caso raro de um filme que consegue a proeza de ser ruim sob todos os aspectos. a fotografa digital é totalmente inexpressiva e estourada; a trilha sonora brega e incessante é mal mixada e abafa as falas; o que por outro lado pode ser visto como mérito, já que os diálogos são medonhamente mal escritos, forçados, eivados de clichés e de colocações de mal gosto; os personagens são todos desinteressantes e mesquinhos, todas as mulheres são apresentadas como histéricas necessitadas de um homem; os atores são, sem exceção terrivelmente exagerados, menos sutis que os do zorra total; e, claro, o roteiro é infinitamente brega e sem sentido, constituído de uma série de coincidências imbecis que não dizem nada sobre nada além de um vago otimismo que não convence ninguém. listo todos os deméritos não por revolta, mas por fascinação genuína com que um grupo de pessoas consiga levar um troço desses até o final sem ninguém dizer: "putz, será?"
as comédias pastelão americanas estilo adam sandler ainda são um pouco mais críticas e "absurdistas" no que realmente não fazem muito caso de passar uma moral da história ou fingir que ainda existem valores universais. nem mesmo enquanto o filme está fazendo o ponto sobre a vida não ter nenhum sentido pré-determinado ele pode evitar bombardear o espectador com sentido: mil piadinhas imbecis e desrelacionadas, gestos que convidam à identificação com os personagens, o estímulo visual bruto e o final reconciliatório. o caso é que não importa quantas citações de camus, conceitos de ficção científica ou bizarrice visual você atire sobre um plot basicão de conflito familiar sessão da tarde, se esse é o motor do filme, é disso que se trata.
já havia visto o 'trono manchado de sangue' e 'os sete samurais', que eu tinha gostado bastante até. mas nada como a paixão imediata que senti vendo esse obra prima deliciosa a cada segundo. me parece que a questão de kurosawa é o fracasso da visão moral da mundo em apreender as forças que efetivamente determinam os seres humanos a agir. sua leitura de macbeth, a peça mais clássica a tematizar a culpa, não faz outra coisa senão despi-la de tanto sentimentalismo e devolver à questão efetiva: o poder político. mas lá essa transformação se opera fora do filme, é o pressuposto de que o filme se relaciona à peça de shakespeare que faz essa questão emergir. aqui a questão é elaborada dentro do filme, a partir dos recursos formais do cinema narrativo.
para o sacerdote, tudo se passa como se a deformação que os personagens impõem à história fossem mentiras motivadas pelo interesse, pelo amor próprio mesquinho. essa é uma leitura que, se não reconstrói a sequência de fatos que estabilizaria o acontecimento, pelo menos provê uma explicação para o desencontro das narrativas que restaura a unidade do mundo, pois supõe que um observador totalmente desinteressado, que se orientasse apenas pela razão, poderia reconstitui-la. vem de longe esse vínculo entre moral e razão; koselleck mostrou que a resposta dos iluministas à crise social que é a emergência do capitalismo, a moralização da política, não fez senão acelerar a crise. mas o fato é que o auto-interesse dos personagens não é suficiente pra explicar as deformações que eles impõem. o samurai, por exemplo, oculta sua morte desonrosa nas mãos do bandido covarde em interesse próprio, mas escolhe inocentar justamente esse homem que o matou dessa forma para exagerar o desprezo pela mulher. a mulher — cuja versão é a menos baseada em diálogo e narração estável e mais conduzida pela paleta afetiva da situação expressa pelos quadros estonteantes de kurosawa — escolhe dizer que tajomaru simplesmente a deixou depois de estuprá-la ao invés de valorizá-la com sua paixão e escolhe inocentar o marido das palavras duras que teria lançado contra ela e até mesmo em deixar implícito que ela mesma é quem teria o matado. em suma, além do amor-próprio, as deformações se impõem na narração dos personagens porque eles estão engajados na preservação da estabilidade dos papeis sociais pré-estabelecidos. a incapacidade de narrar os acontecimentos procede justamente do colapso da ordem social tradicional, cujo portão de entrada é uma ruina abandonada pelo espírito que ali habitava. o plebeu que escuta a história e que serve, ao longo do filme, como a posição do espectador, é o único que reconhece que a moralização é imprestável para dar conta da situação e sua solução é cínica, o cada um por si do capitalismo tardio, a admissão de que nos interessamos pelas histórias apenas enquanto elas nos entretém de algum modo, abandonando aos padres a questão da verdade. mas o filme ainda segue depois que o cínico nos deixa e o gesto de altruísmo por parte do lenhador, que apesar de cuidar de seis crianças se oferece para cuidar de mais uma, impõe uma releitura sobre seu roubo da adaga. esse gesto puro de amor e reconhecimento não é, na sua origem, o mesmo que o dos narradores, que involuntariamente minimizam os seus ganhos na sua reelaboração da história em favor de restaurar a universalidade humana, ainda que seja essa universalidade defeituosa e rígida da tradição? não é esse mesmo engajamento pré-egoico com a humanidade que se desvia e serve à defesa do pior, mas que, antes de qualquer coisa, rejeita o narcisismo do cada um por si? ao menos isso pôde ser doado à criança — podemos inferir pelo amuleto: o filho do samurai e de sua mulher —, que chega em meio a tal mundo em colapso, partícipe não consentida em histórias das quais ela não tem culpa, mas, de qualquer modo, aquela que será responsável pela insistência da vida e da ideia de humanidade.
é preciso reter a agonia — realmente, a maior que o cronenberg já produziu — e tentar extrair o que corre pelos meandros dessa torrente de perversidade.
em sua primeira cena, o filme estabelece seu cenário, que talvez seja seu verdadeiro protagonista: o condomínio de luxo starliner towers, apresentado por um comercial com todas as características que, desde os anos 60, viemos nos acostumando a atribuir a essas construções cercadas que simulam com securitização a reconstrução artificial de uma comunidade condicionada pela possibilidade de pagar enquanto o resto do mundo é trancado do lado de fora. rapidamente se segue o avesso dessa fantasia de classe média pacata. annabelle, uma garota de 19 anos que mantém relações sexuais com uma série de moradores, é assassinada e dissecada por emil hobbes, um professor de medicina que conduzia experimentos no sentido de superar o transplante de órgãos em favor de parasitas que assumam a função biológica dos órgãos defeituosos. "sex is a veneral disease", dizem os papeis nas paredes de seu escritório. aqui já temos uma imagem cronenbergiana muito bem definida: essa confusão dos limites valorativos entre o que é doença, mal funcionamento do corpo, e o que é uma inovação nos usos do corpo. ouvimos que, na opinião de dr. hobbes, a sociedade tinha se tornado muito tomada pelas convenções e pela intelectualização e esquecido sua base corporal sexual, razão pela qual ele passa a desenvolver um parasita que é "a combination of aphrodisiac and venereal disease that will, hopefully, turn the world into one beautiful mindless orgy". ora, o condomínio não é senão uma metonímia dessa sociedade. thomas hobbes — que também era um chato, mas que também era ótimo em conseguir financiamento para pesquisa — aparentemente trabalhava no sentido simetricamente inverso, do reestabelecimento da ordem. no entanto, seus pressupostos eram os mesmos: a soberania não pode ser objeto de um critério judicativo moral superior, mas, ao contrário, é ela que em primeiro lugar funda os critérios judicativos, que são apenas uma justificação encobridora da violência bruta. não fez outra coisa senão mostrá-lo o genial jurista do nazismo carl schmitt, no qual a tradição do reacionarismo moderno fundada por hobbes desemboca, com sua fórmula clássica: "soberano é quem decide sobre o estado de exceção". do mesmo modo, não foi o tudor henry VIII da inglaterra o primeiro infectado pelo vírus hobbesiano do soberano absoluto, com o fino véu ideológico do direito divino dos reis, que faz valer sua soberania a despeito do ordenamento das convenções e da moral representado pela igreja católica? no filme, é nick tudor, marido desprezível, que melhor contribui para espalhar o parasita. apesar de cronenberg não gostar do título dado nos EUA, talvez "they came from within" seja a melhor descrição de todo o problema: o colapso da moral e da lei nunca provém de um invasor externo, mas do recalcado bem no fundo. a cena que melhor consolida essa invasão pelo que vem de dentro, retomando um motivo clássico do terror, é a de betts na banheira: o terror mais extremo é produzido quando, no espaço da intimidade mais encerrada, em que baixamos a guarda por nos crermos senhores das circunstâncias, algo sobe pelo ralo e nos violenta.
não se pode deixar de notar o contexto do filme: em 1975, as promessas da revolução sexual já tinham sido integradas pela dessublimação repressiva e, o que parecia questionamento da rigidez das convenções já estava se tornando a absoluta insegurança, precariedade e liquidez dos laços humanos no neoliberalismo. o que parecia revolucionário e contra a ordem era só um meio de aceleração do desmanche no ar de tudo que é sólido, desmanche que é a verdadeira ordem sob o capitalismo. levando isso em consideração, a carência de elaboração formal do filme, o fato de que ele se entrega totalmente a essa degeneração, deve ser ela mesma interpretada. ela própria é a elaboração no nível do todo da imagem cronenbergiana: quando a forma narrativa do cinema clássico degenera em efeitos especiais e estímulos imediatos, antes de valorar como doença, vamos esperar até o fim, vamos deixar a coisa produzir todas as suas consequências. quando os próprios recursos da crítica estética da sociedade aparecem como previamente integrados ao seu funcionamento, não se pode tentar recobrir isso com nostalgia ou falsa celebração ao estilo brian de palma. é necessário deixar o carro bater. adorno disse uma vez que "as obras de arte significativas mais recentes são o pesadelo dessa eliminação [da arte], enquanto elas, ao mesmo tempo, por meio de sua existência, resistem a serem eliminadas, como se o fim da arte ameaçasse o de uma humanidade cujo sofrimento exige a arte, uma que não o aplaine nem o diminua." se não qualquer outra coisa, esse filme é esse pesadelo.
é inegável que o filme mostra uma concepção bastante coesa e consequente sobre o cinema e a arte. seu ponto de partida é o de que o cinema narrativo clássico é uma mentira.
este cinema visava a construção de um indivíduo protagonista autônomo, cuja ação é motivada pelos valores que ele incorpora e com o qual o espectador deve se identificar a partir da imagem íntegra e total que visualmente é atribuída a ele pela tela; e visava organizar os objetos de desejo desse protagonista, sejam pessoas ou coisas, como fetiches visuais cuja obtenção era organizada narrativamente como recompensa pela realização desses valores. ora, o filme começa com os personagens sendo convidados a expressar suas motivações: suas declarações de intenção são já em si geralmente vazias, estereotípicas, e — como mais tarde é confirmado — eivadas de hipocrisia; mas são ulteriormente aniquiladas como possível motor do filme pelo simples fato de que há personagens demais para que cada uma conte como relevante ou seja lembrada e, a primeira vista, parecem testemunhos curtos e medíocres de um programa de TV que pergunta a pedestres aleatórios sua opinião. a tal forma vazia está, de fato, reduzido o indivíduo no capitalismo tardio, à vacuidade dos 15min de fama, a tal ponto que até mesmo a palavra "conteúdo" foi esvaziada de conteúdo pelos assim chamados digital influencers, cuja única influência é compensar essa carência de individualidade pela exacerbação dos fetiches visuais; isto é, criar a ilusão perversa de que a própria forma vazia é conteúdo. estão de acordo com essa lógica os longos plano-sequências de dança da primeira parte do filme, nos quais há sempre uma dinâmica em que a massa dos personagens ao redor se torna mero acompanhamento de um, que, por sua vez, mostra sua individualidade pelo recurso a um estilo de dança reconhecível — isto é, estereotípico — ao qual o próximo solo é simplesmente justaposto, sem nenhuma progressão, sem que a sequência das partes forme um todo autônomo, de modo que tanto a individualidade, na sua efemeridade chamativa, rapidamente é esquecida quanto o todo não ganha coesão e não existe enquanto todo. "vivre est une impossibilité collective." se segue a sequência de planos com corte enrijecido pelo frame negro, em que ouvimos em diálogos a prosa banal da vida dos personagens, e a alternância entre os planos-sequência e as sequências cortadas ao extremo da fragmentação parece propor uma convertibilidade: em ambos há uma experiência fragmentada, pois, ao contrário do uso do plano-sequência que faz o neorrealismo ou a nouvelle vague, por exemplo, não se trata de fazer o espectador imergir no tédio do trabalho ou da miséria a que os personagens estão submetidos, cuja observação seca o revela por si só como denúncia de si mesmo; ainda que o conteúdo seja igualmente vazio, estes estão o tempo todo engajados na auto-distração em relação à carência de interesse das suas vidas. é como se a técnica neorrealista, que construía o tédio como expectativa de um acontecimento transformador, fosse desnaturada, tornada inefetiva frente à proliferação de estímulos vazios da dessublimação repressiva neoliberal. como bem sabia lacan, a dissipação dos valores éticos objetivos é também uma dissipação da distinção entre prazer e desprazer. até mesmo uma lista de nomes pode ser tornada estimulante o suficiente para que o espectador não perceba sua carência de conteúdo e se esqueça no instante: os créditos musicais, apresentados longamente no meio do filme por uma série de logomarcas o mais chamativas possível são como os letreiros de boate com que se depara e se estupefaz quem casa o EDM com o LSD. essa concepção, então, apenas se estende por sobre a ação principal, que nem mesmo ocupa a maior parte da duração do filme. o caso é que, em vez de adensar os procedimentos do cinema para reconstruir a autonomia subjetiva frente a essa situação, os choques são apenas apresentados — ao modo do stravinski de adorno — com toda a brutalidade e imediatez das coisas existentes, o que confere a elas a aparência de destino inescapável a cujo feitiço o filme adere e que ele celebra: "mourir est une expérience extraordinaire". essa distância e reificação da subjetividade é levada ao extremo da brutalidade em dois momentos: de modo concentrado, com o surto de selva, cujas contorções a câmera acompanha de fora como observadora neutra; de modo distendido, com o enredo de emmanuelle e seu filho, que sempre corre em paralelo com a ação principal da cena e cujo desenvolvimento catastrófico é totalmente comandado pelo acaso sem sentido de que ela perdeu a chave; nesses momentos o existente aparece como horrível mas inescapável. mas na maior parte do tempo, ele aparece como uma série contingente de vivências, de acontecimentos tristes ou felizes em relação aos quais tudo que se pode fazer é tentar elevar ao máximo a intensidade dos estímulos e fruí-los antes que eles nos destruam: "naitre est une opportunite unique."
quando você não consegue escrever um bom roteiro, tem um macete pra enganar filisteu: enterra um monte de easter egg e de simbolismo sem maiores consequências pro todo do filme debaixo de um filmezinho comercial. se ainda conseguir injetar o ar de crítica social foda melhor ainda. é quase um trabalho de caridade pra autoestima intelectual dos preguiçosos.
com esse aqui o Polanski sacaneou legal. um dos filmes fundadores do gênero de terror, 'o bebê de rosemary' é, na verdade, uma crítica à narrativa de suspense da hollywood clássica e, por meio disso, a paródia prévia das convenções do gênero que ele mesmo contribuiu para se estabelecer.
o filme de terror geralmente se estrutura segundo uma contraposição entre o(s) protagonista(s), com o qual o espectador deve se identificar, e o 'mal', algum elemento narrativo que ameaça a integridade narcísica daquele, do qual o espectador, por essa razão, deve sentir medo. a progressão narrativa se dá, então, por uma aproximação ameaçadora do elemento mau em relação ao protagonista, o que geralmente envolve uma progressão desde uma ameaça indeterminada em direção à sua especificação e nomeação. é o caso da história de rosemary, cujos problemas a primeira vista banais com a gravidez, com o marido e com vizinhos cada vez mais parecem enredados em um complô secreto. esse caráter misterioso da ameaça, que parece submeter o protagonista a uma instância decisória cujo poder é inescapável, joga o protagonista para uma consolidação defensiva e paranoica da sua identidade, no que é acompanhado pelo engajamento do espectador. isso culmina, finalmente, na revelação e nomeação da ameaça. essa estrutura é um subtipo da narrativa de mistério mais tradicional, em que o final aparece como chave explicatória do desenvolvimento — um tipo de narrativa, por tanto, que apresenta as perturbações na estabilidade da representação e do status quo como meio para seu reestabelecimento ainda mais estrito. daí o caráter moralista dos romances vitorianos de detetive e dos thrillers tradicionais, que saciavam a curiosidade do espectador por crime e sexo apenas para reconduzi-lo seguramente à moralidade burguesa.
