Da sequência "Cruzeiro e Atlético": o filme trabalha com símbolos fáceis, fáceis e funcionais; o que eu considero como positivo em um pretenso diálogo com uma periferia criada (intelectual e imageticamente) pela TV. Os zooms panorâmicos e os planos fixos criam uma ambiguidade entre uma encenação fictícia, e uma encenação pseudo-documental - neste sentido, a obra não se enquadra em sua totalidade com o atual realismo mineiro.
Foi impactante ver em tela coisas como: o retrato de uma periferia que ascende a classe média alta, mas que apenas veste uma máscara de elite; a força coercitiva que as famílias possuem, e o seu desmembramento; a superação de valores antiquados; e o destino desses novos valores; etc.
Em sua construção desconstrutiva, o filme se sai bem, e fez com que eu chegasse ao final esperando por um desfecho eruptivo. Não rolou. Espero que o telescópio seja um meio para o vislumbre de novos horizontes; de novas utopias.
Espetáculo soturno onde Matt Reeves consegue, com sucesso, equilibrar uma seriedade realista - propriedade do cinema de herói contemporâneo - com uma inverossimilhança fantasiosa - evocado principalmente pelo design de som (essa a protagonista elementar do filme).
Com dois blocos bem definidos, o principal possui uma força de atração maior, enquanto fica nesse jogo implícito de emoções e reações, e no suspense dos conflitos. É um filme que se sai bem nessa sedução do despir, e consegue criar o impacto da instabilidade. Já no segundo bloco… ladeira a baixo. Visualmente me pareceu querer soar como um drama europeu, mas é mais um produto de mercado querendo mimetizar um drama europeu - nesse bloco, a câmera tremida é desastrosa. O implícito dá lugar para o explícito, e, além de haver um abismo entre a atuação de Olivia Colman e Jessie Buckley, os conflitos tentam ser profundos, mas apenas cumprem o objetivo de explicitar o drama vivido pela protagonista do primeiro bloco.
Por coincidência, assisti no mesmo dia da estreia de Jeen-Yuhs; ambas biografias, mas com abordagens diferentes. Me perguntei: "o que torna uma biografia interessante?". Acredito que, entre tantas características, uma que se destaca seja o carisma do(s) objeto(s)-alvo(s). E se Kanye West é, há anos, um dos artistas de maior carisma no mundo, seu doc não poderia entregar menos que isso. Já em King Richard, apesar do desafio ser maior - criar carisma a partir da encenação do real -, o efeito é alcançado com sucesso. Os principais personagens tem suas individualidades bem definidas, e as cenas com o núcleo familiar esbanjam carisma.
Por outro lado, em termos de mise-en-scene, o personagem de Will Smith - que além de atuar, é também o produtor do filme - é o principal objeto cênico em tela; sem ele, não há mais nada para olhar. As cenas sem Richard são rápidas, monótonas, e vazias de impacto - por não funcionarem sem a peça mais profunda e bem trabalhada da obra.
Lembrei-me do dia em que, depois de muita procura, encontrei um grande amigo de infância em uma rede social - amigo esse que não via há anos. Fiz contato por mensagem, me identifiquei, e, para minha surpresa, recebi um "não me lembro de você". O pensamento canônico que me veio foi: "como é possível alguém esquecer um grande amigo?". Duas hipóteses se abriram: ou ele realmente se esqueceu; ou eu faço parte de um passado que ele quer esquecer. Preferi deixar o passado em seu devido lugar - mas François, não.
A nostalgia tem seus lados. Seja para quem busca, como para quem é o objeto de busca. Se as faltarem palavras; se o choque entre os conhecidos-desconhecidos ocorrer; talvez seja porque é hora de criar novas lembranças, novos momentos - como, por exemplo, carregar o amigo alcoólatra até o parto do seu primogênito.
Abordagem árida, cortante, de Chabrol; mas que ainda assim consegue transmitir um quê de sentimentalismo em meio a tanta frieza. Os planos comparativos de crianças e dos personagens adultos, me soaram quase espectrais; como se os pequenos fossem uma assombração nostálgica que acompanha os personagens, atormentando-os.
Na semana anterior à exibição deste filme, havia assistido o último de Clint Eastwood, Cry Macho, e me veio a mente uma possível relação entre essas duas obras. Apesar do filme de Clint não ser um "western puro" (na minha opinião), mas abordar o gênero nas entrelinhas, o filme de Jane Campion é um western em sua totalidade. Qual a relação entre os dois então? Em primeiro lugar, temos a subversão do caráter viril do western - se em Cry Macho, Mike Milo é o reflexo de um homem idoso que aprendeu empiricamente os danos da "fabula do macho"; em Power of the Dog, os danos dessa masculinidade são visíveis e passiveis de serem sentidos (ou absorvidos) pelo espectador. E como isso é construido na narrativa? Pela quebra das expectativas - se em Cry Macho, a única violência praticada por Mike Milo é um soco com o intuito de proteger o garoto que o acompanha; em Power of the Dog, temos uma construção narrativa que em alguns momentos flerta com o thriller, mas que nunca atinge o ápice da violência física, tornando-se muito mais um "thriller-íntimo-psíquico", onde a violência se dá pelo desprezo, pela distância, pelo preconceito, e não será expressa por meio de balas e/ou objetos cortantes. Ainda dentro dessa relação, temos os desfechos abertos: em Cry Macho, toda a construção está na jornada; na relação Mike e Rafa; e quando ambos se separam, cabe a nós imaginar o que se deu aos dois após tanto aprendizado mútuo. Já no filme de Campion, além de nos perguntar sobre o motivo da morte de Phil, podemos criar um motivo metafórico - a morte que se dá pela liberação do macho, após um possível contato mais intimo entre ele e o garoto -; mas também temos a consequência da perda, que é o ganho de vitalidade, a morte da tensão naquele ambiente - expressa pelo último plano do filme.
The Power of the Dog é um filme para ser visto, e ouvido - obviamente todos os filmes devem ser ouvidos, mas aqui, muito dessa construção intimista, dessa construção das tensões, se dará através de um excelente trabalho de som. Um filme que de certo desagradará aos "machos" que querem projetar seus anseios e vontades numa persona cinematográfica, mas que fará refletir àqueles que estejam abertos a pensar o ontem, o hoje e o amanhã.
Para além do Road Movie, é prazeroso assistir o Clint trabalhar com códigos visuais do Western e subverte-los - nos vastos planos gerais, os cavalos de carne e osso são substituídos pelos "cavalos mecânicos"; o saloon, lugar onde as intrigas se iniciam ou se intensificam, se transmuta na morada do amor.
Outro ponto de destaque são as quebras de expectativas durante na narrativa. Desde o fato de ser um filme de cowboy que preza pela quebra do "Macho Man"; passando por momentos de conflito que nunca chegam no ápice da violência gratuita; até uma resolução que não busca uma fechamento compensatório, mas encerra o prazer pela jornada.
