O sujeito que escreve "28 days later" dirigiu um filme: este daqui, Ex Machina. Eu descobri agora e estou chocado: o primeiro, dirigido por Danny Boyle, que já havia adaptado um romance do tal Alex Garland em "The Beach", tem um início já furado (os ativistas pró-animais libertando o macaco infectado), mas tem uma progressão formidável e uma noção de suspense cada vez mais densa. Boyle fala sobre personagens perdidas buscando significado, vida; Garland nos coloca nessa busca através de uma projeção: você estava num filme de zumbi, então você está diante da sua própria identidade e, novamente, retorna ao filme. Falando assim parece até alguma coisa a ver com algum processo dialético, mas não é nada mais do que, volta e meia, deixar suas intenções mais claras sem perder de vista o cinema: ele elucida pontos para que você organize ideias complementares, e nunca explicativas, para o todo.
Domhnall Gleeson (estupendo, tal qual o pai, Brendan Gleeson, que, olhe só, tem uma aparição emocionante no filme que Garland roteirizou para Danny) trabalha para uma espécie de Google, o "Blue Book", que o seleciona para uma experiência secreta com o seu CEO, (o igualmente admirável, carismático e detestável ao mesmo tempo) Oscar Isaac: estudar o funcionamento de um I.A., uma inteligência artificial, ou seja, se ela consegue não só agir como ter consciência humana. Um plot simples que facilmente evoca dois clássicos da literatura de ficção: Isac Asminov e Philip K. Dick. O filme "Bladde Runner", gerado através da obra do segundo, aliás, é presente até na ambientação e fotografia, repleta de tons de luzes articiais azul e vermelho, só que, ao invés de poluídas, excessivamente limpas, minimalistas, quase claustrofóbica; o que, talvez, mais se assemelhe é a participação de Alicia Vikander numa demonstração tocante de humanidade através da I.A. que põe em xeque o protagonista, tal qual acontece com Harrison Ford e Sean Young, na produção de 1982; ao contrário de Rachel, entretanto, Ava se torna tão identificavelmente humana que suas partes robóticas, que me afligiam no começo do filme, se tornam naturais; suas falas pensadas numa complexa estrutura de raiz (aquelas daqueles processos gigantescos de computação e essas coisas técnicas que não entendemos) são, no final das contas, perguntas inocentes e curiosas.
Ex Machina é, enfim, profundamente intimista, conseguindo se manter coerente e único, dos gestos dos atores, dos olhares às facadas, aos simbolismos, significados e temas abertamente debatidos (o instinto e o que caracteriza SER humano, o avanço tecnológico e como ele interfere em nossas vidas). Sua identidade visual reflete, também, à Stanley Kubrick, pela noção de profundidade e contrastes, e à "Alien" (outro filme de Riddley Scott) em sua insinuação de claustrofobia num lugar enorme no meio de outro lugar imensurável. A trilha original é encantadora, composta por Geoff Barrow e Ben Salisbury; tem um Savages, se não me engano, nos créditos, e na casa de Oscar Isaac sempre toca Bach.
"Os Guarda-Chuvas do Amor" é, no subtexto, cinema puro ao mesmo tempo que uma bela história que funcionaria em qualquer filme hollywoodiano: ele poderia ser inteiramente mudo diante da habilidade agridoce e expressiva de Demy, ao mesmo tempo que cairia muito bem se fosse um programa de rádio, já que tudo é cantado, sem exceção, na maravilhosa trilha de Legrand. O que liga os dois com perfeição é a sofisticação, a aparente simplicidade e a sutil melancolia que permeia os oitenta e poucos minutos duma película não menos que genial. Uma obra-prima e meu filme preferido da Nouvelle Vague até agora -- tão humano e teórico quanto Truffaut, muito mais vivo que Godard.
Ao contrário dos comentários abaixo, eu acho que o filme ficaria muito bem até se tivesse quatro horas: eu o acho rápido demais, a câmera pula de um lado pro outro a cada olhar, a cada propina. A primeira metade do filme é esse travelling insano, que o Scorsese ia piorar em The Departed e melhorar em Wolf of the Wall Street, e que poderia ser desenrolar em longas cenas à lá The Godfather, mas decidem pela agilidade e síntese competente no script -- mas estas palavras vem de alguém que não conhece filmes de máfia além, sei lá, os já citados aqui, Scarface (de '34, o dos anos oitenta eu nunca vi inteiro) e talvez mais alguma coisa (nem mesmo GoodFellas eu assisti, mas pretendo vê-lo em breve --; talvez isso seja marca do gênero, mas pra mim a referência mais direta é o Jules et Jim de Truffaut.
Meu primeiro contato com Luc Besson maduro (Arthur et les Minimoys foi meu companheiro aos dez anos) foi, inacreditavelmente, em Lucy, de 2014 -- sim, é a primeira vez que assisto a Léon. Um filme que é rápido e sem ritmo, com personagens mal estabelecida e pobres, que se dispõe muito mal de um plot pouco interessante e que se utiliza risivelmente do absurdo e da "licença física" (algo como "licença poética" de filmes de ação com movimentos impossíveis); não há uma boa ideia, um bom momento de dosagem ou auto-controle.
É surpreendente que esta fita, de 1994, seja totalmente oposta: as personagens são calmamente apresentadas e, apesar da simplicidade, conseguem ser figuras humanas suficientes a ponto de se demonstrarem astutas e ingênuas, corajosas e frágeis em simples gestos. Cria-se identificação visual tanto no figurino, nas cores alaranjadas, quanto na fotografia panorâmica, repleta mas não superlotada de foques e desfoques, movimentos astutos, centralizações, destaques, etc.. Toda a linguagem visual é sofisticada e caminha lado a lado a uma boa edição de áudio (a cena do sujeito encurralado a fazer o telefonema na introdução é um bom exemplo disso).