com 'o bebê de rosemary', está presente, de fato, um conjunto de elementos — os closes no rosto, a câmera POV e, especialmente, a memorável sequência em que entramos no sonho ou alucinação de rosemary — que concorrem para produzir essa entrada do espectador pela identificação com rosemary e que também investem na complexificação de sua posição. no entanto, há que se notar, antes de mais nada, o caráter plano e vazio da protagonista enquanto personalidade, cuja motivação, além da autoconservação mais imediata, é algo da ordem de um 'instinto materno', tema apelativo por si mesmo e que, por ser pouco elaborado, permanece simplório. em 1968, a popularização da televisão nos países centrais já tinha dessacralizado a magia do cinema clássico e entronizado nas massas seus esquemas narrativos. hollywood respondeu a isso com uma progressiva atrofia da dimensão narrativa e da construção de personagem — o espectador não precisa mais ser convencido a se identificar com o protagonista pelo valor imanente desde, pois já sabe como deve se sentir em relação a o quê —, sendo substituídas pelos estímulos imediatos então inalcançáveis pelo audiovisual televisionado (cores, efeitos especiais, etc).
essa caracterização de rosemary como uma simplória é o mais notável de uma segunda série de elementos que constroem uma segunda entrada para o espectador por meio de um distanciamento entre a protagonista e o 'narrador' implícito nos recursos formais do filme. a realidade do complô é estabelecida muito cedo: além dos closes em objeto específicos (a expressão de minnie, a poção, o livro na estante), há o momento em que, após uma briga virulenta entre rosemary e seu marido, que reage de modo interessado demais à sua vontade de consultar outro médico, de repente, a dor que ela sente para e se segue uma sequência com trilha sonora leve estilo comercial de manteiga — cena que ironiza a simplicidade da protagonista e estabelece para o espectador atento que ela está por fora do que está acontecendo. somado a isso, a caracterização cômica dos castevets — longe de fazer a função do alívio cômico mandatório no audiovisual americano — contribui para banalizar o caráter misterioso do complô e desautorizar a suposição por parte de rosemary e do espectador médio de uma vontade secreta e superpoderosa que o alivia de confrontar a sua própria impotência e mediocridade.
tudo isso culmina na cena final: após a sequência tensa em que tudo converge para a identificação com rosemary, ela descobre a celebração dos bruxos pelo nascimento do filho de satã e, ao se aproximar de seu bebê, pergunta horrorizada "o que fizeram com os olhos dele". a isso, respondem banalmente "ah, ele tem os olhos do pai!" — ao que a câmera POV é bruscamente substituída por enquadramentos pacíficos e objetivos e tudo se passa como uma grande reconciliação de família de final de filme da sessão da tarde. temos até gracejos como o momento em que minnie traz um chá para que rosemary se acalme, ao que ela pergunta se é o chá de raiz de tennis e minnie responde, sarcástica, que é só um chá normal. quer dizer: de fato, ela foi estuprada em um ritual satânico em pacto com o marido, mas, relaxa, isso não é nada demais, é coisa da vida.
com isso, o filme se aproxima uma relação cínica com o audiovisual de massas — na linha do pastiche sarcástico que polanski prosseguiria com chinatown. por um lado, ele critica os esquemas identificatórios da hollywood clássica rindo do espectador que deu tanto valor à historinha de bruxas e ao mistério ó-tão-assustador. por outro lado, ele precisa permanecer atado a essas mesmas formas parodizadas, sem estabelecer uma nova síntese formal que as supere — ao ponto de elas terem sido tomadas por toda uma tradição como modelo convencional. o desrespeito ao espectador médio e sua justa demanda pela reparação e reconhecimento do sofrimento de rosemary, a banalização do que ocorre com rosemary — que, por meio do marido ator, deixa implícito tratar-se de uma representação das sujeiras não-tão-secretas do mundo artístico e da elites cultas —: tudo isso não deixa de ser uma anuência com o horror nada sobrenatural e bastante naturalizado do mundo alienado.
no entanto, a coisa não me parece se reduzir a isso. no futuro, ao ver por uma segunda vez, gostaria de ter revisto 'repulsa ao sexo': neste filme, me parece ser tomada a direção inversa de crítica da representação narrativa. em vez da parodização por simplificação do protagonista, a complexificação da personagem proíbe sua redução a uma motivação simplória com a qual o espectador pode se identificar sem maiores problemas. o notão, além de pela maestria formal, vai por essa pulga atrás da orelha.
raramente são feitas de modo tão corajoso adaptações de shakespeare e do teatro renascentista, com toda a distância que tem a sua linguagem densamente elaborada da linguagem pré-digerida do audiovisual de entretenimento. o princípio do filme é, simplesmente, favorecer o máximo possível a apresentação do texto original. e não se trata de teatro filmado, mas de buscar os recursos do cinema para expressar os traços formais do drama shakespeariano, como a redução ao mínimo da referencialidade geográfica e histórica em favor do presente atemporal da cena e a predominância da interioridade dos personagens e da sua expressão oral por sobre a ação, que se desdobra em falas estendidas e solilóquios. responde a essas necessidades a adoção dos cenários expressionistas altamente estilizados, dos closes fechados sobre o rosto dos atores, do espaço cênico restringido enfatizado pelo 4:3 e encerrado sobre si com os cortes que não levam a 'outro espaço', tudo em favor da expressão da interioridade subjetiva. como na primeira cena de lady macbeth — cujas falas são carregadas de imagens que beiram as expressionistas —, em que ela recebe a notícia da proclamação de macbeth como thanes de cawdor e da profecia das bruxas: enquanto lê a carta, ela se aproxima à distância em um corredor, sua figura obscurecida — consumida pelo interesse na voz de macbeth, cujos matizes ainda não conhecemos —, até que a carta se dirige a ela e a suas expectativas, coincidindo com o momento em que seu rosto se aproxima da câmera em close, no que a expressão sedenta da brilhante frances mcdormand revela a ambição inexorável que é sua força motriz; com isso, enquanto discursa sobre suas expectativas, caminha contra a luz que vem da janela e sua figura novamente enegrecida passa a distanciar-se da câmera enquanto ela expõe os meios vis que pretende usar para realizá-las — e ao abrir a janela, é noite. o texto de lady macbeth — em linha com clitemnestra e seguindo a tradição misógina do teatro ocidental — retrata uma mulher consumida unilateralmente pelos interesses particularistas da família, perversa ao ponto de ser incapaz de reconhecer, senão em seu sonambulismo, a culpa que a consome, violenta ao ponto de suas falas a todo tempo beirarem a profanidade. a interpretação altiva e firme da atriz lança uma luz renovada sobre a personagem, um pouco à maneira do ressentimento sóbrio da cersei de lena heady, que quase converte o solilóquio do "unsex me" em uma denúncia do ressentimento que o machismo imbui na condição de mulher. denzel washington, no entanto, não tem o mesmo sucesso: seu estilo excessivamente low-key não se adapta à estilização do filme, sua dicção não se molda à densidade rítmica do texto, que em muitos momentos quase parece lido. esse é o maior defeito do filme: os solilóquios de macbeth, atravessados pela corrosão da culpa — alguns dos textos mais significativos já escritos — resultam inexpressivos, pois já não refletem sobre a avidez enérgica que sustenta a ação firme de macbeth, mas sobre um caráter que insiste na indecisão e no encerramento interior, que parece até agir menos autonomamente do que por influência da lady macbeth, a verdadeira protagonista. também é problemática a escolha de, contrariando o texto, mostrar em cena o assassinato do rei, o que rompe com as convenções do teatro culto de apresentar post factum os atos violentos — convenção que, é preciso admitir, também é frequentemente rompida pelo próprio shakespeare. em compensação, katheryn hunter nos agracia com a interpretação definitiva das bruxas em duas das melhores cenas do filme: o imaginário das hags, com seu corpo enrugado, angular, nodoso e retorcido e a ênfase na ação com os pés as aproximam da força ctônica dos impulsos naturais que levarão macbeth a cometer o pior enquanto seu consequente colapso na figura da morte de bergman e sua suspenção aos céus infunde o imaginário do destino como universalidade abstrata pairando sobre as nossas cabeças, inclusive a do rei — ambos os lados externalizações do desejo demasiado humano do protagonista, cujas ações são o que realizam a profecia e convertem a ideia em ato, a adaga da mente em adaga palpável.
com determinação e olhos abertos, fixos no objetivo, é golpear sem pena, não importa a peruca — mais uma humilhação que apenas dignifica —, é preciso fustigar o cafetão sem fruir tanto e tomar o justo, o merecido; e, em seguida, respirar fundo e ajeitar a fachada porque a podridão de dentro já basta, não é mesmo? a virada do bebop alucinado pro excesso orquestral melodramático, que assinala a passagem à interioridade subjetiva, enfatiza o gesto que aproveita a desilusão para melhorar o carão sedutor ao ajeitar-se diante do espelho (a câmera) e reafirmar a cumplicidade consigo contra o mundo — o espectador, que havia caído de supetão nessa confusa transitividade entre ela e o cafetão, só aqui encontra sua porta de entrada. os créditos iniciais se interpõem à imediatez falsificada e revelam a superficialidade oca da sensualidade de kelly: são a ornamentação desse ato tão familiar aos feridos pelo cinema, para os quais, contra a solidão e na falta de Deus, só resta encenar para si discretamente uma quebra da quarta parede e ironizar o fiasco da própria vida diante das poltronas vazias que a acompanham. se existe um bom sentido de camp, ele deve ser buscado aqui. está nessa autocomiseração bem-humorada da afetação dos desviantes que atinge a essência do cômico: não a turba que aponta e ri, mas a ironia com a qual me construo reivindicando meus fracassos, a conversão da desgraça em graça. e o nome unissex "kelly" e a careca coberta pela peruca não deixam de indicar o caráter andrógino da vida como performance, dessa superfície sem profundidade a que estamos todos relegados, apesar de caber apenas a alguns o fardo e a coragem de admiti-lo.
artificialidade, estilização, exagero, sim: e a serem apreciados com a inexpressividade adequada para contaminar tudo com certo distanciamento. os personagens parecem a todo momento estar prestes a sair do papel e irromper em riso ou dizer 'chega' e abandonar a cena. digo os personagens, não os atores, pois o semblante do ficcional é interior à diegese: a frustração da tia virgem simpática ventilada por sua risada lynchiana; o polícia que age naturalmente sabendo que está abaixo da moralidade; e claro, ela e sua beleza vivida, que modela o olhar que ela dirige a griff ao descer do ônibus. olhar que comunica não apenas a consciência lúdica de ser desejada da maneira vulgar apregoada pelo cliché visual do close nas pernas descendo os degraus, mas também certo cansaço de cumprir outra vez esse papel, quase como se pedisse se, senhores, não poderíamos cortar a cerimônia e saltar essa parte? isso é algo muito diferente daquela piscadela vulgar a ser encontrada desde os refrões autoconscientemente ridículos do sertanejo universitário, passando pelo humor negro da animação adulta até os piores momentos do tarantino, esse convite à leveza cínica na qual o espectador reconhece sua acriticidade apenas para desmenti-la, para fingir que a covardia estética é escolha livre e não impotência. longe de ser esse calção subjetivo que põe o expectador a uma distância emocional segura, o distanciamento aqui é imanente à identificação. é a maneira como se expressa o implícito que atravessa todas as cenas: o passado traumático e a ausência de destino, o caráter absurdo, desessenciado da vida. põe em evidencia a vulnerabilidade e o desamparo radical, e, se é convite a algo, é a essa identificação especial que une os destituídos.
"every little girl and every little boy that pretended hard enough was playing on the grass and having a whale of a time" — sim, muito lindo, não é mesmo? — "confidentially, charlie, we girls are always chasing dreams. [...] or did they? aw, of course they did..." — e um gole da taça fálica que ele me deu de presente — "what do you want, a medal?" — e também no menino se vê a expressão de quem sabe que não acederá à redenção.
mesmo o momento em que os sonhos parecem se realizar já está plagado pela frustração. não é possível para mim — esse homem rico, culto, amante da veneza de lord byron? — eu sei que não é. em algum momento dará errado. a máscara vai cair e a infâmia será revelada: quando eu falar demais e sugerir que conheço o polícia mais do que não deveria; ou pelo simples fato de que não sei pronunciar o nome dos autores alemães que li por angústia, não por educação formal. (mark fisher: "In England, working class escape is always haunted by the possibility that you will be found out, that your roots are showing. You won’t know some crucial rule of etiquette that you should. You will pronounce something wrongly – mispronunciation is a constant source of anxiety for the autodidact, because books don’t necessarily tell you how to say words.") todos esses erros são discretamente registrados pela expressão rigidamente jocosa a que se constrange o rosto de cera de grant, o que também já sinaliza algo de errado. mas, mais uma vez, "if you pretend hard enough"... ouvimos o gondoleiro tenor do qual usurpamos sem merecer o grau de intensidade emocional da ópera italiana (oscar wilde: "A sentimentalist is simply one who desires to have the luxury of an emotion without paying for it."), e o sofá mesmo se transforma em uma gôndola de veneza em meio a uma ventania de folhas de dar inveja a sirk, exagerada a ponto de ele ter de tirar uma folha do rosto dela (do seu modo melodramaticamente lento de boneco de cera). o gesto dela de afastá-lo com expressão desconfiada em meio ao beijo — ao 'naked kiss' — atesta a irrealidade, o desconcerto, que é confirmado pelo movimento de câmera que termina a cena: deslizando por suas pernas, se detém no projetor que viabilizava essa ficção, esse gesto de memento mori cinemático.
(eu não escrevo assim pro filmow rs escrevi pra faculdade)
Este trabajo tiene por objetivo, tras una breve presentación de la teoría del melodrama y del cine narrativo de Laura Mulvey (1989), presentar un análisis esquemático de la película ‘Palmeras en la nieve’ de 2015. Intentaremos indicar cómo se instrumentaliza el lenguaje del melodrama para convertir en una novela familiar de contenido superficialmente feminista el trauma cultural de España que representa la pérdida de las colonias. Esta operación permite al espectador español con sensibilidades contemporáneas deshacerse de su culpa colonial y reanudar su identificación con el pasado nacional imperial.
Partiendo de la teoría de la ideología de Louis Althusser y del psicoanálisis de Jacques Lacan, Mulvey construye un esquema interpretativo de las funciones ideológicas del cine narrativo comercial, que según la autora organiza dos tipos de placer visual para el espectador. El primero es la pulsión escópica, que se dirige a imágenes directamente objetificadas sexualmente como fetiche visual. El segundo es la identificación narcísica con los personajes, que le permite ‘vivir’ através de ellos y realizar sus deseos frustrados por medio de la potencia fálica del personaje que finalmente posee tales fetiches. Para la descripción de esta estructura, se presupone la implicación perfecta del espectador en la medida que la película lo promueve, aunque en condiciones reales pueda ser que no se dé. De modo general, como ese cine presupone un espectador masculino, estas dos funciones son repartidas entre el protagonista masculino y la(s) personaje(s) femenina(s). Con eso, el placer visual facilita la conducción del espectador hacia un cierre narrativo que sutura ideológicamente las contradicciones sociales. Por otro lado, el melodrama, género que se dirige primariamente al público femenino, recurre más crucialmente a la dimensión narrativa para, por medio de la identificación imaginaria con la protagonista, hacer converger las pulsiones sexuales activas de la espectadora con su rol femenino en la familia, lo que de modo general se realiza en el final feliz con matrimonio. Con todo, Mulvey cree que el melodrama no puede ser reducido a su función de suturar las relaciones de la espectadora a relaciones ideológicas establecidas, ya que, en vez de ocultarlas bajo el placer visual, ese género tematiza directamente las contradicciones de la vida sexual patriarcal y su mérito, como dice Douglas Sirk — el gran director de melodramas de los años 50 —, es “la cantidad de polvo que levanta” antes del final feliz.
No obstante, si se puede elogiar en los melodramas de Sirk el mérito de conferir visibilidad a la experiencia femenina concomitantemente al de frecuentemente articularla de manera exitosa a contradicciones a nivel de clase y raza, no se puede olvidar que una película cuyo contenido manifiesto es pretensamente femenista también puede instrumentalizarlo para la ocultación de contradicciones de otros órdenes, hasta al punto de anular el propio teor progresivo.