O filme me ganhou até o momento em que a plataforma é concluída. O dispêndio de energia e criatividade em prol de um projeto radical, deu não só uma profundidade ao protagonista e aos coadjuvantes, mas também imprimiu na narrativa um ritmo bem leve, além de dar ao espectador um fio de história interessante de se acompanhar.
A partir do momento que há um conflito por conta do local, para mim tornou-se desinteressante. O embate passa a ser unicamente vocal, burocrático, e tanto personagens, quanto o local, perdem o impacto da primeira parte.
O meu primeiro Sorrentino. Gostei de como ele aborda a irreverência e a excentricidade dos personagens, e sua cinematografia demonstra o seu carinho pelo passado e o amor por Nápoles. Mesmo quando há uma quebra da irreverência, o filme não cai num clima absolutamente soturno, caminhando seguramente pela tragicomédia.
A ressurreição de Matrix: da sátira metalinguística ao espetáculo.
Nas linhas cômicas, o roteiro é afiado - embora, no início, eu tenha tido um certo desconforto com o rumo do filme - e subverte a seriedade característica da franquia; e ajuda na diferenciação com o primeiro filme - que, aqui, é quase mimetizado. Já em suas ações, não temos mais um experimentalismo mecânico de outrora - movimentos de câmera -, nem sequer um experimentalismo de efeitos visuais. O corpo criativo de "Matrix 4" aceita o seu lugar na história e concebe um filme seguro, paródico, nostálgico, cuja a inquietude não se dá por inovações - muito pelo contrário, eles se aproveitam da evolução de suas inovações -, mas sim, pelas características herméticas dos diálogos e dos conceitos.
Depois de quase dois anos retorno à uma sala de cinema e, seria logo na exibição de um dos filmes mais aguardados por mim este ano. Gosto do Villeneuve, e gostei muito do seu Blade Runner, uma obra em que ele se apropria dos elementos visuais e sonoros do clássico de Ridley Scott e "atualiza" com sua visão. Já em Duna, a situação é diferente. A obra literária é um colosso, tida por muitos como a maior obra sci-fi da história, o que demanda muita responsabilidade na adaptação e, principalmente, na transferência para uma outra mídia. No cinema, duas obras fracassaram ao tentar uma adaptação: a versão de Jodorowsky, que morreu na pré-produção; e a versão de David Lynch, obra de grande orçamento que é tida como trash. Vindo de duas obras de ficção científica que se destacaram na década (A Chegada e Blade Runner 2049), Villeneuve era um nome bastante óbvio para assumir o projeto - e como deixei explícito anteriormente, sua escolha me animou. Mas… paremos por aí.
Fiquei inquieto praticamente durante toda a sessão de Duna, mas não se tratou de uma inquietação positiva, vinda de um choque com a narrativa, um gozo audiovisual, mas sim, uma inquietação negativa pelo fato de o filme, em vários momentos, parecer querer me expulsar da sala. E por que isso aconteceu? Acredito que pelo fato de Villeneuve estar numa busca constante pela "Grande Imagem" (em escala e estética). Em escala, através da arquitetura, do design, que, isoladamente, seria interessante de ver num catálogo de efeitos visuais. Em estética, na junção da arquitetura com o (péssimo) trabalho de som não-diegético, que o tempo inteiro é usado objetivamente para fins de impor um engrandecimento de um personagem e/ou de um momento - o que em A Chegada e Blade Runner 2049 aconteceu de forma orgânica; o que em Kubrick, por exemplo, acontece de forma orgânica. Em contrapartida, os (raros) melhores momentos para mim foram o de uma imersão total com a ambientação, sem a intromissão de um som externo, e com uma "Grande Imagem" orgânica - as cenas com o Verme (o melhor personagem do filme) talvez sejam os melhores exemplos positivos.
Depois dos fracassos de Jodorowsky e Lynch, pelo menos para mim, Denis Villeneuve, nessa primeira parte, é mais um a integrar o grupo de cineastas que falharam na adaptação de Duna.
Estou vendo pela primeira vez alguns blockbusters clássicos cults, e não dá para ignorar Jaws - um dos meus títulos de filme favoritos -, o clássico setentista de Spielberg.
Claramente dividido em duas partes, apreciei mais a regularidade da primeira - toda a construção do suspense com relação ao "assassino"; e o negacionismo do poder público. Tudo isso amarrado com uma abordagem visual que equilibra momentos de tensão, drama e humor - a sequência das crianças brincando de tubarão, e causando um caos na praia, é o exemplo perfeito.
Na segunda parte, destaca-se o embate dos selvagens. Homem vs Tubarão - Instinto vs Instinto - se digladiam pelo espaço marítimo. Toda a construção até os momentos cruciais da batalha são dignos de sono, pelo fato de que o suspense já não causa mais efeito, fazendo com que o espectador anseie pelo embate.
A estilização máxima da vida mafiosa. Homens comuns, homens do crime, elevados ao patamar de deuses. O arco narrativo dos Corleone estabelece três tipos de machos alpha idolatrados no ocidente: o sábio (Vito); o brucutu (Sonny); e o militar (Michael). Longe de terem a habilidade de tiro de um John Wayne; longe de terem os músculos de um Arnold; longe de dominarem a arte da luta como Bruce Lee; os Corleone se sobressaem no raciocínio estratégico; tratam-se de homens de negócio - e Sonny vai aprender isso da pior maneira possível.
Todo o calor da mise-en-scene sobre esses homens; o figurino que impõe classe; e o seu poder com as palavras, são, para mim, uma armadilha implícita que o filme de Coppola arma para o espectador. O status cult de Godfather, quase 50 anos depois do seu lançamento, se dá devido ao olhar de fascínio que se tem por essa vida inalcançável, fantasiosa, mas que a própria trama trata de revelar, em suas consequências, que o preço a ser pago por essa forma de vida é palpável (humana) - Vito, o sábio, desaba sobre si próprio, como uma estrutura em ruínas; Sonny, o brucutu, não tem um "reinado" duradouro e morre numa armadilha que fugiu aos pensamentos de um dom que não sabia pensar; já Michael… bom, neste filme o seu arco termina na separação de uma vida comum e mais próxima da sensibilidade (Kay); mas, seu arco encerrado no terceiro filme demonstra mais claramente, e de forma menos romântica, que na fantasia mafiosa dos Corleone, toda a ambientação imponente, toda frase de impacto, toda ação violenta, são apenas iscas que vão levar ao impacto do real (no caso de Michael, no fim de sua história, à solidão).
Tarantino encena uma fantasia que permeia a mente de muitas pessoas em algum determinado momento de suas vidas: a vida em Hollywood; a meca do cinema industrial. A trama entrega essa fantasia estereotípica - os personagens principais são atores; numa avenida, uma hippie pedindo carona vira uma performance teatral; e o dublê, é um badass que bate num Bruce Lee inverossímil. Por essas e outras, o espaço cênico-demográfico se torna um palco constante. O excesso de estilização foge do fetiche, pois, dentro dessa fantasia, faz todo sentido o uso do slow motion para dar impacto aos socos do quase super herói, Cliff Booth. Por outro lado, o realismo se amarra à fantasia e aproxima o espectador dessa vida até então inalcançável: a crise profissional de Rick Dalton; a gravidez de Sharon Tate; e a relação de Booth com seu cachorro. Vejam só! Eles são gente como a gente.