A história é simples: um policial corrupto e psicopata, uma brilhante e assustadora interpretação de Gary Oldman, assassina toda a família da então garotinha Natalie Portman, numa performance de força, que deseja vingança e acaba sob os cuidados do assassino profissional do carismático Jean Reno, numa apresentação de silêncios e posturas, por quem acaba se apaixonando -- e aqui vamos nos estender. É através dessa paixonite adolescente (aliás a garotinha está no início da puberdade) que temos a maioria dos elementos cômicos do filme, onde ela é treinada para se vingar tira do assassino: em diversas situações, Léon se constrange com a maturidade e espontaneidade de Mathilda, enquanto que em outras vezes é ela quem é surpreendida ou com a ingenuidade ou humanidade do um matador. Como li em uma crítica sobre o filme, o que poderia tornar a relação entre os dois uma doentia se transforma docemente num homem maduro que é a paixão duma pré-adolescente; uma pena que o filme tenha gerado e gere até hoje algo favorável à pedofilia.
Benson sabe, aqui, conduzir o tempo muito bem: do cotidiano dos dois ele lentamente vai trazendo a tona uma complicação para um desfecho eletrizante, por mais cafona que seja o termo. Há espaço, entretanto, para reforçar o laço de proteção paterna que Léon desenvolve por Mathilda segundos antes de um apartamento explodir. A ação exagerada funciona porque a construção do filme não se baseia no exagero, mas na simplicidade e cuidado, coisa que parece que o diretor perderia de vez com o passar do tempo...
Ritchie é um Tarantino ao contrário e sem o menor bom senso, tentado homenagear o cinema B de forma caricatural. O primeiro ato de "Snatch" é péssimo, recheado de falas e edição cafonas; a coisa só começa a engrenar quando os vários núcleos se entrelaçam, depois do assalto, ao mesmo tempo que deixa o "estilo" de lado, que aparece pra apresentar o filme mas fica tempo demais, fazendo tudo acontecer muito rápido, e depois desacelera com desjeito. O humor começa a funcionar, temos menos rodopios, etc.. A fotografia tem boas cores e, quando não se excede, é ótima -- a cena em que acontecem vários zoons em Benicio Del Toro é tola e a que acontece um lento em Denis Farinna não, por exemplo. A trilha sonora é magnífica.
Jason Statham e seu parceiro estão entediantes, é só eu ouvir aquele sotaque começar a narrar que meus olhos viram. Brad Pitt tem uma primeira aparição pouco satisfatória, mas logo sua carisma o estabelece. O núcleo de assaltantes é engraçadíssimo, e o cachorro é meu personagem preferido.
William S. Burroughs, um dos grandes autores americanos do século passado, é um grande expoente da literatura beat, não só o mais velho como o melhor, na minha opinião, das quase figuras pop que daí surgiram. Bill Lee, como seria seu pseudônimo em algumas das muitas obras (semi-)autobiográficas dessa vertente das letras americanas, inclusive neste filme, adaptado do livro de mesmo nome, publicado no final dos anos 50, tem uma literatura grandiosamente desconfortável por ser, talvez, uma personalidade perturbadora por si só: viciado por opção, internava-se inúmeras vezes em clínicas de reabilitação ciente que voltaria para lá em breve, entendo tudo como um parte de "um processo"; comercializou drogas com a experiência de alguns anos de medicina na universidade e retratou este período no assustadoramente jornalístico Junkie, de 1953; depois de acidentalmente assassinar sua esposa (caso retratado no filme), tornou-se abertamente homossexual; toda a obra de Burroughs, provavelmente, é escrita inteiramente sob efeito de alucinógenos. Sua figura, não por menos, não deixa de ser assustadora: um rosto plácido, sério, magro; olhos concentrados; uma figura de aparência erudita e intelectual no meio de jovens viciados, gays e negros duma América inimaginável para o estilo de vida americano.
Qualquer conhecedor dessas informações acima logo entenderão as referências do filme, quem são os personagens e o porque certas coisas acontecem. Não sei o quanto o plot do filme se diferencia do esqueleto do livro, que não li, mas, resumidamente, a protagonista (Peter Weller) desta fita é um aspirante a escritor que trabalha com extermínio de insetos. Seu longo histórico de uso de drogas não impede que ele comece a aplicar seus próprios inseticidas nas veias, influenciado por sua esposa. Tentando solucionar o vício da esposa, logo se vê perdido em seus próprios delírios -- tão perdido que a certeza do próprio telespectador de que o que está acontecendo é isso mesmo é dificultosa. Abordado por insetos humanoides, Bill Lee se vê no meio de uma intriga internacional de espionagem.
Não se sabe o que é ou não humano, o que está ou não a seu favor, o que é real e o que é alucinação. De um momento para outros você está em um tipo de Marrocos americanizada com forças inimigas disputando informações em máquinas de escrever que se transformam em baratas gigantes falantes, alienígenas com coisas que aludem a pênis ejaculando em suas cabeças te informam sobre o apetito lésbico de uma alemã alfa sob o clone de sua esposa, casada com um outro autor com quem, juntos, realizam ménages com jovens gays. As informações se acumulam e, totalmente sem sentido, começam a penetrar o imaginário fragilizado e que logo entra na paranoia de espionagem grotesca que se forma dentro de sua mente. Tanto no Oriente Médio quanto em Nova York, existe um calor insuportável: todos estão pingando de suor, numa alusão ao efeito das aplicações de inseticidas, em cenários alaranjados como uma tarde quente, um deserto ou cascos de baratas. A ótima reconstituição de época logo perde o sentido num ambiente desconhecido criado pela mente perturbada de Bill, que em alguns poucos momentos fica lúcido para nos explicar rapidamente o que está acontecendo -- esses momentos, aliás, apesar de mínimos, se tornam até "expositivos demais" no meio do caos que é a trama.
O filme é tortuosamente confuso e longo: as quase duas horas de Mistérios e Paixões, neste péssimo título nacional, são, do começo ao fim, recheadas de uma escatologia acumulativa, que se torna mais asquerosa e convincente conforme aparece mais insetos, mais sangue, mais insetos simulando sexo, mais sangue, mais suor com sangue, mais homoerotismo assassino, etc.. O mal gosto da vida libertina das personagens é uma porta de entrada para um mundo cada vez pior que Peter Weller vai mergulhando e tendo como verdadeiro. Depois de um tempo tudo fica insuportável, dolorido e inacreditavelmente mais nojento ainda, as referências começam a não ser suficientes para o desgosto completo que a vida de Lee se torna.