De modo general, ‘Palmeras en la nieve’ reparte de modo ecuánime las imagenes sexuales del cuerpo masculino y femenino y Clarence, la protagonista del relato enmarcado, aparentemente es una mujer aventurera, sexualmente libre e independiente que no tiene miedo a poseer su deseo. Pero su rol narrativo es, en efecto, promover a la espectadora una entrada para una narración que objetiva restaurar la ley simbólica del Padre: mientras el espectador masculino se identifica directamente a Kilian, el protagonista del relato principal, la espectadora femenina puede identificarse a él indirectamente através de su identificación a Clarence, que se dedica a reconstruir la historia de Kilian como medio de reconstruir su propia historia y se inviste como su representante en la Bioko contemporánea. Así como en ‘Duel in the Sun’, la película analizada por Mulvey (1989, p. 29), ‘Palmeras en la nieve’ reparte el rol masculino en dos personajes diferentes. Kilian representa la ley paterna y la integración simbólica a la familia y a la tradición — tras la muerte de Antón, Killian efectivamente asume su posición en Fernando Póo frente a los bubi, continúa a proveer lealmente a Bisila tras haber dejado Guinea Ecuatorial y, sobre su versión mayor, su hija dice que “para él el pasado es más real que el presente”. De otro lado, Jacobo representa la búsqueda narcisista del placer — desde el principio, se presenta como mujeriego, libertino y en conflicto con la ley familiar. Sin embargo, tal repartición no adquiere el sentido narrativo que posee en ‘Duel in the Sun’, en que las figuras masculinas señalan la aporía del deseo femenino, que está en el centro de la narración. Diferentemente del cowboy Lewt, la oposición de Jacobo a la ley es inequívocamente presentada como figura de regresión e impotencia destinada al fracaso. Entre los dos solo Kilian se presenta en pose efectiva de las imágenes-fetiche sexuales; Julia rechaza a Jacobo y su imagen corporal está constantemente alejada de los fetiches visuales femeninos. La presentación explícitamente crítica de la película de sus actitudes violentas y machistas frente a Julia y a Bisila funciona como refuerzo de la convergencia de identificaciones a Kilian, pues aleja de este último los actos masculinos violentos y purifica la posición moral del portador de la ley paterna.
Esta presentación higienizante y simplificadora de las contradicciones de la vida sexual ya bastaría para anular como diversionista el pretenso contenido feminista y conducirlo a la confirmación del orden. Pero esta novela familiar sirve no más que como molde narrativo para tematizar las relaciones de España con su pasado como imperio colonial. Es importante subrayar que la película gira enteramente alrededor de cuestiones de la historia e identidad española y poco tiene qué decir sobre los pueblos anteriormente sometidos al yugo colonial, sus especificidades culturales y sus percepciones particulares sobre su historia. Si la película no adhiere a la clásica representación directamente racista de los pueblos africanos como salvajes, aplica sobre los personajes bubi y su etos una completa homogeneización relativista que los convierte efectivamente en occidentales: la boda es una boda en general, el machismo es machismo en general, el respeto a ‘las tradiciones’ es abstractamente afirmado. La única diferencia cultural señalada — la poligamía — es brevemente tratada y rechazada como machista en la escena de la boda privada de Kilian y Bisila. Esta presuposición de una esencia humana universal compartida igualmente por los amantes es condición sine qua non para las historias de amor desde Romeo y Julieta y sirve a los objetivos ideológicos del melodrama colonial. A la repartición previamente discutida entre Kilian y Jacobo de las funciones masculinas de portador de la ley simbólica y del narcisismo fálico adhiere el conflicto social de fondo. Los lados opuestos de ese conflicto no son presentados directamente como lucha entre imperio y colonia, pero son cortados de modo transversal como conflicto entre los que, de un lado, conviven y respetan las leyes y tradiciones en general — centralmente Kilian, también Bisila, Osé y Simón, bien como Julia y Manuel — y los que, de otro lado, protestan en contra las leyes y se pierden en su búsqueda individual de potencia narcisista — Jacobo y Gregorio, pero también Atsu y todos los militantes negros excepto Gustavo. De este modo, se permite equiparar los excesos de la lucha anticolonial y sus consecuencias (a veces terribles, de hecho) al yugo imperial y su imposición violenta de la explotación del trabajo y de las riquezas locales. Así que el evento traumático central, presentado en la primera escena, que la narrativa busca reconstituir y alrededor del cual converge, es la separación de Kilian y Bisila, directamente asociada a la independencia de Guinea Ecuatorial. Es decir, el punto central de la narración es presentar el fin del poder colonial de España como separación de la familia, violencia contra las leyes y tradiciones y expulsión del padre español generoso encarnado en Kilian. Al final, la ley simbólica y su desvío son reconducidas a la unificación como pelea interna de la gran familia del Imperio Español, de modo que la hija del estuprador de Bisila se reconcilia en su nombre y termina con Iniko, su hijo.
La crítica al horror de la colonización española en nada afecta el reconocimiento del horror que siguió a la independencia, ahora impuesto al pueblo de ese país por tiranos nativos. Pero, como decía Lacan, los celos del marido son un síntoma neurótico aunque la esposa realmente lo esté traicionando. En el contexto de la industria cultural contemporánea, hay que tener ojo crítico a la apropiación relativista y liberal del barniz progresista de apoyo a la lucha de minorías para ocultar contenidos ideológicos que reproducen las visiones de mundo más regresivas.
Referencias bibliográficas MULVEY, L. Visual and other pleasures. New York: Palgrave, 1989.
— C'mon Pikul. You just got a bad case of first-time user anxiety. — I don't like it here. I don't know what's going on, we're both stumbling around together in this unformed world whose rules and objectives are largely unknown, seemingly indecipherable or even possibly nonexistent, always on the verge of being killed by forces we don't understand. — That sounds like my game alright. — That sounds like a game that's not going to be easy to market. — But it's a game everybody's already playing.
é sempre bom exercitar um pouco a imparcialidade. amo o cronenberg de paixão, mas é um crime desperdiçar uma trilha do howard shore com essa sequencia interminável de cenas de gente se olhando com força. o mérito dos filmes do cara é precisamente mostrar o potencial poético e a força expressiva das imagens do horror corporal e do sci-fi. até pra que esse mérito seja preservado, quando o que está em jogo é só explodir cabeças porque é divertido, isso tem que ser dito.
mais uma vampirização nostálgica da hollywood dos anos 60. isso é um elemento que sempre fez parte dos filmes do tarantino, mas sempre com uma virada crítica interna e um trabalho de narrativa e de diálogos que levava a coisa pra outra direção. agora é só isso. e parece que tarantino saiu da weinstein company, mas ela não saiu dele: nunca um filme dele repartiu tão clara e entediantemente entre personagens masculinos e femininos aqueles com quem você deve se identificar e aqueles que você deve objetificar. é seu pior filme.
1. na discussão sobre sirk, é possível encontrar duas maneiras contraditórias de defender a grandeza de sua obra: ou como o ápice de elaboração do gênero melodramático no cinema clássico -- com isso, validando essa forma característica do audiovisual de massas -- ou como uma aplicação decisiva da técnica brechtiana do estranhamento -- compreendendo, então, que os melodramas sirkianos são implicitamente críticos às convenções formais às quais eles precisam aderir. ambas as posições encontram respaldo tanto em declarações de sirk como na sua curiosa carreira -- nos anos 20 e 30, diretor de teatro brechtiano e artista da vanguarda alemã pós-expressionista; nos anos 40 e 50, um dos diretores hollywoodianos mais comercialmente bem sucedidos de 'filmes femininos'. um disparate desse tamanho diz muito sobre os problemas da arte na modernidade tardia.
2. o melodrama hollywoodiano tematiza a vida sexual e a família; centrados numa protagonista feminina, sua narrativa se estrutura a partir dos conflitos da mulher com seus papéis sociais de mãe, esposa ou filha, que são conduzidos narrativamente à reconciliação por meio do final feliz, no qual a realização da relação sexual é identificada à instituição do casamento. o melodrama sirkiano, no entanto, leva essa forma a um limite: os conflitos da mulher com seu papel sexual são disruptivos demais para que a ideologia pequeno-burguesa permaneça intocada e, como diria sirk, "muita poeira é levantada no caminho".
3. nos filmes de sirk, e mais especialmente nesse filme, os conflitos amorosos são associados a conflitos sociais mais amplos: a tensão vivida por cary entre repressão e satisfação sexual (ser viúva e mãe ou viver sua sexualidade) é conectada à separação de classes (ela, mantenedora do legado um rico empresário; ele, jardineiro) e à tensão entre civilização e natureza (vida consumista no subúrbio americano/vida de subsistência no campo). essas oposições entre modos de vida adquirem forte significado histórico por organizarem dois ideais antagônicos no interior da mitologia americana, e essa polaridade é construída no filme ao redor de três significantes.
4. o primeiro deles é a rena, que aparece no início e no fim da cena da cabana e na cena final; ela marca a entrada de cary no mundo de ron kirby e sua liberdade e conexão com a natureza; o fundamento histórico desse ideal está na mitologia americana da ‘vida simples’ dos ‘pais peregrinos’ que exprimiam uma espiritualidade genuína, se organizavam em livre associação e em coexistiam em harmonia com a natureza; a conexão de kirby a esse ideal americano é explicitada pela citação à obra Walden de Henry David Thoreau, pensador americano crítico dos processos de modernização que cunhou o conceito de desobediência civil. mais ainda pelo apelido de "nature boy" que ele ganha de um dos convidados da festa no country club e que, quando cary vê da janela, em meio à sua solidão, a canção 'nature boy' ser cantada por crianças no natal, se revela como um outro nome para jesus cristo.
5. de outro lado, o ‘american dream’ dos anos 50, marcado pela biopolítica e pela coerção social dos pares, tem como seu significante central a televisão, ao redor da qual a família se reúne e, assim, realiza seu encerramento na vida doméstica e o retraimento do espaço público. a cena em que cary recebe a televisão de presente do filho tem uma clara conotação edípica: para o filho, a sexualidade da mãe simboliza sua castração por meio da lei paterna; fracassada a tentativa de uni-lo à figura impotente de harvey; a televisão, então, materializa sua vinculação impositiva à casa e à repressão sexual, que o permite se identificar com o pai. cary, ao ver sua imagem refletida e emoldurada pela televisão, percebe toda a extensão das frustrações implicadas pela sua adequação ao papel social de mãe-viúva. além disso, o advento da televisão também simboliza o fim do cinema clássico de hollywood, que, para se diferenciar dos dramas televisivos, abandona progressivamente o realismo narrativo em favor da fetichização da técnica cinemática, lotando os filmes com as imagens saturadas de efeitos especiais que caracterizariam o cinema de ação, de terror, de ficção científica e de super-herói orientado à produção de blockbusters; e, com isso, a derrocada da centralidade do cinema como espaço privilegiado da sociabilidade urbana e como principal entretenimento de massa.
6. fazendo a mediação entre esses dois mundos está a árvore de natal: a árvore escolhida por cary é da espécie do ramo presenteado a ela por ron no início do filme e é comprada na sua loja, além de se associar à rena como símbolo natalino; a mesma árvore organiza a imagem da ceia de natal familiar que é a ocasião em que ela recebe a televisão de presente do seu filho e em que ambos os filhos declaram independência. por meio da ambivalência da árvore de natal, símbolo da festa que é elemento central tanto na mítica dos pais peregrinos quanto na mítica oposta do consumismo dos anos 50, se estrutura a ambivalência dos próprios ideais americanos em questão no filme.
7. a partir desses três símbolos centrais, pode-se reconstruir uma estrita hierarquia de cores, enquadramentos e objetos cênicos que conduzem o jogo narrativo entre esses dois pólos. a primeira cena do filme, na qual Sara chega em seu carro azul com um vestido azul para convidá-la a um jantar com harvey e cruza o jardim de ron kirby dominado pelo vermelho e laranja outonal, estabelece desde o princípio o jogo de cores que representam o desejo sexual de cary; logo em seguida, o vestido vermelho de cary vai simbolizar seu novo despertar sexual. tal jogo alcança seu ápice de estilização na cena da cabana, em que os momentos de aproximação e afastamento entre os dois são organizados pela polaridade entre a luz quente da cabana e a luz fria do inverno lá fora, e termina com a tela dividida verticalmente entre as duas cores pelo beijo. conforme o filme progride, as cores se associam à progressão das estações, que, da mesma maneira como no livro de thoreau, dita o ritmo da narrativa e vai desde o outono terminando no fim do inverno. talvez a cena em que mais fique clara essa organização total da técnica cinemática em favor da orientação afetiva inconsciente do espectador seja a transição em que kirby deixa cary em casa após seu primeiro encontro e a câmera sobe para a árvore ainda plena de folhas com uma trilha sonora esperançosa ao fundo; após um corte, a árvore está depenada e a música que retoma é a “consolação nº3”, de liszt, tocada por cary ao piano, que se repetirá em seus momentos de solidão.
8. no melodrama sirkiano, o protocolo formal do final feliz no matrimônio é respeitado, mas a condução até ele ou é explicitamente inverossímil (como em ‘magnificent obsession’, em que o bad boy que cega sua amada se torna de repente o cirurgião que a cura de sua cegueira) ou, como em ‘tudo que o seu permite’, o matrimônio é marcado por um mau agouro; o acidente de ron o deixa dependente de cary; seu corpo derrubado no sofá é tão impotente quanto o de harvey. em sua última fala do filme, cary, com a expressão consternada, afirma ambiguamente que “voltou para casa”, ao que se segue a imagem da janela, na qual o inverno derrete e a rena observa o casal, como arauto das espectativas (ainda?) não realizadas.
9. a estilização dos filmes de sirk é ambígua: a conjunção total dos recursos cinemáticos para a saturação emotiva própria ao melodrama opera no limite tênue em que os processos que promovem as operações inconscientes do prazer visual no cinema narrativo passam a ser exagerados ao ponto em que deixam de operar inconscientemente e são explicitados para o narrador, que passa a percebê-los como 'estranhos' -- além dos momentos já comentados, talvez o artifício principal nessa direção seja a trilha sonora torrencial (o 'melos' do melodrama), que frequentemente é menos envolvente que incômoda e ridícula. essa operação de crítica da obra de arte burguesa pela explicitação de suas operações estéticas escondidas é o ponto central da 'entfremdung'. no entanto, os filmes de sirk parecem atacar pelas duas frentes: de um lado, ele leva a forma-melodrama até o máximo de crítica social que ele pode conter sem romper as convenções formais impostas por hollywood; então, ali onde o melodrama não alcança por si mesmo, são os processos de estranhamento à forma melodramática que passam a funcionar, com seus gestos exagerados, sequências de plot twists, deus ex machina e outros recursos que quebram a verossimilhança do filme e ironizam suas próprias limitações. o mais desconcertante é que, mesmo os nos momentos de estranhamento formal, o filme não degenera em mera paródia, não provoca riso; ao contrário, como os disparates que emergem repentinamente entre forma e conteúdo não são normalizados e espalhados ao longo do filme, mas permanecem localizados e agindo sobre momentos específicos, o espectador os percebe como quebra do contrato fílmico, como se o filme girasse em falso por cima da narrativa. essa contradição derrete os critérios de julgamento dos filmes de sirk, mas pulsa no seu interior.
o mérito do filme é evitar uma parodização fácil do melodrama. adorno dizia que "talvez um filme que obedeça estritamente ao código Hays possa chegar a ser uma grande obra de arte, porém não em um mundo em que existe um código Hays", e a maneira muito comedida com que o filme encena o amor impossível de cathy e raymond contribui para salvar a potência de comoção das cenas mais sutis da hollywood clássica, em que os não-ditos que transparecem por baixo das cenas restringidas, na fotografia technicolor e na trilha sonora, conferem ainda mais força do que se fossem explicitados.
mas tudo depende muito de uma espécie de transgressão retroativa de figuras passadas da opressão, como se esse nível de crítica feminista, LGBT e anti-racista ao sonho americano cinquentista não tivesse adentrado o debate público e sido superado já nos 60. essa reencenação de críticas pretéritas transparece um certo auto-contentamento. não se pode deixar de imaginar alguém que termina o filme e pensa "nossa, hoje em dia tudo é muito melhor!"; como se lembrar do horror já superado da moral sexual repressiva e do apartheid oficial aliviasse o horror ainda muito atual do imperativo neoliberal ao gozo e da necropolítica direcionada às populações racializadas. um autocontentamento, aliás, bastante parecido com o da simples parodia, ainda que dispense sua violência narcisista total contra o passado.
