Filmes centrados nas histórias de crianças cujas vidas e inocências são devoradas pelo horror da guerra não são raros: dos brutais e colossais Vá e Veja (Idri e Smoti, 1985), de Elem Klimov e a Feiticeira da Guerra (Rebelle, 2011), de Kim Nguyen, aos mais convencionais Esperança e Glória (Hope and Glory, 1987) e Filhos da Guerra (Europa, Europa, 1990), ou mais adocicados, como A Vida é Bela (La Vita è Bela, 1997).
Este Beasts of no Nation (ainda sem título em português, mas cuja tradução mais adequada seria "Monstros sem Pátria") se irmana aos dois primeiros filmes citados, em sua crueza e no fato de, ao longo de sua narrativa, se ocupar em descrever o processo por meio do qual crianças são cooptadas por grupos armados e transformadas em máquinas de matar.
E nesse ponto, o filme do diretor Cary Joji Fukunaga, estrelado pelos ótimos Abraham Attah e Idris Elba guarda muitas semelhanças com Feiticeira da Guerra: ambas as histórias estão situadas em um país africano que passa por uma guerra civil; ambos os protagonistas tiveram suas famílias dizimadas por grupos armados; ambos são cooptados por milícias clandestinas rebeldes e integrados às suas fileiras; ambos os grupos aos quais serão inseridos possuem líderes carismáticos que se revestem de uma aura mística e são cultuados por seus soldados; ambos encontrarão entre seus pares um amigo com o qual estabelecerão um vínculo mais estreito; ambos sofrerão algum tipo de abuso sexual; ambos os filmes são pontuados por narrativas em off dos protagonistas em tom confessional.
Contudo, Beast of no Nation erra onde Rebelle acerta: não mantém o foco no seu protagonista (Attah), desviando-o, em certa altura na narrativa para outro personagem (Idris), e, ao fazê-lo, o que era uma narrativa sólida sobre a inocência perdida torna-se um filme oscilante e indeciso, ao tentar abranger um escopo de discussão mais amplo, incluindo questões políticas e geopolíticas muitíssimo complexas.
Todavia, enquanto filmes como O Último Rei da Escócia (The Last King of Scotland, 2006) segue a linha de usar personagens brancos e ocidentais como as figuras heróicas da narrativa - algo que também pode ser visto em Diamante de Sangue (Blood Diamond, 2006) e Um Grito de Liberdade (Cry Freedom, 1987) - outros como Feiticeira da Guerra, Hotel Ruanda (Hotel Rwanda, 2004) e este Beasts of no Nation não cometem esse deslize moral. Não há aqui a figura do homem branco e justo a salvar o negro de sua barbárie, como se o negro (e por consequencia a África) fossem os únicos culpados pela sua situação.
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Definitivamente, esse não é um filme de suspense/terror tradicional. Não espere um filme seguindo fórmulas de gênero. Não espere sustos que te fazem saltar no sofá ou poltrona. Não espere aquele final catártico, onde os mistérios se revelam, o vilão se dá mal e o protagonista se revela algo heróico. Não espere ação, não espere uma montagem frenética, com cortes bruscos, nem por uma trilha que provoque tensão e contribua para construir aquele típico clima onde a expectativa de ser surpreendido se faz onipresente. Em suma; não espere o óbvio.
Esse se eleva acima da média dos filmes desse gênero exatamente por diferenciar-se deles e por buscar romper com os paradigmas estipulados pela industria e pelo público para esse tipo de filme. Ele parecerá lento para os expectadores cuja capacidade de fruição estiver turvada ou limitada por ser pares mais comerciais, como Invocação do Mal e Anabelle, por exemplo. Sua condução, no entanto, se vale de cenas longas (extensos planos-sequencia magistrais) onde a tão afamada "lentidão'' tem como propósito, em vez de pregar sustos cujo efeito é efêmero, produzir no expectador um temor, uma angústia e uma incerteza pelo que virá, que ecoarão por muito mais tempo.
A fotografia, soturna e densa, os enquadramentos ora distantes, ora de um close sufocante, a mise-en-cene habilmente elaborada para sugerir e confundir mais do que explicitar ou revelar, a trilha sonora deveras incomoda, o roteiro que não abrirá espaço para soluções alentadoras ou alívios dramáticos... tudo colobora para o filme se revele uma das obras mais perturbadoras dos últimos tempos. Mérito também do elenco, formado por nomes poucos conhecidos, com destaque para os formidáveis desempenhos da filha mais velha, Thomasin (Anya Taylor-Joy), e seu pai Jonas (Lucas Dawson).
A narrativa, baseada em lendas sobre bruxas cuja origem remonta ao princípio da colonização inglesa na América do Norte - contexto histórico e geográfico no qual a história se desenvolve -, bem como em registros de julgamentos de casos de bruxaria, abre espaço para reflexões e discussões sobre temas interessantes: extremismo religioso, delírio coletivo, superstição, machismo, castração (na acepção freudiana do termo), etc.
A reconstituição de época, vista nos figurinos, cenários e mesmo nos diálogos, que procuram recriar o modo próprio de falar daqueles pioneiros, merece também destaque, bem como a direção segura do praticamente estreante Robert Eggers.
Semelhante ao aconteceu, no ano passado, em relação aos filmes Mad Max: Estrada da Fúria (Mad Max: Fury Road, 2015) ou Star Wars: O Despertar da Força (Star Wars: The Force Awakens, 2015), recentemente a nova versão para os cinemas de Os Caça-Fantasmas tem sofrido ataques e críticas de cunho misógino por parte de supostos fãs claramente machistas.
Alegações de os filmes, por terem protagonistas feministas, ao contrário de seus antecessores, teriam se transformado em ''peças de propaganda feminista'' ou que a opção por substituir os atores homens por mulheres teria ''descaracterizado um clássico'' foram tecidas às centenas por usuários de redes sociais e sites especializados em cinema.
Alegar que o cinema esteja sendo invadido ou dominado por uma ''ditadura feminista'' é mais um expressão da esquizofrenia social e paranóia político-persecutória que não se via desde os tempos da Guerra Fria. Interessante que, desde a invenção do cinema, a esmagadora maioria do filmes, especialmente os de ação, sempre foi protagonizada por personagens masculinos - no quais as mulheres apareciam como meros adereços sexuais na trama - e nem por isso esse machismo gritante provocou a mesma reação por parte do público feminino - seja feminista ou não.
O que se vê nessas reações, além de uma boa dose de preconceito e uma certa de imaturidade, é uma notória confusão entre memória afetiva e qualidade cinematográfica. As primeiras versões de Os Caça-Fantasmas para o cinema feitas na década de 1980 podem ter marcado a infancia de muitas pessoas - incluindo a minha - mas isso não faz deles um ''clássico'', de modo que o argumento de que a nova versão, protagonizada por mulheres, seja de algum modo nociva ou prejudicial, não se sustenta.
Um filme extremamente humano e profundamente tocante. Ermano Olmi conseguiu, usando como atores camponeses italianos da região do Bergamasco, realizar um filme único, que, apesar de ter sido realizado no final dos anos 70, está completamente embebido na estética e na temática do Neo-realismo - movimento do qual os cineastas Vittorio de Sica e Roberto Rosselini foram os maiores expoentes.
O filme, passado no final do século XIX, e retrada a vida de uma comunidade (no sentido preciso desse termo) camponesa da região da Lombardia, na Itália. No início do filme há uma espécie de prefácio que, na forma de legenda, explica bem o contexto socioeconômico retratado: numa espécie de "cortiço" rural, viviam de 4 a 5 famílias, no regime similar ao de "meeiro". As terras, os estábulos, as árvores, uma parte dos animais de criação (gado, galinhas, porcos, cavalos, patos) e das ferramentas pertenciam ao dono das terras, ao qual as famílias deveriam remeter 2 terços (cerca de 60%) da colheita - que no filme se limitava a milho, trigo e tomates basicamente.
A narrativa é difusa - e isso não é um defeito, pelo contrário. O cineasta opta por narrar paralelamente a vida quotidiana das famílias que dividem aquele espaço e juntas lavram as terras, plantando, colhendo e realizando todas as tarefas típicas de uma rotina camponesa. A trama se desenrola na medida em que os personagens - brilhantemente construídos e perfeitamente interpretados pelos "não-atores" escalados - lidam com os problemas que eventualmente aparecem: um pai relutante em deixar que o filho frequente a escola por precisar de sua ajuda nas tarefas diárias; uma viúva, com 5 filhos para criar, cuja inestimável vaca leiteira adoece repentinamente e que o veterinário recomenda que seja sacrificada; um pai que vive brigando com o filho adolescente que não quer saber de trabalhar; dentre outras efemeridades de vidas que, em essência, não diferem muito das de qualquer ser humano que, como os personagens, não nasceram em "berço de ouro".
O entrecho envolvendo a moeda de ouro me fez rir bastante, enquanto outro, relativo à "árvore do tamanco", que dá título ao filme, me emocionou sobremaneira. Historicamente, é interessantíssimo enquanto reconstituição da vida de uma comunidade rural numa região onde a industrialização - que havia nascido na Inglaterra cerca de 150 anos antes - ainda não havia chegado, e cuja estrutura social e econômica ainda guardava traços feudais.
A falta de uma história central, com começo, meio e fim claramente definidos, ao contrário de ser um defeito - como alguns acusam o filme - é sua maior qualidade. O filme se aproxima da realidade, constituindo-se num híbrido entre ficção e realidade, entre encenação e documentário, exatamente porque consegue retratar a vida como ela é (ou como ela era naqueles tempos), ou seja: uma sucessão de pequenas banalidades das quais a vida de todos nós é feita.
Alan Mathison Turing nasceu em 23 de junho de 1912, em Londres, Reino Unido. Foi um matemático, lógico, criptoanalista e cientista, considerado por muitos o "pai da computação" e pioneiro dos estudos e pesquisas sobre inteligência artificial.
De fato, teve grande influância no desenvolvimento da ciência da computação e na formalização do conceito de algoritmo, com a invenção da "máquina de Turing", batizada por ele de "Christopher", durante a Segunda Guerra Mundial, um equipamento que pode ser considerado o precursor dos computadores. Turing trabalhou para a inteligência britânica em Bletchley Park, num centro especializado em quebra de códigos. Por um tempo ele foi chefe do Hut 8, a seção responsável por analisar e decrifar o "Enigma", isto é, o sistema criptografia usada para comunicação pela frota naval da Alemanha Nazista.
No filme do diretor Morten Tyldun, a narrativa se foca no período passado durante a Segunda Guerra e na equipe de cientistas encabeçada por Turing responsável por decifrar os códigos nazistas. Na interpretação do britânico Benedict Cumberbatch, Turing é retratado em suas idiossincrazias: um gênio, capaz de resolver complexas equações matemáticas em segundos, mas com sérios problemas de relacionamento interpessoal. Por muito pouco essa caracterização consegue escapar da caricatura, evitando contruir um personagem que equivaleria à um Sheldon Cooper ou à uma mistura de Forrest Gump com Albert Einstein.
Nesse ponto, o filme se assemelha à outras cinebiografias de gênios, como Um Mente Brilhante (A Beatiful Mind, 2001), dirigido por Ron Howard, que conta a história do matemático e vencedor o Nobel, John Forbes Nash Jr., por exemplo. Contudo, o filme de Tyldun ganha pontos sobre o filme de Howard, por evitar o maniqueísmo e o sentimentalismo, e por não ocultar a homossexualidade de seu protagonista. Isso porque, em 1954, Nash foi preso por "ato indecente" em Santa Mônica, de acordo com uma lei do estado da Califórnia, nos EUA, que considerava criminoso o comportamento homossexual.
Durante décadas a homossexualidade era considerada ilegal no Reino Unido de modo que, em 1952 Turing foi preso e sofreu um processo criminal por ser homossexual. Como pena alternativa à prisão, e foi submetido à um tratamento hormonal e à castração química. O filme de Tyldun não omite esse fato, mas, ao contrário, faz dele um dos pilares da narrativa e base de algumas das cenas mais dramáricas do filme.
Na narrativa, que se alterna entre os eventos passados durante a Segunda Guerra Mundial, com outros da adolescência de Turing e sua passagem por uma escola conservadora do Reino Unido, importantes detalhes de seu passado - como a autodescoberta de sua homoafetividade - serão desvelados.