Os mais atentos vão entender que, no final, Bill Lee está seguindo adiante, mesmo que ainda afundado em confusão -- ou talvez não haja nada. Não há qualquer conclusão satisfatória ou mesmo insatisfatória nesta inegavelmente grande e horrorosa obra que eu nunca mais vou ver enquanto eu for um humano sóbrio.
Dos últimos filmes que eu assisti, menos da metade não se perdiam no ritmo, tanto na longa quanto da curta duração, de um exploitation de estupro-e-vingança dos anos 70 que ganhou um remake de três edições até o mais recente trabalho do Tarantino -- dois que se equivocaram no timing e que, curiosamente, usam muito dos ambientes pra extrair climas ao mesmo tempo que tem mensagens por baixo dos tapetes; entretanto, nenhum deles tem o charme que este Coen's Brother esbanja; nenhum deles é detentor do poder que esta obra-prima, que comprei nas hoje depois duma caminhava casual, uma ironia ao tratarmos deste, especificamente deste filme, detêm. Temos uma porção de perguntas sem muitas respostas, uma maleta, uma porção de corpos, alguém perseguindo e matando em busca da maleta; um policial de terceira idade tentando entender, a esta altura da vida, porque o mundo está como está, negando que a, ora essa, assim ele é, violento, ganancioso, em busca de sua honra. O que acaba por guiar nossas personagens, no final das contas, é uma moral primitivista que equilibra a palavra, a lei do mais forte e o acaso num mundo, por mais que se negue, niilista. Eles são devorados por um mundo, por uma fotografia silenciosa e ampla, vazia e temerosa -- alguém pode estar te apontando uma arma atrás duma pedra no meio do deserto. Os sons dos passos, da mastigação, das roupas, é tudo o que temos num ambiente selvagem, de caça, onde um contrato social não para duma formalidade sem muito significado. Tudo é lento, é repensado; nossas respirações aumentam conforme mais gotas de suor escorrem por nossas testas manchadas de sangue.
O DIA EM QUE ROMPI COM WOODY ALLEN Spoilers por todo o texto -- cuidado.
Muita coisa aconteceu entre o último filme do Woody Allen que eu vi e este: o caso, sim, aquele que os fãs não gostam e eu, que sou um fã, estou sugerindo, voltou a tona. O velho caso, nenhuma prova, nada. O que seria? Nada. Pois, hoje estava procurando alguns DVDs e me deparei com esse: um filme diferente do seu tradicional, uma surpresa em sua filmografia. Por que não tentar? Além do mais, é um sebo -- como eu poderia financiar um pedófilo--ops.
Play: Cinquenta minutos pra eu começar a me preocupar com qualquer personagem. Quase metade do filme. Digo, é lógico que eu me interessei por Nola, a personagem de Scarlett Johansson, mas basicamente porque o que importa no primeiro ato é exatamente você sentir atração pela figura que vai alterar toda a vida do protagonista Chris, um oportunista que só fica interessante quando, olhe só, começa definitivamente um caso com ela, ex-namorada do cunhado, o simpático Tom (Matthew Goode). Preso numa vida desinteressante desde o início com a irmã desse, Chloe (Emily Mortimer), uma bobinha, água com açúcar, não há outra saída, obvio. Entretanto, o que temos aqui está longe de ser como, vejamos, o caso de "Hannah and Her Sisters": lá você tem Michael Cane, um sujeito com que você realmente se importa, elegante e agradável, atraído pela cunhada -- quando sua esposa é Mia Farrow num papel doce e afetuoso. -Cane não é um oportunista, mas não hesita em nada ao investir em seu projeto de adultério e você se preocupa integralmente com as três figuras do círculo (e, depois de um certo ponto, com todos os envolvidos, com a família, com o ex-marido, com todos).
A fita só fica real, humana, depois de toda a trama pronta (coisa que Woody Allen já fez em dez minutos -- e não cinquenta), no momento em que Chris, junto da esposa, reencontra Nola depois de muito tempo, pede sussurrando o número de telefone dela e anota mentalmente, com os olhos piscando freneticamente. Dai você sente a atração sexual dos dois e sente alguma empatia, por mais que a personalidade da esposa traída vá da indiferença ao tédio: Allen a torna chata, tediosa, melosa, quando, até pouco tempo, era quase uma coitada. A família, antes amável, se torna um problema gigantesco. Os amigos se tornam pequenos obstáculos.
Vira o jogo: Allen faz parecer que Nola é o problema quando a afasta e expõe só um Chris enlouquecendo com a situação, se aproximando da família, tirando todo o caráter negativo de sua personalidade fútil e que se mostrou insuportável o filme todo. Momentaneamente funciona, mas no plano geral é terrível e associar isto a vida do próprio Allen é muito fácil, o que torna tudo nojenta: ele basicamente usa Dostoievski, mais uma vez, pra justificar o quão péssimo ele é, porem lógico (ou melhor, ilogicamente possível) e se esgueira por um personagem enfadonho pra provar isso. Mais uma vez vemos uma prova irrefutável de como você pode viver tranquilamente em meio ao caos sendo egocêntrico e minimamente inteligente pra armar um belo plano.
Ok, a cinematografia é elegante, mas nada demais; as personagens são problemas constantes e absolutamente em nada diferentes do que já foi feito em outros e melhores filmes; Scarlett Johansson está maravilhosa. O roteiro, no que tange a direção, é incrivelmente bem conduzido, dançando conforme as intenções, manipulando -- mas, diferente do que todo mundo tenta dizer, eu não consigo separar a vida da obra deste meu antigo amado diretor, principalmente duma obra tão claramente autobiográfica. Sei que se eu sentasse pra rever tudo o que eu já assisti desse judeu novaiorquino (uns 19 filmes, contando "Play It Again, Sam"), pouca coisa se salvaria; até imagino o que. Acontece que o grande appeal de seus filmes se perderam para mim: ele é um roteirista esplendido, mas o que ele escreve não me serve nem mais pra escrever nas costas em branco.