no entanto, precisamente o mérito que o filme resgata da sutileza de sirk fica contaminado, pois essa disposição até certo ponto válida de salvar as formas obsoletas da indústria cultural, em vez de simplesmente escarnecer delas, vai longe demais, quase que nostálgica pelo espaço cerrado do cinema da era hays, e lembra aqueles que suspiram de saudade da censura e da repressão porque elas supostamente obrigavam a soluções artísticas mais engenhosas. mesmo que isso tenha algum efeito crítico em relação ao fetichismo fácil dos efeitos especiais e imagens saturadas da hollywood contemporânea, o filme erra o alvo porque o imperativo do mercado cultural a produtos cada vez mais hiperbólicos, com o fim de prender a atenção de um espectador treinado pela timeline do twitter, não consiste em um 'liberou geral', como a ideologia da 'cultura popular' tenta apresentá-lo, mas em uma restrição objetiva muito mais estrita e coisificante.
o maior elogio imaginável à sociedade do trabalho, tão impressionantemente bem sustentado que não pode deixar de mostrar suas fissuras incorrigíveis, do lado burguês e do lado proletário. por não atenuar o luto do marujo, ele lança o sonho utópico de um mundo sem divisões em que ninguém se resigne a morrer no mar.
fleming, sempre implacavelmente cristão, pinta a história clássica com a culpa e as proibições misteriosas e inexoráveis da lei divina. com isso, mostra a face negativa, menos convincente, do chamado à retidão ética que vemos em captains courageous e joan of arc.
roteiro imbecil de aventura na selva, dando precedente a todos os lamentáveis indiana jones, com um par de personagens excruciantemente planos e mal desenvolvidos, tudo a serviço de uma direção de arte de panfleto turístico de safari pra inglês ver (literalmente). e com isso, claro, pitadas de louvação à 'missão civilizatória' britânica e retrato racistinha dos 'selvagens'. hepburn e bogart fazem o máximo que podem com seus papeis infantis, mas realmente não tem nada o que tirar daí. é chocante que o mesmo huston que dirigiria 'os desajustados' se sujeitou a essa tosqueira. pra que três dos grandes gênios da hollywood clássica gastaram tempo com essa porcaria? é daqueles casos que só a falta de dinheiro no banco explica.
a pirotecnia cinemática é puro enfeite sem conteúdo, com a única função de tornar mais fácil engolir o lixo reacionário que vem junto.
toda a condução da câmera e a direção de arte é voltada para capturar o espectador num erotismo voyeurista — a câmera que espreita os personagens, o movimento sempre suave, o fade in recorrente, o figurino de alta costura, os interiores luxuosos e exteriores majestosos, as cores quentes, que por vezes adotam um tom fantástico/orgástico, a trilha sonora sempre 'smooth'. a sequência inicial, em que a camera penetra lentamente no quarto escuro até o banheiro, com kate tomando banho, é uma ilustração bem clara de tudo isso junto. por isso não são acidentais as múltiplas referências a hitchcock, que tematizou consistentmente o voyeurismo.
mas, inversamente a hitchcock, que sempre leva o voyeur a seu ponto de angústia, esse filme é só uma afirmação despropositada desse gozo cinemático voyeurista, sem que essa posição seja minimamente deslocada. ao contrário, o filme convida a todo tempo a aderir a uma perversão salvaguardada. não é dada, em momento algum, nenhuma ruptura no clima agradavelmente erótico: mesmo nos momentos de violência misógina brutal, esta é apresentada como pura tensão erótica. nesses momentos, além do erotismo, se soma a essa desautorização do horror real do acontecimento a exploração irônica das formas cliché degradadas do cinema exploitation por montagens estupidamente dramáticas e intrincadas — a 'câmera lenta simulada' do jogo de posições entre kate, bobbi e liz na cena do elevador e entre liz e bobbi na sequência final. quando fica muito pesado, o filme apresenta a evasão reaça clássica: é só uma piada.
há uma estratégia de desimplicação que domina o filme — o jogo pelo qual uma mesma função ideológica é encarnada em uma multiplicidade de figuras com quem o espectador pode manter uma identificação difusa sem se implicar. um exemplo são as tomadas voyeurísticas, que, em vez de assumirem o ponto de vista de um personagem ao qual o expectador possa se identificar e por meio do qual possa se implicar no filme, se repartem em mil perspectivas. com isso, se multiplicam em olhares difusos e discretos, tornam o voyeurismo bem sucedido e acobertam a perversão em jogo.
essa estratégia também ocorre na construção de personagens. quase todos são variações de duas séries mais ou menos estáveis repartidas entre homens e mulheres: a) a mulher com o desejo sexual excessivo (a mãe casada com outro e adúltera, a prostituta); b) o homem em déficit com a masculinidade, diminuído narcisicamente (o marido que fode mal, o filho em disputa com seu padrasto, 'o' transexual como homem em déficit, o amante sifilítico). a partir do jogo entre a variedade de figuras para a mesma função, todas as cenas do filme podem ser redescritas como variações de dois temas: o homem violentando a mulher em vingança merecida e o homem salvando a mulher em complacência heróica. como todos os personagens são deixados na estereotipia, o espectador pode petiscar identificações e gozar sem aguentar ass consequências.
o filme mostra seu conteúdo de verdade ao incluir na série masculina de modo chocante elliott, o psiquiatra sedutor: o feminino é mostrado, então, não mais apenas como ameaça externa para a lógica fálica masculina, mas também como ameaça interna, desejo recalcado de ser feminilizado. o alinhamento desse impasse aos outros impasses da série 'homem' é confirmado pela fala 'irônica' quase lateral de peter: "em vez de construir um computador, eu poderia construir uma mulher de mim". mas o clímax traumático do filme é rapidamente suturado pela cena imediatamente posterior à revelação, com o polícial e o psiquiatra "explicando" a transexualidade de elliott com categorias psiquiátricas bem definidas que o isolam no terreno da loucura, seguindo à risca o manual foucaultiano de atrocidades do poder.
para não deixar de notar: há também o momento racista dos 'thugs' estereotipados. com isso, o filme coleciona todos os pokémons: é um extravagante e luxuoso pornô soft para homens brancos ricos com a sexualidade mal resolvida.
1. quem vê heroísmo em cleo está vendado: o filme todo se estrutura a partir de sua coadjuvância em sua própria vida. a partir das relações entre os três níveis de conflito social que o filme contém, é construída uma personagem quase plenamente identificada com sua posição de classe servil.
2. nas cenas em que se desenrola o primeiro conflito, o caso de cleo com fermín, sua gravidez e abandono, o foco poucas vezes é sobre cleo, que está sempre estática, ouvindo, olhando, enquanto os outros se movem e falam por ela. isso fica especialmente claro na cena bizarra em que, sob o olhar fascinado de cleo, fermín nu faz suas acrobacias marciais fálicas e se aproxima com carícias da sua expectadora. nenhum enquadramento do encontro sexual dos dois é proposto e a cena é de fermín agindo sobre sua presa.
3. no tratamento do segundo conflito, a crise da família pequeno burguesa para a qual cleo trabalha, as cenas amplas confundem por não se centrarem no evento narrativo contado, mas na figura e no olhar sempre passivos de cleo. é no exercício de sua função que ela está em paz com a câmera, mas a história contada não é a sua. o movimento sempre parcimonioso e horizontal das cenas acompanha a passividade da personagem e o preto e branco com foco profundo dissolve sua figura no fundo, entre os móveis da casa. isso é especialmente perceptível na sequência em que antonio e sua amante saem desvairados e risonhos do cinema: o destaque no enquadramento para essa revelação importante é quase nulo. a sensação é de que, nessas passagens, a câmera ao invés de focar nos protagonistas por direito da história, deslizaram sem que se percebesse para um dos figurantes. cleo não é fofoqueira, é dócil e resiliente, ouve e vê só o inevitável enquanto varre e traz doce de banana.
4. o terceiro conflito, a violência política que marca a história do méxico no massacre do corpus christi de 1971, aparece como pano de fundo aparentemente distante até que, num desses momentos em que fica claro para todos que "as estruturas desceram às ruas", fermín aparece como um dos matadores treinados para perseguir politicamente os movimentos sociais e, ameaçando cleo e sua patroa com uma arma, causa o parto mal sucedido do próprio filho. é por meio dessa intervenção do real no seio da família burguesa que os três conflitos sociais entram em ressonância, e a cena extenuante do parto de cleo se demora impossivelmente no trauma que abala sua relação com sua posição ideológica. é preciso ter clareza que a cena central do resgate das crianças não mostra um ato de bondade e auto-sacrifício, mas é o instante em que o servilismo de cleo alcança seu ápice e se torna insuportável para ela. por isso ela chora e abre um testemunho pessoal em meio a um evento aparentemente desrelacionado: com isso, ela se desloca por um breve momento e diante de todos da posição coadjuvante de boa funcionária e, para o claro estranhamento da família, usurpa o protagonismo e a centralidade da cena para o testemunho da sua dor.
5. que eu tenha notado, só há duas cenas em que a câmera traça um movimento claramente vertical: a primeira do filme, em que a água com sabão é jogada no chão e reflete a luz do céu cortada por um avião — a câmera sobe do chão para cleo —; e a última, — que sobe de cléo para o céu cortado por um avião agora visto diretamente — em que cleo sobe as escadas declarando em sua língua mixteca que tem muito a contar. com essa bela metáfora visual, é possível ver diretamente no céu o que só era possível ver distorcido no chão, e os três andares do edifício que o filme constrói estão posicionados e pedindo o desabamento.
1. apesar de a série ser, sem dúvida, o que de menos imbecilizante tem sido feito do pessimismo distópico de presente/futuro próximo atualmente em voga, ela tornou explícito agora seu fundamento ruim: a noção ideológica, pretensamente crítica, de que a possibilidade da liberdade só seria realizável se não fosse sempre, de antemão, expressão ilusória de uma determinação total — pela tecnologia, pela mercantilização ou, no caso, pelo 'espectador do futuro'.
2. no jogo/filme/troço, os elementos da narrativa se voltam contra si mesmos: os personagens começam a reagir criticamente ao fato de serem personagens e a prisão da série mainstream na narrativa linear é levada ao seu limite. para o espectador, isso se dá em dois movimentos: I. por meio das escolhas que ele faz, é convidado suavemente para a posição sádica de deus arbitrário de tudo que acontece — como nos momentos em que você fala 'bem, foda-se, vou matar o pai' ou coisa parecida —, um gozo baseado na falsa onipotência. II. se essa posição já não houver sido posta em questão (pela insistência do jogo em reconduzir as escolhas para uma certa opção, ou pelas 'escolhas' de uma opção só, como no momento crucial em que você é convidado a escolher 'livremente' que a criança não vá com a mãe, num claro movimento de implicar e responsabilizar o espectador pelo que acontece), então, pelos processos pelo qual a narrativa progressivamente engole sua externalidade (interpelando e incluindo dentro de si a netflix, a produção do próprio filme/jogo/troço, o expectador mesmo) este se vê rapidamente destronado e identificado com a posição do protagonista, vítima de uma determinação total e inescapável.
3. os finais são, esquematicamente, três: I. aqueles em que a história se estraçalha no aleatório e no despropositado (tanto o final das escolhas moralmente corretas, em que ele escolhe tomar os remédios e faz um jogo ruim, quanto os finais absurdos em que ele ataca a psiquiatra e ela saca espadas chamando pra porrada): tendo completado apenas o primeiro movimento, esses finais devem ser vistos como incompletos, como um convite para tentar outra vez. II. aqueles em que a história logra estabelecer uma continuidade ameaçadora com o nosso mundo (em que o protagonista termina preso, tendo ou completado o jogo pra aclamação da crítica ou tendo este permanecido incompleto, mas para se tornar objeto de um 'cult following'): esse é o final 'legítimo', 'realista', 'crítico', que completa ambos os movimentos e em que colin, esse oráculo cínico pós-moderno, é confirmado em sua sabedoria sobre a necessidade da servidão. III. a história tem, no entanto, um terceiro final de caráter utópico, em que a stefan é dada a escolha, por um deus ex machina, de voltar à sua cena traumática infantil e morrer com a mãe numa metáfora edípica que faria freud bocejar.
4. se nos identificamos plenamente como os deuses das nossas escolhas, agimos absurdamente; como se o exercício da autonomia irrestrita necessariamente degenerasse num gozo incontrolável e perverso, ou, o que dá no mesmo, numa auto-contenção moralista que leva à irrelevância da vida: temos, por isso, que nos submeter a uma certa servidão razoável, afrouxar nossos princípios. contudo, ao sermos destronados dessa posição e nos percebermos totalmente determinados, nos restam só duas saídas: I. reenviar o segredo ao futuro, no vitimismo chantagista daqueles que sabem e dizem o que sabem somente para incitar os que não sabiam à desgraçar-se, como se ser o arauto das más notícias pudesse recuperar algo do prazer sádico perdido, II. ou então, voltar para esse momento originário em que perdemos a ignorância sublime da infância e, como ícaro, autoaniquilar-se no ápice. como se a criança (stefan, mas também toda criança) não carregasse desde sempre nos olhos o peso do mundo.
5. a série expõe pornograficamente a própria mentira na qual é baseada: a identificação da ideia universal de liberdade com a noção historicamente bitolada de livre-arbítrio, livre escolha. cada episódio de black mirror nos leva a redescobrir de novo e de novo que essa liberdade é radicalmente limitada, ainda que seja a única a qual temos acesso — um pouco como o churchill, que disse infamemente que "a democracia é o pior regime com a exceção de todos os outros". em vez de abrir-nos para a contingência radical de uma outra liberdade, uma liberdade que já não se veja como gestão neoliberal de um indivíduo empreendedor sobre seus interesses particulares e sua auto-conservação, a série nos lança uma piscadela de olhos e somos convidados a um niilismo cool — assim, o crítico da TV dá cinco estrelas ao jogo apenas quando stefan pré-determina o fim, como quem diz: vamos lá, no fundo, é isso que todo mundo quer. somos seduzidos pelo fetichismo do que é apresentado como a própria figura da falta de liberdade: ah, como é legalzinho apertar os botões. (o meme é inevitável: a netflix inventou o videogame.)
6. mas nem o cinismo mais brilhante, talvez precisamente por ser tão brilhante, pode evitar transparecer o cansaço e a lenta desintegração de sua impostura: numa piadinha lateral, lá está o dono da empresa de jogos, inconfundivelmente sultão e capitalista, a comentar numa entrevista televisiva da década de thatcher que sua tragédia é sempre maior: o insuportável fardo de seguir em sua gestão austericida do mundo enquanto a loucura risca os dias na parede.
as ambiguidades e irresoluções no nível do enredo (pode ser tudo delírio de mima ou então de rumi ou mesmo ambas podem ser parte do delírio da personagem yoko takakura, personagem que mima interpreta, ou ainda, pode ser que rumi assume o papel de mima e esta termine internada...)
fazem a forma de uma garrafa de klein, em que é impossível definir com clareza uma relação de interioridade e exterioridade entre os espaços narrativos. a pergunta que essas indecisões precisas do filme a todo tempo levam o espectador a fazer é: mas quem delira? quem é o sujeito que projeta tantas imagens estonteantes, que se sobrepõem sem conseguir fazer série?
seja quem for, as personagens estão sempre atuando para os expectadores que certamente as acompanham — a equipe de gravação, a plateia, o stalker. com isso, o filme produz uma coincidência entre a estrutura do delírio paranoico, a certeza de que sabem sobre mim, e a estrutura da sociedade do espetáculo com suas 'star images'. é como se a desconfiança epistemológica do público de que as celebridades falseiam sua vida fosse mostrada como uma questão ontológica para as próprias celebridades. no capitalismo tardio, ninguém pode escapar à inautenticidade.
"Os famosos não se sentem bem. Eles se apresentam como artigos de marca, alienados e incompreensíveis a si próprios, como mortos que exibem imagens vivas de si mesmos. No cuidado pretensioso da imagem, desperdiçam a energia objetiva que sozinha poderia durar." (ADORNO, t.w. minima moralia, a. 63)
Johnny Guitar
4.1 98 Assista Agora"We've both done a lot of living. Our problem now is how to do a little more."