Algumas sequências integram muito bem as duas vias: o dublê sobe no telhado para arrumar a antena; uma cena banal, se não fosse pela forma com que ele sobe no telhado: de escada? Não, fazendo parkour. A ida de Tate ao cinema também seria banal se ela não fosse a atriz do filme ao qual foi assistir - quantos de nós já tiveram essa experiência?. E as cenas de carro filmadas em planos aéreos que dão um "olhar" cinematográfico ao simples ato de dirigir. Mas o grande exemplo está no final. Os hippies - os mortais que vão ameaçar a vida dos sonhos - contra nossos heróis hollywoodianos. Vilões e mocinhos estabelecidos, está pronto o confronto. O espaço se transforma em set, e nós vemos esse entrelace do realismo e fantasia se desenrolar como um mini filme - filme dentro do filme. A Booth, cabe o trabalho árduo do dublê; Francesca encarna a scream queen; e Dalton, como protagonista, fica com o grand finale. Um final cinematográfico, para uma vida cinematográfica. Mas, se a decupagem dessa sequência nos dias algo, com os posters de Dalton permeando os planos, fica claro que esta vida tão desejada só é possível dentro das dimensões fílmicas.
As escolhas visuais de Wolfgang Petersen foram determinantes. A princípio, sabemos que vamos acompanhar um grupo de nazistas a bordo de um submarino, o que, logo de cara, já desperta o sentimento de antipatia; porém, a mise-en-scene de Petersen converte o que seria só um documento de batalha naval da Segunda Guerra em um filme humanista sobre a condição humana na Segunda Guerra. E como ele fez isso? Penso que o fator principal seja a redução da ideologia - a suástica praticamente inexiste no filme; a águia nos chapéus tem pouco destaque, já que os planos privilegiam o corpo ou a face dos personagens; e as tentativas de comentários sobre o governo são sempre abafadas e/ou tem um viés de critica ao regime. Essa redução da ideologia e elevação dos sentimentos humanos - angústia, medo, cansaço, heroísmo, amor, saudade e etc. - fazem com que o espectador se perceba íntimo e torcendo pelos soldados nazistas - que aqui, são "reduzidos" a simples homens.
Em uma pretensa tentativa de evitar ser hermético - hermetismo que não existe, já que as imagens são claras e objetivas - ou mal compreendido, Luiz Bolognesi cria uma obra excessivamente contextual e expositiva que, paradoxalmente, tira a liberdade subjetiva do espectador. Dentro desse invólucro de verbalização constante dos acontecimentos, há um visual competente, e que nos dá um respiro criativo nos breves momentos de silêncio e contemplação.
Algo que me incomoda em filmes "informativos" - seja documentário, ficção ou biografia - é que não haja um respiro, ou um tempo de assimilação para o espectador, dentro das possibilidades criativas do cinema. Esse, para mim, é o trunfo da direção de Isabella Gresser: A narrativa não cansa; não é um rolo compressor de informações; o que ajuda a compreender a superfície da filosofia de Byung-Chul Han.
Só a contradição - propriedade da vida - pode abarcar tamanha complexidade retratual.
Marcelo é a nossa porta de entrada para o glamour dos ídolos, e para a teatralidade da vida na alta sociedade. Também é Marcelo que, paradoxalmente, será o contraponto desse lifestyle - sua insatisfação e inquietude é notória.
A narrativa felliniana - que não me agrada em 8 e meio - é executada com êxito. Cada personagem e cada situação nova é uma abertura e expandimento dessa cosmologia de aparências.
Achei positivo a forma como ele equilibra o terror expressivo - as trovoadas aqui são melhor utilizadas do que em Frankenstein -, o terror metafísico - na tela, vemos a sombra da anfitriã aparecendo, tendo contato físico com Margaret e desaparecendo -, e o terror físico - Saul e Morgan. O filme assume esse caráter atmosférico, mas em nenhum momento carrega demais em algum elemento do gênero.
De cara, afirmo que essa sequência me foi mais satisfatória que o filme anterior - o grande clássico de 1931.
A Noiva de Frankenstein, assume o caráter fictício logo no início - a obra é fruto da imaginação de Mary Shelley - o que o diferencia de uma possível naturalidade (e realismo?) que o filme anterior buscou; aqui, Frankenstein apenas é. A trilha sonora desenha o monstro, aumentando o impacto de suas aparições. E a sua humanização, contraditoriamente, me pareceu mais natural neste filme, além de ter dado uma maior profundidade ao personagem.
A subtrama da noiva, apesar de parecer uma desculpa para requentar a mesma história, me surpreendeu pela condução da narrativa; e o amadurecimento de James Whale no cinema sonoro, que nos deu um final impactante e que rompe com as expectativas românticas de um pretenso casal.
Assim como em Drácula, de Tod Browning, Frankenstein se apoia totalmente nas aparições do monstro, fazendo com que as subtramas fiquem vazias. O tom romântico permeia a obra, sendo Frankenstein, o agente de ruptura. Da encenação à decupagem, tudo soa frívolo e cafona; e há ainda as espertinhas inserções de caveiras e raios, artifícios de mise-en-scene forçados.
Sem dúvida a melhor sequência é a de Frankenstein e a garotinha. O romantismo do espaço e o monstro que o destrói. A sequência se dilui facilmente, sem truncagem, e temos um dos momentos mais belos e tristes da história do cinema.
Lembro-me da primeira vez em que vi 2001, há alguns anos atrás, e da frase que me veio à mente logo após o filme se encerrar: "Provavelmente eu nunca irei ao espaço, mas 2001 me levou até lá por alguns minutos". Hoje, um dia de Abril de 2021, resolvo escrever depois de mais uma (de várias) revisão da obra de Stanley Kubrick. Uma dúvida vem à minha mente: Por que um filme sobre o futuro feito nos anos 60 ainda causa tamanho impacto? Vivemos na era da internet; do streaming; do air fryer; e dos smartphones - hoje eu consigo comer assistindo ao noticiário na pequena tela do meu celular -; temos foguetes sendo lançados toda semana; tivemos recentemente o primeiro vôo controlado em Marte. Sendo assim, o que um filme de mais de 50 anos ainda tem para nos mostrar? Tenho três pontos:
O osso arremessado ao ar é substituído por uma bomba em órbita; o maior salto temporal do cinema nos mostra onde estamos; somos agora, mais do que já éramos, animais estelares. Kubrick e Clarke alargam essa visão: Dr. Floyd conversa com a filha por video chamada em meio ao vazio do cosmos; o mesmo Floyd come um sanduíche enquanto se desloca na Lua - a elevação do banal -; a máquina-homem Hal 9000 - que ainda é uma realidade distante para nós em termos de IA - confronta seus semelhantes, e é morto pelo homem-máquina, Dave; Júpiter é o ponto de partida para o portal que levará Dave ao cativeiro montado por uma raça inteligente e superior aos terráqueos sapiens. Essas são algumas escolhas narrativas que não só impactam, mas causam esse valor de revisão, essa busca incessante do espectador por contemplar uma experiência que, embora esteja familiarizado em algumas questões, provavelmente nunca viverá - pelo menos não em 2021. Só nos resta o encanto.
