Apesar da reconstituição de época (figurino, cenários, maquiagem, direção de arte) ser impecável, atuação de Redmayne é deixa a desejar, resultando - a julgar pelas indicações aos prêmios - muito superestimada, uma vez que é cheia de maneirismos e afetação desnecessários. O excesso de gestos e olhares empregados pelo ator com o intuito de construir uma caracterização feminina resulta excessivamente caricata.
Assim, temos um protagonista que não consegue cativar, pois tanto ator quanto o roteiro e a direção preferiram fazer um retrato tristonho e depressivo de Lilly, que parece muito mais feliz quando é Einar. Desse modo, o filme acaba atirando no próprio pé, pois não nos convence de a transformação pela qual o personagem passa tenha sido realmente algo que o realizou, que o fez mais feliz, uma vez que ele teria encontrado/assumido sua verdadeira identidade.
Digna de mérito, porém, é o trabalho da atriz Alicia Vikander, que - semelhante ao que fez Jim Broadbent em Iris (2001) e Jennifer Hudson em Dreamgirls (2006) - rouba para si um filme irregular e deverá levar, no Oscar, o prêmio como Melhor Coadjuvante. Até a presença de outros coadjuvante mais secundários como Mathias Schoenaerts e Ben Wishaw são mais interessantes que o protagonista.
No entanto, a coragem do jovem Redmayne em - na medida de suas limitações - entregar-se à sua personagem, expondo-se até mesmo uma cena de nudez, talvez lhe possibilite alguma redenção e seja a melhor explicação para sua presença em premiações como Oscar, ocupando uma vaga que estaria melhor nas mãos de, por exemplo, Samuel L. Jackson (por Os 8 Odiados), Johnny Depp (por Aliança do Crime) ou Will Smith (por Um Homem entre Gigantes).
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Para muitos que assistiram, essa segunda cinebiografia de Steve Jobs é um filme incompleto. Certamente esperavam uma narrativa cronologicamente encadeada narrando praticamente toda a vida do biografado: a infância problemática, a juventude, a descoberta da doença, até a morte e finalizando com uma "mensagem póstuma", provavelmente em tom edificante.
Mas felizmente o filme não procura agradar ao publico mais medíocre, afinal, o filme anterior (Jobs, 2013) faz exatamente isso, ou seja: segue fórmulas já desgatadas para fazer um filme medíocre que agrada um público maior. Sabiamente, o diretor Danny Boyle e o roteirista Aaron Sorkin fogem desse caminho fácil e realizam um filme extraordinário, que talvez seja apreciado por poucos. Afinal, se Steve Jobs não fazia concessões, porque um filme sobre ele deveria fazê-las?
E esse filme, protagonizado por Michael Fassbender numa atuação irretocável (apesar de muitos terem insensatmente criticado a "falta" de semelhança física), tem outros méritos: a narrativa focada nos diálogos e mostrando os bastidores da vida de um homem que, para além de um empresário visionário que construiu uma das mais importantes marcas da história (a Apple), foi um hábil construtor de si mesmo - ou pelo menos de uma imagem idealizada de si.
O modo como o filme, nos 3 atos em que se desenvolve, desconstrói essa persona, revelando o verdadeiro Steve Jobs - egocêntrico, auto-indulgente, individualista, instransigente, ríspido - é brilhante, pois consegue derrubar a imagem heróica e gloriosa que o protagonista erigiu para si, sem contudo demoniza-lo ou vilaniza-lo. Ao contrário, o filme o humaniza - mas o faz sem cair em clichés ou incorrer em pieguice.
E não só o diretor, o roteirista e o protagonista merecem os louros: é indispensável mencionar os desempenhos de Jeff Daniels, Seth Rogen, Michael Stuhlbarg, Perla Haney-Jardine e especialmente Kate Winslet - que rouba muitas cenas e, ao meu ver, divide com Fassbender o protagonismo do filme.
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Os dois filmes dessa temporada que mais me tocaram, me deixando com nó na garganta e lágrimas nos olhos: Spotlight e O Quarto de Jack. <3 <3 <3 <3 <3 Cinco estrelas é pouco! Ainda preciso de um tempo para "lidar" com eles e então escrever mais um dos meus textões habituais aqui no Filmow.
Esi aqui um filme que expressa como poucos as idiossincrasias do nosso tempo, essa pós-modernidade tão volátil, confusa e intangível. Tempos onde os valores e as certezas de outrora estão sendo desconstruídos. Nesse sentido, poderia citar pelo menos dois outros filmes: "Clube da Luta" (também de Fincher) e "Amor sem Escalas" – cujo único defeito é esse medonho titulo que ganhou no Brasil.
Outra faceta da obra é o fato de que, tal como nas outras obras-primas Cidadão Kane, Assim Caminha a Humanidade e Sangue Negro, o protagonista (Zuckerberg) desse filme encarna o arquétipo do herói americano (e americano aqui se refere apenas aos estadunidenses), do "self made man" que, contrariando todas as expectativas e num ímpeto incansável e individualista, vencerá e prosperará.
Tal mito heróico encarna os ideias no Neoliberalismo: a concorrência, a livre iniciativa e o individualismo, em contraposição aos ideias de coletividade e de mútua colaboração. Porém, o que me chamou a atenção nesta obra do diretor de "Seven" e "Clube da Luta" é a influência que ela carrega da obra seminal de Orson Welles: Cidadão Kane. Nesta, o protagonista é um homem que – poderíamos dizer – conquistou o mundo, mas tudo o que queria era uma simples coisa que havia perdido no passado: sua “rosebud”, tão representativa da infância e da inocência perdidas.
No caso do filme de Fincher, essa “rosebud” assume a forma da namorada do protagonista, que lhe abandona logo na cena inicial, e que ele fica a contemplar, solitário e triste, na cena final da película. Ele também, por assim dizer, conquistou o mundo, mas tudo o que parecia realmente querer é aquele amor que perdeu, aquele botão de rosa que um dia teve em suas mãos, que agora encontram-se vazias (apesar de toda a sua fortuna). Outra semelhança com a obra de Welles é a narrativa não linear, bem como sua montagem complexa.
Também evoca ao filme de Welles a facilidade com a qual a personagem Mark Zuckerberg (interpretado por Jesse Eisenberg) trai os poucos amigos que tão arduamente conquistou, e a maneira como ele vê as pessoas e as próprias relações sociais: objetos que podem ser comprados, mercadorias cambiáveis e descartáveis.
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George Miller, depois de provar sua versatilidade em filmes tão distintos quanto o drama O Óleo de Lorenzo (1992), a animação Happy Feet (2006) e os outros 3 Mad Max (1979, 1981, 1985), agora coroa sua carreira com essa jóia repleta de possibilidades de leitura e interpretação, merecendo sem dúvidas o título de mestre.
Primeiramente, devemos ter em mente que esse 4º filme da franquia Mad Max é um filme de ação, e como tal, não poderia abrir mão das cenas de perseguição, das explosões, tiros e violência. E nesses aspectos, temos aqui um filme que dificilmente será superado, um verdadeiro marco - e divisor de águas - não só dentro desse gênero, mas no Cinema como um todo. Ele eleva o filme de ação a outro nível, conciliando à perfeição conceitos que alguns mais conservadores insistem em opor: ação e arte, adrenalina e reflexão.
Dito isto, devemos então entender que, por quaisquer temáticas que o roteiro ousar se enveredar, a ação não deve ser abandonada. E as searas pelas quais este Mad Max consegue se embrenhar e desbravar, sem deixar-nos retomar o fôlego por um instante sequer, são muitas: o consumismo, o esgotamento dos recursos naturais, o especismo, o machismo, o patriarcalismo, a misoginia, a cultura do estupro, o falocentrismo.
A abordagem do colapso dos biomas e ecossistemas devido à intensa exploração do recursos naturais, em prol da manutenção de uma sociedade materalista e consumista, é o mais evidente, desde os primeiros filmes da franquia, afinal, essa teria sido a causa do mundo ter se transformado no que vemos nos filmes: um imenso deserto, onde água e - por consequencia - alimentos são raros, o que torna a luta pela sobrevivencia uma tarefa árdua, diária, incansável.
O quanto a predominância do "masculino" (numa acepção mais ampla que a meramente sexual) nessa sociedade contrubui para sua falência na medida que supõe (erroneamente) que o homem tenha o direito de se apossar de tudo - e todos - pode ser, para alguns, mais difícil de enxergar, mas está lá: nas poucas comunidades humanas existentes (Cidadela, Vila Gasolina, Fazenda da Bala), o poder é exercido por grotescas figuras masculinas e patriarcais, que por meio do controle de recursos ali vitais (água, alimentos, combustível, munição), controlam todos à sua volta.
Porém, não apenas a natureza é oprimida pelo julgo do homem (o ser humano e o sexo masculino), mas na medida em que nessa sociedade predominam estruturas e valores patriarcais, machistas e falocêntricos, a mulher se encontra também no papel de oprimida. No filme, podemos ver isso nas mulheres das quais Immortan Joe se apossou: as mais velhas passam os dias sendo ordenhadas para a produção do "mother's milk", enquanto as mais novas compõem o harém para a produção dos "healthy babies" que crescerão e engrossarão as fileiras de "war boys".
Mas a mulher haverá de desempenhar outro papel aqui, pela mente e pela mão de Miller: como representante do sagrado feminino, como encarnação da Pacha Mama (a mãe terra), portadora das sementes, que carrega em si o gérmem da vida, ela será a libertadora, a redentora. E a personagem Imperatriz Furiosa, interpretada com um vigor e uma pulsação fascinantes pela fantástica Charlize Theron, é a personificação gloriosa desse arquétipo - presente em diversas mitologias, de diversos povos, mas que foi suprimida da cosmogonia ultra machista e patriarcal da cultura judaico-cristã.
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A princípio o filme pode causar algum estranhamento na platéia, pois tudo - exceto a passagem algo cômica do mal-estar durante a viagem de navio - parece fácil demais para a jovem irlandesa Eilis Lacey que deixa sua terra em busca do "sonho americano": ela parte para os EUA já tendo a garantia de um lugar onde morar e um emprego, tudo arranjado por um padre também irlandês (Jim Broadbent) que dirige uma paróquia no Brooklyn.
O "bom-mocismo" de Eilis, que prefere trabalhar como voluntária na ceia natalina que a paróquia supracitada oferece anualmente aos mendigos, em vez de festejar na pensão onde vive com amigas da mesma idade; e o namoradinho italiano bem apessoado, educado, gentil, carinhoso e atencioso - até parece que esconde algo - contribuem para criar essa sensação.
E durante a primeira meia hora do filme esse detalhe, aliado à atuação ainda pouco convincente de Saoirse Ronan contribuem, para que o espectador desenvolva certa desconfiança para com a obra. Mas a partir daí, quando se dá o primeiro encontro entre Eilis o padre Flood é que - ao meu ver - o filme deslancha e atriz finalmente encontra-se com sua personagem e lhe injeta ânimo e vigor. E então nós, que assistimos, somos inevitavelmente cativados.
O filme segue sua narrativa, demostrando - apesar de suas qualidades - ser mais um filme sobre imigrantes tentando a vida na parte norte do Novo Mundo, tal qual em obras-primas como Terra de um Sonho Distante (America, America, de 1963) de Elia Kazan, O Poderoso Chefão - Parte II (The Godfather - ParT II, 1975), ou o recente Era uma vez em Nova York (The Immigrant, 2014) de James Gray.