Pequenos Milagres
3.4 45 Assista Agoracaso raro de um filme que consegue a proeza de ser ruim sob todos os aspectos. a fotografa digital é totalmente inexpressiva e estourada; a trilha sonora brega e incessante é mal mixada e abafa as falas; o que por outro lado pode ser visto como mérito, já que os diálogos são medonhamente mal escritos, forçados, eivados de clichés e de colocações de mal gosto; os personagens são todos desinteressantes e mesquinhos, todas as mulheres são apresentadas como histéricas necessitadas de um homem; os atores são, sem exceção terrivelmente exagerados, menos sutis que os do zorra total; e, claro, o roteiro é infinitamente brega e sem sentido, constituído de uma série de coincidências imbecis que não dizem nada sobre nada além de um vago otimismo que não convence ninguém. listo todos os deméritos não por revolta, mas por fascinação genuína com que um grupo de pessoas consiga levar um troço desses até o final sem ninguém dizer: "putz, será?"
Tudo em Todo O Lugar ao Mesmo Tempo
4.0 2,1K Assista Agoraas comédias pastelão americanas estilo adam sandler ainda são um pouco mais críticas e "absurdistas" no que realmente não fazem muito caso de passar uma moral da história ou fingir que ainda existem valores universais. nem mesmo enquanto o filme está fazendo o ponto sobre a vida não ter nenhum sentido pré-determinado ele pode evitar bombardear o espectador com sentido: mil piadinhas imbecis e desrelacionadas, gestos que convidam à identificação com os personagens, o estímulo visual bruto e o final reconciliatório. o caso é que não importa quantas citações de camus, conceitos de ficção científica ou bizarrice visual você atire sobre um plot basicão de conflito familiar sessão da tarde, se esse é o motor do filme, é disso que se trata.
Rashomon
4.4 301 Assista Agorajá havia visto o 'trono manchado de sangue' e 'os sete samurais', que eu tinha gostado bastante até. mas nada como a paixão imediata que senti vendo esse obra prima deliciosa a cada segundo. me parece que a questão de kurosawa é o fracasso da visão moral da mundo em apreender as forças que efetivamente determinam os seres humanos a agir. sua leitura de macbeth, a peça mais clássica a tematizar a culpa, não faz outra coisa senão despi-la de tanto sentimentalismo e devolver à questão efetiva: o poder político. mas lá essa transformação se opera fora do filme, é o pressuposto de que o filme se relaciona à peça de shakespeare que faz essa questão emergir. aqui a questão é elaborada dentro do filme, a partir dos recursos formais do cinema narrativo.
para o sacerdote, tudo se passa como se a deformação que os personagens impõem à história fossem mentiras motivadas pelo interesse, pelo amor próprio mesquinho. essa é uma leitura que, se não reconstrói a sequência de fatos que estabilizaria o acontecimento, pelo menos provê uma explicação para o desencontro das narrativas que restaura a unidade do mundo, pois supõe que um observador totalmente desinteressado, que se orientasse apenas pela razão, poderia reconstitui-la. vem de longe esse vínculo entre moral e razão; koselleck mostrou que a resposta dos iluministas à crise social que é a emergência do capitalismo, a moralização da política, não fez senão acelerar a crise. mas o fato é que o auto-interesse dos personagens não é suficiente pra explicar as deformações que eles impõem. o samurai, por exemplo, oculta sua morte desonrosa nas mãos do bandido covarde em interesse próprio, mas escolhe inocentar justamente esse homem que o matou dessa forma para exagerar o desprezo pela mulher. a mulher — cuja versão é a menos baseada em diálogo e narração estável e mais conduzida pela paleta afetiva da situação expressa pelos quadros estonteantes de kurosawa — escolhe dizer que tajomaru simplesmente a deixou depois de estuprá-la ao invés de valorizá-la com sua paixão e escolhe inocentar o marido das palavras duras que teria lançado contra ela e até mesmo em deixar implícito que ela mesma é quem teria o matado. em suma, além do amor-próprio, as deformações se impõem na narração dos personagens porque eles estão engajados na preservação da estabilidade dos papeis sociais pré-estabelecidos. a incapacidade de narrar os acontecimentos procede justamente do colapso da ordem social tradicional, cujo portão de entrada é uma ruina abandonada pelo espírito que ali habitava. o plebeu que escuta a história e que serve, ao longo do filme, como a posição do espectador, é o único que reconhece que a moralização é imprestável para dar conta da situação e sua solução é cínica, o cada um por si do capitalismo tardio, a admissão de que nos interessamos pelas histórias apenas enquanto elas nos entretém de algum modo, abandonando aos padres a questão da verdade. mas o filme ainda segue depois que o cínico nos deixa e o gesto de altruísmo por parte do lenhador, que apesar de cuidar de seis crianças se oferece para cuidar de mais uma, impõe uma releitura sobre seu roubo da adaga. esse gesto puro de amor e reconhecimento não é, na sua origem, o mesmo que o dos narradores, que involuntariamente minimizam os seus ganhos na sua reelaboração da história em favor de restaurar a universalidade humana, ainda que seja essa universalidade defeituosa e rígida da tradição? não é esse mesmo engajamento pré-egoico com a humanidade que se desvia e serve à defesa do pior, mas que, antes de qualquer coisa, rejeita o narcisismo do cada um por si? ao menos isso pôde ser doado à criança — podemos inferir pelo amuleto: o filho do samurai e de sua mulher —, que chega em meio a tal mundo em colapso, partícipe não consentida em histórias das quais ela não tem culpa, mas, de qualquer modo, aquela que será responsável pela insistência da vida e da ideia de humanidade.
Calafrios
3.4 144 Assista Agoraé preciso reter a agonia — realmente, a maior que o cronenberg já produziu — e tentar extrair o que corre pelos meandros dessa torrente de perversidade.
em sua primeira cena, o filme estabelece seu cenário, que talvez seja seu verdadeiro protagonista: o condomínio de luxo starliner towers, apresentado por um comercial com todas as características que, desde os anos 60, viemos nos acostumando a atribuir a essas construções cercadas que simulam com securitização a reconstrução artificial de uma comunidade condicionada pela possibilidade de pagar enquanto o resto do mundo é trancado do lado de fora. rapidamente se segue o avesso dessa fantasia de classe média pacata. annabelle, uma garota de 19 anos que mantém relações sexuais com uma série de moradores, é assassinada e dissecada por emil hobbes, um professor de medicina que conduzia experimentos no sentido de superar o transplante de órgãos em favor de parasitas que assumam a função biológica dos órgãos defeituosos. "sex is a veneral disease", dizem os papeis nas paredes de seu escritório. aqui já temos uma imagem cronenbergiana muito bem definida: essa confusão dos limites valorativos entre o que é doença, mal funcionamento do corpo, e o que é uma inovação nos usos do corpo. ouvimos que, na opinião de dr. hobbes, a sociedade tinha se tornado muito tomada pelas convenções e pela intelectualização e esquecido sua base corporal sexual, razão pela qual ele passa a desenvolver um parasita que é "a combination of aphrodisiac and venereal disease that will, hopefully, turn the world into one beautiful mindless orgy". ora, o condomínio não é senão uma metonímia dessa sociedade. thomas hobbes — que também era um chato, mas que também era ótimo em conseguir financiamento para pesquisa — aparentemente trabalhava no sentido simetricamente inverso, do reestabelecimento da ordem. no entanto, seus pressupostos eram os mesmos: a soberania não pode ser objeto de um critério judicativo moral superior, mas, ao contrário, é ela que em primeiro lugar funda os critérios judicativos, que são apenas uma justificação encobridora da violência bruta. não fez outra coisa senão mostrá-lo o genial jurista do nazismo carl schmitt, no qual a tradição do reacionarismo moderno fundada por hobbes desemboca, com sua fórmula clássica: "soberano é quem decide sobre o estado de exceção". do mesmo modo, não foi o tudor henry VIII da inglaterra o primeiro infectado pelo vírus hobbesiano do soberano absoluto, com o fino véu ideológico do direito divino dos reis, que faz valer sua soberania a despeito do ordenamento das convenções e da moral representado pela igreja católica? no filme, é nick tudor, marido desprezível, que melhor contribui para espalhar o parasita. apesar de cronenberg não gostar do título dado nos EUA, talvez "they came from within" seja a melhor descrição de todo o problema: o colapso da moral e da lei nunca provém de um invasor externo, mas do recalcado bem no fundo. a cena que melhor consolida essa invasão pelo que vem de dentro, retomando um motivo clássico do terror, é a de betts na banheira: o terror mais extremo é produzido quando, no espaço da intimidade mais encerrada, em que baixamos a guarda por nos crermos senhores das circunstâncias, algo sobe pelo ralo e nos violenta.
não se pode deixar de notar o contexto do filme: em 1975, as promessas da revolução sexual já tinham sido integradas pela dessublimação repressiva e, o que parecia questionamento da rigidez das convenções já estava se tornando a absoluta insegurança, precariedade e liquidez dos laços humanos no neoliberalismo. o que parecia revolucionário e contra a ordem era só um meio de aceleração do desmanche no ar de tudo que é sólido, desmanche que é a verdadeira ordem sob o capitalismo. levando isso em consideração, a carência de elaboração formal do filme, o fato de que ele se entrega totalmente a essa degeneração, deve ser ela mesma interpretada. ela própria é a elaboração no nível do todo da imagem cronenbergiana: quando a forma narrativa do cinema clássico degenera em efeitos especiais e estímulos imediatos, antes de valorar como doença, vamos esperar até o fim, vamos deixar a coisa produzir todas as suas consequências. quando os próprios recursos da crítica estética da sociedade aparecem como previamente integrados ao seu funcionamento, não se pode tentar recobrir isso com nostalgia ou falsa celebração ao estilo brian de palma. é necessário deixar o carro bater. adorno disse uma vez que "as obras de arte significativas mais recentes são o pesadelo dessa eliminação [da arte], enquanto elas, ao mesmo tempo, por meio de sua existência, resistem a serem eliminadas, como se o fim da arte ameaçasse o de uma humanidade cujo sofrimento exige a arte, uma que não o aplaine nem o diminua." se não qualquer outra coisa, esse filme é esse pesadelo.
Clímax
3.6 1,1K Assista Agoraé inegável que o filme mostra uma concepção bastante coesa e consequente sobre o cinema e a arte. seu ponto de partida é o de que o cinema narrativo clássico é uma mentira.
este cinema visava a construção de um indivíduo protagonista autônomo, cuja ação é motivada pelos valores que ele incorpora e com o qual o espectador deve se identificar a partir da imagem íntegra e total que visualmente é atribuída a ele pela tela; e visava organizar os objetos de desejo desse protagonista, sejam pessoas ou coisas, como fetiches visuais cuja obtenção era organizada narrativamente como recompensa pela realização desses valores. ora, o filme começa com os personagens sendo convidados a expressar suas motivações: suas declarações de intenção são já em si geralmente vazias, estereotípicas, e — como mais tarde é confirmado — eivadas de hipocrisia; mas são ulteriormente aniquiladas como possível motor do filme pelo simples fato de que há personagens demais para que cada uma conte como relevante ou seja lembrada e, a primeira vista, parecem testemunhos curtos e medíocres de um programa de TV que pergunta a pedestres aleatórios sua opinião. a tal forma vazia está, de fato, reduzido o indivíduo no capitalismo tardio, à vacuidade dos 15min de fama, a tal ponto que até mesmo a palavra "conteúdo" foi esvaziada de conteúdo pelos assim chamados digital influencers, cuja única influência é compensar essa carência de individualidade pela exacerbação dos fetiches visuais; isto é, criar a ilusão perversa de que a própria forma vazia é conteúdo. estão de acordo com essa lógica os longos plano-sequências de dança da primeira parte do filme, nos quais há sempre uma dinâmica em que a massa dos personagens ao redor se torna mero acompanhamento de um, que, por sua vez, mostra sua individualidade pelo recurso a um estilo de dança reconhecível — isto é, estereotípico — ao qual o próximo solo é simplesmente justaposto, sem nenhuma progressão, sem que a sequência das partes forme um todo autônomo, de modo que tanto a individualidade, na sua efemeridade chamativa, rapidamente é esquecida quanto o todo não ganha coesão e não existe enquanto todo. "vivre est une impossibilité collective." se segue a sequência de planos com corte enrijecido pelo frame negro, em que ouvimos em diálogos a prosa banal da vida dos personagens, e a alternância entre os planos-sequência e as sequências cortadas ao extremo da fragmentação parece propor uma convertibilidade: em ambos há uma experiência fragmentada, pois, ao contrário do uso do plano-sequência que faz o neorrealismo ou a nouvelle vague, por exemplo, não se trata de fazer o espectador imergir no tédio do trabalho ou da miséria a que os personagens estão submetidos, cuja observação seca o revela por si só como denúncia de si mesmo; ainda que o conteúdo seja igualmente vazio, estes estão o tempo todo engajados na auto-distração em relação à carência de interesse das suas vidas. é como se a técnica neorrealista, que construía o tédio como expectativa de um acontecimento transformador, fosse desnaturada, tornada inefetiva frente à proliferação de estímulos vazios da dessublimação repressiva neoliberal. como bem sabia lacan, a dissipação dos valores éticos objetivos é também uma dissipação da distinção entre prazer e desprazer. até mesmo uma lista de nomes pode ser tornada estimulante o suficiente para que o espectador não perceba sua carência de conteúdo e se esqueça no instante: os créditos musicais, apresentados longamente no meio do filme por uma série de logomarcas o mais chamativas possível são como os letreiros de boate com que se depara e se estupefaz quem casa o EDM com o LSD. essa concepção, então, apenas se estende por sobre a ação principal, que nem mesmo ocupa a maior parte da duração do filme. o caso é que, em vez de adensar os procedimentos do cinema para reconstruir a autonomia subjetiva frente a essa situação, os choques são apenas apresentados — ao modo do stravinski de adorno — com toda a brutalidade e imediatez das coisas existentes, o que confere a elas a aparência de destino inescapável a cujo feitiço o filme adere e que ele celebra: "mourir est une expérience extraordinaire". essa distância e reificação da subjetividade é levada ao extremo da brutalidade em dois momentos: de modo concentrado, com o surto de selva, cujas contorções a câmera acompanha de fora como observadora neutra; de modo distendido, com o enredo de emmanuelle e seu filho, que sempre corre em paralelo com a ação principal da cena e cujo desenvolvimento catastrófico é totalmente comandado pelo acaso sem sentido de que ela perdeu a chave; nesses momentos o existente aparece como horrível mas inescapável. mas na maior parte do tempo, ele aparece como uma série contingente de vivências, de acontecimentos tristes ou felizes em relação aos quais tudo que se pode fazer é tentar elevar ao máximo a intensidade dos estímulos e fruí-los antes que eles nos destruam: "naitre est une opportunite unique."
Nós
3.8 2,3K Assista Agoraquando você não consegue escrever um bom roteiro, tem um macete pra enganar filisteu: enterra um monte de easter egg e de simbolismo sem maiores consequências pro todo do filme debaixo de um filmezinho comercial. se ainda conseguir injetar o ar de crítica social foda melhor ainda. é quase um trabalho de caridade pra autoestima intelectual dos preguiçosos.