Turing morreu dois anos depois, em 1954, provavelmente por suicídio causado por autoinoculação de cianeto, em decorrência da depressão causada pelo tratamento e pelo ostracismo no qual ele caíra. Morreu praticamente anônimo, desprestigiado e esquecido, apesar de sua inequívoca a inestimável contribuição tanto para a vitória dos Aliandos contra os Nazistas durante aquele conflto, quanto para estabelecer o pilares da computação e da informática.
Em 1998 estrou nos cinemas o filme Elizabeth (1998), dirigido pelo anglo-indiano Shekhar Kapur e protagonizado pela australiana Cate Blanchett. Era mais entre as dezenas de filmes a retratar a monarca inglesa, mais conhecida como Isabel I, a "Rainha Virgem", que já havia sido interpretada, por exemplo, pela lendária Bette Davis em Meu reino por um Amor (The Private Lives of Elizabeth and Essex, 1939), dirigido por Michael Curtiz (de Casablanca).
No filme de Kapur, a história tem início em 1558, quando a rainha católica Maria I, irmã de Elizabeth, econtra-se à beira da morte, acometida por um tumor no útero. Sem opções, ela acaba vendo-se forçada a deixar o trono para sua meia-irmã, e única herdeira ao trono, Elizabeth, filha do rei Henrique VIII com Ana Bolena. Elizabeth econtrava-se presa, acusada de conspirar contra a Coroa. Na época, caracterizada pela Contra-Reforma, ou seja, um movimento reacionário católico contrário à Reforma Protestante iniciada pelos teólogos Martinho Lutero (Alemanha) e João Calvino (França). Elizabeth, além de filha bastarda do rei Henrique VIII e acusada de conspiração, era protestante e, durante seu reinado, Maria I perseguiu os seguidores dessa vertente cristã, matando mais de 300 pessoas, o que acabou lhe rendendo o título de "Maria Sangrenta".
Mesmo assim Elizabeth é coroada, mas, para isso, precisa renunciar oa seu amor pelo plebeu Robert Dudley (Joseph Fiennes, que anos mais tarde interpretaria o Lutero na cinebiografia homônima). A coroação aconteceu em 15 de janeiro de 1559, na Abadia de Westminster, em cerimônia relizada por Owen Oglethorpe, Bispo católico de Carlisle. Logo, Elizabeth é aconselhada a se casar, de modo a produzir um herdeiro e garantir a linha sucessória e assegurar seu reinado. Recebe inicialmente a oferta do príncipe francês Henrique, Duque d'Anjou (Vincent Cassel), que posteriormente revela-se homossexual. Recusando todas as ofertas de casamento, Elizabeth passa então a enfrentar diferentes ameaças ao seu reinado: Thomas Howard, 4º Duque de Norfolk (Christopher Eccleston), juntamente com Mary Stuart (que é apenas mencionada no filme), seus primos católicos, e Maria de Guise (Fanny Ardant), que, conspirando, armam uma aliança com os franceses para derrotá-la e tira-la do trono.
Em 1569 houve então uma rebelião católica no norte da Inglaterra, cujo objetivo era libertar Mary Stuart, casando-a com Tomás Howard, e colocá-la no trono inglês. Vitoriosa, Elizabeth manda executar mais de 750 rebeldes, entre eles o Duque de Norfolk. A Igreja Católica, havia apoiado os rebeldes, pois intentava conter o avanço do protestantismo na Inglaterra. É então que o Papa Pio V, em 1570 publicou uma bula papal chamada Regnans in Excelsis, por meio da qual excomungava Elizabeth/Isabel, declarando-a herética além de "pretensa Rainha da Inglaterra e servente de crime".
Em 1558, Elizabeth propõe o Ato de Uniformidade, no que ficou conhecido como Regulamentação Religiosa de Isabel I, como tentativa de por um fim aos conflitos e disputas entre católicos e protestantes, surgidos após as divisões religiosas ocorridas durante os reinado de Henrique VIII, Edward VI e Maria I. Esta decisão real ficou conhecida como A Revolução de 1559, e definida a partir de dois atos do Parlamento da Inglaterra: inicialmente, o Ato de Supremacia de 1558 reestabeleceu a independência da Igreja da Inglaterra (Anglicana) em relação à Roma (Papa), conferindo a Elizabeth o título de Líder Supremo da Igreja da Inglaterra; em seguida, o Ato de Uniformidade de 1559 estabelecer a forma que a Igreja Anglicana deveria tomar, incluindo o reestabelecimento do Livro de Oração Comum.
No filme, no entanto, o diretor e o roteirista Michael Hirst tomam inúmeras "liberdades" em relação aos acontecimentos históricos, sacrificando os fatos em favor da dramaticidade.
Sobre o affair entre a rainha e Robert Dudley, seu amigo de infância, alguns fatos ficaram de fora do filme. No verão de 1559, Amy Robsart,espoda de Robert, estava sofrendo de uma "doença em um de seus seios" (provavelmente cancer de mama). Robsart veio a falecer em setembro de 1560 em consequência não da doença mas ao cair de uma escada. Contudo, apesar das investigações concluirem que se tratara de um acidente, as suspeitas de que Dudley tramado a morte esposa não se dissiparam. Mesmo assim Elizabeth ainda congitou por muito tempo casar-se com Dudley. Contudo, a forte oposição por parte da nobreza, do clero e da população fez-la demover-se dessa ideia.
Elizabeth concedeu-lhe título de Conde de Leicester em 1564. Em 1578 ele casou-se novamente com Letícia Knollys, mas a monarca, em diversos momentos, fez questão de explicitar seu descontentamento, mesmo tendo decido não casar-se como ele. e um ódio vitalício contra sua nova esposa. Dudley morreu pouco tempo depois da derrota dos eventos narrados no segundo filme (Elizabeth: The Golden Age, 2008).
A Regulamentação Religiosa, por exemplo é simplificada ao ponto de ser mostrada apenas como um complô entre a rainha e alguns membros do parlamento e do clero, em prol da aprovação de suas propostas. O filme, porém, termina de modo magistral, com a cena em que Elizabeth assume de vez a alcunha de "Rainha Virgem", e diz, dando: "Eu estou casado com a Inglaterra".
O segundo filme a tratar da história da soberana inglesa Elizabeth I, dirigido pelo anglo-indiano Shekhar Kapur e protagonizado pela australiana Cate Blanchett, retoma a narrativa inciada 9 anos antes com o filme Elizabeth (1998), que lançou sua atriz ao estrelato, lhe rendendo o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Drama, o Bafta de Melhor Atriz e uma indicação ao Oscar na mesma categoria.
Desta vez ambientado no ano de 1585 (portanto 27 anos após os eventos narrados no primeiro filme, que era ambientado em 1558), o filme se concentra no embate entre o rei espanhol Felipe II (interpretado por Jordi Mollà) e a monarca inglesa. Na trama, ele pretende destronar Elizabeth em favor de sua filha, Isabel. Paralelamente, há 2 outras subtramas que se desenrolam: primeiramente, envolvendo monarca escocesa Mary Stuart (interpretada por Samantha Morton), prima de Elizabeth e aspirante ao trono inglês, que aparece encarcerada em seu castelo, por razões que o filme não deixa muito claras; em segundo lugar, um triângulo amoroso envolvendo a rainha Elizabeth, o corsário Walter Raleigh (interpretado por Clive Owen) e a jovem Bess Throckmorton (interpretada por Abbie Cornish), dama de companhia favorita da rainha.
Historicamente, porém, o filme peca pela pouca fidelidade aos fatos. Ei-los: apesar de, no filme, a infanta Isabel de Espanha ter sido interpretada por uma criança, no período em que a narrativa se ambienta (1585), ela já estava com a idade de 20 anos. Outro ponto que causa estranhamento é o fato de, entre um filme e outro, terem se passado 27 anos, e a rainha já tinha então 52 anos de idade, ter envelhecido muito pouco no filme.
Na primeira cena em que o corsário que Walter Raleigh aparece, ele surpreende a corte britânica ao retirar seu casaco, colocando-o sobre uma poça d’água, para que a rainha pudesse passar. Porém, é improvável uma cena como essa tivesse acontecido, dado que havia sempre círculo de soldados a guardar a rainha e que, certamente, não permitiriam que o corsário chegar tão perto da soberana.
No filme, Bess se envolve com Raleigh se descobre grávida perto do meio da narrativa e, portanto, antes do confronto entre as armadas espanhola e inglesa. Todavia, Bess só engravidou de Raleigh em 1591, portanto 3 anos após a vitória da armada britânica. De fato, quando Elizabet descobriu a relação entre Bess e Raleigh, a dama de companhia doi banida da corte, e nisso o filme é fiel aos fatos históricos.
Sobre o motivo do encarceramento de Mary Stuart, o roteiro falha em não explicar com clareza o que levou a monarca à esta condição, e só no final do filme é que somos levados a concluir que ela estaria presa por intentar subir ao trono inglês, destituindo sua prima Elizabeth. A história de Mary é bastante complexa, e isso ajuda a explicar o fato do filme não se deter em destrincha-los.
Mary, que era casada com Henrique Stuart (o Lorde Darnley), fugiu do Castelo de Loch Leven em 1568, após ter sido acusada de traidora e assassina pelo povo escocês por ter se casado com Jaime Hepburn, 4.º Conde de Bothwell, que matara Henrique. Tempos depois, ela conseguiu reunir um exército de 6 mil homens e se encontrou com as forças em menor número de Jaime Stewart em 13 de maio na Batalha de Langside, masfoi derrotada e fugiu para o sul, onde passou a noite na Abadia de Dundrennan, cruzndo o Estuário de Solway para a Inglaterra dentro de um barco pesqueiro, e então desembarcando em Workington, norte da Inglaterra.
Oficiais ingleses a levaram sob custódia preventida em 18 de maio daquele ano para o Castelo de Carlisle. Em julho de 1568, as autoridades inglesas levaram a rainha escocesa para o Castelo de Bolton, em janeiro do ano seguinte, Maria foi transferida para o Castelo de Tutbury, onde foi colocada aos cuidados de Jorge Talbot, 6.º Conde de Shrewsbury, e sua esposa Bess de Hardwick.
No que tange aos planos conspiratórios de Mary Stuart como retratados no filme, é possível encontrar outras deturpações. A tentativa de matar Elizabeth, cometida pelo jovem Anthony Babington, com uma pistola rudimentar, enquanto a rainha orava no altar da Catedral de São Paulo, não é real. Anthony Babington, de fato, planejou esse atentando, mas nunca o realizou, pois foi descoberto antes. Tal ardil foi usado depois como prova no julgamento de Mary Stuart por traição e conspiração.
Maria foi implicada na Conspiração de Babington e foi presa em 11 de agosto de 1586, sendo levada até Tixall e depois para o Castelo de Fotheringhay, chegando em 25 de setembro, e foi colocada sob julgamento em outubro diante um juri formado por 36 nobres pela acusação de traição de acordo com Decreto pela Segurança da Rainha. Suas últimas palavras foram "In manus tuas, Domine, commendo spiritum meum", ou "Em tuas mãos, ó Senhor, entrego meu espírito".
Já a cena da execução da monarca escocesa, é perfeitamente fiel aos registros históricos disponíveis. Os relatos que chegaram aos nossos dias dão conta de que, de fato, Mary foi despida do pesado vestido preto, revelando uma anágua de veludo e um par de luvas de vermelho-marrom (as cores católicas do martírio) com um corpete de setim preto e enfeites também pretos, abaixando sobre o bloco de madeira, olha para o trono vazio, depois para o machado do verdugo (que se ajoelha aos pés de Mary e pede perdão, ao que ela concede) e, finalmente, aceita resignada seu destino de mártir católica.
Porém, ao contrário do que é narrado no filme, não foi a sua morte a razão para que Felipe II declarasse guerra à Elizabeth, pois a Espanhola, aliada à Portugal, deu início à guerra contra a Inglaterra (aliada da Holanda) devido há conflitos anteriores e latentes entre as duas grandes potências da época. A frota naval inglesa, ao contrário do que o filme mostra, não sofreu nenhuma baixa em seus navios, nem mesmo o corsário Walter Raleigh teria tido tamanha importância na vitória inglesa.
Enfim, filme com qualidades ténicas impecáveis (figurinos, direção de arte, maquigem, cenários, fotografia), grandes atuações (especialmente da protagonista), mas que, ao meu ver, perde pontos pela pouco fidelidade histórica e pela narrativa convencional, repleta de clichés, e que emula, em muitos aspectos, a estrutura narrativa do filme anterior.