Não diria ser um filme arrastado, mas sua fragmentação, a aparência de contar várias "crônicas" que vão se encaminhando, nem sempre é eficiente como seria em Taxi Driver, onde a trama, ainda que dividida em pequenos fragmentos cotidianos, tem um tom crescente até a apoteose. Enquanto não engrena, conhecemos o submundo do "quase-gangster" Charlie, Harvey Keitel em uma grande performance, que tenta subir no negócio do tio ao mesmo tempo que se mete com tipos de contragosto da família: é seu dever ganhar renome, assumir as coisas, mas vê como obrigação moral ajudar o personagem de De Niro, Johnny Boy, seu amigo apostador imaturo e inconsequente que deve para outros companheiros do protagonista, ao mesmo tempo em que se apaixona pela prima deste, Teresa.
Enquanto toma os pagamentos dos negócios gerenciados pelo tio, se vê confuso no submundo criminoso em que vive, Charlie se redime tentando arrumar a vida de Johnny, cujos juros das dívidas aumentam conforme novas dívidas surgem. As cenas dos dois tornam a fita quase um buddy movie, vide a fuga no carro, quase no final, junto com Teresa; mas o que existe por trás da insistência do amigo no seu parceiro completamente irresponsável é a culpa pela sua vida conturbada e criminosa, que se manifesta logo no início do filme. As ruas e sua consciência são um purgatório sem saídas, onde comete pecados ao mesmo tempo em que se confessa, já pronto para o próximo -- e isso é inevitável. Afogada em neons, tons vermelhos e sombras, ficamos perdidos numa ambientação que também é familiar, cotidiana, onde os laços sociais são flexíveis, onde de dia pro outro você pode virar inimigo mortal de um antigo sujeito de confiança.
O romance com Teresa é constantemente interferido pelos maus olhos com que o tio de Charlie a vê: este, casualmente, reproduz o desprezo que ele próprio não tem -- e mais uma vez ele precisa se redimir. Neste sentido, o filme é inquieto, dinâmico e caminha pelo subtexto dum roteiro, apesar dos seus defeitos, cheio de entretenimento e com um humor negro infernal, boa parte do papel de De Niro, apresentado de forma cinematograficamente perfeita: primeiro com uma palhaçada estúpida e, depois, com uma câmera lenta, entre duas garotas, ao som de Stones -- estiloso como ele tenta ser quando não foge do perigo por entre telhados. O grande parceiro de Martin tem aqui uma personagem que daria um ótimo esteriótipo, mas que varia entre o divertido, o violento e o temeroso numa inconstância que ninguém ao seu redor compreende.
Temos aqui um Scorsese surpreendentemente maduro em seu estilo, sua então nova mistura de sofisticação e sujeira que não deixa de ter elegância ao mesmo tempo que mostra alguém espirrando sangue num beco, com fotografia interessada em posicionamentos, cores e até alguma poesia (o final, a cena na praia, a cena da igreja, etc.).
Dinâmico, apesar de desritmado, temos aqui um atestado de um diretor gigante que conta histórias de personagens marginais que, desorientados e desesperados, tentam acertar qualquer coisa que em que vejam refletidas sua humanidade, tentando se encaixar numa dimensão que na verdade talvez nunca os pertença.
Rapaziada, queria fazer um questionamento: mais alguém acha a cena do chuveiro meio que "encaixada" no filme? Ela tem uma edição toda recortada, rápida, enquanto que o estilo do Hitchcock é bem lento. Não que eu não goste dela, mas ela parece ser outro momento, outro filme.
Joe Buck, assim como todos, sente-se sozinho. Seus olhos inocentes viram o que poucos, ou talvez todos, chegaram um dia a ver e, depois, a sentir. Alguém como ele precisa não viver, mas começar a viver -- tentar se desfazer. Quão vibrante não é viver, ir viver, mesmo que todos ao seu redor saibam que não o é? Estamos pegando esse ônibus e indo em direção à vida e é lá, é exatamente lá que não haverá nenhum desses flashes, nada disso, sim. É lá onde encontrei a amizade, a incerteza, o medo -- onde me vi sozinho, onde ajuntei mais uma porção de coisas pra esquecer, que eu não quero falar, que meus olhos ainda não vão parecer ter visto, é lá em que vou descobrir que já vivo a muito tempo -- e, agora, entendo que estou sozinho, de novo, em outro ônibus, esperando outra noite.
Eu, como fã de Woody Allen, já tinha passado por esse filme um milhão de vezes (sem contar o óbvio Play It Again, Sam, filme de 1972). Finalmente ver esse clássico foi ótimo :)
A Bruxa
3.6 3,4K Assista AgoraComo já disseram ali embaixo, "filme certo sendo exibido para o público errado".
Ex Machina: Instinto Artificial
3.9 2,0K Assista AgoraO sujeito que escreve "28 days later" dirigiu um filme: este daqui, Ex Machina. Eu descobri agora e estou chocado: o primeiro, dirigido por Danny Boyle, que já havia adaptado um romance do tal Alex Garland em "The Beach", tem um início já furado (os ativistas pró-animais libertando o macaco infectado), mas tem uma progressão formidável e uma noção de suspense cada vez mais densa. Boyle fala sobre personagens perdidas buscando significado, vida; Garland nos coloca nessa busca através de uma projeção: você estava num filme de zumbi, então você está diante da sua própria identidade e, novamente, retorna ao filme. Falando assim parece até alguma coisa a ver com algum processo dialético, mas não é nada mais do que, volta e meia, deixar suas intenções mais claras sem perder de vista o cinema: ele elucida pontos para que você organize ideias complementares, e nunca explicativas, para o todo.