O Bebê de Rosemary
3.9 1,9K Assista Agoracom esse aqui o Polanski sacaneou legal. um dos filmes fundadores do gênero de terror, 'o bebê de rosemary' é, na verdade, uma crítica à narrativa de suspense da hollywood clássica e, por meio disso, a paródia prévia das convenções do gênero que ele mesmo contribuiu para se estabelecer.
o filme de terror geralmente se estrutura segundo uma contraposição entre o(s) protagonista(s), com o qual o espectador deve se identificar, e o 'mal', algum elemento narrativo que ameaça a integridade narcísica daquele, do qual o espectador, por essa razão, deve sentir medo. a progressão narrativa se dá, então, por uma aproximação ameaçadora do elemento mau em relação ao protagonista, o que geralmente envolve uma progressão desde uma ameaça indeterminada em direção à sua especificação e nomeação. é o caso da história de rosemary, cujos problemas a primeira vista banais com a gravidez, com o marido e com vizinhos cada vez mais parecem enredados em um complô secreto. esse caráter misterioso da ameaça, que parece submeter o protagonista a uma instância decisória cujo poder é inescapável, joga o protagonista para uma consolidação defensiva e paranoica da sua identidade, no que é acompanhado pelo engajamento do espectador. isso culmina, finalmente, na revelação e nomeação da ameaça. essa estrutura é um subtipo da narrativa de mistério mais tradicional, em que o final aparece como chave explicatória do desenvolvimento — um tipo de narrativa, por tanto, que apresenta as perturbações na estabilidade da representação e do status quo como meio para seu reestabelecimento ainda mais estrito. daí o caráter moralista dos romances vitorianos de detetive e dos thrillers tradicionais, que saciavam a curiosidade do espectador por crime e sexo apenas para reconduzi-lo seguramente à moralidade burguesa.
com 'o bebê de rosemary', está presente, de fato, um conjunto de elementos — os closes no rosto, a câmera POV e, especialmente, a memorável sequência em que entramos no sonho ou alucinação de rosemary — que concorrem para produzir essa entrada do espectador pela identificação com rosemary e que também investem na complexificação de sua posição. no entanto, há que se notar, antes de mais nada, o caráter plano e vazio da protagonista enquanto personalidade, cuja motivação, além da autoconservação mais imediata, é algo da ordem de um 'instinto materno', tema apelativo por si mesmo e que, por ser pouco elaborado, permanece simplório. em 1968, a popularização da televisão nos países centrais já tinha dessacralizado a magia do cinema clássico e entronizado nas massas seus esquemas narrativos. hollywood respondeu a isso com uma progressiva atrofia da dimensão narrativa e da construção de personagem — o espectador não precisa mais ser convencido a se identificar com o protagonista pelo valor imanente desde, pois já sabe como deve se sentir em relação a o quê —, sendo substituídas pelos estímulos imediatos então inalcançáveis pelo audiovisual televisionado (cores, efeitos especiais, etc).
essa caracterização de rosemary como uma simplória é o mais notável de uma segunda série de elementos que constroem uma segunda entrada para o espectador por meio de um distanciamento entre a protagonista e o 'narrador' implícito nos recursos formais do filme. a realidade do complô é estabelecida muito cedo: além dos closes em objeto específicos (a expressão de minnie, a poção, o livro na estante), há o momento em que, após uma briga virulenta entre rosemary e seu marido, que reage de modo interessado demais à sua vontade de consultar outro médico, de repente, a dor que ela sente para e se segue uma sequência com trilha sonora leve estilo comercial de manteiga — cena que ironiza a simplicidade da protagonista e estabelece para o espectador atento que ela está por fora do que está acontecendo. somado a isso, a caracterização cômica dos castevets — longe de fazer a função do alívio cômico mandatório no audiovisual americano — contribui para banalizar o caráter misterioso do complô e desautorizar a suposição por parte de rosemary e do espectador médio de uma vontade secreta e superpoderosa que o alivia de confrontar a sua própria impotência e mediocridade.
tudo isso culmina na cena final: após a sequência tensa em que tudo converge para a identificação com rosemary, ela descobre a celebração dos bruxos pelo nascimento do filho de satã e, ao se aproximar de seu bebê, pergunta horrorizada "o que fizeram com os olhos dele". a isso, respondem banalmente "ah, ele tem os olhos do pai!" — ao que a câmera POV é bruscamente substituída por enquadramentos pacíficos e objetivos e tudo se passa como uma grande reconciliação de família de final de filme da sessão da tarde. temos até gracejos como o momento em que minnie traz um chá para que rosemary se acalme, ao que ela pergunta se é o chá de raiz de tennis e minnie responde, sarcástica, que é só um chá normal. quer dizer: de fato, ela foi estuprada em um ritual satânico em pacto com o marido, mas, relaxa, isso não é nada demais, é coisa da vida.
com isso, o filme se aproxima uma relação cínica com o audiovisual de massas — na linha do pastiche sarcástico que polanski prosseguiria com chinatown. por um lado, ele critica os esquemas identificatórios da hollywood clássica rindo do espectador que deu tanto valor à historinha de bruxas e ao mistério ó-tão-assustador. por outro lado, ele precisa permanecer atado a essas mesmas formas parodizadas, sem estabelecer uma nova síntese formal que as supere — ao ponto de elas terem sido tomadas por toda uma tradição como modelo convencional. o desrespeito ao espectador médio e sua justa demanda pela reparação e reconhecimento do sofrimento de rosemary, a banalização do que ocorre com rosemary — que, por meio do marido ator, deixa implícito tratar-se de uma representação das sujeiras não-tão-secretas do mundo artístico e da elites cultas —: tudo isso não deixa de ser uma anuência com o horror nada sobrenatural e bastante naturalizado do mundo alienado.
no entanto, a coisa não me parece se reduzir a isso. no futuro, ao ver por uma segunda vez, gostaria de ter revisto 'repulsa ao sexo': neste filme, me parece ser tomada a direção inversa de crítica da representação narrativa. em vez da parodização por simplificação do protagonista, a complexificação da personagem proíbe sua redução a uma motivação simplória com a qual o espectador pode se identificar sem maiores problemas. o notão, além de pela maestria formal, vai por essa pulga atrás da orelha.
A Tragédia de Macbeth
3.7 191 Assista Agorararamente são feitas de modo tão corajoso adaptações de shakespeare e do teatro renascentista, com toda a distância que tem a sua linguagem densamente elaborada da linguagem pré-digerida do audiovisual de entretenimento. o princípio do filme é, simplesmente, favorecer o máximo possível a apresentação do texto original. e não se trata de teatro filmado, mas de buscar os recursos do cinema para expressar os traços formais do drama shakespeariano, como a redução ao mínimo da referencialidade geográfica e histórica em favor do presente atemporal da cena e a predominância da interioridade dos personagens e da sua expressão oral por sobre a ação, que se desdobra em falas estendidas e solilóquios. responde a essas necessidades a adoção dos cenários expressionistas altamente estilizados, dos closes fechados sobre o rosto dos atores, do espaço cênico restringido enfatizado pelo 4:3 e encerrado sobre si com os cortes que não levam a 'outro espaço', tudo em favor da expressão da interioridade subjetiva. como na primeira cena de lady macbeth — cujas falas são carregadas de imagens que beiram as expressionistas —, em que ela recebe a notícia da proclamação de macbeth como thanes de cawdor e da profecia das bruxas: enquanto lê a carta, ela se aproxima à distância em um corredor, sua figura obscurecida — consumida pelo interesse na voz de macbeth, cujos matizes ainda não conhecemos —, até que a carta se dirige a ela e a suas expectativas, coincidindo com o momento em que seu rosto se aproxima da câmera em close, no que a expressão sedenta da brilhante frances mcdormand revela a ambição inexorável que é sua força motriz; com isso, enquanto discursa sobre suas expectativas, caminha contra a luz que vem da janela e sua figura novamente enegrecida passa a distanciar-se da câmera enquanto ela expõe os meios vis que pretende usar para realizá-las — e ao abrir a janela, é noite. o texto de lady macbeth — em linha com clitemnestra e seguindo a tradição misógina do teatro ocidental — retrata uma mulher consumida unilateralmente pelos interesses particularistas da família, perversa ao ponto de ser incapaz de reconhecer, senão em seu sonambulismo, a culpa que a consome, violenta ao ponto de suas falas a todo tempo beirarem a profanidade. a interpretação altiva e firme da atriz lança uma luz renovada sobre a personagem, um pouco à maneira do ressentimento sóbrio da cersei de lena heady, que quase converte o solilóquio do "unsex me" em uma denúncia do ressentimento que o machismo imbui na condição de mulher. denzel washington, no entanto, não tem o mesmo sucesso: seu estilo excessivamente low-key não se adapta à estilização do filme, sua dicção não se molda à densidade rítmica do texto, que em muitos momentos quase parece lido. esse é o maior defeito do filme: os solilóquios de macbeth, atravessados pela corrosão da culpa — alguns dos textos mais significativos já escritos — resultam inexpressivos, pois já não refletem sobre a avidez enérgica que sustenta a ação firme de macbeth, mas sobre um caráter que insiste na indecisão e no encerramento interior, que parece até agir menos autonomamente do que por influência da lady macbeth, a verdadeira protagonista. também é problemática a escolha de, contrariando o texto, mostrar em cena o assassinato do rei, o que rompe com as convenções do teatro culto de apresentar post factum os atos violentos — convenção que, é preciso admitir, também é frequentemente rompida pelo próprio shakespeare. em compensação, katheryn hunter nos agracia com a interpretação definitiva das bruxas em duas das melhores cenas do filme: o imaginário das hags, com seu corpo enrugado, angular, nodoso e retorcido e a ênfase na ação com os pés as aproximam da força ctônica dos impulsos naturais que levarão macbeth a cometer o pior enquanto seu consequente colapso na figura da morte de bergman e sua suspenção aos céus infunde o imaginário do destino como universalidade abstrata pairando sobre as nossas cabeças, inclusive a do rei — ambos os lados externalizações do desejo demasiado humano do protagonista, cujas ações são o que realizam a profecia e convertem a ideia em ato, a adaga da mente em adaga palpável.
O Beijo Amargo
4.2 54 Assista Agoracom determinação e olhos abertos, fixos no objetivo, é golpear sem pena, não importa a peruca — mais uma humilhação que apenas dignifica —, é preciso fustigar o cafetão sem fruir tanto e tomar o justo, o merecido; e, em seguida, respirar fundo e ajeitar a fachada porque a podridão de dentro já basta, não é mesmo? a virada do bebop alucinado pro excesso orquestral melodramático, que assinala a passagem à interioridade subjetiva, enfatiza o gesto que aproveita a desilusão para melhorar o carão sedutor ao ajeitar-se diante do espelho (a câmera) e reafirmar a cumplicidade consigo contra o mundo — o espectador, que havia caído de supetão nessa confusa transitividade entre ela e o cafetão, só aqui encontra sua porta de entrada. os créditos iniciais se interpõem à imediatez falsificada e revelam a superficialidade oca da sensualidade de kelly: são a ornamentação desse ato tão familiar aos feridos pelo cinema, para os quais, contra a solidão e na falta de Deus, só resta encenar para si discretamente uma quebra da quarta parede e ironizar o fiasco da própria vida diante das poltronas vazias que a acompanham. se existe um bom sentido de camp, ele deve ser buscado aqui. está nessa autocomiseração bem-humorada da afetação dos desviantes que atinge a essência do cômico: não a turba que aponta e ri, mas a ironia com a qual me construo reivindicando meus fracassos, a conversão da desgraça em graça. e o nome unissex "kelly" e a careca coberta pela peruca não deixam de indicar o caráter andrógino da vida como performance, dessa superfície sem profundidade a que estamos todos relegados, apesar de caber apenas a alguns o fardo e a coragem de admiti-lo.
artificialidade, estilização, exagero, sim: e a serem apreciados com a inexpressividade adequada para contaminar tudo com certo distanciamento. os personagens parecem a todo momento estar prestes a sair do papel e irromper em riso ou dizer 'chega' e abandonar a cena. digo os personagens, não os atores, pois o semblante do ficcional é interior à diegese: a frustração da tia virgem simpática ventilada por sua risada lynchiana; o polícia que age naturalmente sabendo que está abaixo da moralidade; e claro, ela e sua beleza vivida, que modela o olhar que ela dirige a griff ao descer do ônibus. olhar que comunica não apenas a consciência lúdica de ser desejada da maneira vulgar apregoada pelo cliché visual do close nas pernas descendo os degraus, mas também certo cansaço de cumprir outra vez esse papel, quase como se pedisse se, senhores, não poderíamos cortar a cerimônia e saltar essa parte? isso é algo muito diferente daquela piscadela vulgar a ser encontrada desde os refrões autoconscientemente ridículos do sertanejo universitário, passando pelo humor negro da animação adulta até os piores momentos do tarantino, esse convite à leveza cínica na qual o espectador reconhece sua acriticidade apenas para desmenti-la, para fingir que a covardia estética é escolha livre e não impotência. longe de ser esse calção subjetivo que põe o expectador a uma distância emocional segura, o distanciamento aqui é imanente à identificação. é a maneira como se expressa o implícito que atravessa todas as cenas: o passado traumático e a ausência de destino, o caráter absurdo, desessenciado da vida. põe em evidencia a vulnerabilidade e o desamparo radical, e, se é convite a algo, é a essa identificação especial que une os destituídos.
"every little girl and every little boy that pretended hard enough was playing on the grass and having a whale of a time" — sim, muito lindo, não é mesmo? — "confidentially, charlie, we girls are always chasing dreams. [...] or did they? aw, of course they did..." — e um gole da taça fálica que ele me deu de presente — "what do you want, a medal?" — e também no menino se vê a expressão de quem sabe que não acederá à redenção.
mesmo o momento em que os sonhos parecem se realizar já está plagado pela frustração. não é possível para mim — esse homem rico, culto, amante da veneza de lord byron? — eu sei que não é. em algum momento dará errado. a máscara vai cair e a infâmia será revelada: quando eu falar demais e sugerir que conheço o polícia mais do que não deveria; ou pelo simples fato de que não sei pronunciar o nome dos autores alemães que li por angústia, não por educação formal. (mark fisher: "In England, working class escape is always haunted by the possibility that you will be found out, that your roots are showing. You won’t know some crucial rule of etiquette that you should. You will pronounce something wrongly – mispronunciation is a constant source of anxiety for the autodidact, because books don’t necessarily tell you how to say words.") todos esses erros são discretamente registrados pela expressão rigidamente jocosa a que se constrange o rosto de cera de grant, o que também já sinaliza algo de errado. mas, mais uma vez, "if you pretend hard enough"... ouvimos o gondoleiro tenor do qual usurpamos sem merecer o grau de intensidade emocional da ópera italiana (oscar wilde: "A sentimentalist is simply one who desires to have the luxury of an emotion without paying for it."), e o sofá mesmo se transforma em uma gôndola de veneza em meio a uma ventania de folhas de dar inveja a sirk, exagerada a ponto de ele ter de tirar uma folha do rosto dela (do seu modo melodramaticamente lento de boneco de cera). o gesto dela de afastá-lo com expressão desconfiada em meio ao beijo — ao 'naked kiss' — atesta a irrealidade, o desconcerto, que é confirmado pelo movimento de câmera que termina a cena: deslizando por suas pernas, se detém no projetor que viabilizava essa ficção, esse gesto de memento mori cinemático.
Palmeiras na Neve
4.2 176(eu não escrevo assim pro filmow rs escrevi pra faculdade)
Este trabajo tiene por objetivo, tras una breve presentación de la teoría del melodrama y del cine narrativo de Laura Mulvey (1989), presentar un análisis esquemático de la película ‘Palmeras en la nieve’ de 2015. Intentaremos indicar cómo se instrumentaliza el lenguaje del melodrama para convertir en una novela familiar de contenido superficialmente feminista el trauma cultural de España que representa la pérdida de las colonias. Esta operación permite al espectador español con sensibilidades contemporáneas deshacerse de su culpa colonial y reanudar su identificación con el pasado nacional imperial.
Partiendo de la teoría de la ideología de Louis Althusser y del psicoanálisis de Jacques Lacan, Mulvey construye un esquema interpretativo de las funciones ideológicas del cine narrativo comercial, que según la autora organiza dos tipos de placer visual para el espectador. El primero es la pulsión escópica, que se dirige a imágenes directamente objetificadas sexualmente como fetiche visual. El segundo es la identificación narcísica con los personajes, que le permite ‘vivir’ através de ellos y realizar sus deseos frustrados por medio de la potencia fálica del personaje que finalmente posee tales fetiches. Para la descripción de esta estructura, se presupone la implicación perfecta del espectador en la medida que la película lo promueve, aunque en condiciones reales pueda ser que no se dé. De modo general, como ese cine presupone un espectador masculino, estas dos funciones son repartidas entre el protagonista masculino y la(s) personaje(s) femenina(s). Con eso, el placer visual facilita la conducción del espectador hacia un cierre narrativo que sutura ideológicamente las contradicciones sociales. Por otro lado, el melodrama, género que se dirige primariamente al público femenino, recurre más crucialmente a la dimensión narrativa para, por medio de la identificación imaginaria con la protagonista, hacer converger las pulsiones sexuales activas de la espectadora con su rol femenino en la familia, lo que de modo general se realiza en el final feliz con matrimonio. Con todo, Mulvey cree que el melodrama no puede ser reducido a su función de suturar las relaciones de la espectadora a relaciones ideológicas establecidas, ya que, en vez de ocultarlas bajo el placer visual, ese género tematiza directamente las contradicciones de la vida sexual patriarcal y su mérito, como dice Douglas Sirk — el gran director de melodramas de los años 50 —, es “la cantidad de polvo que levanta” antes del final feliz.
No obstante, si se puede elogiar en los melodramas de Sirk el mérito de conferir visibilidad a la experiencia femenina concomitantemente al de frecuentemente articularla de manera exitosa a contradicciones a nivel de clase y raza, no se puede olvidar que una película cuyo contenido manifiesto es pretensamente femenista también puede instrumentalizarlo para la ocultación de contradicciones de otros órdenes, hasta al punto de anular el propio teor progresivo.