Contudo, quando a protagonista decide voltar à Irlanda para visitar a mãe e comparecer ao casamento de sua melhor amiga, é que ele definitivamente mostra seu valor e se diferencia de seus pares. Os dilemas que Eilis vivencia e tem de enfrentar nesse seguimento da trama é que verdadeiramente tocarão o espectador e o farão torcer e temer pelas escolhas que ela fará.
Além da bela atuação de Saiorse (perfeitamente irlandesa e contrastando na medida certa com a expansividade do italiano Tony), merecem destaque os desempenhos de Domhnall Gleeson, Emory Cohen e Julie Walters (hilária!), a trilha sonora envolvente, bem como a preciosidade dos figurinos e da direção de arte.
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Um filme muitíssimo bem realizado, com fotografia deslumbrante e efeitos visuais completamente convincentes e atuações irrepreensíveis. Em momento algum me incomodei ou tive a fruição do filme atrapalhada pela caracterização de Joseph Gordon-Levitt no papel do artista francês. Talvez tivesse sido melhor colocar um ator francês como protagonista, mas o desempenho de Gordon é totalmente crível e competente, inclusive emulando com perfeição o sotaque de sua personagem.
A narrativa em primeira pessoa, assim como a trilha sonora, emprestaram ainda mais charme ao filme. Tal é a habilidade do diretor de reconstituir a insuperável façanha de Petit, que eu, que tenho acrofobia (medo de altura), fiquei completamente atordoado nas cenas cruciais do filme. Minhas mãos e pés transpiravam, sentia um frio na barriga e um conflito entre a vontade de continuar olhando e o impulso irracional de fechar os olhos, por medo. Realmente, o filme me tirou o fôlego.
Só queria saber de que modo o final é "muito surreal" - como alguns disseram nos comentários - pois, exceto algumas liberdades que o filme de Robert Zemeckis toma em relação à história real de Philippe Petit (como a lona que escondia um fosso de elevador sob a qual ele se esconde em certo momento da trama), o reoteiro é 100% fiel no que tange à travessia entre as Torres Gêmeas. Basta assistir ao documentário Man on Wire (2008) e comparar. Não há nada de "surreal" ali - aliás, o que vejo é pessoas usando esse adjetivo sem ter a exata noção do que ele significa.
Quero ainda destacar aqui a semelhança da atriz Charlotte Le Bon com Paz Vega e Winona Rider. Ela parece ser uma mistura entre as duas! rsrs
"Yet today my love has flown away / I am without my love..."
Esse é definitivamente um filme para ser ver não apenas com os olhos, mas "nos olhos". E os olhos em questão são os olhos da magnífica atriz Charlote Rampling, numa atuação impressionante, minimalista e magistral. E é um filme para se entender nas entrelinhas, especialmente da clássica Smoke get in your Eyes, canção que encerra o filme.
Temos aqui um filme que, à semelhança e obras-primas como A Cruz dos Anos (Make Way for Tomorrow, 1937) de Leo McCarey, e Amor (Amour, 2012) de Michael Haneke, se centram na história de um casal já idoso tendo de lidar com as consequencias da velhice e os fantasmas do passado.
No caso deste filmes do diretor Andrew Haigh, temos, no decurso de uma semana - que antecede a festa de 45 anos de casamento - a história do casal Kate (Rampling) e Geoff (Tom Courtenay). Uma carta escrita em alemão trazendo a notícia de o corpo de um pessoa há muito desaparecida foi encontrado nos Alpes suiços é o estopim para um crise entre o até então harmônico casal.
Na medida que a narrativa se desenrola, segredos há muito guardados vão sendo desenterrados, e Kate começa a perceber que talvez Geoff nunca a tenha amado de verdade e que, para ele, ela tenha sido apenas uma substituta, uma segunda opção, usada para cobrir uma cicatriz que nunca se fechou e que, de repente, é novamente esgarçada.
Ao que parece, há um fantasmo no passado de Geoff que influenciou em tudo o que ele fez nos últimos 45 anos: desde a mulher com a qual se casou, cujo nome guarda semelhanças com uma figura de seu passado, até sua escolha por não ter filhos. É então que o roteiro mostra-se genial, pois, se prestarmos atenção aos pequenos detalhes (os olhos de Kate e Geoff, os cigarros que eles voltam a fumar, a letra a canção), veremos que todos eles se encaixam à perfeição, enriquecendo de sentidos e de possibilidades essa fascinante obra.
"Todos que amam são cegos Quando o seu coração está em chamas Você deve perceber A fumaça entra nos seus olhos..."
Nenhum esporte foi tão retratado nos cinemas quanto o pugilismo - ou boxe, como é mais conhecido. A origem desse esporte é controversa: alguns afirmam que surgiu na Inglaterra, outros na Irlanda, mas o esporte seria conhecido desde a antiguidade. Onomasto de Ermínia, por exemplo, pugilista vencedor nos jogos Olímpicos do ano 688 a.C., é tido como o primeiro a definir as regras do esporte.
No cinema, ele aparece desde os primeiros clássicos do cinema mudo, como em Luzes da Cidade (1925), de Chaplin. Depois em filmes consagrados como O Delator (The Informer, 1935), de John Ford, com Victor McLagen; Corpo e Alma (Body and Soul, 1947), de Robert Rossen, com John Garfield; e Marcado pela Sargeta (Somebody Up There Likes Me, 1956), de Robert Wise, com Paul Newman.
No entanto, o filme que marcou, entre o público, o esporte na sétima arte, foi Rocky, um lutador (Rocky, 1976), de John G. Avildsen. Marcou porque lançou ao estrelato o jovem Silvester Stallone - que havia começado a carreira no filme pornô e de repente se via indcado ao Oscar de Melhor Ator e Melhor Roteiro -, pela trilha sonora que se tornaria lendária e pelas cenas que entrariam para o imaginário coletivo: o boxeador treinando no frigorífico, depois correndo pelas ruas e sendo seguido por uma multidão que o admira e incentiva, e finalmente subindo as escadarias e erguendo os braços para a glória.
O filme foi um sucesso tremendo, ganhou 3 Oscar (de 9 indicações) e 5 sequências, alguns inclusive dirigidas por Stallone: Rocky 2 (1979), Rocky 3 (1982), Rocky 4 (1985), Rocky 5 (1990), Rocky Balboa (2006). O último filme - por enquanto - a dar sequencia à história é Creed, Nascido para Lutar (Creed, 2915), dirigido por Ryan Coogler e protagonizado por Michael B. Jordan, acompanhando - claro - do onipresente Stallone, revivendo pela 7ª vez Rocky Balboa.
Creed, por sua vez, segue à risca não apenas os mais conhecido clichés dos filmes de boxe, como também tenta emular a estrutura do primeiro filme da saga e estabelecer um estreito diálogo com ele. Quem assistir o filme verá todos os clichés na tela: 1) o jovem herói desacreditado que precisa provar seu valor; 2) o treinador já idoso que inicialmentee se recusa a treina-lo mas depois acaba cedendo; 3) o adversário durão, temido e com ares vilanescos, que ele enfrentará no final; 4) a saúde percária do velho treinador e mentor que se converte num desafio dramático e afetivo ao personagem; 5) a briga ou confusão na qual ele se envolverá na vésperas da luta final e poderá colocar tudo a perder.
As semalhanças com o filme original/primordial também são óbvias: o treinamento "old school" que o protagonista receberá de seu mentor; a cena em que ele, correndo, será seguido pacificamente por um grupo populares, culminando num cena apoteótica; uma releitura das velhas brincadeiras do "toc, toc"; a luta final da qual ele não sairá vendedor (no filme original a vitória no combate pertence a Apollo Creed, no Brasil a dublagem dá um empate para os lutadores); o calção listrado de branco de vermelho; a subida da famosa escadaria.
Creed, assim como Rocky, não é uma obra-prima de perfeição técnica, artística e dramática, como foi Touro Indomável (Raging Bull, 1980), de Martin Scorsese, com Robert DeNiro. Nem temm om mérito de subverter a estrutura do gênero de filme em que se enquadra, como foi o caso de Menina de Ouro (Million Dollar Baby, 2004), de Clint Eastwood, com Hillary Swank, em que o diretor mergulhava desconhecido universo do boxe feminino e estabelecia um brilhante diálogo com outro gênero cinematográfico: o western.
Creed é, nesses aspectos, convencional, à semalhança do recente Nocaute (Southpaw, 2015). Contudo, ele se destaca num ponto muito importante, que está ligado aos recentes debates sob racismo e representatividade: ter um negro como protagonista. Apesar do boxe ter tido entre os negros alguns de seus mais lendários pugilistas (Sugar Ray Robinson, Muhammad Ali, Rubin "Hurricane" Carter, Mike Tyson...), em todos os filmes acima citados, os protagonistas eram brancos. Sendo assim, o protagonismo de Jordan nesse filme acaba se constituindo numa espécie de pioneirismo. E essa iniciativa, por parte do diretor e roteirista Ryan Coogler - também ele um negro - é sem dúvida louvável.
É praticamente certo que Stallone levará a estatueta de Melhor Ator Coadjuvante revivendo um personagem icônico do cinema que ele mesmo criou quando, em meados da década de 1970, escreveu em apenas três dias o roteiro de Rocky. Segundo ele, após assistir uma luta na qual até então o desconhecido Chuck Wepner, resistiu por 15 rounds em uma luta com o campeão Muhammad Ali, chegando inclusive tomba-lo certo momento da luta. É a consagração merecida por mais 30 anos dando corpo e alma pelo mais famoso lutador de boxe do cinema.
"Escute, nada fará sentido para os seus ouvidos americanos. E você vai duvidar de tudo o que fazemos, mas no fim, você entenderá."
Essa frase, dita em certo momento do filme pelo personagem de Benicio Del Toro (magistral) à agente do FBI interpretada por Emily Blunt (incompreendida e subestimada) dá o tom do que o espectador terá ao assistir não só a esse, mas como a qualquer outro filme do diretor Denis Villeneuve: nada nem ninguém é certo ou confiável, toda aparencia engana, nenhum expectativa será correspondida, nenhuma resposta será dada que encerre as questões.
Se tomarmos como exemplos os 3 principais filmes do cineasta (Incendies, Prisioners e Sicario), é possível depurar uma estrutura essencial em sua obra que tentarei rapidamente decompor:
1 - Um personagem principal que irá entrar em uma realidade desconhecida e estranha e que sairá dela completamente modificado ou devastado. No caso de Incendies (2010), os irmãos Jeanne (Mélissa Désormeaux-Poulin) e Simon (Maxim Gaudette), que ingressarão em uma jornada para reconstituir a história e sua mãe e por consequencia a deles mesmos. No caso de Prisioners (2013), o pai amargurado e vingativo Keller Dover (Hugh Jackman). Já em Sicario (2015) quem cumpre essa função é a agente Kate (Emily Blunt).
2 - Um segundo personagem que também adentrará nessa realidade, mas que já a conhece e de certo modo a domina. Ele já passou pela fase do choque, do estranhamento e da perplexidade. Já está moldado e, de certo modo, age friamente aos horrores que presencia. No caso de Incendies (2010), é a mãe, a "mulher que canta" (Lubna Azabal). No caso de Prisioners (2013), o policial Loki (Jake Gyllenhaal). Em Sicario (2015) ele é encarnado pelo agente (Matt Graver).