Domhnall Gleeson (estupendo, tal qual o pai, Brendan Gleeson, que, olhe só, tem uma aparição emocionante no filme que Garland roteirizou para Danny) trabalha para uma espécie de Google, o "Blue Book", que o seleciona para uma experiência secreta com o seu CEO, (o igualmente admirável, carismático e detestável ao mesmo tempo) Oscar Isaac: estudar o funcionamento de um I.A., uma inteligência artificial, ou seja, se ela consegue não só agir como ter consciência humana. Um plot simples que facilmente evoca dois clássicos da literatura de ficção: Isac Asminov e Philip K. Dick. O filme "Bladde Runner", gerado através da obra do segundo, aliás, é presente até na ambientação e fotografia, repleta de tons de luzes articiais azul e vermelho, só que, ao invés de poluídas, excessivamente limpas, minimalistas, quase claustrofóbica; o que, talvez, mais se assemelhe é a participação de Alicia Vikander numa demonstração tocante de humanidade através da I.A. que põe em xeque o protagonista, tal qual acontece com Harrison Ford e Sean Young, na produção de 1982; ao contrário de Rachel, entretanto, Ava se torna tão identificavelmente humana que suas partes robóticas, que me afligiam no começo do filme, se tornam naturais; suas falas pensadas numa complexa estrutura de raiz (aquelas daqueles processos gigantescos de computação e essas coisas técnicas que não entendemos) são, no final das contas, perguntas inocentes e curiosas.
Ex Machina é, enfim, profundamente intimista, conseguindo se manter coerente e único, dos gestos dos atores, dos olhares às facadas, aos simbolismos, significados e temas abertamente debatidos (o instinto e o que caracteriza SER humano, o avanço tecnológico e como ele interfere em nossas vidas). Sua identidade visual reflete, também, à Stanley Kubrick, pela noção de profundidade e contrastes, e à "Alien" (outro filme de Riddley Scott) em sua insinuação de claustrofobia num lugar enorme no meio de outro lugar imensurável. A trilha original é encantadora, composta por Geoff Barrow e Ben Salisbury; tem um Savages, se não me engano, nos créditos, e na casa de Oscar Isaac sempre toca Bach.
Carol
3.9 1,5K Assista AgoraEste filme é tudo que um bom romance deveria ser.
É o Fim
3.0 2,0K Assista AgoraJames :(
Os Guarda-Chuvas do Amor
3.9 158 Assista Agora"Os Guarda-Chuvas do Amor" é, no subtexto, cinema puro ao mesmo tempo que uma bela história que funcionaria em qualquer filme hollywoodiano: ele poderia ser inteiramente mudo diante da habilidade agridoce e expressiva de Demy, ao mesmo tempo que cairia muito bem se fosse um programa de rádio, já que tudo é cantado, sem exceção, na maravilhosa trilha de Legrand. O que liga os dois com perfeição é a sofisticação, a aparente simplicidade e a sutil melancolia que permeia os oitenta e poucos minutos duma película não menos que genial. Uma obra-prima e meu filme preferido da Nouvelle Vague até agora -- tão humano e teórico quanto Truffaut, muito mais vivo que Godard.
Cassino
4.2 650 Assista AgoraAo contrário dos comentários abaixo, eu acho que o filme ficaria muito bem até se tivesse quatro horas: eu o acho rápido demais, a câmera pula de um lado pro outro a cada olhar, a cada propina. A primeira metade do filme é esse travelling insano, que o Scorsese ia piorar em The Departed e melhorar em Wolf of the Wall Street, e que poderia ser desenrolar em longas cenas à lá The Godfather, mas decidem pela agilidade e síntese competente no script -- mas estas palavras vem de alguém que não conhece filmes de máfia além, sei lá, os já citados aqui, Scarface (de '34, o dos anos oitenta eu nunca vi inteiro) e talvez mais alguma coisa (nem mesmo GoodFellas eu assisti, mas pretendo vê-lo em breve --; talvez isso seja marca do gênero, mas pra mim a referência mais direta é o Jules et Jim de Truffaut.
Carrie, a Estranha
3.7 1,4K Assista AgoraSissy Spacek é tão lindinha, por que todos zoam ela?
Alien: O Oitavo Passageiro
4.1 1,3K Assista AgoraNão sejam machistas: sempre ouçam os conselhos de uma mulher.
O Profissional
4.3 2,2K Assista AgoraMeu primeiro contato com Luc Besson maduro (Arthur et les Minimoys foi meu companheiro aos dez anos) foi, inacreditavelmente, em Lucy, de 2014 -- sim, é a primeira vez que assisto a Léon. Um filme que é rápido e sem ritmo, com personagens mal estabelecida e pobres, que se dispõe muito mal de um plot pouco interessante e que se utiliza risivelmente do absurdo e da "licença física" (algo como "licença poética" de filmes de ação com movimentos impossíveis); não há uma boa ideia, um bom momento de dosagem ou auto-controle.
É surpreendente que esta fita, de 1994, seja totalmente oposta: as personagens são calmamente apresentadas e, apesar da simplicidade, conseguem ser figuras humanas suficientes a ponto de se demonstrarem astutas e ingênuas, corajosas e frágeis em simples gestos. Cria-se identificação visual tanto no figurino, nas cores alaranjadas, quanto na fotografia panorâmica, repleta mas não superlotada de foques e desfoques, movimentos astutos, centralizações, destaques, etc.. Toda a linguagem visual é sofisticada e caminha lado a lado a uma boa edição de áudio (a cena do sujeito encurralado a fazer o telefonema na introdução é um bom exemplo disso).
A história é simples: um policial corrupto e psicopata, uma brilhante e assustadora interpretação de Gary Oldman, assassina toda a família da então garotinha Natalie Portman, numa performance de força, que deseja vingança e acaba sob os cuidados do assassino profissional do carismático Jean Reno, numa apresentação de silêncios e posturas, por quem acaba se apaixonando -- e aqui vamos nos estender. É através dessa paixonite adolescente (aliás a garotinha está no início da puberdade) que temos a maioria dos elementos cômicos do filme, onde ela é treinada para se vingar tira do assassino: em diversas situações, Léon se constrange com a maturidade e espontaneidade de Mathilda, enquanto que em outras vezes é ela quem é surpreendida ou com a ingenuidade ou humanidade do um matador. Como li em uma crítica sobre o filme, o que poderia tornar a relação entre os dois uma doentia se transforma docemente num homem maduro que é a paixão duma pré-adolescente; uma pena que o filme tenha gerado e gere até hoje algo favorável à pedofilia.