O macaco acorda e se depara com o monólito; sobe a trilha de Ligeti; os macacos, assustados e nervosos, tocam e pulam em volta do objeto. Passam-se anos, o homem vai à Lua e desenterra o monólito; espanto e curiosidade; o toque precede a fotografia; então, um ruído vem para tirar não só aqueles homens, mas também nós, espectadores, da zona de conforto com relação a aparição. O ruído leva Dave ao portal estelar; uma viagem pelo profundo desconhecido - nem mesmo os seus superiores sabiam o que seria encontrado lá -; cores e supernovas guiam o nosso herói e os nossos sentidos. Ficam as dúvidas: seria o monólito um deus? É possível que haja vida extraterrestre interferindo em nossa vida? E o que é aquele bebê no final? Uma sonda? Jesus? Um alerta? Ficam as dúvidas... O mistério construído em 2001 pode ser respondido por fãs de "finais explicados"; conspiradores; ou, podem apenas ficar no campo sensorial e deixar que se assuma como mistério.
Ambos os argumentos anteriores poderiam servir para analisar a obra literária de Clarke, mas como se trata de cinema, temos que amarrá-los com as propriedades visuais e sonoras.
"Eu quero fazer a primeira ficção científica que não seja considerada um lixo" - Stanley Kubrick.
O gênero sci-fi no cinema era composto por filmes de "homenzinhos verdes", cujas narrativas beiravam a satira. Kubrick deu a 2001 um realismo que, diferente dos sci-fis anteriores a ele que causavam distanciamento, aproximou o espectador e deu a ele o poder de se reconhecer em tela. Esse realismo se inicia nos primeiros planos gerais da savana africana, e chega a assombrosa maquiagem dos falsos macacos - hoje sei que são falsos, mas na primeira vez que vi, me perguntei "como fizeram esses macacos atuarem tão bem?". Kubrick brinca com seu realismo e faz um jogo de percepção quando insere dois macacos de verdade entre os atores, embaralhando as cartas. O realismo segue por todo o filme, se chocando com o mistério e com o onírico.
A demonstração do poder criativo dos humanos faz com que, por alguns minutos, o cosmos perca o seu silêncio. Trata-se de Danúbio Azul e o baile das naves. O homem não só ganhou o território de parte do espaço, como também o dominou. No espaço fílmico, o vislumbre dos detalhes, das dimensões, e da complexidade de locomoção dos meios de transporte mais ambiciosos já criados.
No campo do som, além da música que irrompe o silêncio sepulcral, o próprio silêncio se faz presente sufocando o possível grito de pavor de Frank, jogado no vazio por Hal. A respiração pesada de Dave dá o tom de sua condição, e a fragilidade de sua empreitada - em dado momento, o que o separa da morte é seu traje.
O onirismo, parte importante do grand finale, extrapola com as possibilidades técnicas - foi necessário a criação de um maquinário para produzir as luzes do portal. O ápice da viagem; o espetáculo visual vivido por Dave e por nós, não só é a quebra da limitação narrativa - consegue imaginar uma sequência como essa sendo realizada na indústria atualmente? -, como também é a quebra do limite em si mesmo, do limite daquilo que imaginamos.
A palavra que melhor resume 2001, é estímulo. Cada som; cada cor; cada botão nos painéis; cada peça de vestuário; cada gesto - ou falta de -; cada detalhe das naves; tudo está ali para estimular profundamente a área criativa do cérebro humano. Trata-se de uma obra de arte no sentido mais bruto da definição. 2001 é o próprio monólito que vem expandir as percepções humanas sobre o universo que o cerca; sobre o espaço que os suspende - talvez os 5 minutos de tela preta no início seja um indício consciente disso. No desfecho, Dolly In na direção do monólito e saltamos ao lado do bebê estelar, que se vira e nos encara como se quisesse nos perguntar: E agora? O que você vai fazer de agora em diante depois de tal experiência?
O preto e branco, o figurino e as poses, usados para efeito de glamour, são contrastados pelos conflitos do casal. Esse jogo de antíteses, num primeiro momento interessante, torna-se banal ao longo da trama, pois não há uma ruptura em si mesmo. O filme assume esse caráter de "comercial da Calvin Klein (sqn)" e o leva até o fim, fazendo diluir o efeito formal, restando apenas a apreciação do texto - por sinal, ponto alto do filme.
Me incomodou também o uso excessivo de desfoque no cenário. Nesse caso particular, o espaço poderia ser melhor utilizado.
Com um equilíbrio narrativo satisfatório, Fusi (título original) consegue se manter afastado dos extremos (pena ou euforia), deixando o julgamento para os habitantes daquele espaço, e para a reflexão do espectador.
A amplitude de sentimentos é invocada pelas situações vividas pelo protagonista, mas também em como ele reage a elas - quantos de nós cuidariam de uma desconhecida garota deprimida? Quantos de nós teríamos consertado o motor do carro do nosso bully?. As ações desconsertantes de Fusi, aliado a sua (quase nula) expressividade; junto a mise en scene que, apesar de ilustrar sua limitação (a casa está pequena para ele), por outro lado, mostra que ele vive com prazer apesar das limitações (o seu campo de batalha dentro da mesma casa; sua paixão). No fim, cabe a nós aceitarmos Fusi como ele é. No final da viagem, há uma grande probabilidade de sua vida continuar a mesma - e tudo bem.
Marte Um
4.1 297 Assista AgoraDa sequência "Cruzeiro e Atlético": o filme trabalha com símbolos fáceis, fáceis e funcionais; o que eu considero como positivo em um pretenso diálogo com uma periferia criada (intelectual e imageticamente) pela TV. Os zooms panorâmicos e os planos fixos criam uma ambiguidade entre uma encenação fictícia, e uma encenação pseudo-documental - neste sentido, a obra não se enquadra em sua totalidade com o atual realismo mineiro.
Foi impactante ver em tela coisas como: o retrato de uma periferia que ascende a classe média alta, mas que apenas veste uma máscara de elite; a força coercitiva que as famílias possuem, e o seu desmembramento; a superação de valores antiquados; e o destino desses novos valores; etc.
Em sua construção desconstrutiva, o filme se sai bem, e fez com que eu chegasse ao final esperando por um desfecho eruptivo. Não rolou.
Espero que o telescópio seja um meio para o vislumbre de novos horizontes; de novas utopias.
