uma sensibilidade que lhes dão acesso à essa necessidade ocular - penso que a protagonista, interpretada por Kim Min-hee, se encaixe nesse perfil -, sendo assim, a paisagem não serviria como um remédio para os problemas do mundo (caso contrário, o Rio de Janeiro seria a terra prometida), mas sim, como um paliativo subjetivo para um nicho; uma fuga da opressão na civilização moderna.
Em A Mulher que Foge, Hong Sang-soo ilustra isso através das janelas e de uma tela. A protagonista, Gam-hee, visita amigas num raro momento em que está longe do marido.
- A primeira amiga, recém divorciada, vive numa casa de design moderno, mas com uma vista para a montanha. Gam-hee, num momento em que está só, abre uma janela e contempla o horizonte.
- A segunda amiga, uma artista solitária, também mora numa casa moderna e com uma vista bem destacada - como uma pintura - para uma montanha. Num dado momento, a protagonista mal espera a saída da anfitriã e salta para a janela.
- A terceira amiga está no local de trabalho - uma espécie de café que abriga um cinema e um espaço para atividades artísticas. Gam-hee, seguindo a recomendação da amiga, vai a sala de cinema e assiste a exibição de um filme. Na terceira "janela", vemos apenas um plano geral extremo, e de longa duração, do mar. A protagonista volta, tem uma conversa tensa com um possível ex companheiro, e, ao sair do local, ela para, e o plano que a enquadra faz com que o ambiente da metrópole tome conta do quadro, destacando a ausência de paisagem no entorno. Gam-hee volta, entra novamente na sala de cinema, e, talvez, tenha o seu último suspiro antes de voltar à rotina (esse foi o meu, pelo menos): a fuga através da paisagem.
O Céu da Meia-Noite
2.7 511Raso até o ultimo fio de cabelo da barba do Clooney.
O filme se apoia numa sensorialidade que, pelo menos pra mim, foi indiferente. Os blocos sensoriais, junto ao conteúdo que o intervém, fazem uma combinação que resulta numa obra soporífera.
São Paulo - Sinfonia e Cacofonia
4.1 6Um filme de montagem onde Bernardet faz uma organização de cenas que fazem parte de um universo narrativo proprio, mas que, aqui, se unem e se ressignificam dentro da tematica: uma sintese da cidade de São Paulo através do olhar cinematografico.
Entre o plano geral da cidade viva e pulsante que inicia o filme, ao close de uma criança que o encerra, a obra conseguiu extrair de mim os mesmos sentimentos de quando caminho pela terra da garoa: a contemplação e maravilhamento do espaço, e a melancolia do mesmo.
O Som do Silêncio
4.1 988 Assista AgoraPor conta da forma como o som é usado aqui - alternando entre o interior o exterior do protagonista - tive uma experiência conflitante durante o filme:
- a agonia, de quando o filme nos coloca no plano sensorial, sentindo a dimensão interior do Ruben (os melhores momentos, cinematograficamente falando).
- a partir do momento que a surdez aparece, essa alternância me fez sentir como um "voyeur" que saboreia um pudim enquanto assiste a derrocada de uma pessoa. Isso também é reforçado pelo uso dos planos fechados - me lembrou os programas de tv que buscam sempre o olhar num momento de emoção para impactar o espectador, seja esse momento feliz ou não.
Outro ponto: num filme sobre surdez, temos um plano aberto numa mata, com um som muito nítido e característico desse ambiente, e duas pessoas surdas andando pelo local; isso daria margem para alguém pensar que, diferente daquelas pessoas, tem a dádiva de poder ouvir a natureza que os cerca?
Esse conflito poderia não ter acontecido se o filme realmente quisesse abordar a temática a que se refere, e, aderisse ao plano interior do personagem em sua totalidade - o que, talvez, levaria a obra para o lado experimental; uma ousadia que os produtores preferiram se abster.
No fim, Sound of Metal apresenta uma dramaturgia melodramática que se sai bem na fórmula, mas que é confuso na forma.
The Office (4ª Temporada)
4.5 232É oficial:
O Ryan conseguiu se tornar mais odiavel que o Todd Packer.