Benson sabe, aqui, conduzir o tempo muito bem: do cotidiano dos dois ele lentamente vai trazendo a tona uma complicação para um desfecho eletrizante, por mais cafona que seja o termo. Há espaço, entretanto, para reforçar o laço de proteção paterna que Léon desenvolve por Mathilda segundos antes de um apartamento explodir. A ação exagerada funciona porque a construção do filme não se baseia no exagero, mas na simplicidade e cuidado, coisa que parece que o diretor perderia de vez com o passar do tempo...
Snatch: Porcos e Diamantes
4.2 1,1K Assista AgoraRitchie é um Tarantino ao contrário e sem o menor bom senso, tentado homenagear o cinema B de forma caricatural. O primeiro ato de "Snatch" é péssimo, recheado de falas e edição cafonas; a coisa só começa a engrenar quando os vários núcleos se entrelaçam, depois do assalto, ao mesmo tempo que deixa o "estilo" de lado, que aparece pra apresentar o filme mas fica tempo demais, fazendo tudo acontecer muito rápido, e depois desacelera com desjeito. O humor começa a funcionar, temos menos rodopios, etc.. A fotografia tem boas cores e, quando não se excede, é ótima -- a cena em que acontecem vários zoons em Benicio Del Toro é tola e a que acontece um lento em Denis Farinna não, por exemplo. A trilha sonora é magnífica.
Jason Statham e seu parceiro estão entediantes, é só eu ouvir aquele sotaque começar a narrar que meus olhos viram. Brad Pitt tem uma primeira aparição pouco satisfatória, mas logo sua carisma o estabelece. O núcleo de assaltantes é engraçadíssimo, e o cachorro é meu personagem preferido.
Mistérios e Paixões
3.8 312William S. Burroughs, um dos grandes autores americanos do século passado, é um grande expoente da literatura beat, não só o mais velho como o melhor, na minha opinião, das quase figuras pop que daí surgiram. Bill Lee, como seria seu pseudônimo em algumas das muitas obras (semi-)autobiográficas dessa vertente das letras americanas, inclusive neste filme, adaptado do livro de mesmo nome, publicado no final dos anos 50, tem uma literatura grandiosamente desconfortável por ser, talvez, uma personalidade perturbadora por si só: viciado por opção, internava-se inúmeras vezes em clínicas de reabilitação ciente que voltaria para lá em breve, entendo tudo como um parte de "um processo"; comercializou drogas com a experiência de alguns anos de medicina na universidade e retratou este período no assustadoramente jornalístico Junkie, de 1953; depois de acidentalmente assassinar sua esposa (caso retratado no filme), tornou-se abertamente homossexual; toda a obra de Burroughs, provavelmente, é escrita inteiramente sob efeito de alucinógenos. Sua figura, não por menos, não deixa de ser assustadora: um rosto plácido, sério, magro; olhos concentrados; uma figura de aparência erudita e intelectual no meio de jovens viciados, gays e negros duma América inimaginável para o estilo de vida americano.
Qualquer conhecedor dessas informações acima logo entenderão as referências do filme, quem são os personagens e o porque certas coisas acontecem. Não sei o quanto o plot do filme se diferencia do esqueleto do livro, que não li, mas, resumidamente, a protagonista (Peter Weller) desta fita é um aspirante a escritor que trabalha com extermínio de insetos. Seu longo histórico de uso de drogas não impede que ele comece a aplicar seus próprios inseticidas nas veias, influenciado por sua esposa. Tentando solucionar o vício da esposa, logo se vê perdido em seus próprios delírios -- tão perdido que a certeza do próprio telespectador de que o que está acontecendo é isso mesmo é dificultosa. Abordado por insetos humanoides, Bill Lee se vê no meio de uma intriga internacional de espionagem.
Não se sabe o que é ou não humano, o que está ou não a seu favor, o que é real e o que é alucinação. De um momento para outros você está em um tipo de Marrocos americanizada com forças inimigas disputando informações em máquinas de escrever que se transformam em baratas gigantes falantes, alienígenas com coisas que aludem a pênis ejaculando em suas cabeças te informam sobre o apetito lésbico de uma alemã alfa sob o clone de sua esposa, casada com um outro autor com quem, juntos, realizam ménages com jovens gays. As informações se acumulam e, totalmente sem sentido, começam a penetrar o imaginário fragilizado e que logo entra na paranoia de espionagem grotesca que se forma dentro de sua mente. Tanto no Oriente Médio quanto em Nova York, existe um calor insuportável: todos estão pingando de suor, numa alusão ao efeito das aplicações de inseticidas, em cenários alaranjados como uma tarde quente, um deserto ou cascos de baratas. A ótima reconstituição de época logo perde o sentido num ambiente desconhecido criado pela mente perturbada de Bill, que em alguns poucos momentos fica lúcido para nos explicar rapidamente o que está acontecendo -- esses momentos, aliás, apesar de mínimos, se tornam até "expositivos demais" no meio do caos que é a trama.
O filme é tortuosamente confuso e longo: as quase duas horas de Mistérios e Paixões, neste péssimo título nacional, são, do começo ao fim, recheadas de uma escatologia acumulativa, que se torna mais asquerosa e convincente conforme aparece mais insetos, mais sangue, mais insetos simulando sexo, mais sangue, mais suor com sangue, mais homoerotismo assassino, etc.. O mal gosto da vida libertina das personagens é uma porta de entrada para um mundo cada vez pior que Peter Weller vai mergulhando e tendo como verdadeiro. Depois de um tempo tudo fica insuportável, dolorido e inacreditavelmente mais nojento ainda, as referências começam a não ser suficientes para o desgosto completo que a vida de Lee se torna.
