a coisa vai ladeira abaixo depois da primeira temporada, que é louvável por sua linguagem de cenas longas recheadas de silêncio tenso entrecortado apenas por diálogos fraturados. parece que a queda se deve ao fato de que a greve dos roteiristas acabou, o que diz muito sobre os parâmetros de qualidade da televisão. aqueles personagens toscos, desajeitados e perdidos (isto é, humanos demais) de repente se tornaram oradores exímios e palhaços treinados. isso enquanto tomam cursos de ação cada vez mais sem relação com seu desenvolvimento (o que supostamente seria o carro chefe da série) apenas para efeito dramático ou cômico. o jesse taciturno e focado dos primeiros episódios da temporada teve que voltar, de repente, a ser um idiota impulsivo pela única razão de que ele é um ótimo gerador de problemas e a torrente incessante de eventos narrativos precisa ser mantida para que o expectador 'se prenda', isto é, para que ele esqueça sua vida de tédio e alienação. a serviço disso, até a condução de câmera — que antes tinha espaço pra se deter de repente num detalhe esquecido e, com isso, desmontar a cena (a marca do berço, por exemplo) — virou a velha fórmula de enfatizar informação, cortar rapidamente e fazer bum. para além do sustinho, o que tem a dizer o recurso da última cena do finale, em que jesse, ao atirar em gale, atira na câmera? o caso é que aquela meditação da primeira temporada sobre se ainda são pertinentes as questões éticas em um mundo que perdeu qualquer ideal da comunidade teve que abrir espaço pra piadinhas e cenas de ação. afinal, parece que mais de cinco minutos sem barulho de tiro ou alívio cômico é algo perigoso demais, pode ser que o expectador cometa um esforço ou até uma reflexão.
tá bem, mil plot twists e tal... mas o que efetivamente foi elaborado em cima deles? desenhar uma árvore genealógica circular não é fazer uma boa série. as novelas da globo, com suas tramas familiares tão complicadas quanto, se tornariam grandes "obras-primas" se apenas começassem a citar nietzsche? a trilha sonora melodramática incessante e a linguagem visual cansativa e batida de suspense (a cada três cenas, uma tem a câmera se aproximando lentamente) tentam o máximo possível bombear emoção nos planos da cara do ator, mas isso não pode substituir o desenvolvimento de personagem e a reflexão sobre os acontecimentos a nível do roteiro. e os monólogos em voice over misturando platitudes de todos os misticismos, filosofias e físicas não aprofundam, deixam a coisa ainda mais rasa. não sei como a explicação do mundo vai ser encaminhada nas próximas temporadas, mas até agora foi só o clássico "wibbly wobbly timey whimey". o que eu acho ótimo quando isso é uma maneira de jogar prioridade para as cenas e os momentos particulares, como em twin peaks (em que o 'enigma' é só um dispositivo narrativo, uma desculpa pra explorar imagens realmente desestabilizadoras). mas, em contrapartida, não há um único diálogo memorável, nenhuma imagem cinemática realmente misteriosa e pouquíssimas cenas que se sustentam por si só como ato dramático. parece que a estratégia é aquela velha hollywoodianice, requentada em alemão, de jogar ping pong com a atenção do espectador com cortes incessantes até ele ficar convencido de que é tudo muito difícil e estrondoso, mas na verdade não há muito mais pra ser "compreendido".
é claro que é importante ter mulheres, LGBTs e pessoas não-brancas de destaque em produtos de entretenimento -- e com mais destaque do que a discretíssima troca de olhares da última cena, cuja "ousadia" foi elogiada ao absurdo pela crítica tacanha. no entanto, em "a lenda de korra", é muito claro a serviço de que essa representatividade é acionada: que essa série tenha sido louvada por seu tratamento pretensamente progressista de questões sociais é um sinal claro do reacionarismo latente da dita esquerda liberal e da claustrofobia política do nosso tempo.
enquanto o livro dois têm o mérito de recuperar a linguagem dos mitos de criação e circular no reino do mais abstrato, o terceiro e o quarto descem à "situação concreta" apenas para assegurar que os frágeis limites das formas políticas existentes não serão ultrapassados. enquanto no livro três os principais vilões são precisamente aqueles que se tornaram céticos em relação às figuras de autoridade e à divisão social imposta, se colocando como alternativa aos poderes estabelecidos e por uma igualdade socioeconômica, eles são retratados literalmente como terroristas cujas intenções não podem mais que resultar no caos que somente a democracia liberal pode reestabelecer.
no quarto livro, em que a desordem social é respondida com uma força militar fascista, a situação só pode ser resolvida com 1) uma série de "deus ex machina", que tornam clara a incredulidade da própria série em relação à capacidade da democracia liberal atual de fazer frente ao fascismo e 2) a ajuda do líder da lótus vermelha, que, ainda assim, é instrumentalizado por korra para que rapidamente seja jogado de volta no esquecimento da prisão. aí é o ponto em que o recalcado retorna: korra, que já havia batalhado por sua liberdade abstrata contra vatu, a própria escuridão encarnada, não consegue se livrar de um trauma que não pode senão assolar eternamente a ordem sociopolítica que ela representa: a possibilidade da igualdade real.
p.s.: a cena em que o herdeiro do trono do reino da terra chega à conclusão racional de que um poder monárquico é antiquado e instaura uma república é de fazer um danton ou um marat levantar do sepulcro.