"Você entendeu a parte que diz que a ciência não prova nada?", diz, em certo momento, uma mãe ao seu filho Levi, de cerca de 12 anos. Levi, assim como seu irmão, tem aulas em casa, com os pais, que optaram por não matricula-los em escolas. A mãe justifica dizendo que não nenhuma passagem na Bíblia dizendo que os pais devam entragar seus filhos, 8 horas por dia, para serem ensinados fora de casa. Em seguida Levi diz: "Eu acho que Galileu fez a coisa certa escolhendo Deus em vez da ciência."
Esqueçam, portanto, os filmes de Terror. Esse é de longe a coisa mais assustadora que já assisti. Nesse brilhante e impactante documentário, as diretoras Heidi Ewing e Rachel Grady revelam a rotina de um acampamento para evangelização de crianças e adolescentes cristãos no EUA.
As cenas da lavagem cerebral e da tortura emocional e psicológica às quais meninos e meninas são submetidos é totalmente chocante pra o espectador que tiver o mínimo de bom senso. Apesar disso, é um filme obrigatório para se debeter o fanatismo religioso e as ameaças à laicidade do estado.
Em certo momento do filme, a pastora Becky Fischer, criadora do acampamentos "Crianças em Chamas" (sim, esse é o nome), localizado, ironicamente, em Devil's Lake (ou Lago do Diabo), na Dakota do Norte, diz ao cinegrafista: "Eu posso ir em um playground de crianças que não sabem nada sobre o cristianismo, levá-los para o Senhor em questão de [pausa] apenas pouco tempo... e poucos minutos depois, eles já começam a ter visões e ouvir a voz de Deus, porque eles [as crianças] são tão abertos. Eles são tão úteis no cristianismo!"
Tal afirmação diz muito sobre o caráter opressor e manipulador que a catequização realizada por Becky tem sobre essas crianças, adolescentes e até mesmo adultos. No começo do documentário, ela diz: "Não é de admirar, com esse tipo de treinamento intenso e disciplinado, que esses jovens estão prontos para se matar pela causa do Islã. Eu quero ver os jovens que estão tão comprometidos com a causa de Jesus Cristo como aqueles jovens estão à causa do Islã. Eu quero vê-los colocando radicalmente as suas vidas para o Evangelho como eles fazem no Paquistão, em Israel, na Palestina e 'todos esses lugares diferentes, você sabe, porque temos... desculpe-me, mas nós temos [referindo-se às crenças cristãs e à Bíblia] a verdade!"
Ao final do documentário, o pastor Ted Haggard proclama aos seus fiéis: "Nós decidimos que a Bíblia é a palavra de Deus. Não precisamos fazer uma Assembléia Geral sobre o que acreditamos. Está escrito na Bíblia. Por isso não precisamos debater o que pensamos sobre as relações homossexuais. Está escrito na Bíblia.". Em outro momento, após culto, ao falar com entusiasmos sobre os crescimento vertiginoso de cristãos nos EUA, ele diz ao cinegrafista: "Se os evangélicos votarem, eles determinarão a eleição".
Tendo isso em mente, lembrem-se que Feliciano e Bolsonaro defendem projeto de lei que previa o ensino de Criacionismo nas escolas. Lembrem-se que eles, assim como outros membros da Bancada Evangélica, usam a Bíblia como argumento para barrar leis favoráveis à união homoafetiva e o aborto. Lembrem-se que o projeto de lei Escola sem Partido, além de proibir o debate de temas políticos em sala de aula, também proíbe a abordagem de assuntos como Diversidade Religiosa.
Essa realidade, portanto, aparentemente distante de nós brasileiros, é na verdade uma ameaça cada vez mais presente, se nos lembrarmos dos discursos de pessoas como Marco Feliciano, Silas Malafaia, Jair Bolsonaro (que recentemente passou a integrar a Bancada Evangélica e filiou-se o PSC, o Partido Social Cristão), Magno Malta, Eduardo Cunha, entre outros. O Estado Laico e o direito à diversidade religiosa e sexual estão seriamente ameaçados pelo crescimento desse tipo de vertente religiosa fanática e pela sua intromissão - cada vez mais determinada - na política.
"- Por que está usando essa fantasia estúpida de coelho? - Por que você usa essa fantasia estúpida de homem?", é um dos diálogos entre um homem inexpicavelmente fantasiado de coelho e joven Donnie Darko em uma das cenas do filme.
O filme é, ao meu ver, uma releitura das histórias de super-heróis, como nos mais recentes Corpo Fechado (2000) e Drive (2011), questionando como seria se realmente existisseem algumas pessoas dotadas de super-poderes. No caso, Donnie é um adolescente que descobre ter o poder de viajar no tempo e de alterar eventos ocorridos no passados, mas a falta de domínio sobre esse poder faz com que ele às vezes gere consequencias que ela não conseguirá controlar.
Em uma cena do filme, quando ele salva a namorada dos valentões da escola, um deles o interpela: “- Donnie Darko. Que tipo de nome é esse? Parece nome de super-herói." E ele responde: "- Porque acha que eu não sou?”. Importante também é o que a professora em certa cena "a linha vital é dividida em dois pólos extremos: medo e amor.". E em uma conversa com a psicóloga ele afirma que "toda criatura viva na terra morre sozinha" que seu maior medo é estar sozinho.
Ao final, ele decide voltar no tempo e, em vez de sair do seu quarto no momento em que a turbina do avião o atinge, ele prefere ficar e se sacrificar para salvar ou poupar a vida de sua namorada, que morreu (ou morreria, no futuro) se o tivesse conhecido, num acidente envolvendo o homem vestido de coelho. Ele escolhe enfrentar o medo e opta pelo amor: prefere se sacrificar a viver com a culpa da morte da mulher que ama e da dor de viver sem ela, sozinho.
Em tempos como os que agora vivemos, no qual a extrema direita, com todo o seu caráter reacionário, ganha força, e vemos tentativas de reescrever a história e manipular fatos por parte de grupos revisionistas, o trabalho da diretora Anita Leandro nesse filme se faz imprescindível.
Os reacionários dessaa direita (encabeçada por gente como Bolsonaro, Olavo de Carvalho, Leandro Narloch e Marco Antonio Villa) se esforçam em, por exemplo, elevar a Ditadura Militar à condição de "revolução democrática" e por colocar ditadores como Costa e Silva, Geisel, Médice, como heróis, ao passo que tentam vilanizar os grupos verdadeiramente revolucionários, taxa-los como terroristas e manchar a imagem de heróis como Lamarca e Mariguella. Nesse intuito, tentam comparar o torturador Ustra com revolucionários com os revolucionários citados.
Marighella e Lamarca não torturaram ninguém, nem desapareceram com nenhum corpo. Marighella e Lamarca não mataram porque essa era sua profissão, como Ustra. Marighella e Lamarca não eram funcionários do terror, como Ustra, não trabalhavam para a repressão, nem em prol da manutenção de um regime opressor. Marighella e Lamarca era homens comuns, que se tornaram revolucionários, que foram levados a pegar em armas por viver em um regime opressor e por decidir lutar contra essa opressão.
Ustra é lixo da história. Era um lacaio dos interesses do norte. Torturou, matou e sumiu com os corpos de guerriliheiros e militantes que lutavam contra a ditadura no Brasil, além de civis que apenas manifestavam discordancia com o regime repressor. Nunca lutou por nada. Apenas fazia o trabalho sujo em nome da manutenção de um status quo injusto. Praticava as violências mais sórdidas com a naturalidade de quem come um prato de macarrão. É como, no conceito proposto por Hannah Arendt no livro Eichman em Jerusalém", um funcionário do terror, para o qual o mal era uma mera formalidade, uma mera ação burocrática.
Em um regime de exceção, como foi a ditadura, as noções do que são crime e de qual é o papel da justiça são distorcidas em nome da defesa cega do regime e da repressão aos dissidentes. Terroristas foram os deputados que declararam a cadeira presidencial vazia quando Jango estava viajando. Terroristas eram os jornais da época que associavam Jango à uma ameaça comunista, quando ele não era.
Terrorista era a parcela branca, burguesa, conservadora, cristã e reacionária da sociedade que foi às ruas pedindo intervenção militar, em 64 e em 2015. Terrorista, por fim, foram os militares que tomaram o poder e instauraram o terror por 21 anos. Comparar Marighella (ou Lamarca, ou Che) com Ustra é prova de ignorância histórica, desonestidade intelectual e falha moral.
Não confudam a luta do oprimido, com a fúria do opressor. Não tentem igualar um revolucionário a um reacionário. O revolucionário luta pela liberdade, enquanto o reacionário se opõe vigorosamente à ela. Um revolucionário está disposto a sacrificar a própria vida em nome dela, enquanto o reacionário está diposto à sacrificar a vida de outros para não concede-la a ninguém.
Esse, portanto, é um importantíssimo documentário sobre a Ditadura Militar, baseado em documentos que ficaram décadas guardados em sigilo, e que foram abertos pella primeira vez após a criação da Comissão da Verdade. Eu tive a honra de comentar na semana passada, quando exibido no Cine Vila Rica, aqui em Ouro Preto, MG, e responder à perguntas da platéia, por ocasião da Mostra "Cinemas em Rede".
Hoje, dia 17 de Maio de 2016, a Embaixada brasileira em Paris cancelou a projeção de "Retratos de identificação", sob a alegação de que o filme trata de um "assunto espinhoso". A projeção, seguida de debate, estava prevista para 31 de maio, na Embaixada, havia sido organizada pela Associação Alter'Brasilis. Segundo os organizadores, o cancelamento da sessão foi feito por telefone, poucos dias após José Serra assumir o Ministério das Relações Exteriores, teve sua exibição suspensa sob a alegação de "tratar de assunto espinhoso". Onde vamos parar? Quando será decretado o próximo AI-5?
O cinema de Haneke se constrói invariavelmente sobre a exploração de dois temas: a violência e suas diferentes formas (física, verbal, simbólica, psicológica, cultural) e a oposição e o interno e o externo entendido como espaços ou lugares, nos quais essa violência toma forma.
Em A Professora de Piano, a violência aparece na relação destrutiva da protagonista Erika (na monumental atuação de Isabelle Huppert) com sua mãe (uma figura castradora contruída no molde freudiano clássico), dela consigo mesma, dela com seus alunos e, posteriormente, dela com o jovem Walter Klemmer.
O estudo de personagem que Haneke propõe com seu filme é a dissecação implacável de sua protagonista - e aí temos também um tipo de violência que, na exploração que ele faz do voyerismo do espectador que assiste tudo mais ou menos passivamente, é amplificada.
Erika é uma pessoa fria, dura, ríspida e aparentemente incapaz de demonstrar sentimentos como carinho, amor, afeto. O modo como lida com seus alunos, podando seus talentos em vez de fomentá-los, é o mesmo como - somos levados a concluir - sua mãe lidava com sua sexualidade no tempo em que ela entrava na puberdade: o talento alheio é proibido assim como a própria sexualidade.
Logo no início do filme e mãe interpela a filha criticando-a por dedicar seus talento à outras pessoas e adverte-a para que não permita que ninguém a supere ou suplante. Logo, do mesmo modo que a sexualidade da filha, para a mãe, era uma ameaça ao seu desejo de dominação e obsessivo controle; o desabrochar do talento dos alunos também coloca em risco a relação de submissão e o sentimento de inferiodade deles em relação à ela.
E a dureza, a frieza, a indiferença e austeridade demonstrados por Erika, ao longo do filme, vão se revelando como um muro construído por ela para esconder seus desejos mais obscuros. Desejos sexuais que, de tão reprimidos e violentados transmutaram-se em perversões - ao menos, é o como os moralista os definiriam, uma vez que os desejos sexuais fogem ao que o senso comum estabeleceu como "normal".
Com relutância é que Erika, ao poucos, permite que esse seja derrubado ou transposto pelas investidas de Klemmer: ele é o invasor, o elemento externo que adentra o ambiente interno que se quer a todo custo defender e manter incólume, tal qual os jovens sádicos que invadem a paz da família perfeita em Violência Gratuita (Funny Games, 1997 - 2007), ou o tempo, a velhice e o fim, elementos estranhos que invadem a casa (metáfora do amor e da relação construído ao longo de décadas) onde vive um casal de idosos em Amor (Amour, 2012).
A incapacidade de Klemmer em ama-la verdadeiramente, isto é, aceitando-a como ela é, com sua forma estranha de experimentar a sexualidade, em vez daquela figura idealizada que ele construiu, fere Erika mais do que todas a violências que ela tenha infligido a si mesma, ou que ela tenha sofrido de sua mãe. É então que Erika sofre uma violência que ela não pode suportar ou controlar, pois agente da dor é outro, em vez dela mesma.