Um terceiro personagem que esconde um mistério que é a chava para desvendar - ao menos em parte - a trama que o personagem principal só desvendará no final. É o irmão e o pai perdidos que deverão ser encontrados pelos irmãos em Incendies; o tia idosa e misteriosa do principal suspeito em Prisioners, e o ex-promotor mexicano em Sicario.
Não há heróis nos filmes de Villeneuve, mas apenas vítimas e vilões (que se revelarão vítimas também no final). Todos os personagens são seres profundamente humanos, multifacetados, idiossincráticos, cujas almas sofreram ou sofrerão, ao londo do filme, uma incurável obliteração. Todos estão sujeitos a errar, a ferir a si e aos que amam, a ser amorais, a agir contra seus princípios e - principalmente - a questionar suas certezas e sua fé.
Por essa razão muitos se frustraram com a personagem de Emily Blunt e se perguntaram qual a função dela no longa. A grande maioria desses, certamente, porque esperavam ver na tela um personagem destemida, infalível, durona - ou "fodona". E não que ela não seja nada disso, mas o ponto é que não é esse o objetivo de Villeneuve.
Ele não quer lançar mais uma Ellen Ripley. Ele quer investigar a permanencia de nossas certezas, crenças e princípios frente à situações de extremo horror e violência (em geral, as maiores vitimas são as crianças, apresentadas sempre em sua vulnerabilidade em relação ao mal que se apresenta tão inevitável). Lhe interessa antes de retratar a força de somos capazes, explicitar sua pulverização na medida que nossas maiores fraquezas (medo, ódio, rancor, fanatismo...) se revelam.
E no final, depois de termos encontrados mais dúvidas do que certezas, mais questionamentos do que respostas, nos deixar perplexos e pensativos.
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Uma família aparentemente perfeita e coesa, de férias nos Alpes, tem sua estrutura abalada após sobreviver à uma avalanche - este é o mote deste instigante e belo filme. A força maior à qual o título do filme se refere poderá ser interpretada a partir de diferentes perspectivas.
Inicialmente, ela pode ser tomada pela força da natureza, bem como incontrolável e insondável acaso que ela enseja e/ou representa. Enquanto esperam seu almoço num restaurante da estação de esqui, os turistas que ali estão (incluindo a família em questão) não sabem o que lhes aguarda quando a avalanche começa a descer: uma ameaça iminente ou apenas um arrepiante fenômeno da natureza? Estarão eles, do mirante em que se encontram, seguros e à salvo?
Posteriormente - e passado o susto - a força maior pode ser tomada em outras significações: nossos instintos mais básicos, que numa situação de perigo iminente, prevalecerão sobre qualquer racionalidade e moralidade. É aí que a relação entre o casal de protagonista começa a se obliterar, pois enquanto a mãe (movida pelo instinto materno, de proteção à prole) fica junto dos dois filhos para protegê-los, enquanto o pai (movido apenas pelo instinto de autodefesa e sobrevivência) foge, abandonando esposa e filhos.
Finalmente - e não ignorando as duas possibilidades de significação anteriormente expostas - e na medida em que o casal se esforça para se reintegrar e reconstruir os laços afetivos e restabelecer coesão familiar, um outro sentido é dado à essa força maior: o ser humano, enquanto ser social, necessita manter e proteger as relações estabelecidas nesse bojo, afim de garantir a sobrevivência da espécie. A família, como núcleo social básico e vista como meio indispensável à criação dos filhos precisa ser defendida.
Cabe notar como o filme brilhantemente explora as questões envolvendo a masculinidade e os papeis de gênero dentro da nossa sociedade e cultura patriarcais: o pai se mostra incapaz de admitir que fugiu, pois fazê-lo seria assumir sua covardia e assim explicitar o quão falso é o conceito de "macho provedor e protetor".
E não é apenas esses conceitos que são colocados em xeque no filme. Em uma conversa com uma amiga, a esposa-mãe fica perplexa ao ouvi-la contar sobre seu relacionamento aberto, e, no diálogo entre elas, diversos tabus ligados ao casamento, maternidade e fidelidade são questionados.
Uma cena particularmente interessante é a do falso elogio que ele recebe de uma turista num bar, quando ali se encontrava acompanhado de um amigo: aquele homem que encontrava-se quase emasculado após a discussão com a esposa na noite anterior, começa a recobrar sua autoestima e a sentir-se novamente um "macho alfa". Mas essa ilusão dura pouco. Será preciso, posteriormente - e com a conivencia de sua esposa abnegada - encenar um resgate para que ele retorne ao posto de patriarca infalível.
A cena final do filme, em que a família de protagonistas, acompanhada de outros turistas, caminham em grupo, é emblemática: tal como uma matilha de lobos (machos e fêmeas, alfas e betas...) migrando na neve, guiando suas proles, colaborando e tentando sobreviver. Assim, todo o filme acaba ganhando um sentido de alegoria.
O Regresso é um filme que consolida esta que eu chamo de a 2ª Fase da obra de Alejandro González Iñárritu. Em seus 3 primeiros filmes, o diretor, em parceria com o roteirista Guillermo Arriaga, se caracterizava por realizar filmes cuja temática e narrativa centravam em torno de histórias aparentemente deconexas, cujo elo se dava a partir de um evento trágico: um acidente automobilístico em Amores Brutos e 21 Gramas, e uma "bala perdida'' que alveja uma turista em um ônibus, no caso de Babel. Poder-se-ia dizer que Iñarritu assumia-se como um maestro do caos.
A partir de Biutiful, no entando, o diretor inicia uma mudança de foco e de estilo - marcando também o início do rompimento da parceria com Arriaga. Em sua 2ª Fase, composta até aqui por 3 filmes (o já citado Biutiful, o premiado Birdman e este The Revenant), o diretor passa a narrar histórias de homens determinados à "dar a volta por cima'', por assim dizer, em suas vidas.
Se em Biutiful tínhamos no personagem Uxbal (Javier Bardem) a figura de um homem tentando conciliar o sentimento de culpa pelo fim do relacionamento e tentando criar os filhos sozinho e desempregado; e se em Birdman, por sua vez, tínhamos no personagem Riggan Thomson (Michael Keaton) a figura de um ator que tivera sucesso interpretando um super-herói numa franquia cinematográfica e que tenta se afirmar como artista produzindo, dirigindo, roteirizando e estrelando uma peça de teatro; em The Revenant temos o extremo: um pioneiro da colonização norte-americana que teve sua família massacrada, restando-lhe apenas seu filho, que depois de ser violentamente atacado por uma fera selvagem e abandonado para morrer por seus parceiros, tenta de todas as formas sobreviver e vingar-se.
O filme é de tirar o fôlego: uma narrativa inquieta e turbulenta, auxiliada por uma câmera que flui naturalmente pelas cenas, dando o expectador a sensação de estar ali, vivenciando os eventos junto com os personagens. A trilha musical e os efeitos sonora amplificam as sensações - por vezes, mesmo no calor do verão brasileiro, eu sentia frio e via-me perdido no meio de toda aquela neve.
A direção de Iñarritu assim como o roteiro são precisos, duros, sem excessos. Mas o grande trunfo do filme é sem dúvida o trabalho de Leonardo DiCaprio, que nos presenteia com uma atuação absolutamente vigorosa e visceral. Merece honra também o trabalho dos coadjuvantes Tom Hardy (brilhante), Brad Carter e Domhnall Gleeson, especialmente.
Um ponto que me chamou a atenção é o fato de Iñarritu conseguir realizar um épico sobre a colonização (que de fato foi um invasão seguida de extermínio étnico) norte-americana sem ser revisionista, como é o caso de Dança com Lobos e Um Homem Chamado Cavalo, por exemplo, e sem retratar os índios como bons e puro selvagens (como acontece nos dois filmes citados) ou como selvagens bárbaros e incivilizados (como era comum nos primeiros westerns). Sua narrativa e seu olhar sobre aquele momento de confluência e conflito cultural são bastante sóbrios e realistas.
Enquanto assistia ao filme, procurava alguma explicação para o estranho e ousado título "A Mãe e a Puta" e confesso que ele foi um dos atrativos que me levaram a procurara o filme e assisti-lo. E essa frase tão comum no meio machista talvez ajude a entender a escolha do autor pelo nome de sua obra.
O filme narra as desventuras de Alexandre, um homem parisiense que se torna pivô de um triangulo amoroso com duas belas, complexas e fascinantes mulheres. Mas Alexandre é um anti-herói pelo qual o expectador dificilmente nutrirá simpatia ou admiração: ele é imaturo, inseguro, mentiroso, fútil, egocêntrico e mimado.
E machista: incapaz de lavar os copos que suja, quando interpelado por Maria (que praticamente o sustenta, com uma mãe solteira) se gaba de tê-los lavado um vez, há tempos atrás; admite que as parades do apartamento que divide com Maria tem marcas de sangue das brigas entre os dois e que, numa delas, machucou brutalmente o rosto da moça; além disso, flerta com moças na rua, mesmo vivendo sob o teto e às custa de Maria, que inexplicavelmente o ama apesar de tudo, mas não aceita que ela faça o mesmo. Ou seja: almeja um relacionamento aberto, mas aberto apenas às suas "escapulidas".
Um dia conhece a bela Veronika.logo após ser definitivamente rejeitado por uma ex-namorada, Gilberte, por qual ele nutre uma paixão ególatra, narcísica e quase infantil - possivelmente porque ela diz que ele foi o seu primeiro homem e nunca amou ninguém como a ele.
"- Pensei em você no banheiro. Há uma pichação: ‘Meu desejo de amar abre-se para a morte como uma janela para o pátio’. E alguém escreveu abaixo: ‘Pula, Narciso!’ - Isso te faz lembrar de mim? - Parece contigo, não?"
Veronika é ousada e independente - principalmente no campo sexual - e isso ao mesmo tempo que o fascina e excita, ou amedronta e ameaça. Em seu machismo possessivo, uma mulher que diz "porque como vê, querido, estou apaixonada. Me apaixono sempre. Envolvo-me rapidamente com as pessoas, e as esqueço rapidamente. As pessoas não têm importância. Amo alguém durante um mês, dois, três e logo deixo de amar. Quando é bom, é bom, depois acaba" pode ser bastante assustadora.
Porém, na medida em que ele, sem controle nenhum da situação, se perde em seus sentimentos por Maria e Veronika, ele vai entrando cada vez mais em um dilema: permanecer com a mulher que o ama e que lhe é fiel (pra casar), que praticamente o sustenta (como uma mãe), mantendo-se em sua zona de conforto, ou se arrisca numa relação nova com uma mulher que diz que já trepou só por trepar com inúmeros homens e que não há mal nenhum em mulher dizer que gosta de trepar (a puta seria mesmo ''só para trepar''?), abrindo mão de seus preconceitos.
Com qual das duas ele terminará? - eis a questão. O amadurecimento do personagem depende dessa escolha.
O filme merece ser visto por ser uma fascinante saga indiana de uma mulher para sobreviver e criar seus filhos apesar de todos as adversidades. Se, disso que eu disse, tirarmos a parte dos filhos, poderíamos facilmente dizer que minha frase se refere ao clássico Hollywoodiano E o Vento Levou... (1939).
Porém, apesar de história comovente e da atuação cheia de verdade da protagonista Nargis interpretando Radha, o filme possui defeitos muito sólidos, que acabam influindo negativamente no resultado final e prejudicando a fruição da obra. O céu cenográfico usado em algumas cenas, por exemplo, é um desses defeitos.