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Breaking Bad (3ª Temporada)
4.6 838a coisa vai ladeira abaixo depois da primeira temporada, que é louvável por sua linguagem de cenas longas recheadas de silêncio tenso entrecortado apenas por diálogos fraturados. parece que a queda se deve ao fato de que a greve dos roteiristas acabou, o que diz muito sobre os parâmetros de qualidade da televisão. aqueles personagens toscos, desajeitados e perdidos (isto é, humanos demais) de repente se tornaram oradores exímios e palhaços treinados. isso enquanto tomam cursos de ação cada vez mais sem relação com seu desenvolvimento (o que supostamente seria o carro chefe da série) apenas para efeito dramático ou cômico. o jesse taciturno e focado dos primeiros episódios da temporada teve que voltar, de repente, a ser um idiota impulsivo pela única razão de que ele é um ótimo gerador de problemas e a torrente incessante de eventos narrativos precisa ser mantida para que o expectador 'se prenda', isto é, para que ele esqueça sua vida de tédio e alienação. a serviço disso, até a condução de câmera — que antes tinha espaço pra se deter de repente num detalhe esquecido e, com isso, desmontar a cena (a marca do berço, por exemplo) — virou a velha fórmula de enfatizar informação, cortar rapidamente e fazer bum. para além do sustinho, o que tem a dizer o recurso da última cena do finale, em que jesse, ao atirar em gale, atira na câmera? o caso é que aquela meditação da primeira temporada sobre se ainda são pertinentes as questões éticas em um mundo que perdeu qualquer ideal da comunidade teve que abrir espaço pra piadinhas e cenas de ação. afinal, parece que mais de cinco minutos sem barulho de tiro ou alívio cômico é algo perigoso demais, pode ser que o expectador cometa um esforço ou até uma reflexão.
Dark (1ª Temporada)
4.4 1,6Ktá bem, mil plot twists e tal... mas o que efetivamente foi elaborado em cima deles? desenhar uma árvore genealógica circular não é fazer uma boa série. as novelas da globo, com suas tramas familiares tão complicadas quanto, se tornariam grandes "obras-primas" se apenas começassem a citar nietzsche? a trilha sonora melodramática incessante e a linguagem visual cansativa e batida de suspense (a cada três cenas, uma tem a câmera se aproximando lentamente) tentam o máximo possível bombear emoção nos planos da cara do ator, mas isso não pode substituir o desenvolvimento de personagem e a reflexão sobre os acontecimentos a nível do roteiro. e os monólogos em voice over misturando platitudes de todos os misticismos, filosofias e físicas não aprofundam, deixam a coisa ainda mais rasa. não sei como a explicação do mundo vai ser encaminhada nas próximas temporadas, mas até agora foi só o clássico "wibbly wobbly timey whimey". o que eu acho ótimo quando isso é uma maneira de jogar prioridade para as cenas e os momentos particulares, como em twin peaks (em que o 'enigma' é só um dispositivo narrativo, uma desculpa pra explorar imagens realmente desestabilizadoras). mas, em contrapartida, não há um único diálogo memorável, nenhuma imagem cinemática realmente misteriosa e pouquíssimas cenas que se sustentam por si só como ato dramático. parece que a estratégia é aquela velha hollywoodianice, requentada em alemão, de jogar ping pong com a atenção do espectador com cortes incessantes até ele ficar convencido de que é tudo muito difícil e estrondoso, mas na verdade não há muito mais pra ser "compreendido".
Avatar: A Lenda de Korra (2ª Temporada)
4.1 214 Assista Agoraé claro que é importante ter mulheres, LGBTs e pessoas não-brancas de destaque em produtos de entretenimento -- e com mais destaque do que a discretíssima troca de olhares da última cena, cuja "ousadia" foi elogiada ao absurdo pela crítica tacanha. no entanto, em "a lenda de korra", é muito claro a serviço de que essa representatividade é acionada: que essa série tenha sido louvada por seu tratamento pretensamente progressista de questões sociais é um sinal claro do reacionarismo latente da dita esquerda liberal e da claustrofobia política do nosso tempo.
enquanto o livro dois têm o mérito de recuperar a linguagem dos mitos de criação e circular no reino do mais abstrato, o terceiro e o quarto descem à "situação concreta" apenas para assegurar que os frágeis limites das formas políticas existentes não serão ultrapassados. enquanto no livro três os principais vilões são precisamente aqueles que se tornaram céticos em relação às figuras de autoridade e à divisão social imposta, se colocando como alternativa aos poderes estabelecidos e por uma igualdade socioeconômica, eles são retratados literalmente como terroristas cujas intenções não podem mais que resultar no caos que somente a democracia liberal pode reestabelecer.
no quarto livro, em que a desordem social é respondida com uma força militar fascista, a situação só pode ser resolvida com 1) uma série de "deus ex machina", que tornam clara a incredulidade da própria série em relação à capacidade da democracia liberal atual de fazer frente ao fascismo e 2) a ajuda do líder da lótus vermelha, que, ainda assim, é instrumentalizado por korra para que rapidamente seja jogado de volta no esquecimento da prisão. aí é o ponto em que o recalcado retorna: korra, que já havia batalhado por sua liberdade abstrata contra vatu, a própria escuridão encarnada, não consegue se livrar de um trauma que não pode senão assolar eternamente a ordem sociopolítica que ela representa: a possibilidade da igualdade real.
p.s.: a cena em que o herdeiro do trono do reino da terra chega à conclusão racional de que um poder monárquico é antiquado e instaura uma república é de fazer um danton ou um marat levantar do sepulcro.