Nenhuma dor se compara àquela de sermos rejeitados e desprezados por aqueles raros escolhidos aos quais, com temor e resistência, permitimos entrar em nosso cômodos mais secretos onde nossas feras inconfessáveis jazem aprisionadas.
Interestelar tem sim suas qualidades. A cena em que o astronauta Cooper encontra-se dentro da projeção da 5ª dimensão, por exemplo, atrás da estante do quarto da filha, pode parecer absurda e inacreditável para leigos, mas para aqueles que entendem de Álgebra Linear sabem que a projeção de um "hipercubo" no espaço 3D seria muito próxima do retratado no filme, além do modo como o tempo se processa perto de grandes concentrações de massa, com a gravidade interferindo na sucessão cronológica, seja no passado ou no futuro. Para comprovar isso, basta verificar as equações da Relatividade Geral.
Porém, mesmo assim, pra mim, é o filme mais superestimado e pretensioso desse milênio. Apesar de andar com segurança por temas científicos complexos (são as qualidades mais sólidas do filme, seguidas dos efeitos e das atuações), mas derrapa quando o diretor resolve incorrer no tipo de pieguice exposto em frases como essa: "O amor é a única coisa que somos capazes de perceber que transcende dimensões de tempo e espaço. Talvez devêssemos confiar nisso, mesmo se ainda não entendemos".
Nesse ponto, onde roteiro e direção se sobressaem que os defeitos do filme se tornam tangíveis: e ao meu ver, eles são mais sólidos que suas qualidades. Além do mais, me incomoda sobremaneira essa mania (quase infantil) do diretor Christopher Nolan de explicar tudo no final. Aliás, nesse filmes, essa mania se faz sentir durante todo o filme.
Como, por exemplo, na cena em que o astronauta interpretado por Matthew McConaughey está pela primeira vez em sua vida na frente de um buraco negro e - à despeito de toda a admiração, estupefatez e perplexidade que acometeria qualquer ser humano - ele se põe a explicar de modo quase frio e calculista aquele fenômeno.
É como se Nolan se considerasse o grande e sábio cineasta, detentor das verdades, e como seu o expectador fosse incapaz de tirar suas próprias conclusões. Isso esvazia demasiadamente seus filmes, pois esgota suas possibilidades e fecha questões em vez de abri-las. Por isso, ao meu ver, Nolan nunca chegará aos pés de Kubrick ou Tarkovski e seu Interestellar está anos-luz atrás de 2001 ou de Solaris.
Spotlight, vencedor do Oscar de Melhor Filme este ano, é tido como o novo Todos os Homens do Presidente, de Alan J. Pakula.
O filme de Pakula, que contava a história dos jornalistas que desvendaram o caso Watergate, que levou à renúncia de Richard Nixon, é do mesmo ano que Rocky, um Lutador, e ambos concorreram ao Oscar em 1977.
Enquanto Rock levou 3 prêmios (Filme, Diretor, Montagem), Todos os Homens do Presidente levou 4 (Melhor Ator Coadjuvante, Roteiro Adaptado, Direção de Arte e Mixagem de Som).
Em 2016 Silvester Stallone, que escreveu e protagonizou Rocky (pelo qual foi indicado ao Oscar de Melhor Ator) voltou a ser indicado pelo filme Creed (como coadjuvante), interpretando o mesmo personagem que o levou ao sucesso.
Nas categorias de atuação, o filme Spotlight recebeu 2 indicações, a Melhor Ator Coadjuvante (Mark Ruffalo) e Melhor Atriz Coadjuvante (Rachael McAdams). O mesmo aconteceu com o filme Todos os Homens do Presidente, que recebeu indicações a Melhor Ator Coadjuvante (Jason Robards) e Melhor Atriz Coadjuvante (Jane Alexander).
Stallone tinha como um dos concorrente um dos atores de Spotlight (Mal Ruffallo), que era o unico ator indicado pelo filme, assim como Todos os Homens do Presidente, que tinha em Jason Robards seu único ator concorrendo ao Oscar (mas ele acabou vencendo, ao contrário de Ruffalo).
"Eu não conheço aquele negro. Mas eu sei que ele é negro. E isso é tudo o que eu preciso saber."
"Porque é quando os negros estão com medo que os brancos estão seguros."
"Senhores, eu sei que os americanos não estão aptos para deixar uma coisa pequena como a rendição incondicional ficar no caminho de uma boa guerra."
"Homens negros contando o meu dinheiro! Eu odeio isso. O único tipo de pessoa que quero contando meu dinheiro são pequenos caras que usam quipás todos os dias."
"Quando o México envia seu povo, eles não enviam seu melhor [...] Eles estão enviando pessoas que têm muitos problemas. Eles estão mandando problemas para nós. Eles estão trazendo drogas, crimes e estupradores, e alguns deles são boas pessoas."
"Eu vou construir um grande muro - e, acredite, ninguém constrói muros melhor do que eu - e vou fazer isso de um jeito muito barato. Eu vou construir uma grande muralha em nossa fronteira sul, e vou fazer o México pagar por isso. Anote essas palavras."
"As pessoas que estão vindo para este país aos milhões, não aos milhares, aos milhões, e destruindo a estrutura do país. [...] Metade é criminosa; eles estão vindo por amor?"
"Olhe para o rosto dela. Será que alguém vai votar nela? Você pode imaginar que esse será o rosto do nosso próximo presidente? Quero dizer, ela é uma mulher, e eu não deveria dizer coisas ruins, mas na verdade, gente, fala sério..."
"Não importa o que a mídia escreva desde que você tenha uma bela e jovem bunda."
Todas as frases acima, certamente, poderiam ter saído da boca de algum personagem de algum filme de Quentin Tarantino. Em geral, eles são os piores tipos: não apenas criminosos violentos, mas indivíduos racistas, machistas, xenófobos e também ufanistas. Porém, exceto as 3 primeiras, todas as demais frases foram pensadas e proferidas por Donald Trump, atual pre-candidato à presidencia dos EUA.
Tendo esse fato em mente, o novo filme de Tarantino e todas as questões que ele levanta tornam-se ainda mais relavantes, e a importancia de assistir de debater o filme se firma como inequívoca.
O filme se passa alguns anos depois da Guerra Civil (ou de Secessão), quando os EUA se dividiu em dois lados rivais: o sul, formado pelos estados escravagitas, contra o norte, pró-abolição. O conflito teve inicio quando o estados do sul se uniram, formando os Estados Confederados da América, de declararam sua separação - ou secessão - em relação ao resto do país.
Os estados do sul possuíam economias baseadas no sistema das "plantations", que tinham como características o latifúndio (grandes propriedades de terra), o uso de mão-de-obra escrava, a monocultura (plantio de uma única cultura agrícola) de algodão ou cana-de-açúcar, e produção voltada para a exportação. Suas elites, as oligarquias rurais, viam no fim da escravidão uma grave ameaça ao seu sistema econômico e, consequentemente, aos seus lucros, uma vez que isso os levaria - obviamente - à necessidade de contratar trabalhadores assalariados.
Filmes como o superestimado E o Vento Levou (Gone with the Wind, 1939), se passam durante a Guerra de Secessão e seu olhar sobre esse evento histórico é inegavelmente saudosista em relação ao sul escravagista, retratando aquela sociedade como a ideal e mascarando o modo como, de fato, os negros eram tratados naquele contexto. Nesse filme, eles parecem felizes com sua condição de seres animalizados e privados de sua liberdade e mesmo essa condição de opressão é mostrado de modo romanceado e, portanto, desonesto. A despeito de suas inegaveis qualidades técnicas e dramaturgicas, é a ideologia e os valores que permeia o filme de Victor Flemming, que foi premiado com 10 Oscars, que depõem contra ele.
Já o filme de Tarantino é implacável e até mesmo intransigente ao expor, por meio de seus personagens, as mais execráveis facetas humanas. Durante as cercade 3 horas de duração, ofensas racistas, misóginas e xenofóbicas serão ditas aos quatro ventos pelos odiados e odiáveis personagens - que não são apenas 8, como o título sugere.
É o ex-general confederado que não faz questão alguma de esconder seu desprezo pelos negros; a placa no balcão do estabelecimento comercial dizendo que ali não é permitida a entrada de cães ou de mexicanos; ou a mulher, que ao ser interpelada por ter usado o termo "nigger" para se referir a um negro, responde que já usou palavras piores para isso.
Ao final das contas, veremos que as chagas e conflitos que o filme expõe, apesar de antigas, ainda permanecem vivas naquele país. E no frigir dos ovos, veremos que apesar do mundo ter mudado muito de lá pra cá, o ser humano - que cada um de nós somos - continua o mesmo.
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Segundo o levantamento feito no Censo 2010, apesar da legislação federal considerar crime a relação sexual com menores de 14 anos (mesmo consentida, a relação é classificada como "estupro consensual"), no Brasil existem cerca de 47 mil meninas com idades de 10 a 14 anos que estão casadas.
Contudo, apesar dessa ser uma prática mais associada às regiões mais atrasadas em termos de acesso à informação e à serviços públicos básicos (como saúde e educação) e distantes dos centros urbanos, ela também tem acontecido nas áreas mais prósperas - e consequentemente mais desiguais - do país.
De acordo com uma estimativa do Unicef baseada em dados colhidos em 2011, o Brasil ocupa o 4º lugar no ranking mundial do total de mulheres casadas antes dos 15 anos. No mundo, seriam cerca de 877 mil mulheres com idades entre 20 e 24 anos que admitiram ter se casado antes dos 15 anos. Todavia, essa projeção não inclui, por ausência de dados, países como Líbia, Omã, Catar, China, Bahrein, Irã, Arábia Saudita, Turquia, Kuait, Tunísia, Emirados Árabes Unidos, Israel, entre outros.
A diferença entre esses matrimônios realizados no Brasil e os mostrados no filme da diretora Deniz Gamze Ergüven, é que no Brasil, não há o peso de tradições religiosas impondo casamento forçado à meninas menores de 16 anos com homens que elas desconhecem.
No Brasil, o grande fator é a existência de famílias ainda vivendo em situação de alta vulnerabilidade econômica e social, geralmente com uma quantidade de filhos que ultrapassa a média das taxas de natalidade e fecundidade registradas. Tudo isso - pobreza, baixa escolaridade, famílias numerosas, habitações precárias e que não oferecem conforto ou espaço - faz com que essas meninas procurem desde cedo uma meio de "escapar" e ter sua independencia e seu espaço. O casamento com homens mais velhos é, geralmente, o único meio que elas conhecem para alcançar esse objetivo.
Na situação retrada no filme, porém, o casamento, em vez de representar uma possibilidade de liberdade ou fuga, representa justamente o oposto, pois, ao serem forçadas a aceitar casamentos arranjados pela família com homens que elas nunca viram, as 5 "graças" terão justamente sua liberdade - ainda que limitada - proporcionada pelo fato não serem mulheres adultas, extinta, afinal, uma vez casadas, terão que assumir o papel de esposas, donas de casas e futuras mães, mesmo que só tenha 13 ou 16 anos.
No entanto, a opressão sofrida pela mulher dentro de uma sociedade machista e patriarcal é evidente e inegável, mesmo que se figure de modos distintos: onde a mulher não possui os mesmo direitos que os homens, a liberdade delas sempre estará nas mãos deles.
Enquanto em um país, existem meninas dispostas a sacrificar sua infancia e adolescencia e se entregar à uma relação com homens em um casamento ilegal, porque vislumbra nele o único meio de melhorar, mesmo que minimamente, sua situação; em outro temos meninas forçadas a sacrificar sua infancia e adolescencia e se entregar à uma relação com homens em um casamento legal, porque essa é a única maneira de lavar a honra - dos homens - da família.
Em suma, não é fácil ser mulher em um mundo - ainda majoritariamente - machista e patriarcal, especialmente se você for pobre e viver em um país subdesenvolvido, ou se você tiver nascido num país onde valores teocráticos ainda vigorem.
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A cenas que abrem e fecham o filme estabecelem estreito diálogo uma com a outra: primeiro, um antílope correndo entre os aburtos do deserto do Mali, sendo perseguido por jihadistas do Estado Islâmico em um jipe; depois, uma garota orfã, correndo pelas dunas, completamente sozinha e vulnerável.