Os mais atentos vão entender que, no final, Bill Lee está seguindo adiante, mesmo que ainda afundado em confusão -- ou talvez não haja nada. Não há qualquer conclusão satisfatória ou mesmo insatisfatória nesta inegavelmente grande e horrorosa obra que eu nunca mais vou ver enquanto eu for um humano sóbrio.
Hitch: Conselheiro Amoroso
3.3 1,1K Assista AgoraEste filme é a definição perfeita do adjetivo "bunda".
Superbad: É Hoje
3.6 1,3K Assista AgoraOh, meu deus, eu era igual ao Evan no colegial.
Star Wars, Episódio VII: O Despertar da Força
4.3 3,1K Assista AgoraEu chorei, gritei, ri e mordi a mão da minha namorada no cinema feito doido.
Onde os Fracos Não Têm Vez
4.1 2,4K Assista AgoraDos últimos filmes que eu assisti, menos da metade não se perdiam no ritmo, tanto na longa quanto da curta duração, de um exploitation de estupro-e-vingança dos anos 70 que ganhou um remake de três edições até o mais recente trabalho do Tarantino -- dois que se equivocaram no timing e que, curiosamente, usam muito dos ambientes pra extrair climas ao mesmo tempo que tem mensagens por baixo dos tapetes; entretanto, nenhum deles tem o charme que este Coen's Brother esbanja; nenhum deles é detentor do poder que esta obra-prima, que comprei nas hoje depois duma caminhava casual, uma ironia ao tratarmos deste, especificamente deste filme, detêm. Temos uma porção de perguntas sem muitas respostas, uma maleta, uma porção de corpos, alguém perseguindo e matando em busca da maleta; um policial de terceira idade tentando entender, a esta altura da vida, porque o mundo está como está, negando que a, ora essa, assim ele é, violento, ganancioso, em busca de sua honra. O que acaba por guiar nossas personagens, no final das contas, é uma moral primitivista que equilibra a palavra, a lei do mais forte e o acaso num mundo, por mais que se negue, niilista. Eles são devorados por um mundo, por uma fotografia silenciosa e ampla, vazia e temerosa -- alguém pode estar te apontando uma arma atrás duma pedra no meio do deserto. Os sons dos passos, da mastigação, das roupas, é tudo o que temos num ambiente selvagem, de caça, onde um contrato social não para duma formalidade sem muito significado. Tudo é lento, é repensado; nossas respirações aumentam conforme mais gotas de suor escorrem por nossas testas manchadas de sangue.
Mar Negro
3.5 96Perde MUITA força na apresentação dos personagens, mas depois a coisa engrena até uma apoteose assustadora; nunca ri tanto.
Ponto Final: Match Point
3.9 1,4K Assista AgoraO DIA EM QUE ROMPI COM WOODY ALLEN
Spoilers por todo o texto -- cuidado.
Muita coisa aconteceu entre o último filme do Woody Allen que eu vi e este: o caso, sim, aquele que os fãs não gostam e eu, que sou um fã, estou sugerindo, voltou a tona. O velho caso, nenhuma prova, nada. O que seria? Nada. Pois, hoje estava procurando alguns DVDs e me deparei com esse: um filme diferente do seu tradicional, uma surpresa em sua filmografia. Por que não tentar? Além do mais, é um sebo -- como eu poderia financiar um pedófilo--ops.
Play: Cinquenta minutos pra eu começar a me preocupar com qualquer personagem. Quase metade do filme. Digo, é lógico que eu me interessei por Nola, a personagem de Scarlett Johansson, mas basicamente porque o que importa no primeiro ato é exatamente você sentir atração pela figura que vai alterar toda a vida do protagonista Chris, um oportunista que só fica interessante quando, olhe só, começa definitivamente um caso com ela, ex-namorada do cunhado, o simpático Tom (Matthew Goode). Preso numa vida desinteressante desde o início com a irmã desse, Chloe (Emily Mortimer), uma bobinha, água com açúcar, não há outra saída, obvio. Entretanto, o que temos aqui está longe de ser como, vejamos, o caso de "Hannah and Her Sisters": lá você tem Michael Cane, um sujeito com que você realmente se importa, elegante e agradável, atraído pela cunhada -- quando sua esposa é Mia Farrow num papel doce e afetuoso. -Cane não é um oportunista, mas não hesita em nada ao investir em seu projeto de adultério e você se preocupa integralmente com as três figuras do círculo (e, depois de um certo ponto, com todos os envolvidos, com a família, com o ex-marido, com todos).
A fita só fica real, humana, depois de toda a trama pronta (coisa que Woody Allen já fez em dez minutos -- e não cinquenta), no momento em que Chris, junto da esposa, reencontra Nola depois de muito tempo, pede sussurrando o número de telefone dela e anota mentalmente, com os olhos piscando freneticamente. Dai você sente a atração sexual dos dois e sente alguma empatia, por mais que a personalidade da esposa traída vá da indiferença ao tédio: Allen a torna chata, tediosa, melosa, quando, até pouco tempo, era quase uma coitada. A família, antes amável, se torna um problema gigantesco. Os amigos se tornam pequenos obstáculos.
Vira o jogo: Allen faz parecer que Nola é o problema quando a afasta e expõe só um Chris enlouquecendo com a situação, se aproximando da família, tirando todo o caráter negativo de sua personalidade fútil e que se mostrou insuportável o filme todo. Momentaneamente funciona, mas no plano geral é terrível e associar isto a vida do próprio Allen é muito fácil, o que torna tudo nojenta: ele basicamente usa Dostoievski, mais uma vez, pra justificar o quão péssimo ele é, porem lógico (ou melhor, ilogicamente possível) e se esgueira por um personagem enfadonho pra provar isso. Mais uma vez vemos uma prova irrefutável de como você pode viver tranquilamente em meio ao caos sendo egocêntrico e minimamente inteligente pra armar um belo plano.