Batman
4.0 1,9K Assista AgoraEspetáculo soturno onde Matt Reeves consegue, com sucesso, equilibrar uma seriedade realista - propriedade do cinema de herói contemporâneo - com uma inverossimilhança fantasiosa - evocado principalmente pelo design de som (essa a protagonista elementar do filme).
A Filha Perdida
3.6 573Com dois blocos bem definidos, o principal possui uma força de atração maior, enquanto fica nesse jogo implícito de emoções e reações, e no suspense dos conflitos. É um filme que se sai bem nessa sedução do despir, e consegue criar o impacto da instabilidade.
Já no segundo bloco… ladeira a baixo. Visualmente me pareceu querer soar como um drama europeu, mas é mais um produto de mercado querendo mimetizar um drama europeu - nesse bloco, a câmera tremida é desastrosa. O implícito dá lugar para o explícito, e, além de haver um abismo entre a atuação de Olivia Colman e Jessie Buckley, os conflitos tentam ser profundos, mas apenas cumprem o objetivo de explicitar o drama vivido pela protagonista do primeiro bloco.
King Richard: Criando Campeãs
3.8 408Por coincidência, assisti no mesmo dia da estreia de Jeen-Yuhs; ambas biografias, mas com abordagens diferentes. Me perguntei: "o que torna uma biografia interessante?". Acredito que, entre tantas características, uma que se destaca seja o carisma do(s) objeto(s)-alvo(s). E se Kanye West é, há anos, um dos artistas de maior carisma no mundo, seu doc não poderia entregar menos que isso. Já em King Richard, apesar do desafio ser maior - criar carisma a partir da encenação do real -, o efeito é alcançado com sucesso. Os principais personagens tem suas individualidades bem definidas, e as cenas com o núcleo familiar esbanjam carisma.
Por outro lado, em termos de mise-en-scene, o personagem de Will Smith - que além de atuar, é também o produtor do filme - é o principal objeto cênico em tela; sem ele, não há mais nada para olhar. As cenas sem Richard são rápidas, monótonas, e vazias de impacto - por não funcionarem sem a peça mais profunda e bem trabalhada da obra.
Nas Garras do Vício
3.9 28Lembrei-me do dia em que, depois de muita procura, encontrei um grande amigo de infância em uma rede social - amigo esse que não via há anos. Fiz contato por mensagem, me identifiquei, e, para minha surpresa, recebi um "não me lembro de você". O pensamento canônico que me veio foi: "como é possível alguém esquecer um grande amigo?". Duas hipóteses se abriram: ou ele realmente se esqueceu; ou eu faço parte de um passado que ele quer esquecer. Preferi deixar o passado em seu devido lugar - mas François, não.
A nostalgia tem seus lados. Seja para quem busca, como para quem é o objeto de busca. Se as faltarem palavras; se o choque entre os conhecidos-desconhecidos ocorrer; talvez seja porque é hora de criar novas lembranças, novos momentos - como, por exemplo, carregar o amigo alcoólatra até o parto do seu primogênito.
Abordagem árida, cortante, de Chabrol; mas que ainda assim consegue transmitir um quê de sentimentalismo em meio a tanta frieza.
Os planos comparativos de crianças e dos personagens adultos, me soaram quase espectrais; como se os pequenos fossem uma assombração nostálgica que acompanha os personagens, atormentando-os.
Ataque dos Cães
3.7 932The Power of the Dog e Cry Macho - subversão e modernidade temática em dois westerns de 2021.
Na semana anterior à exibição deste filme, havia assistido o último de Clint Eastwood, Cry Macho, e me veio a mente uma possível relação entre essas duas obras. Apesar do filme de Clint não ser um "western puro" (na minha opinião), mas abordar o gênero nas entrelinhas, o filme de Jane Campion é um western em sua totalidade. Qual a relação entre os dois então? Em primeiro lugar, temos a subversão do caráter viril do western - se em Cry Macho, Mike Milo é o reflexo de um homem idoso que aprendeu empiricamente os danos da "fabula do macho"; em Power of the Dog, os danos dessa masculinidade são visíveis e passiveis de serem sentidos (ou absorvidos) pelo espectador. E como isso é construido na narrativa? Pela quebra das expectativas - se em Cry Macho, a única violência praticada por Mike Milo é um soco com o intuito de proteger o garoto que o acompanha; em Power of the Dog, temos uma construção narrativa que em alguns momentos flerta com o thriller, mas que nunca atinge o ápice da violência física, tornando-se muito mais um "thriller-íntimo-psíquico", onde a violência se dá pelo desprezo, pela distância, pelo preconceito, e não será expressa por meio de balas e/ou objetos cortantes. Ainda dentro dessa relação, temos os desfechos abertos: em Cry Macho, toda a construção está na jornada; na relação Mike e Rafa; e quando ambos se separam, cabe a nós imaginar o que se deu aos dois após tanto aprendizado mútuo. Já no filme de Campion, além de nos perguntar sobre o motivo da morte de Phil, podemos criar um motivo metafórico - a morte que se dá pela liberação do macho, após um possível contato mais intimo entre ele e o garoto -; mas também temos a consequência da perda, que é o ganho de vitalidade, a morte da tensão naquele ambiente - expressa pelo último plano do filme.
The Power of the Dog é um filme para ser visto, e ouvido - obviamente todos os filmes devem ser ouvidos, mas aqui, muito dessa construção intimista, dessa construção das tensões, se dará através de um excelente trabalho de som.
Um filme que de certo desagradará aos "machos" que querem projetar seus anseios e vontades numa persona cinematográfica, mas que fará refletir àqueles que estejam abertos a pensar o ontem, o hoje e o amanhã.
Cry Macho: O Caminho para Redenção
3.0 178 Assista AgoraDois pontos:
Para além do Road Movie, é prazeroso assistir o Clint trabalhar com códigos visuais do Western e subverte-los - nos vastos planos gerais, os cavalos de carne e osso são substituídos pelos "cavalos mecânicos"; o saloon, lugar onde as intrigas se iniciam ou se intensificam, se transmuta na morada do amor.
Outro ponto de destaque são as quebras de expectativas durante na narrativa. Desde o fato de ser um filme de cowboy que preza pela quebra do "Macho Man"; passando por momentos de conflito que nunca chegam no ápice da violência gratuita; até uma resolução que não busca uma fechamento compensatório, mas encerra o prazer pela jornada.
A Incrível História da Ilha das Rosas
3.6 129 Assista AgoraO filme me ganhou até o momento em que a plataforma é concluída. O dispêndio de energia e criatividade em prol de um projeto radical, deu não só uma profundidade ao protagonista e aos coadjuvantes, mas também imprimiu na narrativa um ritmo bem leve, além de dar ao espectador um fio de história interessante de se acompanhar.
A partir do momento que há um conflito por conta do local, para mim tornou-se desinteressante. O embate passa a ser unicamente vocal, burocrático, e tanto personagens, quanto o local, perdem o impacto da primeira parte.