O filme, assim, explicita um dos seus focos: a situação de extrema vulnerabilidade da mulher numa sociedade tribal de um país africano, que piora quando a região cai no controle de um grupo armado fanático muçulmano. O outro ponto no qual ele se foca é o quanto a vida dessas mulheres sempre está submetida aos interesses e ao controle dos homens - com ou sem a entrada do EI (ou ISIS) na região.
Mas, apesar do filme se focar nessa desigualdade relativa ao sexo, aos papeís de gênero e à opressão das mulheres por homens numa sociedade machista e patriarcalista, ele também toca outros pontos importantes: a intolerancia religiosa, nesse caso, do fundamentalista Islâmico com as outras crenças tradicionais africanas, que é mostrada numa das cenas iniciais, em que imagens de divindades africanas são metralhadas pelos jihadistas; e o conflito entre as diferentes interpretações dos preceitos próprio Islã, mostrada nas cenas em que um líder religioso local tanta argumentar com o líder dos jihadistas.
Num desses diálogos, ele diz: "Não me importo com a jihad dos outros Eu faço a jihad em mim mesmo. Não tenho tempo para a jihad dos outros. Se eu não estivesse tão envolvido com meu aperfeiçoamento moral, seria o primeio a segui-lo. Oro a Deus todo-poderoso na esperança de que ele perdoe a mim e a você. Que nos ajude a afastarmo-nos da vaidade e do orgulho. Pare. Você prejudica o Islã e os muçulmanos. Você coloca crianças em perigo diante de suas próprias mães."
Jihad é um conceito islâmico que significa "guerra santa", mas que tem sido interpretada de diferentes modos, pelos mais radicais e pelos mais moderados/tolerantes dentro do Islamismo. O filme é brilhante ao mostrar esse embate de visões não apenas de mundo, mas de visões opostas sobre Deus, fé e o papel que cada um tem no mundo e em relação aos demais e à sua fé e com seu Deus. Em consequencia, o quanto essas diferentes visões influenciam a vida de uma comunidade (especialmente das mulheres), quando assumidas por aqueles que detém o poder (geralmente os homens).
Além das questões políticas, ideológicas e filosóficas, o filme tem méritos sólidos no que tange à sua estética cinematográfica. Algumas cenas são de uma pungência e beleza incomuns: os garotos jogam futebol sem bola, a mulher que é condenada à 40 chibatadas porque foi flagrada cantando, a mulher que se recusa a vestir o chador e desfila com suas roupas coloridas e laços nos cabelos, rindo e desafiando os jihadistas.
Ambas a situações decorrentes da imposição da lei islâmica, a Sharia, àquela comunidade. Todavia, todas são cenas que expressam a coragem humana de enfrantar obstáculos, proibições e tabus e capturam com maestria a beleza a poesia desses atos heróicos de pessoas comuns e anônimas.
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"Tudo aquilo que o homem ignora, não existe pra ele. Por isso o universo de cada um, se resume no tamanho de seu saber." (Albert Einstein)
Jack é um menino de 5 anos que, desde nasceu, vive em um pequeno quarto com sua mãe. Nunca saiu dele, nem nunca viu nada além dele, exceto as imagens da televisão, que ele vê como irreais e não como compreende que sejam representações do mundo "lá fora". Para ele, o mundo todo é aquele quarto, com tudo o que ele encerra, e além dele há apenas um vácuo.
Jack não sabe que está ali porque sua mãe foi raptada há 7 anos atrás, que aquele quarto que para ele é tudo, para ela é o nada, é uma não-lugar: um cativeiro, uma prisão. Sua mãe, no entanto, ama Jack, mesmo ele sendo fruto de anos de abuso sexual (estupro) por parte de seu sequestrador, o qual Jack aprendeu a chamar apenas por Velho Nick, e do qual consegue ver, nas noites me que ele visita sua mãe, apenas detalhes por entre as frestas do guarda-roupas onde Jack é por ela colocado.
E o amor de mãe faz com que Ma - como ela é chamada por seu filho - faça de tudo para que esse pequeno e restrito quarto seja o melhor dos mundos para Jack, e lhe supra, ao menos o mínimo suficiente, as necessidades naturais de uma criança nessa idade, com toda a carga de curiosidade, agitação, variações de humor, perplexidade ante as novas decobertas, que ela traz consigo.
E a cada descoberta de Jack nesse mundo - e depois fora dele - nos fascinamos com ele e nos encantamos junto com ele: o que são, de verdade, as imagens na TV, pequenino rato morto, a folha seca na clarabóia, o dente de Ma, os fios elétricos, a grama molhada, as luzes, os prédios e carros, o cachorro, as novas pessoas, os brinquedos, os amigos... E a cada novo elemento que Jack inclui em seu mundo, maior eles - Jack e o mundo - se tornam.
É um filme sobre uma criança que, como no mito de Platão, sai da caverna na qual estivera cativa e vislumbra o mundo pela primeira vez e se deslumbra a cada nova descoberta. É uma uma criança que literalmente nasce novamente, saindo de uma espaço uterino dentro do qual a única presença além da sua era a própria mãe e no qual o pai era um intruso, um invasor.
Mas é também um filme sobre uma mulher que, ao conquistar a liberdade que por anos lhe fora negada, precisa enfrentar os olhares e recriminações alheios, sobre ela e sobre seu filho, como se eles não fossem a vítimas, como se de algum modo eles fossem culpados: ela, acusada por ter tido um filho com seu sequestrador e te-lo amado e mantido consigo o tempo todo; ele, por ser - como dito acima - ser o resultado de uma relação de abuso e violencia.
Um filme complicado, duro, marcante, mas que na direção humana de Lenny Abrahamson e nas atuações soberbas de Jacob Tremblay e Brie Larson consegue deleitar que assiste sem contudo suprimir o debate que a questões levantadas pelo filme sucitam. Um filme que nos deixa, ao mesmo tempo, com os olhos marejados, o coração enternecido e alma dilacerada.
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Histórias de vampiros e outros seres inumanos sempre foram usadas para expor e criticar o que nós humanos possuímos de mais essencial e os nosso piores defeitos: nossa indelével mortalidade e inevitável decreptude; nossa tendencia a nos destruirmos e também a destruirmos o que houver à nossa volta; nossa ridícula ilusão de poder e grandeza. Por meio desse casal de vampiros, Jarmusch, digamos, lança mão esses elementos, os recicla e faz um filme fascinante.
Adam é um vampiro entediado com a estupidez humana, que por séculos ele foi testemunha ocular. Está cansado de "viver" e de ver quão tolos são os homens, que ele ironicamente denomina "zumbis", certamente porque são mortos-vivos ambulantes, que seguem suas vidinhas ordinárias sem perceber o quanto são frágeis, o quanto são pasageiros, verdadeiros "cadáveres adiados".
Seus únicos heróis, os únicos homens dignos de sua admiração, foram cientista e pensadores que tentaram pensar além da mediocridade, além do senso-comum e da fé cega, mas que foram condenados, humilhados, negados ou mesmo mortos por esses "zumbis" ignorantes: Galileu, Newton, Darwin, Einstein... etc.
Eve, por sua vez, tem um amor à vida - se é isso pode ser dito sobre um ser que não está exatamente vivo - que a leva a deslumbrar-se constantemente frente à livros que lê ou relê, objetos antigos que toca, casais enamorados que contempla, entre outras efemeridades com as quais se defronta.
Em certo momento do filme ela diz para Adam que não é a primeira vez que ele entra nessas crises depressivas: "Nós já passamos por isso antes. Lembra? E você perdeu toda a verdadeira diversão: a Idade Média, os Tártaros, a Inquisição, as inundações, as pragas...". O que remete-nos ao outro diálogo, no começo do filme, entre ela e outro vampiro, mais velho, Marlowe (John Hurt), no qual ela pergunta se eles nunca irão revelar a verdade sobre serem vampiros, e o quão divertido seria ver o caos que isso causaria.
Logo, podemos depurar a partir dessa oposição entre os dois amantes atemporais que, enquanto ele é um romântico na acepção original da palavra, com toda a sua carga de melancolia, pessimismo e tragédia, ela é uma hedonista, que ama e anseia por o que de bom e prazeroso a vida pode lhe proporcionar. E como duas partícula subatômicas, uma negativa e outra positiva, elas se atraem exatamente proque se opõem e se complementam, e, mesmo separadas, estarão sempre conectadas de um modo que transcende o senso comum.
Ao final, o diretor nos mostra que esses vampiros não são tão inumanos assim, e que nós humanos, apesar de muitas vezes sermos os verdadeiros monstros, também somos capazes de iluminar, encantar e transcender a condição da matéria vil e efêmera: por meio do amor e da arte, tal qual na cantora que hipnotiza Adam num bar no Tanger, ou o casal de namorados que eles observam no final do filme.
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O novo filme de Iñarritu conta a história de um homem que sobreviveu ao ataque de uma ursa, comeu fígado cru de bisão e dormiu na carcaça de uma cavalo... tudo para ganhar um maldito Oscar.
Esse filme, pelo qual Will Smith injustamente não foi indicado ao Oscar de Melhor Ator (sua atuação é muito superior à caricatura vergonhosa feita por Eddie Redmayne em A Garota Dinamarquesa) é uma história fascinante, que, para aqueles que acreditam em ilusões como o "sonho americano", a "terra das oportunidades" ou "maior democracia do mundo", pode ser surpreendente.
O filme, contudo, segue uma fórmula que funciona: a dos filmes sobre o homem (ou a mulher) simples que desafia o sistema, é perseguido, oprimido, mas não desiste e no final acaba vencendo. É o caso de filmes sobre temas tão díspares com Norma Rae (Idem, 1979) sobre a formação de sindicatos nos EUA; ou Silkwood - O Retrato de uma Coragem (Silkwood, 1983), sobre as negligência na segurança em usinas nucleares nos EUA; Erin Brokovich (Idem, 2000), sobre a contaminação de reservas subterrâneas de água por indústrias químicas nos EUA; ou Clube de Compras Dallas (Dallas Buyers Club, 2013), que desvenda a corrupção nas indústria farmacêuticas nos EUA.
Em todos o filmes citados, os protagonista se verão envolvidos em uma luta contra grandes corporações para as quais o lucro está acima de tudo. O diferencial deste aqui é situar-se num universo que o cinema poucas vezes frequentou: do futebol americano. Quando o fez, no entanto, foi para exalta-lo, como em Campo dos Sonhos (Field of Dreams, 1989), e não para explicitar suas falhas e defeitos. E é isso que torna filme interessante e pertinente, mesmo para quem não é estadunidense e não faz a mínina ideia de como funciona esse esporte tão brutal e violento.
Acertadamente, o filme evita incorrer, durante sua narrativa, em pieguice e sentimentalismo barato - como é o caso de Sete Vidas (Seven Pounds, 2008) outro filme com Will Smith - muito embora, ele corra esse risco em quase todas as cenas em que retrata a vida familiar do protagonista (na qual o filme se detém mais do que deveria). Porém, apesar desses problemas, o filme termina de modo relativamente sóbrio, encerrando satisfatoriamente as questões levantadas.
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As pessoas, em geral, são facilmente enganadas pela aparência. Não julgar o livro pela capa, é um dito popular que todos conhecem e empregam, mas pouco realmente colocam em prática. Quando o assunto é cinema e atuação, esse paradoxo pode ser percebido sem dificuldades: muitas vezes uma atuação baseada em elementos óbvios e explícitos (como maquiagem que transforme radicalmente o ator) são mais valorizados do que atuações intimistas, profundas e baseadas em elementos mais implícitos (como olhares, gestos, pausas, silêncios...).
Isso aconteceu, por exemplo, com o desempenho de Nicole Kidman em As Horas (The Hours, 2002). Neste Aliança do Crime (Black Mass, 2015), o efeito hipónitico causado pela transformação à qual Johny Depp se submeteu, acaba atraindo todas as atenções e ofuscando o personagem mais importante do filme: o ambicioso agente do FBI John Connolly (Joel Edgerton), cuja presença em cena é que dá impulso à trama e faz com que as questões importantes sejam levantadas.
E que questões são essas? Ora, o conflito latente entre lealdade e moralidade, entre interesse e dever, entre profissionalismo e relações afetivas, ou os tênues limites entre ambição e risco, pragmatismo e oportunismo, entre usar e ser usado. Com isso não quero dizer que o desempenho de Depp não seja digno de honras, pois o que ele faz nessse filme vai além da sua superfície bizarramente construída.