A atuação de Sunil Dutt como o filho Birju na idade adulta, ao meu ver, é o maior deles. O trabalho do ator é caricato, forçado, exagerado e, mesmo que se afirme que isso seja característico da dramaturgia indiana ou que o trabalho dos demais atores também o sejam, o notório o quanto o desempenho dele destoa negativamente dos demais.
Além disso, a maquiagem excessivamente vermelha (em contraste com a maquiagem mais branca usada por Rajendra Kumar, interpretando o irmão Ramu na idade adulta) usada pelo ator contribui ainda mais com o estranhamento que suas aparições causam.
A duração do filme também é um tanto excessiva, e os números musicais (que poderão soar cafonas ao público ocidental), aliado aos flashbacks, contribuem subtancialmente para esse prolongamento narrativo.
Alguns pontos da narrativa acabam, em contrapartida, ficando mal explicados, criando incômodas lacunas. A reconstrução da comunidade rural onde eles viviam, após a inundação, e a consequente formação da vila, é um desses entrechos mal explicados. Outra, é o processo que teria levado Birju a se tornar um líder de bando criminoso na parte final da narrativa.
Como o filme é uma saga épica indiana, é possível encontrar nele elementos alegóricos qie remetem à tradições hindus. A personagem de Radha, por exemplo, traz aspectos das deusas Lakshimi, Durga e Kali. Ramu, o filho mais velho, obediente, belo e educado, traz semelhanças com o deus Rama do épico Ramayana.
Já Birju, o moleque travesso e desbocado que se torna um bandido romântico, com o deus Krishna, conhecido por suas transgressões. Shamu (outro nome para Krishna), marido de Radha que a abandonou, também é comparado com Krishna, que deixou sua amante.
Para aqueles que se mesmo assim se interessarem por assisti-lo e tiverem êxito em vencer suas mais de 2 horas de duração, recomendo que procurem e assistam à Trilogia Apu (A Canção da Estrada, O Invencível, O Mundo de Apu), do grande mestre do cinema indiano Satyajit Ray. Esses certamentes são filmes muitos mais sólidos e melhor realizados, contando uma saga indiana ainda mais comovente e encantadora.
O filme é muito legal e divertido, mas preciso dizer o Luis é o melhor coadjuvante dos filmes da Marvel. Deliciosamente hilária a atuação de Michael Peña!
Amei o filme e posso, pela experiência que tenho em montanhismo, mas apesar de não ter tentado subir o Everest ainda, que ele é bem fiel a este tipo aventura. Os muitos personagens, além de bem interpretados, são bem delineados, na medida que o desenvolvimento da história e a duração do filme permitem, sem prejudicar a narrativa. O filme tem ação e tensão na medida certas. História, enfim, muito bem contada.
"Fico feliz que esteja tudo bem... Eu disse que fico feliz que esteja tudo bem!"
Essa frase é dita por alguns personagens ao longo do filme, pelo telefone; uma faxineira ajoelhada no corredor ao lado de um balde e um esfregão, um velho empresário com uma arma na mão, um casal de pijamas na cozinha, por exemplo. Em todos os momentos, fica aquela sensação de algo que é dito mecanicamente ou por conformismo, como aquelas ''frases feitas'' e banais que todos usamos quando conversamos ao telefone.
O filme é feito de vários pequenos momentos que retratam recortes aparentemente corriqueiros e banais - alguns com um toque de realismo fantástico - da vida de pessoas comuns que poderiam ser eu e você: um casal deitado na areia da praia se acaricia ao lado de um cão, uma mulher brinca com seu bebê num parque, um grupo de pessoas numa aula de dança... Curiosamente, todos são figuras tristonhas, de rosto pálido e andar fúnebre - quase como zumbis.
Os personagens mais recorrentes são uma dupla e ridícula e desastrada de vendedores que trabalha ''no ramo do entretenimento'' vendendo artigos de diversão. Seus produtos são patéticas dentaduras de vampiro, máscaras do ''tio banguela'' e os clássicos sacos de risadas. Um mais sério e taciturno, outro mais emotivo e chorão.
Este último, em uma cena, diz não conseguir para de ouvir uma música que diz, no verso final, que ''ele irá reencontrar seus pais no céu'', mas chora dizendo que não quer revê-los, provavelmente porque teme envergonha-los mostrando-lher que é um fracassado.
Todos os personagens, no fundo, são assim: pessoas tentando levar suas vidas, seguir trabalhando e assim garantir seu sustento (''tem gente que acorda cedo amanhã pra trabalhar''), e neste ínterim forjam uma aparencia de felicidade de relativo sucesso, apesar de, no fundo, serem pessoas tristes, angustiadas e frustradas.
A impressão que tenho, principalmente depois daquela cena do ponto de ônibus, é que no fundo, estamos todos perdidos, tentando achar alguma rumo ou sentido. Às vezes, por alguns breves momentos, saímos de nossa rotina extenuante e alienante, e como um pombo que pousa num galho e reflete sobre a existência, nos pomos a questionar sobre o que estamos fazendo de nossas vidas e até sonhamos com algum tipo de fuga ou redenção. Mas depois voltamos à rotina, entramos novamente no ciclo ao qual nos habituamos, como o pombo que salta do galho, voa e volta a ciscar a terra catando por grãos e migalhas. Como diz a canção "Cotidiano", de Chico Buarque: "todo dia eu só penso em poder parar / todo dia eu só penso em dizer não / depois penso na vida pra levar / e me calo com a boca de feijão".
Tenho visto muito homem babaca vindo aqui tecer críticas patéticas ao filme e ao movmento feminista em si, no intuito de minimizar ou defender seu machismo, que hoje tem se tornado cada vez mais intolerável e indefensável.
Há uma grande diferença entre o Feminismo e o Machismo. Machismo é a pressuposição (histórica e socialmente construída) de que o homem é superior à mulher, de que o homem merece mais direitos e privilégios que as mulheres. O Feminismo é luta histórica de mulheres contra a opressão do patriarcado e pela derrubada dos ideais machistas.
Não é a toa que o Feminismo é um movimento organizado social e politicamente, enquanto o machismo, por ser hegemonico e por não lutar por nada (ele foi e continua sendo imposto), não tem essa característica. O Feminismo tem sim orientação marxista, mas afirmar que estimulada ou cria a guerra entre as classes é prova inconteste de desonestidade intelectual.
A guerra de classes passa a existir no momento que as classes oprimidas tomam consciencia da opressão de lutam contra ela. E essa opressão é criada não pela luta dos oprimidos, mas pelos opressores. E são os opressores que, depois, se esforçam por deslegitimar a luta dos que vivem sob o julgo da opressão - tal como voce esté fazendo.
Todo diretista, reacionário e conservador - grande ou pequeno - fez isso um dia e segue fazendo. Triste é ver gente tentando difmar e deslegitimat uma luta bela e necessária para defender sua patifaria e canalhice. Quem alimenta esses grupos anti-feministas são proto-fascistas como Bolsonaro, Feliciano, Cunha, Malafaia, Gentilli. Criam falsos argumentos (leia-se empregam falácias), não oferecem resoluções pra nada. São pessoas que tudo que querem é manter o status quo e seus privilégios.
Afirmam que os movimentos sociais fazem ''brasileiro brigar com brasileiro'', como se vivêssemos num país justo e igualitário, como se não houvessem vilões. Tentam retomar para si o jogo que estão perdendo. Quem leu A Arte da Guerra, O Príncipe, sabem como eles controlam isso. E não é só: o Movimento Feminista hoje é tão importante e necessário como sempre foi. O choro dos ''omi'' é que é maior e segue sendo livre para o deleite de todos os públicos.
Assistindo a esse filme, eu só conseguia pensar em 3 coisas: 1 - Por que o Guel Arraes não faz mais filmes assim? 2 - Letícia Sabatella é a mulher mais linda que eu já vi. 3 - Raras vezes a metalinguagem foi tão bem empregada no cinema.
Um filme com uma ideia, em essencia, muito boa, mas que peca pelo uso indiscriminado de clichés. A sensação que tive foi a de estar assistindo a um híbrido estéril de Edward Mãos de Tesoura, Robocop, Avatar, Ex-Machina, Eu Robo e Planeta dos Macacos - A Origem.
Destaque para a analogia sobre a relação entre Deus, representado por Dion, o ser humano, representado por Chappie. Desse modo o filme ganha pontos por esboçar uma abordagem filosófica da relação entre criador e criatura. Interessante notar que, ao final, tal como Deus se fez homem no mito cristão, o homem se faz robo. E a personagem Yo-Landi é algo entre uma Eva e uma Maria.
O resultado do longo trabalho de Yann Arthus-Bertrand é este belíssimo, tocante, profundo e pungente documentário ''Humans'', que está disponível para quem quiser assistir, no Youtube, em 3 partes.
Já assisti aos 2 primeiros e foram muitas as vezes que chorei e me emocionei, como na história do homem que só apanhava do pai e aprendeu a associar amor com violencia, ou a história do velhinho octogenário que nunca teve uma namorada, ou da mulher filipina que fala a camera como se falasse ao seu marido e implora para que não a trate com violencia e bruteza, que lhe dê amor e compreensão.
Enfim, pessoas reais, gente como eu e voce, mostrando suas qualidades e defeitos, forças e fraquezas, potencialidades e limitações, lutas e injustiça, opressão e resistencia. Humano, demasiado humano. E como afirmou, no século I a.C., o dramaturgo e poeta romano Terêncio: ''Sou um homem: nada do que é humano me é estranho''.
''Ainda somos os mesmo / e vivemos como nossos pais'', já dizia aquela canção do Belchior, que ficou famosa na voz da Elis Regina. Ou ''voce culpa seus pais por tudo /e isso é absurdo / são crianças como voce / o que voce vai ser quando voce crescer'', de Renato Russo.
Filme sensacional, desde já a obra-prima a cineasta Anna Muylaert. Regina Casé devia fazer só cinema mesmo, pois como apresentadora, ela é uma grande atriz. Um retrato da atual sociedade brasileira, consequencia das transformações ocorridas nos últimos 15 anos, como redução das desigualdades sociais, maior acesso ao ensino, melhoria nas condições de vida e renda, assim como do conflito entre as gerações atuais, mais cientes da luta por direitos e igualdade, com as gerações passadas, adaptadas ao antigo status quo.
Uma fala que me marcou muito foi ''Quando eles oferecem alguma coisa que é deles, é por educação... é porque eles tem certeza qua gente vai dizer não.''
A Garota Dinamarquesa
4.0 2,2K Assista AgoraApesar da reconstituição de época (figurino, cenários, maquiagem, direção de arte) ser impecável, atuação de Redmayne é deixa a desejar, resultando - a julgar pelas indicações aos prêmios - muito superestimada, uma vez que é cheia de maneirismos e afetação desnecessários. O excesso de gestos e olhares empregados pelo ator com o intuito de construir uma caracterização feminina resulta excessivamente caricata.
Assim, temos um protagonista que não consegue cativar, pois tanto ator quanto o roteiro e a direção preferiram fazer um retrato tristonho e depressivo de Lilly, que parece muito mais feliz quando é Einar. Desse modo, o filme acaba atirando no próprio pé, pois não nos convence de a transformação pela qual o personagem passa tenha sido realmente algo que o realizou, que o fez mais feliz, uma vez que ele teria encontrado/assumido sua verdadeira identidade.