A Mão de Deus
3.6 190O meu primeiro Sorrentino.
Gostei de como ele aborda a irreverência e a excentricidade dos personagens, e sua cinematografia demonstra o seu carinho pelo passado e o amor por Nápoles.
Mesmo quando há uma quebra da irreverência, o filme não cai num clima absolutamente soturno, caminhando seguramente pela tragicomédia.
Matrix Resurrections
2.8 1,3K Assista AgoraA ressurreição de Matrix: da sátira metalinguística ao espetáculo.
Nas linhas cômicas, o roteiro é afiado - embora, no início, eu tenha tido um certo desconforto com o rumo do filme - e subverte a seriedade característica da franquia; e ajuda na diferenciação com o primeiro filme - que, aqui, é quase mimetizado.
Já em suas ações, não temos mais um experimentalismo mecânico de outrora - movimentos de câmera -, nem sequer um experimentalismo de efeitos visuais. O corpo criativo de "Matrix 4" aceita o seu lugar na história e concebe um filme seguro, paródico, nostálgico, cuja a inquietude não se dá por inovações - muito pelo contrário, eles se aproveitam da evolução de suas inovações -, mas sim, pelas características herméticas dos diálogos e dos conceitos.
Duna: Parte 1
3.8 1,6K Assista AgoraDuna e o problema da "Grande Imagem".
Depois de quase dois anos retorno à uma sala de cinema e, seria logo na exibição de um dos filmes mais aguardados por mim este ano. Gosto do Villeneuve, e gostei muito do seu Blade Runner, uma obra em que ele se apropria dos elementos visuais e sonoros do clássico de Ridley Scott e "atualiza" com sua visão.
Já em Duna, a situação é diferente. A obra literária é um colosso, tida por muitos como a maior obra sci-fi da história, o que demanda muita responsabilidade na adaptação e, principalmente, na transferência para uma outra mídia. No cinema, duas obras fracassaram ao tentar uma adaptação: a versão de Jodorowsky, que morreu na pré-produção; e a versão de David Lynch, obra de grande orçamento que é tida como trash.
Vindo de duas obras de ficção científica que se destacaram na década (A Chegada e Blade Runner 2049), Villeneuve era um nome bastante óbvio para assumir o projeto - e como deixei explícito anteriormente, sua escolha me animou. Mas… paremos por aí.
Fiquei inquieto praticamente durante toda a sessão de Duna, mas não se tratou de uma inquietação positiva, vinda de um choque com a narrativa, um gozo audiovisual, mas sim, uma inquietação negativa pelo fato de o filme, em vários momentos, parecer querer me expulsar da sala. E por que isso aconteceu? Acredito que pelo fato de Villeneuve estar numa busca constante pela "Grande Imagem" (em escala e estética). Em escala, através da arquitetura, do design, que, isoladamente, seria interessante de ver num catálogo de efeitos visuais. Em estética, na junção da arquitetura com o (péssimo) trabalho de som não-diegético, que o tempo inteiro é usado objetivamente para fins de impor um engrandecimento de um personagem e/ou de um momento - o que em A Chegada e Blade Runner 2049 aconteceu de forma orgânica; o que em Kubrick, por exemplo, acontece de forma orgânica.
Em contrapartida, os (raros) melhores momentos para mim foram o de uma imersão total com a ambientação, sem a intromissão de um som externo, e com uma "Grande Imagem" orgânica - as cenas com o Verme (o melhor personagem do filme) talvez sejam os melhores exemplos positivos.
Depois dos fracassos de Jodorowsky e Lynch, pelo menos para mim, Denis Villeneuve, nessa primeira parte, é mais um a integrar o grupo de cineastas que falharam na adaptação de Duna.
Tubarão
3.7 1,2K Assista AgoraEstou vendo pela primeira vez alguns blockbusters clássicos cults, e não dá para ignorar Jaws - um dos meus títulos de filme favoritos -, o clássico setentista de Spielberg.
Claramente dividido em duas partes, apreciei mais a regularidade da primeira - toda a construção do suspense com relação ao "assassino"; e o negacionismo do poder público. Tudo isso amarrado com uma abordagem visual que equilibra momentos de tensão, drama e humor - a sequência das crianças brincando de tubarão, e causando um caos na praia, é o exemplo perfeito.
Na segunda parte, destaca-se o embate dos selvagens. Homem vs Tubarão - Instinto vs Instinto - se digladiam pelo espaço marítimo. Toda a construção até os momentos cruciais da batalha são dignos de sono, pelo fato de que o suspense já não causa mais efeito, fazendo com que o espectador anseie pelo embate.
O Poderoso Chefão
4.7 2,9K Assista AgoraA armadilha máscula - ou, a fantasia e o real em Godfather.
(Com spoiler do terceiro filme)
A estilização máxima da vida mafiosa. Homens comuns, homens do crime, elevados ao patamar de deuses.
O arco narrativo dos Corleone estabelece três tipos de machos alpha idolatrados no ocidente: o sábio (Vito); o brucutu (Sonny); e o militar (Michael). Longe de terem a habilidade de tiro de um John Wayne; longe de terem os músculos de um Arnold; longe de dominarem a arte da luta como Bruce Lee; os Corleone se sobressaem no raciocínio estratégico; tratam-se de homens de negócio - e Sonny vai aprender isso da pior maneira possível.
Todo o calor da mise-en-scene sobre esses homens; o figurino que impõe classe; e o seu poder com as palavras, são, para mim, uma armadilha implícita que o filme de Coppola arma para o espectador. O status cult de Godfather, quase 50 anos depois do seu lançamento, se dá devido ao olhar de fascínio que se tem por essa vida inalcançável, fantasiosa, mas que a própria trama trata de revelar, em suas consequências, que o preço a ser pago por essa forma de vida é palpável (humana) - Vito, o sábio, desaba sobre si próprio, como uma estrutura em ruínas; Sonny, o brucutu, não tem um "reinado" duradouro e morre numa armadilha que fugiu aos pensamentos de um dom que não sabia pensar; já Michael… bom, neste filme o seu arco termina na separação de uma vida comum e mais próxima da sensibilidade (Kay); mas, seu arco encerrado no terceiro filme demonstra mais claramente, e de forma menos romântica, que na fantasia mafiosa dos Corleone, toda a ambientação imponente, toda frase de impacto, toda ação violenta, são apenas iscas que vão levar ao impacto do real (no caso de Michael, no fim de sua história, à solidão).
Era Uma Vez em... Hollywood
3.8 2,3K Assista AgoraA representação do imaginário coletivo.
Tarantino encena uma fantasia que permeia a mente de muitas pessoas em algum determinado momento de suas vidas: a vida em Hollywood; a meca do cinema industrial.
A trama entrega essa fantasia estereotípica - os personagens principais são atores; numa avenida, uma hippie pedindo carona vira uma performance teatral; e o dublê, é um badass que bate num Bruce Lee inverossímil. Por essas e outras, o espaço cênico-demográfico se torna um palco constante.