Porém, é o agente Connolly quem terá a vida girada 360º ao longo das cerca de 2 horas de filme, que transitando entre céu e inferno, terá sua honestidade colocada à prova e irá da doce ilusão de estar no comando do jogo à amarga verdade de ser apenas um peão no xadrez. Afinal, de Jimmy "Whitey" Bulger (Depp) não esperamos nenhuma transformação ou reviravolta, não duvidamos de sua moralidade pois desde os trailers sabemos que ela é mais que duvidosa. Dele, só esperamos o pior - e o pior é que nos deleitamos com isso.
Contudo tão importantes quando os olhares ameaçadores de Bulger, são os olhares ao mesmo tempo mesquinhos e ingênuos, confusos e temerosos, do agente Connolly. Enquanto Bulger era lobo e sabia disso, Connolly ele era o cordeiro em pele de lobo que se pensava um lobo em pele de cordeiro. E será em torno do processo pelo meio do qual esse cordeiro tolo se reconhecerá como tal, que se concentra o filme.
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David O. Russell, nesse seu 9º filme faz um amálgama de 2 narrativas muito comuns no cinema hollywoodiano: primeiramente a história da mulher simples, de classe média, trabalhadora, que depois de muita luta e - em certa medida - de confrontação de uma certo sistema ou status quo, supera-se e vence na vida; em segundo lugar, a história do "self-made-man" (nesse caso, uma self-made-woman), que sozinho e contrariando todas as expectativas, constrói para si um império.
O primeiro tipo de narrativa pode ser encontrado em filmes como Norma Rae (idem, 1979) e Erin Brokovich (idem, 2001), os quais, junto de Joy, guardam mais uma semelhança: os 3 tem o nome de suas protagonistas como título. Já o segundo exemplo é visível em filmes como o clássico Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941) ou os mais recentes Sangue Negro (There will be Blood, 2007) e A Rede Social (The Social Network, 2010). Com o clássico de Orson Welles o filme tenta estabelecer um diálogo ao apresentar, numa das cenas finais, o que seria a "rosebud" da protagonista: uma caixa com seus recortes de infância.
Mas apesar de Joy ter toda essa pretensão, ele infelizmente não cumpre com o que promete e possui defeitos sólidos: a edição comete um erro crasso quando, na transição entre suas cenas a mão da protagonista aparece enfaixada, sem que haja alguma explicação, para tal; a narração em off por parte da avó resulta mais despropositada que a de Joseph Gordon Levitt em A Travessia (The Walk, 2015); a tensão sexual insinuada entre Joy e Neil Walker, que termina sem ser resolvida; a tentativa de estabelecer uma metáfora entre Joy a cigarra, que soa um tanto forçada.
Apesar das falhas de roteiro e montagem, o filme tem no desempenho notável de seu elenco sua grande qualidade, afinal, a despeito de, no geral, ser um diretor superestimado, David O. Russell é ótimo para extrair o melhor de seus intérpretes - mesmo que, desde de O Lado Bom da Vida (Silver Linnings Playbook, 2012), eles formem uma certa "panelinha".
O filme é mudo, de traços simples - os traços de uma criança - mas sua eloquência é impar, sua mensagem ecoa e suas imagens penetram a alma e se fixam na memória.
E as questões que ele provoca são muitas: a crescente mecanização dos meios de produção; a desigualdade na distribuição (cada vez mais nas mão de poucos) e no uso (cada vez menos voltadas à satisfação das necessidades básicas da humanidade) das terras; o crescimento do latifúndio; o desemprego e a desvalorização da mão-de-obra humana; o êxodo rural (migração campo-cidade) e a consequente expansão das periferias (favelização); as desigualdades sociais; a concentração de renda; a incontrolável exploração dos recursos naturais até a exaustão de ecossistemas; a extinção de espécies; a poluição e degradação de solos, rios, mares, atmosfera; a alienação do trabalho no sistema capitalista; o consumismo; o onipresente marketing nos dizendo para comprar e comprar... enfim....
E o menino, após ver seu pai sair do campo (cujos solos estão improdutivos) para tentar conseguir emprego na cidade grande, decide ir atrás e, no caminho, se depara com diferentes situações e personagens, onde todos os problemas acima citados se apresentarão. Primeiro, numa propriedade rural, notadamente um latifundio monocultor que opera num sistema de agronegócio com estrutura tipicamente "fordista".
Em seguida, a matéria-prima (algo semelhante ao algodão) é levada para a indústria, onde é transformada em tecido. Novamente, vemos aqui temos a estrutura de produção fordista em uma linha de montagem típica, que pode remeter-nos à Tempos Modernos, de Chaplin, porém, retratada com mais amargura e menos humor - e isso não é um demérito.
Da indústria, os rolos de tecidos são transportados de navio, em numerosos contêineres, até cidades mais modernas e flutuantes, para as quais os navios e suas cargas são literalmente "abduzidos" e ali, num processo ultra-moderno, o tecido é transformado em roupas, embalado, e então retorna para as cidades hiper-populosas, poluídas e barulhentas, onde serão cobiçadas e consumidas à preços exorbitantes por aqueles que, à custa de salários baixos e horas de trabalho, participaram dos primeiros estágios de produção.
E o menino segue procurando seu pai e quando pensa tê-lo encontrado, depara-se com centenas de pais iguais aos dele, que chegam na cidade aos montes, todos, certamente, deixaram o campo pelas mesmas razões, assim como filhos e esposas. E meninos como o menino também são muitos: tanto o velho que puxa a carroça com seu cãozinho, quanto o jovem que trabalha na fábrica de tecidos e nas horas vagas é um artista mambembe, provavelmente já foram meninos cujos pais foram para cidade e nunca mais voltaram e, sem outra opção ou perspectiva, acabaram crescendo e seguindo o mesmo caminho.
Mas o filme aponta para um solução: ir contra o sistema, buscar modos alternativos de vida, de consumo, de relações sociais, trabalhistas e de modos de produção. A arte (a música, o desenho, o cinema) talvez seja o meio mais efetivo de nos re-conectarmos com nós mesmo, com a natureza e nos despir de todo excesso de artificialidade que mais danos que benefício tem proporcionado. Mas, para muitos, isso é mera ilusão, utopia. Já foram engolidos pela lógica brutal da acumulação e da exploração sem fim. Dentro deles, a Fênix da contestação já foi morta pela sombria águia do conformismo.
Esse não é só um ótimo filme, mas uma bela aula de história do cinema, que traz como pano de fundo uma mancha na história dos EUA e de Hollywood: o Macarthismo, ou a perseguição descabida e insana, por parte, inicialmente, de políticos conservadores, à diretores, roteiristas, atores e qualquer outra pessoa que tivesse envolvimento com o comunismo.
O filme conta com uma reconstituição de época impecável, que não se percebe apenas em cenários e figurinos, como também na escolha do elenco - afiadíssimo - composto de interpretes fisicamente muito parecidos com as figuras históricas que interpretam.
O desempenho de Cranston no papel do roterista combativo, polêmico e perseguido é irretocável e sem dúvidas o maior mérito do filme e - ao meu ver - a melhor atuação deste ano. Certamente irá perder o Oscar para Leonardo DiCaprio - cujo mérito é inequívoco, mas cuja atuação está um pouquinho abaixo desta aqui.
É comum traçar um paralelo entre a Inquisição, na Idade Média, àquela perseguição ocorrida em Hollywood no século passado. No entanto, é interessante notar o quanto a cegueira ideológica que levou àquela situação pode ser comparada ao que começa a se delinear na política nacional, com os insanos seguidores e apoiadores de gente como Bolsonaro e seu irracional e radical anti-comunismo, anti-petismo, anti-feminismo, anti-LGBT, entre outros grupos aos quais eles se opõem feéricamente.
Bom, deixando a seara política de lado, eis aqui uma lista dos principais personagens reais retratados no filme, seus respectivos intérpretes e uma brevíssima biografia de cada um:
Dalton Trumbo (Bryan Cranston), roteirista de filmes como A Princesa e o Plebeu (Roman Holiday, 1953) e Spartacus (Idem, 1960), duas vezes premiado com o Oscar, e diretor de Johnny vai à Guerra (Johnny got his Gunn, 1939).
Edward G. Robinson (Michael Stuhlbarg), ator que ficou conhecido especialmente por atuar em filmes Noir, como Pacto de Sangue (Double Indemnity, 1944).
Sam Wood (John Getz), diretor de filmes como Adeus Mr. Chips (Goodbye, Mr. Chips, 1939) e Por quem os Sinos Dobram (For Whom the Bell Tolls, 1943).
John Wayne (David James Elliott), ator famoso por atuar em faroestes, especialmente sob a direção do grande Joh Ford, soba direção do qual protagonizou aquele que é tido como o maior dos faroestes: Rastros de Ódio (The Searchers, 1956).
Kirk Douglas (Dean O'Gorman), ator famoso por filmes como A Montanha dos 7 Abutres (Ace in the Hole, 1952), Assim Estava Escrito (The Bad and the Beautiful, 1952) e Spartacus (Idem, 1960), e pai de Michael Douglas.
Louis B. Mayer (Richard Portnow), produtor de cinema conhecido como um dos fundadores do famoso estúdio de Hollywood MGM (Metro-Goldwyn-Mayer).
Hedda Hopper (Helen Mirren) atriz e famosa colunista de Hollywood, conhecida por ter o poder de destruir carreiras. Aparece no filme Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, 1950) interpretando a si mesma.
Otto Preminger (Christian Berkel) diretor de filmes como O Homem do Braço de Ouro (The Man with the Golden Arm, 1955), Anatomia de um Crime (Anatomy of a Murder, 1959) e Exodus (Idem, 1960).
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Beasts of No Nation
4.3 831 Assista AgoraFilmes centrados nas histórias de crianças cujas vidas e inocências são devoradas pelo horror da guerra não são raros: dos brutais e colossais Vá e Veja (Idri e Smoti, 1985), de Elem Klimov e a Feiticeira da Guerra (Rebelle, 2011), de Kim Nguyen, aos mais convencionais Esperança e Glória (Hope and Glory, 1987) e Filhos da Guerra (Europa, Europa, 1990), ou mais adocicados, como A Vida é Bela (La Vita è Bela, 1997).
Este Beasts of no Nation (ainda sem título em português, mas cuja tradução mais adequada seria "Monstros sem Pátria") se irmana aos dois primeiros filmes citados, em sua crueza e no fato de, ao longo de sua narrativa, se ocupar em descrever o processo por meio do qual crianças são cooptadas por grupos armados e transformadas em máquinas de matar.
E nesse ponto, o filme do diretor Cary Joji Fukunaga, estrelado pelos ótimos Abraham Attah e Idris Elba guarda muitas semelhanças com Feiticeira da Guerra: ambas as histórias estão situadas em um país africano que passa por uma guerra civil; ambos os protagonistas tiveram suas famílias dizimadas por grupos armados; ambos são cooptados por milícias clandestinas rebeldes e integrados às suas fileiras; ambos os grupos aos quais serão inseridos possuem líderes carismáticos que se revestem de uma aura mística e são cultuados por seus soldados; ambos encontrarão entre seus pares um amigo com o qual estabelecerão um vínculo mais estreito; ambos sofrerão algum tipo de abuso sexual; ambos os filmes são pontuados por narrativas em off dos protagonistas em tom confessional.
Contudo, Beast of no Nation erra onde Rebelle acerta: não mantém o foco no seu protagonista (Attah), desviando-o, em certa altura na narrativa para outro personagem (Idris), e, ao fazê-lo, o que era uma narrativa sólida sobre a inocência perdida torna-se um filme oscilante e indeciso, ao tentar abranger um escopo de discussão mais amplo, incluindo questões políticas e geopolíticas muitíssimo complexas.
Todavia, enquanto filmes como O Último Rei da Escócia (The Last King of Scotland, 2006) segue a linha de usar personagens brancos e ocidentais como as figuras heróicas da narrativa - algo que também pode ser visto em Diamante de Sangue (Blood Diamond, 2006) e Um Grito de Liberdade (Cry Freedom, 1987) - outros como Feiticeira da Guerra, Hotel Ruanda (Hotel Rwanda, 2004) e este Beasts of no Nation não cometem esse deslize moral. Não há aqui a figura do homem branco e justo a salvar o negro de sua barbárie, como se o negro (e por consequencia a África) fossem os únicos culpados pela sua situação.