Digna de mérito, porém, é o trabalho da atriz Alicia Vikander, que - semelhante ao que fez Jim Broadbent em Iris (2001) e Jennifer Hudson em Dreamgirls (2006) - rouba para si um filme irregular e deverá levar, no Oscar, o prêmio como Melhor Coadjuvante. Até a presença de outros coadjuvante mais secundários como Mathias Schoenaerts e Ben Wishaw são mais interessantes que o protagonista.
No entanto, a coragem do jovem Redmayne em - na medida de suas limitações - entregar-se à sua personagem, expondo-se até mesmo uma cena de nudez, talvez lhe possibilite alguma redenção e seja a melhor explicação para sua presença em premiações como Oscar, ocupando uma vaga que estaria melhor nas mãos de, por exemplo, Samuel L. Jackson (por Os 8 Odiados), Johnny Depp (por Aliança do Crime) ou Will Smith (por Um Homem entre Gigantes).
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Steve Jobs
3.5 591 Assista AgoraPara muitos que assistiram, essa segunda cinebiografia de Steve Jobs é um filme incompleto. Certamente esperavam uma narrativa cronologicamente encadeada narrando praticamente toda a vida do biografado: a infância problemática, a juventude, a descoberta da doença, até a morte e finalizando com uma "mensagem póstuma", provavelmente em tom edificante.
Mas felizmente o filme não procura agradar ao publico mais medíocre, afinal, o filme anterior (Jobs, 2013) faz exatamente isso, ou seja: segue fórmulas já desgatadas para fazer um filme medíocre que agrada um público maior. Sabiamente, o diretor Danny Boyle e o roteirista Aaron Sorkin fogem desse caminho fácil e realizam um filme extraordinário, que talvez seja apreciado por poucos. Afinal, se Steve Jobs não fazia concessões, porque um filme sobre ele deveria fazê-las?
E esse filme, protagonizado por Michael Fassbender numa atuação irretocável (apesar de muitos terem insensatmente criticado a "falta" de semelhança física), tem outros méritos: a narrativa focada nos diálogos e mostrando os bastidores da vida de um homem que, para além de um empresário visionário que construiu uma das mais importantes marcas da história (a Apple), foi um hábil construtor de si mesmo - ou pelo menos de uma imagem idealizada de si.
O modo como o filme, nos 3 atos em que se desenvolve, desconstrói essa persona, revelando o verdadeiro Steve Jobs - egocêntrico, auto-indulgente, individualista, instransigente, ríspido - é brilhante, pois consegue derrubar a imagem heróica e gloriosa que o protagonista erigiu para si, sem contudo demoniza-lo ou vilaniza-lo. Ao contrário, o filme o humaniza - mas o faz sem cair em clichés ou incorrer em pieguice.
E não só o diretor, o roteirista e o protagonista merecem os louros: é indispensável mencionar os desempenhos de Jeff Daniels, Seth Rogen, Michael Stuhlbarg, Perla Haney-Jardine e especialmente Kate Winslet - que rouba muitas cenas e, ao meu ver, divide com Fassbender o protagonismo do filme.
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Spotlight - Segredos Revelados
4.1 1,7K Assista AgoraOs dois filmes dessa temporada que mais me tocaram, me deixando com nó na garganta e lágrimas nos olhos: Spotlight e O Quarto de Jack. <3 <3 <3 <3 <3 Cinco estrelas é pouco!
Ainda preciso de um tempo para "lidar" com eles e então escrever mais um dos meus textões habituais aqui no Filmow.
A Rede Social
3.6 3,1K Assista AgoraEsi aqui um filme que expressa como poucos as idiossincrasias do nosso tempo, essa pós-modernidade tão volátil, confusa e intangível. Tempos onde os valores e as certezas de outrora estão sendo desconstruídos. Nesse sentido, poderia citar pelo menos dois outros filmes: "Clube da Luta" (também de Fincher) e "Amor sem Escalas" – cujo único defeito é esse medonho titulo que ganhou no Brasil.
Outra faceta da obra é o fato de que, tal como nas outras obras-primas Cidadão Kane, Assim Caminha a Humanidade e Sangue Negro, o protagonista (Zuckerberg) desse filme encarna o arquétipo do herói americano (e americano aqui se refere apenas aos estadunidenses), do "self made man" que, contrariando todas as expectativas e num ímpeto incansável e individualista, vencerá e prosperará.
Tal mito heróico encarna os ideias no Neoliberalismo: a concorrência, a livre iniciativa e o individualismo, em contraposição aos ideias de coletividade e de mútua colaboração. Porém, o que me chamou a atenção nesta obra do diretor de "Seven" e "Clube da Luta" é a influência que ela carrega da obra seminal de Orson Welles: Cidadão Kane. Nesta, o protagonista é um homem que – poderíamos dizer – conquistou o mundo, mas tudo o que queria era uma simples coisa que havia perdido no passado: sua “rosebud”, tão representativa da infância e da inocência perdidas.
No caso do filme de Fincher, essa “rosebud” assume a forma da namorada do protagonista, que lhe abandona logo na cena inicial, e que ele fica a contemplar, solitário e triste, na cena final da película. Ele também, por assim dizer, conquistou o mundo, mas tudo o que parecia realmente querer é aquele amor que perdeu, aquele botão de rosa que um dia teve em suas mãos, que agora encontram-se vazias (apesar de toda a sua fortuna). Outra semelhança com a obra de Welles é a narrativa não linear, bem como sua montagem complexa.
Também evoca ao filme de Welles a facilidade com a qual a personagem Mark Zuckerberg (interpretado por Jesse Eisenberg) trai os poucos amigos que tão arduamente conquistou, e a maneira como ele vê as pessoas e as próprias relações sociais: objetos que podem ser comprados, mercadorias cambiáveis e descartáveis.
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Mad Max: Estrada da Fúria
4.2 4,7K Assista AgoraGeorge Miller, depois de provar sua versatilidade em filmes tão distintos quanto o drama O Óleo de Lorenzo (1992), a animação Happy Feet (2006) e os outros 3 Mad Max (1979, 1981, 1985), agora coroa sua carreira com essa jóia repleta de possibilidades de leitura e interpretação, merecendo sem dúvidas o título de mestre.
Primeiramente, devemos ter em mente que esse 4º filme da franquia Mad Max é um filme de ação, e como tal, não poderia abrir mão das cenas de perseguição, das explosões, tiros e violência. E nesses aspectos, temos aqui um filme que dificilmente será superado, um verdadeiro marco - e divisor de águas - não só dentro desse gênero, mas no Cinema como um todo. Ele eleva o filme de ação a outro nível, conciliando à perfeição conceitos que alguns mais conservadores insistem em opor: ação e arte, adrenalina e reflexão.
Dito isto, devemos então entender que, por quaisquer temáticas que o roteiro ousar se enveredar, a ação não deve ser abandonada. E as searas pelas quais este Mad Max consegue se embrenhar e desbravar, sem deixar-nos retomar o fôlego por um instante sequer, são muitas: o consumismo, o esgotamento dos recursos naturais, o especismo, o machismo, o patriarcalismo, a misoginia, a cultura do estupro, o falocentrismo.
A abordagem do colapso dos biomas e ecossistemas devido à intensa exploração do recursos naturais, em prol da manutenção de uma sociedade materalista e consumista, é o mais evidente, desde os primeiros filmes da franquia, afinal, essa teria sido a causa do mundo ter se transformado no que vemos nos filmes: um imenso deserto, onde água e - por consequencia - alimentos são raros, o que torna a luta pela sobrevivencia uma tarefa árdua, diária, incansável.
O quanto a predominância do "masculino" (numa acepção mais ampla que a meramente sexual) nessa sociedade contrubui para sua falência na medida que supõe (erroneamente) que o homem tenha o direito de se apossar de tudo - e todos - pode ser, para alguns, mais difícil de enxergar, mas está lá: nas poucas comunidades humanas existentes (Cidadela, Vila Gasolina, Fazenda da Bala), o poder é exercido por grotescas figuras masculinas e patriarcais, que por meio do controle de recursos ali vitais (água, alimentos, combustível, munição), controlam todos à sua volta.
Porém, não apenas a natureza é oprimida pelo julgo do homem (o ser humano e o sexo masculino), mas na medida em que nessa sociedade predominam estruturas e valores patriarcais, machistas e falocêntricos, a mulher se encontra também no papel de oprimida. No filme, podemos ver isso nas mulheres das quais Immortan Joe se apossou: as mais velhas passam os dias sendo ordenhadas para a produção do "mother's milk", enquanto as mais novas compõem o harém para a produção dos "healthy babies" que crescerão e engrossarão as fileiras de "war boys".
Mas a mulher haverá de desempenhar outro papel aqui, pela mente e pela mão de Miller: como representante do sagrado feminino, como encarnação da Pacha Mama (a mãe terra), portadora das sementes, que carrega em si o gérmem da vida, ela será a libertadora, a redentora. E a personagem Imperatriz Furiosa, interpretada com um vigor e uma pulsação fascinantes pela fantástica Charlize Theron, é a personificação gloriosa desse arquétipo - presente em diversas mitologias, de diversos povos, mas que foi suprimida da cosmogonia ultra machista e patriarcal da cultura judaico-cristã.
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Brooklin
3.8 1,1KA princípio o filme pode causar algum estranhamento na platéia, pois tudo - exceto a passagem algo cômica do mal-estar durante a viagem de navio - parece fácil demais para a jovem irlandesa Eilis Lacey que deixa sua terra em busca do "sonho americano": ela parte para os EUA já tendo a garantia de um lugar onde morar e um emprego, tudo arranjado por um padre também irlandês (Jim Broadbent) que dirige uma paróquia no Brooklyn.
O "bom-mocismo" de Eilis, que prefere trabalhar como voluntária na ceia natalina que a paróquia supracitada oferece anualmente aos mendigos, em vez de festejar na pensão onde vive com amigas da mesma idade; e o namoradinho italiano bem apessoado, educado, gentil, carinhoso e atencioso - até parece que esconde algo - contribuem para criar essa sensação.
E durante a primeira meia hora do filme esse detalhe, aliado à atuação ainda pouco convincente de Saoirse Ronan contribuem, para que o espectador desenvolva certa desconfiança para com a obra. Mas a partir daí, quando se dá o primeiro encontro entre Eilis o padre Flood é que - ao meu ver - o filme deslancha e atriz finalmente encontra-se com sua personagem e lhe injeta ânimo e vigor. E então nós, que assistimos, somos inevitavelmente cativados.
O filme segue sua narrativa, demostrando - apesar de suas qualidades - ser mais um filme sobre imigrantes tentando a vida na parte norte do Novo Mundo, tal qual em obras-primas como Terra de um Sonho Distante (America, America, de 1963) de Elia Kazan, O Poderoso Chefão - Parte II (The Godfather - ParT II, 1975), ou o recente Era uma vez em Nova York (The Immigrant, 2014) de James Gray.
Contudo, quando a protagonista decide voltar à Irlanda para visitar a mãe e comparecer ao casamento de sua melhor amiga, é que ele definitivamente mostra seu valor e se diferencia de seus pares. Os dilemas que Eilis vivencia e tem de enfrentar nesse seguimento da trama é que verdadeiramente tocarão o espectador e o farão torcer e temer pelas escolhas que ela fará.