Frase favorita da temporada:
"Os olhos são os testiculos do rosto" - Schrute, Dwight
Os Esquecidos
4.3 110Buñuel conseguiu uma façanha: ser um diretor burguês que retrata a relação entre periféricos de forma cruelmente realista - diferente de outros, que preferem mostrar uma periferia romanticamente inverossímil.
Realismo e onirismo - um jovem covardemente agredido e roubado; e um ovo jogado em nosso rosto. Buñuel equilibra o real e o surreal, e mostra que, nem no campo físico, nem no inconsciente, há escape para os esquecidos.
O Declínio do Império Americano
3.8 82 Assista AgoraUm filme onde os diálogos se sobressaem; e há um jogo de imagens bem óbvio.
Ponto positivo para a forma com que os temas foram distribuídos em blocos, ajudando na compreensão do espectador.
First Cow: A Primeira Vaca da América
3.8 131 Assista AgoraA relação complexa entre os homens, e sua conexão com a natureza.
Somos imergidos nesse universo e acompanhamos a vida de Cookie, sua relação sensível com a vegetação, e com o ambiente hostil que o cerca - tanto pelos homens violentos, tanto por lobos.
A sensibilidade de Cookie é visível, e destoa de seus semelhantes; o protagonista - que está sempre se mudando - parece estar constantemente numa fuga implícita daquele ambiente, indo na contramão dos homens que visam ascender naquele contexto social. Mas, é claro, ninguém é imune a psicopatia alheia, e, num dado momento, a violência vem de encontro ao fugitivo.
Kelly Reichardt parece buscar um "hiper" naturalismo; ela nem sequer chega a fazer um movimento de câmera, optando por planos rigorosamente estáticos. Desde um homem caminhando em meio a mata, uma simples ordenha, ou um personagem que prova um bolinho, todas essas ações simples são valorizadas pela excelente captação de som, que, além de nos fazer contemplar essas ações, também fará a conexão homem-natureza - conexão essa que, passa pelo encanto inicial; estabelece uma relação de fuga; e, no final, será uma armadilha; porém, a conexão nunca se perde.
Alemanha, Ano Zero
4.3 92As ruínas alemãs; as ruínas sociais; as ruínas da infância.
A dureza permeia a obra: seja na fotografia, que valoriza os prédios destruídos, e as pedras que permeiam o lugar; seja nas atuações que, mesmo teatrais, não conseguem passar um realismo sentimental, ficando sempre na superfície da tentativa; e os vários personagens que entram e saem rapidamente, apenas dando nos uma síntese e uma contextualização daquele espaço, sem nos dar a chance de nos apegarmos a eles. Isso sem falar, é claro, da derradeira cena final, onde Rosselini amarra tudo isso, e deixa o sentimentalismo para nós, espectadores, em frente a uma tela escura.
Durante o filme, pensava em quantos "Alemanha Ano Zero" daria pra fazer no Brasil de 2020...
Ladrões de Bicicleta
4.4 533 Assista AgoraDe Sica pesca seu protagonista em meio a multidão, lhe dá uma bicicleta, e, graças ao tom profético do titulo - o melhor uso de titulo que já vi -, nos deixa em tensão constante pelo futuro prenunciado.
A forma como o diretor trabalhou o suspense implícita e explicitamente - o primeiro, na sequência em que Antonio vai buscar Maria na vidente e deixa sua bicicleta sob a vigia de desconhecidos. Quando volta, a descida da escada angústia o espectador que teme o possível roubo da bicicleta (efeito dado pelo titulo do filme), e, sabendo disso, De Sica, sem qualquer uso dos elementos sonoros para nos alardear, faz um leve movimento de câmera, abre o quadro, e mostra o guidão, o que nos trás um breve momento do alivio. O suspense explicito está, por exemplo, no possível afogamento de Bruno, e no eminente roubo de Antonio -, não é apenas uma aula de narrativa, mas também o retrato da Itália pós guerra, onde suspense e sobrevivência eram sinônimos - bom, pelo menos por uma parte da população; haviam aqueles que ganhavam 1mi por mês e conseguiam fazer uma refeição farta nos restaurantes mais caros.
Ao final, nosso peixe é devolvido ao cardume; devolvido ao mar de inconsistências sociais de sua época.