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A Bruxa
3.6 3,4K Assista AgoraDefinitivamente, esse não é um filme de suspense/terror tradicional. Não espere um filme seguindo fórmulas de gênero. Não espere sustos que te fazem saltar no sofá ou poltrona. Não espere aquele final catártico, onde os mistérios se revelam, o vilão se dá mal e o protagonista se revela algo heróico. Não espere ação, não espere uma montagem frenética, com cortes bruscos, nem por uma trilha que provoque tensão e contribua para construir aquele típico clima onde a expectativa de ser surpreendido se faz onipresente. Em suma; não espere o óbvio.
Esse se eleva acima da média dos filmes desse gênero exatamente por diferenciar-se deles e por buscar romper com os paradigmas estipulados pela industria e pelo público para esse tipo de filme. Ele parecerá lento para os expectadores cuja capacidade de fruição estiver turvada ou limitada por ser pares mais comerciais, como Invocação do Mal e Anabelle, por exemplo. Sua condução, no entanto, se vale de cenas longas (extensos planos-sequencia magistrais) onde a tão afamada "lentidão'' tem como propósito, em vez de pregar sustos cujo efeito é efêmero, produzir no expectador um temor, uma angústia e uma incerteza pelo que virá, que ecoarão por muito mais tempo.
A fotografia, soturna e densa, os enquadramentos ora distantes, ora de um close sufocante, a mise-en-cene habilmente elaborada para sugerir e confundir mais do que explicitar ou revelar, a trilha sonora deveras incomoda, o roteiro que não abrirá espaço para soluções alentadoras ou alívios dramáticos... tudo colobora para o filme se revele uma das obras mais perturbadoras dos últimos tempos. Mérito também do elenco, formado por nomes poucos conhecidos, com destaque para os formidáveis desempenhos da filha mais velha, Thomasin (Anya Taylor-Joy), e seu pai Jonas (Lucas Dawson).
A narrativa, baseada em lendas sobre bruxas cuja origem remonta ao princípio da colonização inglesa na América do Norte - contexto histórico e geográfico no qual a história se desenvolve -, bem como em registros de julgamentos de casos de bruxaria, abre espaço para reflexões e discussões sobre temas interessantes: extremismo religioso, delírio coletivo, superstição, machismo, castração (na acepção freudiana do termo), etc.
A reconstituição de época, vista nos figurinos, cenários e mesmo nos diálogos, que procuram recriar o modo próprio de falar daqueles pioneiros, merece também destaque, bem como a direção segura do praticamente estreante Robert Eggers.
Caça-Fantasmas
3.2 1,3K Assista AgoraSemelhante ao aconteceu, no ano passado, em relação aos filmes Mad Max: Estrada da Fúria (Mad Max: Fury Road, 2015) ou Star Wars: O Despertar da Força (Star Wars: The Force Awakens, 2015), recentemente a nova versão para os cinemas de Os Caça-Fantasmas tem sofrido ataques e críticas de cunho misógino por parte de supostos fãs claramente machistas.
Alegações de os filmes, por terem protagonistas feministas, ao contrário de seus antecessores, teriam se transformado em ''peças de propaganda feminista'' ou que a opção por substituir os atores homens por mulheres teria ''descaracterizado um clássico'' foram tecidas às centenas por usuários de redes sociais e sites especializados em cinema.
Alegar que o cinema esteja sendo invadido ou dominado por uma ''ditadura feminista'' é mais um expressão da esquizofrenia social e paranóia político-persecutória que não se via desde os tempos da Guerra Fria. Interessante que, desde a invenção do cinema, a esmagadora maioria do filmes, especialmente os de ação, sempre foi protagonizada por personagens masculinos - no quais as mulheres apareciam como meros adereços sexuais na trama - e nem por isso esse machismo gritante provocou a mesma reação por parte do público feminino - seja feminista ou não.
O que se vê nessas reações, além de uma boa dose de preconceito e uma certa de imaturidade, é uma notória confusão entre memória afetiva e qualidade cinematográfica. As primeiras versões de Os Caça-Fantasmas para o cinema feitas na década de 1980 podem ter marcado a infancia de muitas pessoas - incluindo a minha - mas isso não faz deles um ''clássico'', de modo que o argumento de que a nova versão, protagonizada por mulheres, seja de algum modo nociva ou prejudicial, não se sustenta.
A Árvore dos Tamancos
4.0 33Um filme extremamente humano e profundamente tocante. Ermano Olmi conseguiu, usando como atores camponeses italianos da região do Bergamasco, realizar um filme único, que, apesar de ter sido realizado no final dos anos 70, está completamente embebido na estética e na temática do Neo-realismo - movimento do qual os cineastas Vittorio de Sica e Roberto Rosselini foram os maiores expoentes.
O filme, passado no final do século XIX, e retrada a vida de uma comunidade (no sentido preciso desse termo) camponesa da região da Lombardia, na Itália. No início do filme há uma espécie de prefácio que, na forma de legenda, explica bem o contexto socioeconômico retratado: numa espécie de "cortiço" rural, viviam de 4 a 5 famílias, no regime similar ao de "meeiro". As terras, os estábulos, as árvores, uma parte dos animais de criação (gado, galinhas, porcos, cavalos, patos) e das ferramentas pertenciam ao dono das terras, ao qual as famílias deveriam remeter 2 terços (cerca de 60%) da colheita - que no filme se limitava a milho, trigo e tomates basicamente.
A narrativa é difusa - e isso não é um defeito, pelo contrário. O cineasta opta por narrar paralelamente a vida quotidiana das famílias que dividem aquele espaço e juntas lavram as terras, plantando, colhendo e realizando todas as tarefas típicas de uma rotina camponesa. A trama se desenrola na medida em que os personagens - brilhantemente construídos e perfeitamente interpretados pelos "não-atores" escalados - lidam com os problemas que eventualmente aparecem: um pai relutante em deixar que o filho frequente a escola por precisar de sua ajuda nas tarefas diárias; uma viúva, com 5 filhos para criar, cuja inestimável vaca leiteira adoece repentinamente e que o veterinário recomenda que seja sacrificada; um pai que vive brigando com o filho adolescente que não quer saber de trabalhar; dentre outras efemeridades de vidas que, em essência, não diferem muito das de qualquer ser humano que, como os personagens, não nasceram em "berço de ouro".
O entrecho envolvendo a moeda de ouro me fez rir bastante, enquanto outro, relativo à "árvore do tamanco", que dá título ao filme, me emocionou sobremaneira. Historicamente, é interessantíssimo enquanto reconstituição da vida de uma comunidade rural numa região onde a industrialização - que havia nascido na Inglaterra cerca de 150 anos antes - ainda não havia chegado, e cuja estrutura social e econômica ainda guardava traços feudais.
A falta de uma história central, com começo, meio e fim claramente definidos, ao contrário de ser um defeito - como alguns acusam o filme - é sua maior qualidade. O filme se aproxima da realidade, constituindo-se num híbrido entre ficção e realidade, entre encenação e documentário, exatamente porque consegue retratar a vida como ela é (ou como ela era naqueles tempos), ou seja: uma sucessão de pequenas banalidades das quais a vida de todos nós é feita.
O Jogo da Imitação
4.3 3,0K Assista AgoraAlan Mathison Turing nasceu em 23 de junho de 1912, em Londres, Reino Unido. Foi um matemático, lógico, criptoanalista e cientista, considerado por muitos o "pai da computação" e pioneiro dos estudos e pesquisas sobre inteligência artificial.
De fato, teve grande influância no desenvolvimento da ciência da computação e na formalização do conceito de algoritmo, com a invenção da "máquina de Turing", batizada por ele de "Christopher", durante a Segunda Guerra Mundial, um equipamento que pode ser considerado o precursor dos computadores. Turing trabalhou para a inteligência britânica em Bletchley Park, num centro especializado em quebra de códigos. Por um tempo ele foi chefe do Hut 8, a seção responsável por analisar e decrifar o "Enigma", isto é, o sistema criptografia usada para comunicação pela frota naval da Alemanha Nazista.
No filme do diretor Morten Tyldun, a narrativa se foca no período passado durante a Segunda Guerra e na equipe de cientistas encabeçada por Turing responsável por decifrar os códigos nazistas. Na interpretação do britânico Benedict Cumberbatch, Turing é retratado em suas idiossincrazias: um gênio, capaz de resolver complexas equações matemáticas em segundos, mas com sérios problemas de relacionamento interpessoal. Por muito pouco essa caracterização consegue escapar da caricatura, evitando contruir um personagem que equivaleria à um Sheldon Cooper ou à uma mistura de Forrest Gump com Albert Einstein.
Nesse ponto, o filme se assemelha à outras cinebiografias de gênios, como Um Mente Brilhante (A Beatiful Mind, 2001), dirigido por Ron Howard, que conta a história do matemático e vencedor o Nobel, John Forbes Nash Jr., por exemplo. Contudo, o filme de Tyldun ganha pontos sobre o filme de Howard, por evitar o maniqueísmo e o sentimentalismo, e por não ocultar a homossexualidade de seu protagonista. Isso porque, em 1954, Nash foi preso por "ato indecente" em Santa Mônica, de acordo com uma lei do estado da Califórnia, nos EUA, que considerava criminoso o comportamento homossexual.
Durante décadas a homossexualidade era considerada ilegal no Reino Unido de modo que, em 1952 Turing foi preso e sofreu um processo criminal por ser homossexual. Como pena alternativa à prisão, e foi submetido à um tratamento hormonal e à castração química. O filme de Tyldun não omite esse fato, mas, ao contrário, faz dele um dos pilares da narrativa e base de algumas das cenas mais dramáricas do filme.
Na narrativa, que se alterna entre os eventos passados durante a Segunda Guerra Mundial, com outros da adolescência de Turing e sua passagem por uma escola conservadora do Reino Unido, importantes detalhes de seu passado - como a autodescoberta de sua homoafetividade - serão desvelados.
Turing morreu dois anos depois, em 1954, provavelmente por suicídio causado por autoinoculação de cianeto, em decorrência da depressão causada pelo tratamento e pelo ostracismo no qual ele caíra. Morreu praticamente anônimo, desprestigiado e esquecido, apesar de sua inequívoca a inestimável contribuição tanto para a vitória dos Aliandos contra os Nazistas durante aquele conflto, quanto para estabelecer o pilares da computação e da informática.
Elizabeth
3.8 303 Assista AgoraEm 1998 estrou nos cinemas o filme Elizabeth (1998), dirigido pelo anglo-indiano Shekhar Kapur e protagonizado pela australiana Cate Blanchett. Era mais entre as dezenas de filmes a retratar a monarca inglesa, mais conhecida como Isabel I, a "Rainha Virgem", que já havia sido interpretada, por exemplo, pela lendária Bette Davis em Meu reino por um Amor (The Private Lives of Elizabeth and Essex, 1939), dirigido por Michael Curtiz (de Casablanca).
No filme de Kapur, a história tem início em 1558, quando a rainha católica Maria I, irmã de Elizabeth, econtra-se à beira da morte, acometida por um tumor no útero. Sem opções, ela acaba vendo-se forçada a deixar o trono para sua meia-irmã, e única herdeira ao trono, Elizabeth, filha do rei Henrique VIII com Ana Bolena. Elizabeth econtrava-se presa, acusada de conspirar contra a Coroa. Na época, caracterizada pela Contra-Reforma, ou seja, um movimento reacionário católico contrário à Reforma Protestante iniciada pelos teólogos Martinho Lutero (Alemanha) e João Calvino (França). Elizabeth, além de filha bastarda do rei Henrique VIII e acusada de conspiração, era protestante e, durante seu reinado, Maria I perseguiu os seguidores dessa vertente cristã, matando mais de 300 pessoas, o que acabou lhe rendendo o título de "Maria Sangrenta".
Mesmo assim Elizabeth é coroada, mas, para isso, precisa renunciar oa seu amor pelo plebeu Robert Dudley (Joseph Fiennes, que anos mais tarde interpretaria o Lutero na cinebiografia homônima). A coroação aconteceu em 15 de janeiro de 1559, na Abadia de Westminster, em cerimônia relizada por Owen Oglethorpe, Bispo católico de Carlisle. Logo, Elizabeth é aconselhada a se casar, de modo a produzir um herdeiro e garantir a linha sucessória e assegurar seu reinado. Recebe inicialmente a oferta do príncipe francês Henrique, Duque d'Anjou (Vincent Cassel), que posteriormente revela-se homossexual. Recusando todas as ofertas de casamento, Elizabeth passa então a enfrentar diferentes ameaças ao seu reinado: Thomas Howard, 4º Duque de Norfolk (Christopher Eccleston), juntamente com Mary Stuart (que é apenas mencionada no filme), seus primos católicos, e Maria de Guise (Fanny Ardant), que, conspirando, armam uma aliança com os franceses para derrotá-la e tira-la do trono.