Além da bela atuação de Saiorse (perfeitamente irlandesa e contrastando na medida certa com a expansividade do italiano Tony), merecem destaque os desempenhos de Domhnall Gleeson, Emory Cohen e Julie Walters (hilária!), a trilha sonora envolvente, bem como a preciosidade dos figurinos e da direção de arte.
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A Travessia
3.6 613 Assista AgoraUm filme muitíssimo bem realizado, com fotografia deslumbrante e efeitos visuais completamente convincentes e atuações irrepreensíveis. Em momento algum me incomodei ou tive a fruição do filme atrapalhada pela caracterização de Joseph Gordon-Levitt no papel do artista francês. Talvez tivesse sido melhor colocar um ator francês como protagonista, mas o desempenho de Gordon é totalmente crível e competente, inclusive emulando com perfeição o sotaque de sua personagem.
A narrativa em primeira pessoa, assim como a trilha sonora, emprestaram ainda mais charme ao filme. Tal é a habilidade do diretor de reconstituir a insuperável façanha de Petit, que eu, que tenho acrofobia (medo de altura), fiquei completamente atordoado nas cenas cruciais do filme. Minhas mãos e pés transpiravam, sentia um frio na barriga e um conflito entre a vontade de continuar olhando e o impulso irracional de fechar os olhos, por medo. Realmente, o filme me tirou o fôlego.
Só queria saber de que modo o final é "muito surreal" - como alguns disseram nos comentários - pois, exceto algumas liberdades que o filme de Robert Zemeckis toma em relação à história real de Philippe Petit (como a lona que escondia um fosso de elevador sob a qual ele se esconde em certo momento da trama), o reoteiro é 100% fiel no que tange à travessia entre as Torres Gêmeas. Basta assistir ao documentário Man on Wire (2008) e comparar. Não há nada de "surreal" ali - aliás, o que vejo é pessoas usando esse adjetivo sem ter a exata noção do que ele significa.
Quero ainda destacar aqui a semelhança da atriz Charlotte Le Bon com Paz Vega e Winona Rider. Ela parece ser uma mistura entre as duas! rsrs
Chocolate
3.7 773A mulherada A-D-O-R-A esse filme. Heheheehee...
45 Anos
3.7 254 Assista Agora"Yet today my love has flown away / I am without my love..."
Esse é definitivamente um filme para ser ver não apenas com os olhos, mas "nos olhos". E os olhos em questão são os olhos da magnífica atriz Charlote Rampling, numa atuação impressionante, minimalista e magistral. E é um filme para se entender nas entrelinhas, especialmente da clássica Smoke get in your Eyes, canção que encerra o filme.
Temos aqui um filme que, à semelhança e obras-primas como A Cruz dos Anos (Make Way for Tomorrow, 1937) de Leo McCarey, e Amor (Amour, 2012) de Michael Haneke, se centram na história de um casal já idoso tendo de lidar com as consequencias da velhice e os fantasmas do passado.
No caso deste filmes do diretor Andrew Haigh, temos, no decurso de uma semana - que antecede a festa de 45 anos de casamento - a história do casal Kate (Rampling) e Geoff (Tom Courtenay). Uma carta escrita em alemão trazendo a notícia de o corpo de um pessoa há muito desaparecida foi encontrado nos Alpes suiços é o estopim para um crise entre o até então harmônico casal.
Na medida que a narrativa se desenrola, segredos há muito guardados vão sendo desenterrados, e Kate começa a perceber que talvez Geoff nunca a tenha amado de verdade e que, para ele, ela tenha sido apenas uma substituta, uma segunda opção, usada para cobrir uma cicatriz que nunca se fechou e que, de repente, é novamente esgarçada.
Ao que parece, há um fantasmo no passado de Geoff que influenciou em tudo o que ele fez nos últimos 45 anos: desde a mulher com a qual se casou, cujo nome guarda semelhanças com uma figura de seu passado, até sua escolha por não ter filhos. É então que o roteiro mostra-se genial, pois, se prestarmos atenção aos pequenos detalhes (os olhos de Kate e Geoff, os cigarros que eles voltam a fumar, a letra a canção), veremos que todos eles se encaixam à perfeição, enriquecendo de sentidos e de possibilidades essa fascinante obra.
"Todos que amam são cegos
Quando o seu coração está em chamas
Você deve perceber
A fumaça entra nos seus olhos..."
Creed: Nascido para Lutar
4.0 1,1K Assista AgoraNenhum esporte foi tão retratado nos cinemas quanto o pugilismo - ou boxe, como é mais conhecido. A origem desse esporte é controversa: alguns afirmam que surgiu na Inglaterra, outros na Irlanda, mas o esporte seria conhecido desde a antiguidade. Onomasto de Ermínia, por exemplo, pugilista vencedor nos jogos Olímpicos do ano 688 a.C., é tido como o primeiro a definir as regras do esporte.
No cinema, ele aparece desde os primeiros clássicos do cinema mudo, como em Luzes da Cidade (1925), de Chaplin. Depois em filmes consagrados como O Delator (The Informer, 1935), de John Ford, com Victor McLagen; Corpo e Alma (Body and Soul, 1947), de Robert Rossen, com John Garfield; e Marcado pela Sargeta (Somebody Up There Likes Me, 1956), de Robert Wise, com Paul Newman.
No entanto, o filme que marcou, entre o público, o esporte na sétima arte, foi Rocky, um lutador (Rocky, 1976), de John G. Avildsen. Marcou porque lançou ao estrelato o jovem Silvester Stallone - que havia começado a carreira no filme pornô e de repente se via indcado ao Oscar de Melhor Ator e Melhor Roteiro -, pela trilha sonora que se tornaria lendária e pelas cenas que entrariam para o imaginário coletivo: o boxeador treinando no frigorífico, depois correndo pelas ruas e sendo seguido por uma multidão que o admira e incentiva, e finalmente subindo as escadarias e erguendo os braços para a glória.
O filme foi um sucesso tremendo, ganhou 3 Oscar (de 9 indicações) e 5 sequências, alguns inclusive dirigidas por Stallone: Rocky 2 (1979), Rocky 3 (1982), Rocky 4 (1985), Rocky 5 (1990), Rocky Balboa (2006). O último filme - por enquanto - a dar sequencia à história é Creed, Nascido para Lutar (Creed, 2915), dirigido por Ryan Coogler e protagonizado por Michael B. Jordan, acompanhando - claro - do onipresente Stallone, revivendo pela 7ª vez Rocky Balboa.
Creed, por sua vez, segue à risca não apenas os mais conhecido clichés dos filmes de boxe, como também tenta emular a estrutura do primeiro filme da saga e estabelecer um estreito diálogo com ele. Quem assistir o filme verá todos os clichés na tela: 1) o jovem herói desacreditado que precisa provar seu valor; 2) o treinador já idoso que inicialmentee se recusa a treina-lo mas depois acaba cedendo; 3) o adversário durão, temido e com ares vilanescos, que ele enfrentará no final; 4) a saúde percária do velho treinador e mentor que se converte num desafio dramático e afetivo ao personagem; 5) a briga ou confusão na qual ele se envolverá na vésperas da luta final e poderá colocar tudo a perder.
As semalhanças com o filme original/primordial também são óbvias: o treinamento "old school" que o protagonista receberá de seu mentor; a cena em que ele, correndo, será seguido pacificamente por um grupo populares, culminando num cena apoteótica; uma releitura das velhas brincadeiras do "toc, toc"; a luta final da qual ele não sairá vendedor (no filme original a vitória no combate pertence a Apollo Creed, no Brasil a dublagem dá um empate para os lutadores); o calção listrado de branco de vermelho; a subida da famosa escadaria.
Creed, assim como Rocky, não é uma obra-prima de perfeição técnica, artística e dramática, como foi Touro Indomável (Raging Bull, 1980), de Martin Scorsese, com Robert DeNiro. Nem temm om mérito de subverter a estrutura do gênero de filme em que se enquadra, como foi o caso de Menina de Ouro (Million Dollar Baby, 2004), de Clint Eastwood, com Hillary Swank, em que o diretor mergulhava desconhecido universo do boxe feminino e estabelecia um brilhante diálogo com outro gênero cinematográfico: o western.
Creed é, nesses aspectos, convencional, à semalhança do recente Nocaute (Southpaw, 2015). Contudo, ele se destaca num ponto muito importante, que está ligado aos recentes debates sob racismo e representatividade: ter um negro como protagonista. Apesar do boxe ter tido entre os negros alguns de seus mais lendários pugilistas (Sugar Ray Robinson, Muhammad Ali, Rubin "Hurricane" Carter, Mike Tyson...), em todos os filmes acima citados, os protagonistas eram brancos. Sendo assim, o protagonismo de Jordan nesse filme acaba se constituindo numa espécie de pioneirismo. E essa iniciativa, por parte do diretor e roteirista Ryan Coogler - também ele um negro - é sem dúvida louvável.
É praticamente certo que Stallone levará a estatueta de Melhor Ator Coadjuvante revivendo um personagem icônico do cinema que ele mesmo criou quando, em meados da década de 1970, escreveu em apenas três dias o roteiro de Rocky. Segundo ele, após assistir uma luta na qual até então o desconhecido Chuck Wepner, resistiu por 15 rounds em uma luta com o campeão Muhammad Ali, chegando inclusive tomba-lo certo momento da luta. É a consagração merecida por mais 30 anos dando corpo e alma pelo mais famoso lutador de boxe do cinema.
Sicario: Terra de Ninguém
3.7 943 Assista Agora"Escute, nada fará sentido para os seus ouvidos americanos. E você vai duvidar de tudo o que fazemos, mas no fim, você entenderá."
Essa frase, dita em certo momento do filme pelo personagem de Benicio Del Toro (magistral) à agente do FBI interpretada por Emily Blunt (incompreendida e subestimada) dá o tom do que o espectador terá ao assistir não só a esse, mas como a qualquer outro filme do diretor Denis Villeneuve: nada nem ninguém é certo ou confiável, toda aparencia engana, nenhum expectativa será correspondida, nenhuma resposta será dada que encerre as questões.
Se tomarmos como exemplos os 3 principais filmes do cineasta (Incendies, Prisioners e Sicario), é possível depurar uma estrutura essencial em sua obra que tentarei rapidamente decompor:
1 - Um personagem principal que irá entrar em uma realidade desconhecida e estranha e que sairá dela completamente modificado ou devastado. No caso de Incendies (2010), os irmãos Jeanne (Mélissa Désormeaux-Poulin) e Simon (Maxim Gaudette), que ingressarão em uma jornada para reconstituir a história e sua mãe e por consequencia a deles mesmos. No caso de Prisioners (2013), o pai amargurado e vingativo Keller Dover (Hugh Jackman). Já em Sicario (2015) quem cumpre essa função é a agente Kate (Emily Blunt).
2 - Um segundo personagem que também adentrará nessa realidade, mas que já a conhece e de certo modo a domina. Ele já passou pela fase do choque, do estranhamento e da perplexidade. Já está moldado e, de certo modo, age friamente aos horrores que presencia. No caso de Incendies (2010), é a mãe, a "mulher que canta" (Lubna Azabal). No caso de Prisioners (2013), o policial Loki (Jake Gyllenhaal). Em Sicario (2015) ele é encarnado pelo agente (Matt Graver).