O excesso de estilização foge do fetiche, pois, dentro dessa fantasia, faz todo sentido o uso do slow motion para dar impacto aos socos do quase super herói, Cliff Booth.
Por outro lado, o realismo se amarra à fantasia e aproxima o espectador dessa vida até então inalcançável: a crise profissional de Rick Dalton; a gravidez de Sharon Tate; e a relação de Booth com seu cachorro. Vejam só! Eles são gente como a gente.
Algumas sequências integram muito bem as duas vias: o dublê sobe no telhado para arrumar a antena; uma cena banal, se não fosse pela forma com que ele sobe no telhado: de escada? Não, fazendo parkour. A ida de Tate ao cinema também seria banal se ela não fosse a atriz do filme ao qual foi assistir - quantos de nós já tiveram essa experiência?. E as cenas de carro filmadas em planos aéreos que dão um "olhar" cinematográfico ao simples ato de dirigir.
Mas o grande exemplo está no final. Os hippies - os mortais que vão ameaçar a vida dos sonhos - contra nossos heróis hollywoodianos. Vilões e mocinhos estabelecidos, está pronto o confronto. O espaço se transforma em set, e nós vemos esse entrelace do realismo e fantasia se desenrolar como um mini filme - filme dentro do filme. A Booth, cabe o trabalho árduo do dublê; Francesca encarna a scream queen; e Dalton, como protagonista, fica com o grand finale. Um final cinematográfico, para uma vida cinematográfica. Mas, se a decupagem dessa sequência nos dias algo, com os posters de Dalton permeando os planos, fica claro que esta vida tão desejada só é possível dentro das dimensões fílmicas.
O Barco: Inferno no Mar
4.2 175 Assista AgoraAs escolhas visuais de Wolfgang Petersen foram determinantes. A princípio, sabemos que vamos acompanhar um grupo de nazistas a bordo de um submarino, o que, logo de cara, já desperta o sentimento de antipatia; porém, a mise-en-scene de Petersen converte o que seria só um documento de batalha naval da Segunda Guerra em um filme humanista sobre a condição humana na Segunda Guerra. E como ele fez isso? Penso que o fator principal seja a redução da ideologia - a suástica praticamente inexiste no filme; a águia nos chapéus tem pouco destaque, já que os planos privilegiam o corpo ou a face dos personagens; e as tentativas de comentários sobre o governo são sempre abafadas e/ou tem um viés de critica ao regime. Essa redução da ideologia e elevação dos sentimentos humanos - angústia, medo, cansaço, heroísmo, amor, saudade e etc. - fazem com que o espectador se perceba íntimo e torcendo pelos soldados nazistas - que aqui, são "reduzidos" a simples homens.
Uma História de Amor e Fúria
4.0 657Em uma pretensa tentativa de evitar ser hermético - hermetismo que não existe, já que as imagens são claras e objetivas - ou mal compreendido, Luiz Bolognesi cria uma obra excessivamente contextual e expositiva que, paradoxalmente, tira a liberdade subjetiva do espectador. Dentro desse invólucro de verbalização constante dos acontecimentos, há um visual competente, e que nos dá um respiro criativo nos breves momentos de silêncio e contemplação.
Sociedade do Cansaço
4.1 6Algo que me incomoda em filmes "informativos" - seja documentário, ficção ou biografia - é que não haja um respiro, ou um tempo de assimilação para o espectador, dentro das possibilidades criativas do cinema. Esse, para mim, é o trunfo da direção de Isabella Gresser: A narrativa não cansa; não é um rolo compressor de informações; o que ajuda a compreender a superfície da filosofia de Byung-Chul Han.
A Doce Vida
4.2 316 Assista AgoraSó a contradição - propriedade da vida - pode abarcar tamanha complexidade retratual.
Marcelo é a nossa porta de entrada para o glamour dos ídolos, e para a teatralidade da vida na alta sociedade. Também é Marcelo que, paradoxalmente, será o contraponto desse lifestyle - sua insatisfação e inquietude é notória.
A narrativa felliniana - que não me agrada em 8 e meio - é executada com êxito. Cada personagem e cada situação nova é uma abertura e expandimento dessa cosmologia de aparências.
A Casa Sinistra
3.4 43Até agora foi o filme do Whale que mais gostei.
Achei positivo a forma como ele equilibra o terror expressivo - as trovoadas aqui são melhor utilizadas do que em Frankenstein -, o terror metafísico - na tela, vemos a sombra da anfitriã aparecendo, tendo contato físico com Margaret e desaparecendo -, e o terror físico - Saul e Morgan. O filme assume esse caráter atmosférico, mas em nenhum momento carrega demais em algum elemento do gênero.
A Noiva de Frankenstein
3.9 146De cara, afirmo que essa sequência me foi mais satisfatória que o filme anterior - o grande clássico de 1931.
A Noiva de Frankenstein, assume o caráter fictício logo no início - a obra é fruto da imaginação de Mary Shelley - o que o diferencia de uma possível naturalidade (e realismo?) que o filme anterior buscou; aqui, Frankenstein apenas é. A trilha sonora desenha o monstro, aumentando o impacto de suas aparições. E a sua humanização, contraditoriamente, me pareceu mais natural neste filme, além de ter dado uma maior profundidade ao personagem.
A subtrama da noiva, apesar de parecer uma desculpa para requentar a mesma história, me surpreendeu pela condução da narrativa; e o amadurecimento de James Whale no cinema sonoro, que nos deu um final impactante e que rompe com as expectativas românticas de um pretenso casal.
Frankenstein
4.0 284 Assista AgoraAssim como em Drácula, de Tod Browning, Frankenstein se apoia totalmente nas aparições do monstro, fazendo com que as subtramas fiquem vazias. O tom romântico permeia a obra, sendo Frankenstein, o agente de ruptura. Da encenação à decupagem, tudo soa frívolo e cafona; e há ainda as espertinhas inserções de caveiras e raios, artifícios de mise-en-scene forçados.
Sem dúvida a melhor sequência é a de Frankenstein e a garotinha. O romantismo do espaço e o monstro que o destrói. A sequência se dilui facilmente, sem truncagem, e temos um dos momentos mais belos e tristes da história do cinema.
2001: Uma Odisseia no Espaço
4.2 2,4K Assista AgoraO estimulante 2001
Lembro-me da primeira vez em que vi 2001, há alguns anos atrás, e da frase que me veio à mente logo após o filme se encerrar: "Provavelmente eu nunca irei ao espaço, mas 2001 me levou até lá por alguns minutos". Hoje, um dia de Abril de 2021, resolvo escrever depois de mais uma (de várias) revisão da obra de Stanley Kubrick. Uma dúvida vem à minha mente: Por que um filme sobre o futuro feito nos anos 60 ainda causa tamanho impacto? Vivemos na era da internet; do streaming; do air fryer; e dos smartphones - hoje eu consigo comer assistindo ao noticiário na pequena tela do meu celular -; temos foguetes sendo lançados toda semana; tivemos recentemente o primeiro vôo controlado em Marte. Sendo assim, o que um filme de mais de 50 anos ainda tem para nos mostrar?