Ok, a cinematografia é elegante, mas nada demais; as personagens são problemas constantes e absolutamente em nada diferentes do que já foi feito em outros e melhores filmes; Scarlett Johansson está maravilhosa. O roteiro, no que tange a direção, é incrivelmente bem conduzido, dançando conforme as intenções, manipulando -- mas, diferente do que todo mundo tenta dizer, eu não consigo separar a vida da obra deste meu antigo amado diretor, principalmente duma obra tão claramente autobiográfica. Sei que se eu sentasse pra rever tudo o que eu já assisti desse judeu novaiorquino (uns 19 filmes, contando "Play It Again, Sam"), pouca coisa se salvaria; até imagino o que. Acontece que o grande appeal de seus filmes se perderam para mim: ele é um roteirista esplendido, mas o que ele escreve não me serve nem mais pra escrever nas costas em branco.
Caminhos Perigosos
3.6 255 Assista AgoraNão diria ser um filme arrastado, mas sua fragmentação, a aparência de contar várias "crônicas" que vão se encaminhando, nem sempre é eficiente como seria em Taxi Driver, onde a trama, ainda que dividida em pequenos fragmentos cotidianos, tem um tom crescente até a apoteose. Enquanto não engrena, conhecemos o submundo do "quase-gangster" Charlie, Harvey Keitel em uma grande performance, que tenta subir no negócio do tio ao mesmo tempo que se mete com tipos de contragosto da família: é seu dever ganhar renome, assumir as coisas, mas vê como obrigação moral ajudar o personagem de De Niro, Johnny Boy, seu amigo apostador imaturo e inconsequente que deve para outros companheiros do protagonista, ao mesmo tempo em que se apaixona pela prima deste, Teresa.
Enquanto toma os pagamentos dos negócios gerenciados pelo tio, se vê confuso no submundo criminoso em que vive, Charlie se redime tentando arrumar a vida de Johnny, cujos juros das dívidas aumentam conforme novas dívidas surgem. As cenas dos dois tornam a fita quase um buddy movie, vide a fuga no carro, quase no final, junto com Teresa; mas o que existe por trás da insistência do amigo no seu parceiro completamente irresponsável é a culpa pela sua vida conturbada e criminosa, que se manifesta logo no início do filme. As ruas e sua consciência são um purgatório sem saídas, onde comete pecados ao mesmo tempo em que se confessa, já pronto para o próximo -- e isso é inevitável. Afogada em neons, tons vermelhos e sombras, ficamos perdidos numa ambientação que também é familiar, cotidiana, onde os laços sociais são flexíveis, onde de dia pro outro você pode virar inimigo mortal de um antigo sujeito de confiança.
O romance com Teresa é constantemente interferido pelos maus olhos com que o tio de Charlie a vê: este, casualmente, reproduz o desprezo que ele próprio não tem -- e mais uma vez ele precisa se redimir. Neste sentido, o filme é inquieto, dinâmico e caminha pelo subtexto dum roteiro, apesar dos seus defeitos, cheio de entretenimento e com um humor negro infernal, boa parte do papel de De Niro, apresentado de forma cinematograficamente perfeita: primeiro com uma palhaçada estúpida e, depois, com uma câmera lenta, entre duas garotas, ao som de Stones -- estiloso como ele tenta ser quando não foge do perigo por entre telhados. O grande parceiro de Martin tem aqui uma personagem que daria um ótimo esteriótipo, mas que varia entre o divertido, o violento e o temeroso numa inconstância que ninguém ao seu redor compreende.
Temos aqui um Scorsese surpreendentemente maduro em seu estilo, sua então nova mistura de sofisticação e sujeira que não deixa de ter elegância ao mesmo tempo que mostra alguém espirrando sangue num beco, com fotografia interessada em posicionamentos, cores e até alguma poesia (o final, a cena na praia, a cena da igreja, etc.).
Dinâmico, apesar de desritmado, temos aqui um atestado de um diretor gigante que conta histórias de personagens marginais que, desorientados e desesperados, tentam acertar qualquer coisa que em que vejam refletidas sua humanidade, tentando se encaixar numa dimensão que na verdade talvez nunca os pertença.
Silêncio
3.8 576O DIA EM QUE SCORSESE PODE DIRIGIR UNS SAMURAIS:
ESTÁ PRÓXIMO.
Psicose
4.4 2,5K Assista AgoraRapaziada, queria fazer um questionamento: mais alguém acha a cena do chuveiro meio que "encaixada" no filme? Ela tem uma edição toda recortada, rápida, enquanto que o estilo do Hitchcock é bem lento. Não que eu não goste dela, mas ela parece ser outro momento, outro filme.
Perdidos na Noite
4.2 322 Assista AgoraJoe Buck, assim como todos, sente-se sozinho. Seus olhos inocentes viram o que poucos, ou talvez todos, chegaram um dia a ver e, depois, a sentir. Alguém como ele precisa não viver, mas começar a viver -- tentar se desfazer. Quão vibrante não é viver, ir viver, mesmo que todos ao seu redor saibam que não o é? Estamos pegando esse ônibus e indo em direção à vida e é lá, é exatamente lá que não haverá nenhum desses flashes, nada disso, sim. É lá onde encontrei a amizade, a incerteza, o medo -- onde me vi sozinho, onde ajuntei mais uma porção de coisas pra esquecer, que eu não quero falar, que meus olhos ainda não vão parecer ter visto, é lá em que vou descobrir que já vivo a muito tempo -- e, agora, entendo que estou sozinho, de novo, em outro ônibus, esperando outra noite.
Malditas Aranhas!
2.3 349 Assista AgoraUm filme horroroso que eu adoro. Lembro de vê-lo algumas vezes, a noite, perdido pelo SBT...
Casablanca
4.3 1,0K Assista AgoraEu, como fã de Woody Allen, já tinha passado por esse filme um milhão de vezes (sem contar o óbvio Play It Again, Sam, filme de 1972). Finalmente ver esse clássico foi ótimo :)
Babe, O Porquinho Atrapalhado na Cidade
2.7 347 Assista AgoraImaginar como George Miller foi deste clássico da minha infância para Mad Max: Fury Road, eu nem tento.