3 -
Um terceiro personagem que esconde um mistério que é a chava para desvendar - ao menos em parte - a trama que o personagem principal só desvendará no final. É o irmão e o pai perdidos que deverão ser encontrados pelos irmãos em Incendies; o tia idosa e misteriosa do principal suspeito em Prisioners, e o ex-promotor mexicano em Sicario.
Não há heróis nos filmes de Villeneuve, mas apenas vítimas e vilões (que se revelarão vítimas também no final). Todos os personagens são seres profundamente humanos, multifacetados, idiossincráticos, cujas almas sofreram ou sofrerão, ao londo do filme, uma incurável obliteração. Todos estão sujeitos a errar, a ferir a si e aos que amam, a ser amorais, a agir contra seus princípios e - principalmente - a questionar suas certezas e sua fé.
Por essa razão muitos se frustraram com a personagem de Emily Blunt e se perguntaram qual a função dela no longa. A grande maioria desses, certamente, porque esperavam ver na tela um personagem destemida, infalível, durona - ou "fodona". E não que ela não seja nada disso, mas o ponto é que não é esse o objetivo de Villeneuve.
Ele não quer lançar mais uma Ellen Ripley. Ele quer investigar a permanencia de nossas certezas, crenças e princípios frente à situações de extremo horror e violência (em geral, as maiores vitimas são as crianças, apresentadas sempre em sua vulnerabilidade em relação ao mal que se apresenta tão inevitável). Lhe interessa antes de retratar a força de somos capazes, explicitar sua pulverização na medida que nossas maiores fraquezas (medo, ódio, rancor, fanatismo...) se revelam.
E no final, depois de termos encontrados mais dúvidas do que certezas, mais questionamentos do que respostas, nos deixar perplexos e pensativos.
Texto completo no meu blog thecinemaniaco.blogspot . Obrigado!
Força Maior
3.6 241Uma família aparentemente perfeita e coesa, de férias nos Alpes, tem sua estrutura abalada após sobreviver à uma avalanche - este é o mote deste instigante e belo filme. A força maior à qual o título do filme se refere poderá ser interpretada a partir de diferentes perspectivas.
Inicialmente, ela pode ser tomada pela força da natureza, bem como incontrolável e insondável acaso que ela enseja e/ou representa. Enquanto esperam seu almoço num restaurante da estação de esqui, os turistas que ali estão (incluindo a família em questão) não sabem o que lhes aguarda quando a avalanche começa a descer: uma ameaça iminente ou apenas um arrepiante fenômeno da natureza? Estarão eles, do mirante em que se encontram, seguros e à salvo?
Posteriormente - e passado o susto - a força maior pode ser tomada em outras significações: nossos instintos mais básicos, que numa situação de perigo iminente, prevalecerão sobre qualquer racionalidade e moralidade. É aí que a relação entre o casal de protagonista começa a se obliterar, pois enquanto a mãe (movida pelo instinto materno, de proteção à prole) fica junto dos dois filhos para protegê-los, enquanto o pai (movido apenas pelo instinto de autodefesa e sobrevivência) foge, abandonando esposa e filhos.
Finalmente - e não ignorando as duas possibilidades de significação anteriormente expostas - e na medida em que o casal se esforça para se reintegrar e reconstruir os laços afetivos e restabelecer coesão familiar, um outro sentido é dado à essa força maior: o ser humano, enquanto ser social, necessita manter e proteger as relações estabelecidas nesse bojo, afim de garantir a sobrevivência da espécie. A família, como núcleo social básico e vista como meio indispensável à criação dos filhos precisa ser defendida.
Cabe notar como o filme brilhantemente explora as questões envolvendo a masculinidade e os papeis de gênero dentro da nossa sociedade e cultura patriarcais: o pai se mostra incapaz de admitir que fugiu, pois fazê-lo seria assumir sua covardia e assim explicitar o quão falso é o conceito de "macho provedor e protetor".
E não é apenas esses conceitos que são colocados em xeque no filme. Em uma conversa com uma amiga, a esposa-mãe fica perplexa ao ouvi-la contar sobre seu relacionamento aberto, e, no diálogo entre elas, diversos tabus ligados ao casamento, maternidade e fidelidade são questionados.
Uma cena particularmente interessante é a do falso elogio que ele recebe de uma turista num bar, quando ali se encontrava acompanhado de um amigo: aquele homem que encontrava-se quase emasculado após a discussão com a esposa na noite anterior, começa a recobrar sua autoestima e a sentir-se novamente um "macho alfa". Mas essa ilusão dura pouco. Será preciso, posteriormente - e com a conivencia de sua esposa abnegada - encenar um resgate para que ele retorne ao posto de patriarca infalível.
A cena final do filme, em que a família de protagonistas, acompanhada de outros turistas, caminham em grupo, é emblemática: tal como uma matilha de lobos (machos e fêmeas, alfas e betas...) migrando na neve, guiando suas proles, colaborando e tentando sobreviver. Assim, todo o filme acaba ganhando um sentido de alegoria.
O Regresso
4.0 3,5K Assista AgoraO Regresso é um filme que consolida esta que eu chamo de a 2ª Fase da obra de Alejandro González Iñárritu. Em seus 3 primeiros filmes, o diretor, em parceria com o roteirista Guillermo Arriaga, se caracterizava por realizar filmes cuja temática e narrativa centravam em torno de histórias aparentemente deconexas, cujo elo se dava a partir de um evento trágico: um acidente automobilístico em Amores Brutos e 21 Gramas, e uma "bala perdida'' que alveja uma turista em um ônibus, no caso de Babel. Poder-se-ia dizer que Iñarritu assumia-se como um maestro do caos.
A partir de Biutiful, no entando, o diretor inicia uma mudança de foco e de estilo - marcando também o início do rompimento da parceria com Arriaga. Em sua 2ª Fase, composta até aqui por 3 filmes (o já citado Biutiful, o premiado Birdman e este The Revenant), o diretor passa a narrar histórias de homens determinados à "dar a volta por cima'', por assim dizer, em suas vidas.
Se em Biutiful tínhamos no personagem Uxbal (Javier Bardem) a figura de um homem tentando conciliar o sentimento de culpa pelo fim do relacionamento e tentando criar os filhos sozinho e desempregado; e se em Birdman, por sua vez, tínhamos no personagem Riggan Thomson (Michael Keaton) a figura de um ator que tivera sucesso interpretando um super-herói numa franquia cinematográfica e que tenta se afirmar como artista produzindo, dirigindo, roteirizando e estrelando uma peça de teatro; em The Revenant temos o extremo: um pioneiro da colonização norte-americana que teve sua família massacrada, restando-lhe apenas seu filho, que depois de ser violentamente atacado por uma fera selvagem e abandonado para morrer por seus parceiros, tenta de todas as formas sobreviver e vingar-se.
O filme é de tirar o fôlego: uma narrativa inquieta e turbulenta, auxiliada por uma câmera que flui naturalmente pelas cenas, dando o expectador a sensação de estar ali, vivenciando os eventos junto com os personagens. A trilha musical e os efeitos sonora amplificam as sensações - por vezes, mesmo no calor do verão brasileiro, eu sentia frio e via-me perdido no meio de toda aquela neve.
A direção de Iñarritu assim como o roteiro são precisos, duros, sem excessos. Mas o grande trunfo do filme é sem dúvida o trabalho de Leonardo DiCaprio, que nos presenteia com uma atuação absolutamente vigorosa e visceral. Merece honra também o trabalho dos coadjuvantes Tom Hardy (brilhante), Brad Carter e Domhnall Gleeson, especialmente.
Um ponto que me chamou a atenção é o fato de Iñarritu conseguir realizar um épico sobre a colonização (que de fato foi um invasão seguida de extermínio étnico) norte-americana sem ser revisionista, como é o caso de Dança com Lobos e Um Homem Chamado Cavalo, por exemplo, e sem retratar os índios como bons e puro selvagens (como acontece nos dois filmes citados) ou como selvagens bárbaros e incivilizados (como era comum nos primeiros westerns). Sua narrativa e seu olhar sobre aquele momento de confluência e conflito cultural são bastante sóbrios e realistas.
A Mãe e a Puta
4.3 96"Essa é pra comer, essa é pra casar."
Enquanto assistia ao filme, procurava alguma explicação para o estranho e ousado título "A Mãe e a Puta" e confesso que ele foi um dos atrativos que me levaram a procurara o filme e assisti-lo. E essa frase tão comum no meio machista talvez ajude a entender a escolha do autor pelo nome de sua obra.
O filme narra as desventuras de Alexandre, um homem parisiense que se torna pivô de um triangulo amoroso com duas belas, complexas e fascinantes mulheres. Mas Alexandre é um anti-herói pelo qual o expectador dificilmente nutrirá simpatia ou admiração: ele é imaturo, inseguro, mentiroso, fútil, egocêntrico e mimado.
E machista: incapaz de lavar os copos que suja, quando interpelado por Maria (que praticamente o sustenta, com uma mãe solteira) se gaba de tê-los lavado um vez, há tempos atrás; admite que as parades do apartamento que divide com Maria tem marcas de sangue das brigas entre os dois e que, numa delas, machucou brutalmente o rosto da moça; além disso, flerta com moças na rua, mesmo vivendo sob o teto e às custa de Maria, que inexplicavelmente o ama apesar de tudo, mas não aceita que ela faça o mesmo. Ou seja: almeja um relacionamento aberto, mas aberto apenas às suas "escapulidas".
Um dia conhece a bela Veronika.logo após ser definitivamente rejeitado por uma ex-namorada, Gilberte, por qual ele nutre uma paixão ególatra, narcísica e quase infantil - possivelmente porque ela diz que ele foi o seu primeiro homem e nunca amou ninguém como a ele.
"- Pensei em você no banheiro. Há uma pichação: ‘Meu desejo de amar abre-se para a morte como uma janela para o pátio’. E alguém escreveu abaixo: ‘Pula, Narciso!’
- Isso te faz lembrar de mim?
- Parece contigo, não?"
Veronika é ousada e independente - principalmente no campo sexual - e isso ao mesmo tempo que o fascina e excita, ou amedronta e ameaça. Em seu machismo possessivo, uma mulher que diz "porque como vê, querido, estou apaixonada. Me apaixono sempre. Envolvo-me rapidamente com as pessoas, e as esqueço rapidamente. As pessoas não têm importância. Amo alguém durante um mês, dois, três e logo deixo de amar. Quando é bom, é bom, depois acaba" pode ser bastante assustadora.
Porém, na medida em que ele, sem controle nenhum da situação, se perde em seus sentimentos por Maria e Veronika, ele vai entrando cada vez mais em um dilema: permanecer com a mulher que o ama e que lhe é fiel (pra casar), que praticamente o sustenta (como uma mãe), mantendo-se em sua zona de conforto, ou se arrisca numa relação nova com uma mulher que diz que já trepou só por trepar com inúmeros homens e que não há mal nenhum em mulher dizer que gosta de trepar (a puta seria mesmo ''só para trepar''?), abrindo mão de seus preconceitos.
Com qual das duas ele terminará? - eis a questão. O amadurecimento do personagem depende dessa escolha.
Mãe Índia
3.8 19O filme merece ser visto por ser uma fascinante saga indiana de uma mulher para sobreviver e criar seus filhos apesar de todos as adversidades. Se, disso que eu disse, tirarmos a parte dos filhos, poderíamos facilmente dizer que minha frase se refere ao clássico Hollywoodiano E o Vento Levou... (1939).