Tenho três pontos:
1) As possibilidades humanas levadas ao extremo:
O osso arremessado ao ar é substituído por uma bomba em órbita; o maior salto temporal do cinema nos mostra onde estamos; somos agora, mais do que já éramos, animais estelares. Kubrick e Clarke alargam essa visão: Dr. Floyd conversa com a filha por video chamada em meio ao vazio do cosmos; o mesmo Floyd come um sanduíche enquanto se desloca na Lua - a elevação do banal -; a máquina-homem Hal 9000 - que ainda é uma realidade distante para nós em termos de IA - confronta seus semelhantes, e é morto pelo homem-máquina, Dave; Júpiter é o ponto de partida para o portal que levará Dave ao cativeiro montado por uma raça inteligente e superior aos terráqueos sapiens. Essas são algumas escolhas narrativas que não só impactam, mas causam esse valor de revisão, essa busca incessante do espectador por contemplar uma experiência que, embora esteja familiarizado em algumas questões, provavelmente nunca viverá - pelo menos não em 2021. Só nos resta o encanto.
2) A divindade e o mistério:
O macaco acorda e se depara com o monólito; sobe a trilha de Ligeti; os macacos, assustados e nervosos, tocam e pulam em volta do objeto. Passam-se anos, o homem vai à Lua e desenterra o monólito; espanto e curiosidade; o toque precede a fotografia; então, um ruído vem para tirar não só aqueles homens, mas também nós, espectadores, da zona de conforto com relação a aparição. O ruído leva Dave ao portal estelar; uma viagem pelo profundo desconhecido - nem mesmo os seus superiores sabiam o que seria encontrado lá -; cores e supernovas guiam o nosso herói e os nossos sentidos.
Ficam as dúvidas: seria o monólito um deus? É possível que haja vida extraterrestre interferindo em nossa vida? E o que é aquele bebê no final? Uma sonda? Jesus? Um alerta?
Ficam as dúvidas...
O mistério construído em 2001 pode ser respondido por fãs de "finais explicados"; conspiradores; ou, podem apenas ficar no campo sensorial e deixar que se assuma como mistério.
3) A plasticidade:
Ambos os argumentos anteriores poderiam servir para analisar a obra literária de Clarke, mas como se trata de cinema, temos que amarrá-los com as propriedades visuais e sonoras.
"Eu quero fazer a primeira ficção científica que não seja considerada um lixo" - Stanley Kubrick.
O gênero sci-fi no cinema era composto por filmes de "homenzinhos verdes", cujas narrativas beiravam a satira. Kubrick deu a 2001 um realismo que, diferente dos sci-fis anteriores a ele que causavam distanciamento, aproximou o espectador e deu a ele o poder de se reconhecer em tela. Esse realismo se inicia nos primeiros planos gerais da savana africana, e chega a assombrosa maquiagem dos falsos macacos - hoje sei que são falsos, mas na primeira vez que vi, me perguntei "como fizeram esses macacos atuarem tão bem?". Kubrick brinca com seu realismo e faz um jogo de percepção quando insere dois macacos de verdade entre os atores, embaralhando as cartas. O realismo segue por todo o filme, se chocando com o mistério e com o onírico.
A demonstração do poder criativo dos humanos faz com que, por alguns minutos, o cosmos perca o seu silêncio. Trata-se de Danúbio Azul e o baile das naves. O homem não só ganhou o território de parte do espaço, como também o dominou. No espaço fílmico, o vislumbre dos detalhes, das dimensões, e da complexidade de locomoção dos meios de transporte mais ambiciosos já criados.
No campo do som, além da música que irrompe o silêncio sepulcral, o próprio silêncio se faz presente sufocando o possível grito de pavor de Frank, jogado no vazio por Hal. A respiração pesada de Dave dá o tom de sua condição, e a fragilidade de sua empreitada - em dado momento, o que o separa da morte é seu traje.
O onirismo, parte importante do grand finale, extrapola com as possibilidades técnicas - foi necessário a criação de um maquinário para produzir as luzes do portal. O ápice da viagem; o espetáculo visual vivido por Dave e por nós, não só é a quebra da limitação narrativa - consegue imaginar uma sequência como essa sendo realizada na indústria atualmente? -, como também é a quebra do limite em si mesmo, do limite daquilo que imaginamos.
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A palavra que melhor resume 2001, é estímulo. Cada som; cada cor; cada botão nos painéis; cada peça de vestuário; cada gesto - ou falta de -; cada detalhe das naves; tudo está ali para estimular profundamente a área criativa do cérebro humano. Trata-se de uma obra de arte no sentido mais bruto da definição. 2001 é o próprio monólito que vem expandir as percepções humanas sobre o universo que o cerca; sobre o espaço que os suspende - talvez os 5 minutos de tela preta no início seja um indício consciente disso.
No desfecho, Dolly In na direção do monólito e saltamos ao lado do bebê estelar, que se vira e nos encara como se quisesse nos perguntar: E agora? O que você vai fazer de agora em diante depois de tal experiência?
Malcolm & Marie
3.5 314 Assista AgoraO preto e branco, o figurino e as poses, usados para efeito de glamour, são contrastados pelos conflitos do casal. Esse jogo de antíteses, num primeiro momento interessante, torna-se banal ao longo da trama, pois não há uma ruptura em si mesmo. O filme assume esse caráter de "comercial da Calvin Klein (sqn)" e o leva até o fim, fazendo diluir o efeito formal, restando apenas a apreciação do texto - por sinal, ponto alto do filme.
Me incomodou também o uso excessivo de desfoque no cenário. Nesse caso particular, o espaço poderia ser melhor utilizado.
Obs: se houvesse um Prêmio Nicolas Cage, John David merecia pela (péssima) sequência berrante após ler a crítica de seu filme.
Desajustados
3.9 119 Assista AgoraCom um equilíbrio narrativo satisfatório, Fusi (título original) consegue se manter afastado dos extremos (pena ou euforia), deixando o julgamento para os habitantes daquele espaço, e para a reflexão do espectador.
A amplitude de sentimentos é invocada pelas situações vividas pelo protagonista, mas também em como ele reage a elas - quantos de nós cuidariam de uma desconhecida garota deprimida? Quantos de nós teríamos consertado o motor do carro do nosso bully?. As ações desconsertantes de Fusi, aliado a sua (quase nula) expressividade; junto a mise en scene que, apesar de ilustrar sua limitação (a casa está pequena para ele), por outro lado, mostra que ele vive com prazer apesar das limitações (o seu campo de batalha dentro da mesma casa; sua paixão).
No fim, cabe a nós aceitarmos Fusi como ele é. No final da viagem, há uma grande probabilidade de sua vida continuar a mesma - e tudo bem.