De modo general, ‘Palmeras en la nieve’ reparte de modo ecuánime las imagenes sexuales del cuerpo masculino y femenino y Clarence, la protagonista del relato enmarcado, aparentemente es una mujer aventurera, sexualmente libre e independiente que no tiene miedo a poseer su deseo. Pero su rol narrativo es, en efecto, promover a la espectadora una entrada para una narración que objetiva restaurar la ley simbólica del Padre: mientras el espectador masculino se identifica directamente a Kilian, el protagonista del relato principal, la espectadora femenina puede identificarse a él indirectamente através de su identificación a Clarence, que se dedica a reconstruir la historia de Kilian como medio de reconstruir su propia historia y se inviste como su representante en la Bioko contemporánea. Así como en ‘Duel in the Sun’, la película analizada por Mulvey (1989, p. 29), ‘Palmeras en la nieve’ reparte el rol masculino en dos personajes diferentes. Kilian representa la ley paterna y la integración simbólica a la familia y a la tradición — tras la muerte de Antón, Killian efectivamente asume su posición en Fernando Póo frente a los bubi, continúa a proveer lealmente a Bisila tras haber dejado Guinea Ecuatorial y, sobre su versión mayor, su hija dice que “para él el pasado es más real que el presente”. De otro lado, Jacobo representa la búsqueda narcisista del placer — desde el principio, se presenta como mujeriego, libertino y en conflicto con la ley familiar. Sin embargo, tal repartición no adquiere el sentido narrativo que posee en ‘Duel in the Sun’, en que las figuras masculinas señalan la aporía del deseo femenino, que está en el centro de la narración. Diferentemente del cowboy Lewt, la oposición de Jacobo a la ley es inequívocamente presentada como figura de regresión e impotencia destinada al fracaso. Entre los dos solo Kilian se presenta en pose efectiva de las imágenes-fetiche sexuales; Julia rechaza a Jacobo y su imagen corporal está constantemente alejada de los fetiches visuales femeninos. La presentación explícitamente crítica de la película de sus actitudes violentas y machistas frente a Julia y a Bisila funciona como refuerzo de la convergencia de identificaciones a Kilian, pues aleja de este último los actos masculinos violentos y purifica la posición moral del portador de la ley paterna.
Esta presentación higienizante y simplificadora de las contradicciones de la vida sexual ya bastaría para anular como diversionista el pretenso contenido feminista y conducirlo a la confirmación del orden. Pero esta novela familiar sirve no más que como molde narrativo para tematizar las relaciones de España con su pasado como imperio colonial. Es importante subrayar que la película gira enteramente alrededor de cuestiones de la historia e identidad española y poco tiene qué decir sobre los pueblos anteriormente sometidos al yugo colonial, sus especificidades culturales y sus percepciones particulares sobre su historia. Si la película no adhiere a la clásica representación directamente racista de los pueblos africanos como salvajes, aplica sobre los personajes bubi y su etos una completa homogeneización relativista que los convierte efectivamente en occidentales: la boda es una boda en general, el machismo es machismo en general, el respeto a ‘las tradiciones’ es abstractamente afirmado. La única diferencia cultural señalada — la poligamía — es brevemente tratada y rechazada como machista en la escena de la boda privada de Kilian y Bisila. Esta presuposición de una esencia humana universal compartida igualmente por los amantes es condición sine qua non para las historias de amor desde Romeo y Julieta y sirve a los objetivos ideológicos del melodrama colonial. A la repartición previamente discutida entre Kilian y Jacobo de las funciones masculinas de portador de la ley simbólica y del narcisismo fálico adhiere el conflicto social de fondo. Los lados opuestos de ese conflicto no son presentados directamente como lucha entre imperio y colonia, pero son cortados de modo transversal como conflicto entre los que, de un lado, conviven y respetan las leyes y tradiciones en general — centralmente Kilian, también Bisila, Osé y Simón, bien como Julia y Manuel — y los que, de otro lado, protestan en contra las leyes y se pierden en su búsqueda individual de potencia narcisista — Jacobo y Gregorio, pero también Atsu y todos los militantes negros excepto Gustavo. De este modo, se permite equiparar los excesos de la lucha anticolonial y sus consecuencias (a veces terribles, de hecho) al yugo imperial y su imposición violenta de la explotación del trabajo y de las riquezas locales. Así que el evento traumático central, presentado en la primera escena, que la narrativa busca reconstituir y alrededor del cual converge, es la separación de Kilian y Bisila, directamente asociada a la independencia de Guinea Ecuatorial. Es decir, el punto central de la narración es presentar el fin del poder colonial de España como separación de la familia, violencia contra las leyes y tradiciones y expulsión del padre español generoso encarnado en Kilian. Al final, la ley simbólica y su desvío son reconducidas a la unificación como pelea interna de la gran familia del Imperio Español, de modo que la hija del estuprador de Bisila se reconcilia en su nombre y termina con Iniko, su hijo.
La crítica al horror de la colonización española en nada afecta el reconocimiento del horror que siguió a la independencia, ahora impuesto al pueblo de ese país por tiranos nativos. Pero, como decía Lacan, los celos del marido son un síntoma neurótico aunque la esposa realmente lo esté traicionando. En el contexto de la industria cultural contemporánea, hay que tener ojo crítico a la apropiación relativista y liberal del barniz progresista de apoyo a la lucha de minorías para ocultar contenidos ideológicos que reproducen las visiones de mundo más regresivas.
Referencias bibliográficas
MULVEY, L. Visual and other pleasures. New York: Palgrave, 1989.
eXistenZ
3.6 317— C'mon Pikul. You just got a bad case of first-time user anxiety.
— I don't like it here. I don't know what's going on, we're both stumbling around together in this unformed world whose rules and objectives are largely unknown, seemingly indecipherable or even possibly nonexistent, always on the verge of being killed by forces we don't understand.
— That sounds like my game alright.
— That sounds like a game that's not going to be easy to market.
— But it's a game everybody's already playing.
Scanners: Sua Mente Pode Destruir
3.5 251é sempre bom exercitar um pouco a imparcialidade. amo o cronenberg de paixão, mas é um crime desperdiçar uma trilha do howard shore com essa sequencia interminável de cenas de gente se olhando com força. o mérito dos filmes do cara é precisamente mostrar o potencial poético e a força expressiva das imagens do horror corporal e do sci-fi. até pra que esse mérito seja preservado, quando o que está em jogo é só explodir cabeças porque é divertido, isso tem que ser dito.
Era Uma Vez em... Hollywood
3.8 2,3K Assista Agoramais uma vampirização nostálgica da hollywood dos anos 60. isso é um elemento que sempre fez parte dos filmes do tarantino, mas sempre com uma virada crítica interna e um trabalho de narrativa e de diálogos que levava a coisa pra outra direção. agora é só isso. e parece que tarantino saiu da weinstein company, mas ela não saiu dele: nunca um filme dele repartiu tão clara e entediantemente entre personagens masculinos e femininos aqueles com quem você deve se identificar e aqueles que você deve objetificar. é seu pior filme.
Tudo o Que o Céu Permite
4.0 931. na discussão sobre sirk, é possível encontrar duas maneiras contraditórias de defender a grandeza de sua obra: ou como o ápice de elaboração do gênero melodramático no cinema clássico -- com isso, validando essa forma característica do audiovisual de massas -- ou como uma aplicação decisiva da técnica brechtiana do estranhamento -- compreendendo, então, que os melodramas sirkianos são implicitamente críticos às convenções formais às quais eles precisam aderir. ambas as posições encontram respaldo tanto em declarações de sirk como na sua curiosa carreira -- nos anos 20 e 30, diretor de teatro brechtiano e artista da vanguarda alemã pós-expressionista; nos anos 40 e 50, um dos diretores hollywoodianos mais comercialmente bem sucedidos de 'filmes femininos'. um disparate desse tamanho diz muito sobre os problemas da arte na modernidade tardia.
2. o melodrama hollywoodiano tematiza a vida sexual e a família; centrados numa protagonista feminina, sua narrativa se estrutura a partir dos conflitos da mulher com seus papéis sociais de mãe, esposa ou filha, que são conduzidos narrativamente à reconciliação por meio do final feliz, no qual a realização da relação sexual é identificada à instituição do casamento. o melodrama sirkiano, no entanto, leva essa forma a um limite: os conflitos da mulher com seu papel sexual são disruptivos demais para que a ideologia pequeno-burguesa permaneça intocada e, como diria sirk, "muita poeira é levantada no caminho".
3. nos filmes de sirk, e mais especialmente nesse filme, os conflitos amorosos são associados a conflitos sociais mais amplos: a tensão vivida por cary entre repressão e satisfação sexual (ser viúva e mãe ou viver sua sexualidade) é conectada à separação de classes (ela, mantenedora do legado um rico empresário; ele, jardineiro) e à tensão entre civilização e natureza (vida consumista no subúrbio americano/vida de subsistência no campo). essas oposições entre modos de vida adquirem forte significado histórico por organizarem dois ideais antagônicos no interior da mitologia americana, e essa polaridade é construída no filme ao redor de três significantes.
4. o primeiro deles é a rena, que aparece no início e no fim da cena da cabana e na cena final; ela marca a entrada de cary no mundo de ron kirby e sua liberdade e conexão com a natureza; o fundamento histórico desse ideal está na mitologia americana da ‘vida simples’ dos ‘pais peregrinos’ que exprimiam uma espiritualidade genuína, se organizavam em livre associação e em coexistiam em harmonia com a natureza; a conexão de kirby a esse ideal americano é explicitada pela citação à obra Walden de Henry David Thoreau, pensador americano crítico dos processos de modernização que cunhou o conceito de desobediência civil. mais ainda pelo apelido de "nature boy" que ele ganha de um dos convidados da festa no country club e que, quando cary vê da janela, em meio à sua solidão, a canção 'nature boy' ser cantada por crianças no natal, se revela como um outro nome para jesus cristo.
5. de outro lado, o ‘american dream’ dos anos 50, marcado pela biopolítica e pela coerção social dos pares, tem como seu significante central a televisão, ao redor da qual a família se reúne e, assim, realiza seu encerramento na vida doméstica e o retraimento do espaço público. a cena em que cary recebe a televisão de presente do filho tem uma clara conotação edípica: para o filho, a sexualidade da mãe simboliza sua castração por meio da lei paterna; fracassada a tentativa de uni-lo à figura impotente de harvey; a televisão, então, materializa sua vinculação impositiva à casa e à repressão sexual, que o permite se identificar com o pai. cary, ao ver sua imagem refletida e emoldurada pela televisão, percebe toda a extensão das frustrações implicadas pela sua adequação ao papel social de mãe-viúva. além disso, o advento da televisão também simboliza o fim do cinema clássico de hollywood, que, para se diferenciar dos dramas televisivos, abandona progressivamente o realismo narrativo em favor da fetichização da técnica cinemática, lotando os filmes com as imagens saturadas de efeitos especiais que caracterizariam o cinema de ação, de terror, de ficção científica e de super-herói orientado à produção de blockbusters; e, com isso, a derrocada da centralidade do cinema como espaço privilegiado da sociabilidade urbana e como principal entretenimento de massa.
6. fazendo a mediação entre esses dois mundos está a árvore de natal: a árvore escolhida por cary é da espécie do ramo presenteado a ela por ron no início do filme e é comprada na sua loja, além de se associar à rena como símbolo natalino; a mesma árvore organiza a imagem da ceia de natal familiar que é a ocasião em que ela recebe a televisão de presente do seu filho e em que ambos os filhos declaram independência. por meio da ambivalência da árvore de natal, símbolo da festa que é elemento central tanto na mítica dos pais peregrinos quanto na mítica oposta do consumismo dos anos 50, se estrutura a ambivalência dos próprios ideais americanos em questão no filme.
7. a partir desses três símbolos centrais, pode-se reconstruir uma estrita hierarquia de cores, enquadramentos e objetos cênicos que conduzem o jogo narrativo entre esses dois pólos. a primeira cena do filme, na qual Sara chega em seu carro azul com um vestido azul para convidá-la a um jantar com harvey e cruza o jardim de ron kirby dominado pelo vermelho e laranja outonal, estabelece desde o princípio o jogo de cores que representam o desejo sexual de cary; logo em seguida, o vestido vermelho de cary vai simbolizar seu novo despertar sexual. tal jogo alcança seu ápice de estilização na cena da cabana, em que os momentos de aproximação e afastamento entre os dois são organizados pela polaridade entre a luz quente da cabana e a luz fria do inverno lá fora, e termina com a tela dividida verticalmente entre as duas cores pelo beijo. conforme o filme progride, as cores se associam à progressão das estações, que, da mesma maneira como no livro de thoreau, dita o ritmo da narrativa e vai desde o outono terminando no fim do inverno. talvez a cena em que mais fique clara essa organização total da técnica cinemática em favor da orientação afetiva inconsciente do espectador seja a transição em que kirby deixa cary em casa após seu primeiro encontro e a câmera sobe para a árvore ainda plena de folhas com uma trilha sonora esperançosa ao fundo; após um corte, a árvore está depenada e a música que retoma é a “consolação nº3”, de liszt, tocada por cary ao piano, que se repetirá em seus momentos de solidão.
8. no melodrama sirkiano, o protocolo formal do final feliz no matrimônio é respeitado, mas a condução até ele ou é explicitamente inverossímil (como em ‘magnificent obsession’, em que o bad boy que cega sua amada se torna de repente o cirurgião que a cura de sua cegueira) ou, como em ‘tudo que o seu permite’, o matrimônio é marcado por um mau agouro; o acidente de ron o deixa dependente de cary; seu corpo derrubado no sofá é tão impotente quanto o de harvey. em sua última fala do filme, cary, com a expressão consternada, afirma ambiguamente que “voltou para casa”, ao que se segue a imagem da janela, na qual o inverno derrete e a rena observa o casal, como arauto das espectativas (ainda?) não realizadas.
9. a estilização dos filmes de sirk é ambígua: a conjunção total dos recursos cinemáticos para a saturação emotiva própria ao melodrama opera no limite tênue em que os processos que promovem as operações inconscientes do prazer visual no cinema narrativo passam a ser exagerados ao ponto em que deixam de operar inconscientemente e são explicitados para o narrador, que passa a percebê-los como 'estranhos' -- além dos momentos já comentados, talvez o artifício principal nessa direção seja a trilha sonora torrencial (o 'melos' do melodrama), que frequentemente é menos envolvente que incômoda e ridícula. essa operação de crítica da obra de arte burguesa pela explicitação de suas operações estéticas escondidas é o ponto central da 'entfremdung'. no entanto, os filmes de sirk parecem atacar pelas duas frentes: de um lado, ele leva a forma-melodrama até o máximo de crítica social que ele pode conter sem romper as convenções formais impostas por hollywood; então, ali onde o melodrama não alcança por si mesmo, são os processos de estranhamento à forma melodramática que passam a funcionar, com seus gestos exagerados, sequências de plot twists, deus ex machina e outros recursos que quebram a verossimilhança do filme e ironizam suas próprias limitações. o mais desconcertante é que, mesmo os nos momentos de estranhamento formal, o filme não degenera em mera paródia, não provoca riso; ao contrário, como os disparates que emergem repentinamente entre forma e conteúdo não são normalizados e espalhados ao longo do filme, mas permanecem localizados e agindo sobre momentos específicos, o espectador os percebe como quebra do contrato fílmico, como se o filme girasse em falso por cima da narrativa. essa contradição derrete os critérios de julgamento dos filmes de sirk, mas pulsa no seu interior.
Marcas da Violência
3.8 399 Assista Agorao abismo sem fundo que é o outro.