Porém, apesar de história comovente e da atuação cheia de verdade da protagonista Nargis interpretando Radha, o filme possui defeitos muito sólidos, que acabam influindo negativamente no resultado final e prejudicando a fruição da obra. O céu cenográfico usado em algumas cenas, por exemplo, é um desses defeitos.
A atuação de Sunil Dutt como o filho Birju na idade adulta, ao meu ver, é o maior deles. O trabalho do ator é caricato, forçado, exagerado e, mesmo que se afirme que isso seja característico da dramaturgia indiana ou que o trabalho dos demais atores também o sejam, o notório o quanto o desempenho dele destoa negativamente dos demais.
Além disso, a maquiagem excessivamente vermelha (em contraste com a maquiagem mais branca usada por Rajendra Kumar, interpretando o irmão Ramu na idade adulta) usada pelo ator contribui ainda mais com o estranhamento que suas aparições causam.
A duração do filme também é um tanto excessiva, e os números musicais (que poderão soar cafonas ao público ocidental), aliado aos flashbacks, contribuem subtancialmente para esse prolongamento narrativo.
Alguns pontos da narrativa acabam, em contrapartida, ficando mal explicados, criando incômodas lacunas. A reconstrução da comunidade rural onde eles viviam, após a inundação, e a consequente formação da vila, é um desses entrechos mal explicados. Outra, é o processo que teria levado Birju a se tornar um líder de bando criminoso na parte final da narrativa.
Como o filme é uma saga épica indiana, é possível encontrar nele elementos alegóricos qie remetem à tradições hindus. A personagem de Radha, por exemplo, traz aspectos das deusas Lakshimi, Durga e Kali. Ramu, o filho mais velho, obediente, belo e educado, traz semelhanças com o deus Rama do épico Ramayana.
Já Birju, o moleque travesso e desbocado que se torna um bandido romântico, com o deus Krishna, conhecido por suas transgressões. Shamu (outro nome para Krishna), marido de Radha que a abandonou, também é comparado com Krishna, que deixou sua amante.
Para aqueles que se mesmo assim se interessarem por assisti-lo e tiverem êxito em vencer suas mais de 2 horas de duração, recomendo que procurem e assistam à Trilogia Apu (A Canção da Estrada, O Invencível, O Mundo de Apu), do grande mestre do cinema indiano Satyajit Ray. Esses certamentes são filmes muitos mais sólidos e melhor realizados, contando uma saga indiana ainda mais comovente e encantadora.
Homem-Formiga
3.7 2,0K Assista AgoraO filme é muito legal e divertido, mas preciso dizer o Luis é o melhor coadjuvante dos filmes da Marvel. Deliciosamente hilária a atuação de Michael Peña!
Evereste
3.3 550 Assista AgoraAmei o filme e posso, pela experiência que tenho em montanhismo, mas apesar de não ter tentado subir o Everest ainda, que ele é bem fiel a este tipo aventura. Os muitos personagens, além de bem interpretados, são bem delineados, na medida que o desenvolvimento da história e a duração do filme permitem, sem prejudicar a narrativa. O filme tem ação e tensão na medida certas. História, enfim, muito bem contada.
Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre a Existência
3.6 267 Assista Agora"Fico feliz que esteja tudo bem... Eu disse que fico feliz que esteja tudo bem!"
Essa frase é dita por alguns personagens ao longo do filme, pelo telefone; uma faxineira ajoelhada no corredor ao lado de um balde e um esfregão, um velho empresário com uma arma na mão, um casal de pijamas na cozinha, por exemplo. Em todos os momentos, fica aquela sensação de algo que é dito mecanicamente ou por conformismo, como aquelas ''frases feitas'' e banais que todos usamos quando conversamos ao telefone.
O filme é feito de vários pequenos momentos que retratam recortes aparentemente corriqueiros e banais - alguns com um toque de realismo fantástico - da vida de pessoas comuns que poderiam ser eu e você: um casal deitado na areia da praia se acaricia ao lado de um cão, uma mulher brinca com seu bebê num parque, um grupo de pessoas numa aula de dança... Curiosamente, todos são figuras tristonhas, de rosto pálido e andar fúnebre - quase como zumbis.
Os personagens mais recorrentes são uma dupla e ridícula e desastrada de vendedores
que trabalha ''no ramo do entretenimento'' vendendo artigos de diversão. Seus produtos são patéticas dentaduras de vampiro, máscaras do ''tio banguela'' e os clássicos sacos de risadas. Um mais sério e taciturno, outro mais emotivo e chorão.
Este último, em uma cena, diz não conseguir para de ouvir uma música que diz, no verso final, que ''ele irá reencontrar seus pais no céu'', mas chora dizendo que não quer revê-los, provavelmente porque teme envergonha-los mostrando-lher que é um fracassado.
Todos os personagens, no fundo, são assim: pessoas tentando levar suas vidas, seguir trabalhando e assim garantir seu sustento (''tem gente que acorda cedo amanhã pra trabalhar''), e neste ínterim forjam uma aparencia de felicidade de relativo sucesso, apesar de, no fundo, serem pessoas tristes, angustiadas e frustradas.
A impressão que tenho, principalmente depois daquela cena do ponto de ônibus, é que no fundo, estamos todos perdidos, tentando achar alguma rumo ou sentido. Às vezes, por alguns breves momentos, saímos de nossa rotina extenuante e alienante, e como um pombo que pousa num galho e reflete sobre a existência, nos pomos a questionar sobre o que estamos fazendo de nossas vidas e até sonhamos com algum tipo de fuga ou redenção. Mas depois voltamos à rotina, entramos novamente no ciclo ao qual nos habituamos, como o pombo que salta do galho, voa e volta a ciscar a terra catando por grãos e migalhas. Como diz a canção "Cotidiano", de Chico Buarque: "todo dia eu só penso em poder parar / todo dia eu só penso em dizer não / depois penso na vida pra levar / e me calo com a boca de feijão".
As Sufragistas
4.1 778 Assista AgoraTenho visto muito homem babaca vindo aqui tecer críticas patéticas ao filme e ao movmento feminista em si, no intuito de minimizar ou defender seu machismo, que hoje tem se tornado cada vez mais intolerável e indefensável.
Há uma grande diferença entre o Feminismo e o Machismo. Machismo é a pressuposição (histórica e socialmente construída) de que o homem é superior à mulher, de que o homem merece mais direitos e privilégios que as mulheres. O Feminismo é luta histórica de mulheres contra a opressão do patriarcado e pela derrubada dos ideais machistas.
Não é a toa que o Feminismo é um movimento organizado social e politicamente, enquanto o machismo, por ser hegemonico e por não lutar por nada (ele foi e continua sendo imposto), não tem essa característica. O Feminismo tem sim orientação marxista, mas afirmar que estimulada ou cria a guerra entre as classes é prova inconteste de desonestidade intelectual.
A guerra de classes passa a existir no momento que as classes oprimidas tomam consciencia da opressão de lutam contra ela. E essa opressão é criada não pela luta dos oprimidos, mas pelos opressores. E são os opressores que, depois, se esforçam por deslegitimar a luta dos que vivem sob o julgo da opressão - tal como voce esté fazendo.
Todo diretista, reacionário e conservador - grande ou pequeno - fez isso um dia e segue fazendo. Triste é ver gente tentando difmar e deslegitimat uma luta bela e necessária para defender sua patifaria e canalhice. Quem alimenta esses grupos anti-feministas são proto-fascistas como Bolsonaro, Feliciano, Cunha, Malafaia, Gentilli. Criam falsos argumentos (leia-se empregam falácias), não oferecem resoluções pra nada. São pessoas que tudo que querem é manter o status quo e seus privilégios.
Afirmam que os movimentos sociais fazem ''brasileiro brigar com brasileiro'', como se vivêssemos num país justo e igualitário, como se não houvessem vilões. Tentam retomar para si o jogo que estão perdendo. Quem leu A Arte da Guerra, O Príncipe, sabem como eles controlam isso. E não é só: o Movimento Feminista hoje é tão importante e necessário como sempre foi. O choro dos ''omi'' é que é maior e segue sendo livre para o deleite de todos os públicos.
Romance
4.0 574Assistindo a esse filme, eu só conseguia pensar em 3 coisas:
1 - Por que o Guel Arraes não faz mais filmes assim?
2 - Letícia Sabatella é a mulher mais linda que eu já vi.
3 - Raras vezes a metalinguagem foi tão bem empregada no cinema.
Tatuagem
4.2 924 Assista AgoraTroque Berlim por Recife, o Nazismo pela Ditadura Militar, Liza Minelli e Joel Gray por Irandhir Santos e temos o Cabaret Brasileiro.
Chappie
3.6 1,1K Assista AgoraUm filme com uma ideia, em essencia, muito boa, mas que peca pelo uso indiscriminado de clichés. A sensação que tive foi a de estar assistindo a um híbrido estéril de Edward Mãos de Tesoura, Robocop, Avatar, Ex-Machina, Eu Robo e Planeta dos Macacos - A Origem.
Destaque para a analogia sobre a relação entre Deus, representado por Dion, o ser humano, representado por Chappie. Desse modo o filme ganha pontos por esboçar uma abordagem filosófica da relação entre criador e criatura. Interessante notar que, ao final, tal como Deus se fez homem no mito cristão, o homem se faz robo. E a personagem Yo-Landi é algo entre uma Eva e uma Maria.
Humano - Uma Viagem pela Vida
4.7 326 Assista AgoraO resultado do longo trabalho de Yann Arthus-Bertrand é este belíssimo, tocante, profundo e pungente documentário ''Humans'', que está disponível para quem quiser assistir, no Youtube, em 3 partes.
Já assisti aos 2 primeiros e foram muitas as vezes que chorei e me emocionei, como na história do homem que só apanhava do pai e aprendeu a associar amor com violencia, ou a história do velhinho octogenário que nunca teve uma namorada, ou da mulher filipina que fala a camera como se falasse ao seu marido e implora para que não a trate com violencia e bruteza, que lhe dê amor e compreensão.
Enfim, pessoas reais, gente como eu e voce, mostrando suas qualidades e defeitos, forças e fraquezas, potencialidades e limitações, lutas e injustiça, opressão e resistencia. Humano, demasiado humano. E como afirmou, no século I a.C., o dramaturgo e poeta romano Terêncio: ''Sou um homem: nada do que é humano me é estranho''.
Que Horas Ela Volta?
4.3 3,0K Assista Agora''Ainda somos os mesmo / e vivemos como nossos pais'', já dizia aquela canção do Belchior, que ficou famosa na voz da Elis Regina. Ou ''voce culpa seus pais por tudo /e isso é absurdo / são crianças como voce / o que voce vai ser quando voce crescer'', de Renato Russo.
Filme sensacional, desde já a obra-prima a cineasta Anna Muylaert. Regina Casé devia fazer só cinema mesmo, pois como apresentadora, ela é uma grande atriz. Um retrato da atual sociedade brasileira, consequencia das transformações ocorridas nos últimos 15 anos, como redução das desigualdades sociais, maior acesso ao ensino, melhoria nas condições de vida e renda, assim como do conflito entre as gerações atuais, mais cientes da luta por direitos e igualdade, com as gerações passadas, adaptadas ao antigo status quo.
Uma fala que me marcou muito foi ''Quando eles oferecem alguma coisa que é deles, é por educação... é porque eles tem certeza qua gente vai dizer não.''