Longe do Paraíso
3.8 170 Assista Agorao mérito do filme é evitar uma parodização fácil do melodrama. adorno dizia que "talvez um filme que obedeça estritamente ao código Hays possa chegar a ser uma grande obra de arte, porém não em um mundo em que existe um código Hays", e a maneira muito comedida com que o filme encena o amor impossível de cathy e raymond contribui para salvar a potência de comoção das cenas mais sutis da hollywood clássica, em que os não-ditos que transparecem por baixo das cenas restringidas, na fotografia technicolor e na trilha sonora, conferem ainda mais força do que se fossem explicitados.
mas tudo depende muito de uma espécie de transgressão retroativa de figuras passadas da opressão, como se esse nível de crítica feminista, LGBT e anti-racista ao sonho americano cinquentista não tivesse adentrado o debate público e sido superado já nos 60. essa reencenação de críticas pretéritas transparece um certo auto-contentamento. não se pode deixar de imaginar alguém que termina o filme e pensa "nossa, hoje em dia tudo é muito melhor!"; como se lembrar do horror já superado da moral sexual repressiva e do apartheid oficial aliviasse o horror ainda muito atual do imperativo neoliberal ao gozo e da necropolítica direcionada às populações racializadas. um autocontentamento, aliás, bastante parecido com o da simples parodia, ainda que dispense sua violência narcisista total contra o passado.
no entanto, precisamente o mérito que o filme resgata da sutileza de sirk fica contaminado, pois essa disposição até certo ponto válida de salvar as formas obsoletas da indústria cultural, em vez de simplesmente escarnecer delas, vai longe demais, quase que nostálgica pelo espaço cerrado do cinema da era hays, e lembra aqueles que suspiram de saudade da censura e da repressão porque elas supostamente obrigavam a soluções artísticas mais engenhosas. mesmo que isso tenha algum efeito crítico em relação ao fetichismo fácil dos efeitos especiais e imagens saturadas da hollywood contemporânea, o filme erra o alvo porque o imperativo do mercado cultural a produtos cada vez mais hiperbólicos, com o fim de prender a atenção de um espectador treinado pela timeline do twitter, não consiste em um 'liberou geral', como a ideologia da 'cultura popular' tenta apresentá-lo, mas em uma restrição objetiva muito mais estrita e coisificante.
Marujo Intrépido
4.1 24o maior elogio imaginável à sociedade do trabalho, tão impressionantemente bem sustentado que não pode deixar de mostrar suas fissuras incorrigíveis, do lado burguês e do lado proletário. por não atenuar o luto do marujo, ele lança o sonho utópico de um mundo sem divisões em que ninguém se resigne a morrer no mar.
O Médico e o Monstro
3.6 32 Assista Agorafleming, sempre implacavelmente cristão, pinta a história clássica com a culpa e as proibições misteriosas e inexoráveis da lei divina. com isso, mostra a face negativa, menos convincente, do chamado à retidão ética que vemos em captains courageous e joan of arc.
Uma Aventura na África
3.7 99roteiro imbecil de aventura na selva, dando precedente a todos os lamentáveis indiana jones, com um par de personagens excruciantemente planos e mal desenvolvidos, tudo a serviço de uma direção de arte de panfleto turístico de safari pra inglês ver (literalmente). e com isso, claro, pitadas de louvação à 'missão civilizatória' britânica e retrato racistinha dos 'selvagens'. hepburn e bogart fazem o máximo que podem com seus papeis infantis, mas realmente não tem nada o que tirar daí. é chocante que o mesmo huston que dirigiria 'os desajustados' se sujeitou a essa tosqueira. pra que três dos grandes gênios da hollywood clássica gastaram tempo com essa porcaria? é daqueles casos que só a falta de dinheiro no banco explica.
Vestida Para Matar
3.8 252 Assista Agoraa pirotecnia cinemática é puro enfeite sem conteúdo, com a única função de tornar mais fácil engolir o lixo reacionário que vem junto.
toda a condução da câmera e a direção de arte é voltada para capturar o espectador num erotismo voyeurista — a câmera que espreita os personagens, o movimento sempre suave, o fade in recorrente, o figurino de alta costura, os interiores luxuosos e exteriores majestosos, as cores quentes, que por vezes adotam um tom fantástico/orgástico, a trilha sonora sempre 'smooth'. a sequência inicial, em que a camera penetra lentamente no quarto escuro até o banheiro, com kate tomando banho, é uma ilustração bem clara de tudo isso junto. por isso não são acidentais as múltiplas referências a hitchcock, que tematizou consistentmente o voyeurismo.
mas, inversamente a hitchcock, que sempre leva o voyeur a seu ponto de angústia, esse filme é só uma afirmação despropositada desse gozo cinemático voyeurista, sem que essa posição seja minimamente deslocada. ao contrário, o filme convida a todo tempo a aderir a uma perversão salvaguardada. não é dada, em momento algum, nenhuma ruptura no clima agradavelmente erótico: mesmo nos momentos de violência misógina brutal, esta é apresentada como pura tensão erótica. nesses momentos, além do erotismo, se soma a essa desautorização do horror real do acontecimento a exploração irônica das formas cliché degradadas do cinema exploitation por montagens estupidamente dramáticas e intrincadas — a 'câmera lenta simulada' do jogo de posições entre kate, bobbi e liz na cena do elevador e entre liz e bobbi na sequência final. quando fica muito pesado, o filme apresenta a evasão reaça clássica: é só uma piada.
há uma estratégia de desimplicação que domina o filme — o jogo pelo qual uma mesma função ideológica é encarnada em uma multiplicidade de figuras com quem o espectador pode manter uma identificação difusa sem se implicar. um exemplo são as tomadas voyeurísticas, que, em vez de assumirem o ponto de vista de um personagem ao qual o expectador possa se identificar e por meio do qual possa se implicar no filme, se repartem em mil perspectivas. com isso, se multiplicam em olhares difusos e discretos, tornam o voyeurismo bem sucedido e acobertam a perversão em jogo.
essa estratégia também ocorre na construção de personagens. quase todos são variações de duas séries mais ou menos estáveis repartidas entre homens e mulheres: a) a mulher com o desejo sexual excessivo (a mãe casada com outro e adúltera, a prostituta); b) o homem em déficit com a masculinidade, diminuído narcisicamente (o marido que fode mal, o filho em disputa com seu padrasto, 'o' transexual como homem em déficit, o amante sifilítico). a partir do jogo entre a variedade de figuras para a mesma função, todas as cenas do filme podem ser redescritas como variações de dois temas: o homem violentando a mulher em vingança merecida e o homem salvando a mulher em complacência heróica. como todos os personagens são deixados na estereotipia, o espectador pode petiscar identificações e gozar sem aguentar ass consequências.
o filme mostra seu conteúdo de verdade ao incluir na série masculina de modo chocante elliott, o psiquiatra sedutor: o feminino é mostrado, então, não mais apenas como ameaça externa para a lógica fálica masculina, mas também como ameaça interna, desejo recalcado de ser feminilizado. o alinhamento desse impasse aos outros impasses da série 'homem' é confirmado pela fala 'irônica' quase lateral de peter: "em vez de construir um computador, eu poderia construir uma mulher de mim". mas o clímax traumático do filme é rapidamente suturado pela cena imediatamente posterior à revelação, com o polícial e o psiquiatra "explicando" a transexualidade de elliott com categorias psiquiátricas bem definidas que o isolam no terreno da loucura, seguindo à risca o manual foucaultiano de atrocidades do poder.
para não deixar de notar: há também o momento racista dos 'thugs' estereotipados. com isso, o filme coleciona todos os pokémons: é um extravagante e luxuoso pornô soft para homens brancos ricos com a sexualidade mal resolvida.
Roma
4.1 1,4K Assista Agora1. quem vê heroísmo em cleo está vendado: o filme todo se estrutura a partir de sua coadjuvância em sua própria vida. a partir das relações entre os três níveis de conflito social que o filme contém, é construída uma personagem quase plenamente identificada com sua posição de classe servil.
2. nas cenas em que se desenrola o primeiro conflito, o caso de cleo com fermín, sua gravidez e abandono, o foco poucas vezes é sobre cleo, que está sempre estática, ouvindo, olhando, enquanto os outros se movem e falam por ela. isso fica especialmente claro na cena bizarra em que, sob o olhar fascinado de cleo, fermín nu faz suas acrobacias marciais fálicas e se aproxima com carícias da sua expectadora. nenhum enquadramento do encontro sexual dos dois é proposto e a cena é de fermín agindo sobre sua presa.
3. no tratamento do segundo conflito, a crise da família pequeno burguesa para a qual cleo trabalha, as cenas amplas confundem por não se centrarem no evento narrativo contado, mas na figura e no olhar sempre passivos de cleo. é no exercício de sua função que ela está em paz com a câmera, mas a história contada não é a sua. o movimento sempre parcimonioso e horizontal das cenas acompanha a passividade da personagem e o preto e branco com foco profundo dissolve sua figura no fundo, entre os móveis da casa. isso é especialmente perceptível na sequência em que antonio e sua amante saem desvairados e risonhos do cinema: o destaque no enquadramento para essa revelação importante é quase nulo. a sensação é de que, nessas passagens, a câmera ao invés de focar nos protagonistas por direito da história, deslizaram sem que se percebesse para um dos figurantes. cleo não é fofoqueira, é dócil e resiliente, ouve e vê só o inevitável enquanto varre e traz doce de banana.
4. o terceiro conflito, a violência política que marca a história do méxico no massacre do corpus christi de 1971, aparece como pano de fundo aparentemente distante até que, num desses momentos em que fica claro para todos que "as estruturas desceram às ruas", fermín aparece como um dos matadores treinados para perseguir politicamente os movimentos sociais e, ameaçando cleo e sua patroa com uma arma, causa o parto mal sucedido do próprio filho. é por meio dessa intervenção do real no seio da família burguesa que os três conflitos sociais entram em ressonância, e a cena extenuante do parto de cleo se demora impossivelmente no trauma que abala sua relação com sua posição ideológica. é preciso ter clareza que a cena central do resgate das crianças não mostra um ato de bondade e auto-sacrifício, mas é o instante em que o servilismo de cleo alcança seu ápice e se torna insuportável para ela. por isso ela chora e abre um testemunho pessoal em meio a um evento aparentemente desrelacionado: com isso, ela se desloca por um breve momento e diante de todos da posição coadjuvante de boa funcionária e, para o claro estranhamento da família, usurpa o protagonismo e a centralidade da cena para o testemunho da sua dor.
5. que eu tenha notado, só há duas cenas em que a câmera traça um movimento claramente vertical: a primeira do filme, em que a água com sabão é jogada no chão e reflete a luz do céu cortada por um avião — a câmera sobe do chão para cleo —; e a última, — que sobe de cléo para o céu cortado por um avião agora visto diretamente — em que cleo sobe as escadas declarando em sua língua mixteca que tem muito a contar. com essa bela metáfora visual, é possível ver diretamente no céu o que só era possível ver distorcido no chão, e os três andares do edifício que o filme constrói estão posicionados e pedindo o desabamento.
Black Mirror: Bandersnatch
3.5 1,4K1. apesar de a série ser, sem dúvida, o que de menos imbecilizante tem sido feito do pessimismo distópico de presente/futuro próximo atualmente em voga, ela tornou explícito agora seu fundamento ruim: a noção ideológica, pretensamente crítica, de que a possibilidade da liberdade só seria realizável se não fosse sempre, de antemão, expressão ilusória de uma determinação total — pela tecnologia, pela mercantilização ou, no caso, pelo 'espectador do futuro'.
2. no jogo/filme/troço, os elementos da narrativa se voltam contra si mesmos: os personagens começam a reagir criticamente ao fato de serem personagens e a prisão da série mainstream na narrativa linear é levada ao seu limite. para o espectador, isso se dá em dois movimentos: I. por meio das escolhas que ele faz, é convidado suavemente para a posição sádica de deus arbitrário de tudo que acontece — como nos momentos em que você fala 'bem, foda-se, vou matar o pai' ou coisa parecida —, um gozo baseado na falsa onipotência. II. se essa posição já não houver sido posta em questão (pela insistência do jogo em reconduzir as escolhas para uma certa opção, ou pelas 'escolhas' de uma opção só, como no momento crucial em que você é convidado a escolher 'livremente' que a criança não vá com a mãe, num claro movimento de implicar e responsabilizar o espectador pelo que acontece), então, pelos processos pelo qual a narrativa progressivamente engole sua externalidade (interpelando e incluindo dentro de si a netflix, a produção do próprio filme/jogo/troço, o expectador mesmo) este se vê rapidamente destronado e identificado com a posição do protagonista, vítima de uma determinação total e inescapável.
3. os finais são, esquematicamente, três: I. aqueles em que a história se estraçalha no aleatório e no despropositado (tanto o final das escolhas moralmente corretas, em que ele escolhe tomar os remédios e faz um jogo ruim, quanto os finais absurdos em que ele ataca a psiquiatra e ela saca espadas chamando pra porrada): tendo completado apenas o primeiro movimento, esses finais devem ser vistos como incompletos, como um convite para tentar outra vez. II. aqueles em que a história logra estabelecer uma continuidade ameaçadora com o nosso mundo (em que o protagonista termina preso, tendo ou completado o jogo pra aclamação da crítica ou tendo este permanecido incompleto, mas para se tornar objeto de um 'cult following'): esse é o final 'legítimo', 'realista', 'crítico', que completa ambos os movimentos e em que colin, esse oráculo cínico pós-moderno, é confirmado em sua sabedoria sobre a necessidade da servidão. III. a história tem, no entanto, um terceiro final de caráter utópico, em que a stefan é dada a escolha, por um deus ex machina, de voltar à sua cena traumática infantil e morrer com a mãe numa metáfora edípica que faria freud bocejar.
4. se nos identificamos plenamente como os deuses das nossas escolhas, agimos absurdamente; como se o exercício da autonomia irrestrita necessariamente degenerasse num gozo incontrolável e perverso, ou, o que dá no mesmo, numa auto-contenção moralista que leva à irrelevância da vida: temos, por isso, que nos submeter a uma certa servidão razoável, afrouxar nossos princípios. contudo, ao sermos destronados dessa posição e nos percebermos totalmente determinados, nos restam só duas saídas: I. reenviar o segredo ao futuro, no vitimismo chantagista daqueles que sabem e dizem o que sabem somente para incitar os que não sabiam à desgraçar-se, como se ser o arauto das más notícias pudesse recuperar algo do prazer sádico perdido, II. ou então, voltar para esse momento originário em que perdemos a ignorância sublime da infância e, como ícaro, autoaniquilar-se no ápice. como se a criança (stefan, mas também toda criança) não carregasse desde sempre nos olhos o peso do mundo.
5. a série expõe pornograficamente a própria mentira na qual é baseada: a identificação da ideia universal de liberdade com a noção historicamente bitolada de livre-arbítrio, livre escolha. cada episódio de black mirror nos leva a redescobrir de novo e de novo que essa liberdade é radicalmente limitada, ainda que seja a única a qual temos acesso — um pouco como o churchill, que disse infamemente que "a democracia é o pior regime com a exceção de todos os outros". em vez de abrir-nos para a contingência radical de uma outra liberdade, uma liberdade que já não se veja como gestão neoliberal de um indivíduo empreendedor sobre seus interesses particulares e sua auto-conservação, a série nos lança uma piscadela de olhos e somos convidados a um niilismo cool — assim, o crítico da TV dá cinco estrelas ao jogo apenas quando stefan pré-determina o fim, como quem diz: vamos lá, no fundo, é isso que todo mundo quer. somos seduzidos pelo fetichismo do que é apresentado como a própria figura da falta de liberdade: ah, como é legalzinho apertar os botões. (o meme é inevitável: a netflix inventou o videogame.)
6. mas nem o cinismo mais brilhante, talvez precisamente por ser tão brilhante, pode evitar transparecer o cansaço e a lenta desintegração de sua impostura: numa piadinha lateral, lá está o dono da empresa de jogos, inconfundivelmente sultão e capitalista, a comentar numa entrevista televisiva da década de thatcher que sua tragédia é sempre maior: o insuportável fardo de seguir em sua gestão austericida do mundo enquanto a loucura risca os dias na parede.
Perfect Blue
4.3 814labiríntico e perturbador porque verdadeiro.
as ambiguidades e irresoluções no nível do enredo (pode ser tudo delírio de mima ou então de rumi ou mesmo ambas podem ser parte do delírio da personagem yoko takakura, personagem que mima interpreta, ou ainda, pode ser que rumi assume o papel de mima e esta termine internada...)
seja quem for, as personagens estão sempre atuando para os expectadores que certamente as acompanham — a equipe de gravação, a plateia, o stalker. com isso, o filme produz uma coincidência entre a estrutura do delírio paranoico, a certeza de que sabem sobre mim, e a estrutura da sociedade do espetáculo com suas 'star images'. é como se a desconfiança epistemológica do público de que as celebridades falseiam sua vida fosse mostrada como uma questão ontológica para as próprias celebridades. no capitalismo tardio, ninguém pode escapar à inautenticidade.
"Os famosos não se sentem bem. Eles se apresentam como artigos de marca, alienados e incompreensíveis a si próprios, como mortos que exibem imagens vivas de si mesmos. No cuidado pretensioso da imagem, desperdiçam a energia objetiva que sozinha poderia durar." (ADORNO, t.w. minima moralia, a. 63)