Em 1569 houve então uma rebelião católica no norte da Inglaterra, cujo objetivo era libertar Mary Stuart, casando-a com Tomás Howard, e colocá-la no trono inglês. Vitoriosa, Elizabeth manda executar mais de 750 rebeldes, entre eles o Duque de Norfolk. A Igreja Católica, havia apoiado os rebeldes, pois intentava conter o avanço do protestantismo na Inglaterra. É então que o Papa Pio V, em 1570 publicou uma bula papal chamada Regnans in Excelsis, por meio da qual excomungava Elizabeth/Isabel, declarando-a herética além de "pretensa Rainha da Inglaterra e servente de crime".
Em 1558, Elizabeth propõe o Ato de Uniformidade, no que ficou conhecido como Regulamentação Religiosa de Isabel I, como tentativa de por um fim aos conflitos e disputas entre católicos e protestantes, surgidos após as divisões religiosas ocorridas durante os reinado de Henrique VIII, Edward VI e Maria I. Esta decisão real ficou conhecida como A Revolução de 1559, e definida a partir de dois atos do Parlamento da Inglaterra: inicialmente, o Ato de Supremacia de 1558 reestabeleceu a independência da Igreja da Inglaterra (Anglicana) em relação à Roma (Papa), conferindo a Elizabeth o título de Líder Supremo da Igreja da Inglaterra; em seguida, o Ato de Uniformidade de 1559 estabelecer a forma que a Igreja Anglicana deveria tomar, incluindo o reestabelecimento do Livro de Oração Comum.
No filme, no entanto, o diretor e o roteirista Michael Hirst tomam inúmeras "liberdades" em relação aos acontecimentos históricos, sacrificando os fatos em favor da dramaticidade.
Sobre o affair entre a rainha e Robert Dudley, seu amigo de infância, alguns fatos ficaram de fora do filme. No verão de 1559, Amy Robsart,espoda de Robert, estava sofrendo de uma "doença em um de seus seios" (provavelmente cancer de mama). Robsart veio a falecer em setembro de 1560 em consequência não da doença mas ao cair de uma escada. Contudo, apesar das investigações concluirem que se tratara de um acidente, as suspeitas de que Dudley tramado a morte esposa não se dissiparam. Mesmo assim Elizabeth ainda congitou por muito tempo casar-se com Dudley. Contudo, a forte oposição por parte da nobreza, do clero e da população fez-la demover-se dessa ideia.
Elizabeth concedeu-lhe título de Conde de Leicester em 1564. Em 1578 ele casou-se novamente com Letícia Knollys, mas a monarca, em diversos momentos, fez questão de explicitar seu descontentamento, mesmo tendo decido não casar-se como ele. e um ódio vitalício contra sua nova esposa. Dudley morreu pouco tempo depois da derrota dos eventos narrados no segundo filme (Elizabeth: The Golden Age, 2008).
A Regulamentação Religiosa, por exemplo é simplificada ao ponto de ser mostrada apenas como um complô entre a rainha e alguns membros do parlamento e do clero, em prol da aprovação de suas propostas. O filme, porém, termina de modo magistral, com a cena em que Elizabeth assume de vez a alcunha de "Rainha Virgem", e diz, dando: "Eu estou casado com a Inglaterra".
Elizabeth: A Era de Ouro
3.7 287 Assista AgoraO segundo filme a tratar da história da soberana inglesa Elizabeth I, dirigido pelo anglo-indiano Shekhar Kapur e protagonizado pela australiana Cate Blanchett, retoma a narrativa inciada 9 anos antes com o filme Elizabeth (1998), que lançou sua atriz ao estrelato, lhe rendendo o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Drama, o Bafta de Melhor Atriz e uma indicação ao Oscar na mesma categoria.
Desta vez ambientado no ano de 1585 (portanto 27 anos após os eventos narrados no primeiro filme, que era ambientado em 1558), o filme se concentra no embate entre o rei espanhol Felipe II (interpretado por Jordi Mollà) e a monarca inglesa. Na trama, ele pretende destronar Elizabeth em favor de sua filha, Isabel. Paralelamente, há 2 outras subtramas que se desenrolam: primeiramente, envolvendo monarca escocesa Mary Stuart (interpretada por Samantha Morton), prima de Elizabeth e aspirante ao trono inglês, que aparece encarcerada em seu castelo, por razões que o filme não deixa muito claras; em segundo lugar, um triângulo amoroso envolvendo a rainha Elizabeth, o corsário Walter Raleigh (interpretado por Clive Owen) e a jovem Bess Throckmorton (interpretada por Abbie Cornish), dama de companhia favorita da rainha.
Historicamente, porém, o filme peca pela pouca fidelidade aos fatos. Ei-los: apesar de, no filme, a infanta Isabel de Espanha ter sido interpretada por uma criança, no período em que a narrativa se ambienta (1585), ela já estava com a idade de 20 anos. Outro ponto que causa estranhamento é o fato de, entre um filme e outro, terem se passado 27 anos, e a rainha já tinha então 52 anos de idade, ter envelhecido muito pouco no filme.
Na primeira cena em que o corsário que Walter Raleigh aparece, ele surpreende a corte britânica ao retirar seu casaco, colocando-o sobre uma poça d’água, para que a rainha pudesse passar. Porém, é improvável uma cena como essa tivesse acontecido, dado que havia sempre círculo de soldados a guardar a rainha e que, certamente, não permitiriam que o corsário chegar tão perto da soberana.
No filme, Bess se envolve com Raleigh se descobre grávida perto do meio da narrativa e, portanto, antes do confronto entre as armadas espanhola e inglesa. Todavia, Bess só engravidou de Raleigh em 1591, portanto 3 anos após a vitória da armada britânica. De fato, quando Elizabet descobriu a relação entre Bess e Raleigh, a dama de companhia doi banida da corte, e nisso o filme é fiel aos fatos históricos.
Sobre o motivo do encarceramento de Mary Stuart, o roteiro falha em não explicar com clareza o que levou a monarca à esta condição, e só no final do filme é que somos levados a concluir que ela estaria presa por intentar subir ao trono inglês, destituindo sua prima Elizabeth. A história de Mary é bastante complexa, e isso ajuda a explicar o fato do filme não se deter em destrincha-los.
Mary, que era casada com Henrique Stuart (o Lorde Darnley), fugiu do Castelo de Loch Leven em 1568, após ter sido acusada de traidora e assassina pelo povo escocês por ter se casado com Jaime Hepburn, 4.º Conde de Bothwell, que matara Henrique. Tempos depois, ela conseguiu reunir um exército de 6 mil homens e se encontrou com as forças em menor número de Jaime Stewart em 13 de maio na Batalha de Langside, masfoi derrotada e fugiu para o sul, onde passou a noite na Abadia de Dundrennan, cruzndo o Estuário de Solway para a Inglaterra dentro de um barco pesqueiro, e então desembarcando em Workington, norte da Inglaterra.
Oficiais ingleses a levaram sob custódia preventida em 18 de maio daquele ano para o Castelo de Carlisle. Em julho de 1568, as autoridades inglesas levaram a rainha escocesa para o Castelo de Bolton, em janeiro do ano seguinte, Maria foi transferida para o Castelo de Tutbury, onde foi colocada aos cuidados de Jorge Talbot, 6.º Conde de Shrewsbury, e sua esposa Bess de Hardwick.
No que tange aos planos conspiratórios de Mary Stuart como retratados no filme, é possível encontrar outras deturpações. A tentativa de matar Elizabeth, cometida pelo jovem Anthony Babington, com uma pistola rudimentar, enquanto a rainha orava no altar da Catedral de São Paulo, não é real. Anthony Babington, de fato, planejou esse atentando, mas nunca o realizou, pois foi descoberto antes. Tal ardil foi usado depois como prova no julgamento de Mary Stuart por traição e conspiração.
Maria foi implicada na Conspiração de Babington e foi presa em 11 de agosto de 1586, sendo levada até Tixall e depois para o Castelo de Fotheringhay, chegando em 25 de setembro, e foi colocada sob julgamento em outubro diante um juri formado por 36 nobres pela acusação de traição de acordo com Decreto pela Segurança da Rainha. Suas últimas palavras foram "In manus tuas, Domine, commendo spiritum meum", ou "Em tuas mãos, ó Senhor, entrego meu espírito".
Já a cena da execução da monarca escocesa, é perfeitamente fiel aos registros históricos disponíveis. Os relatos que chegaram aos nossos dias dão conta de que, de fato, Mary foi despida do pesado vestido preto, revelando uma anágua de veludo e um par de luvas de vermelho-marrom (as cores católicas do martírio) com um corpete de setim preto e enfeites também pretos, abaixando sobre o bloco de madeira, olha para o trono vazio, depois para o machado do verdugo (que se ajoelha aos pés de Mary e pede perdão, ao que ela concede) e, finalmente, aceita resignada seu destino de mártir católica.
Porém, ao contrário do que é narrado no filme, não foi a sua morte a razão para que Felipe II declarasse guerra à Elizabeth, pois a Espanhola, aliada à Portugal, deu início à guerra contra a Inglaterra (aliada da Holanda) devido há conflitos anteriores e latentes entre as duas grandes potências da época. A frota naval inglesa, ao contrário do que o filme mostra, não sofreu nenhuma baixa em seus navios, nem mesmo o corsário Walter Raleigh teria tido tamanha importância na vitória inglesa.
Enfim, filme com qualidades ténicas impecáveis (figurinos, direção de arte, maquigem, cenários, fotografia), grandes atuações (especialmente da protagonista), mas que, ao meu ver, perde pontos pela pouco fidelidade histórica e pela narrativa convencional, repleta de clichés, e que emula, em muitos aspectos, a estrutura narrativa do filme anterior.
Jesus Camp
3.7 135"Você entendeu a parte que diz que a ciência não prova nada?", diz, em certo momento, uma mãe ao seu filho Levi, de cerca de 12 anos. Levi, assim como seu irmão, tem aulas em casa, com os pais, que optaram por não matricula-los em escolas. A mãe justifica dizendo que não nenhuma passagem na Bíblia dizendo que os pais devam entragar seus filhos, 8 horas por dia, para serem ensinados fora de casa. Em seguida Levi diz: "Eu acho que Galileu fez a coisa certa escolhendo Deus em vez da ciência."
Esqueçam, portanto, os filmes de Terror. Esse é de longe a coisa mais assustadora que já assisti. Nesse brilhante e impactante documentário, as diretoras Heidi Ewing e Rachel Grady revelam a rotina de um acampamento para evangelização de crianças e adolescentes cristãos no EUA.
As cenas da lavagem cerebral e da tortura emocional e psicológica às quais meninos e meninas são submetidos é totalmente chocante pra o espectador que tiver o mínimo de bom senso. Apesar disso, é um filme obrigatório para se debeter o fanatismo religioso e as ameaças à laicidade do estado.
Em certo momento do filme, a pastora Becky Fischer, criadora do acampamentos "Crianças em Chamas" (sim, esse é o nome), localizado, ironicamente, em Devil's Lake (ou Lago do Diabo), na Dakota do Norte, diz ao cinegrafista: "Eu posso ir em um playground de crianças que não sabem nada sobre o cristianismo, levá-los para o Senhor em questão de [pausa] apenas pouco tempo... e poucos minutos depois, eles já começam a ter visões e ouvir a voz de Deus, porque eles [as crianças] são tão abertos. Eles são tão úteis no cristianismo!"
Tal afirmação diz muito sobre o caráter opressor e manipulador que a catequização realizada por Becky tem sobre essas crianças, adolescentes e até mesmo adultos. No começo do documentário, ela diz: "Não é de admirar, com esse tipo de treinamento intenso e disciplinado, que esses jovens estão prontos para se matar pela causa do Islã. Eu quero ver os jovens que estão tão comprometidos com a causa de Jesus Cristo como aqueles jovens estão à causa do Islã. Eu quero vê-los colocando radicalmente as suas vidas para o Evangelho como eles fazem no Paquistão, em Israel, na Palestina e 'todos esses lugares diferentes, você sabe, porque temos... desculpe-me, mas nós temos [referindo-se às crenças cristãs e à Bíblia] a verdade!"
Ao final do documentário, o pastor Ted Haggard proclama aos seus fiéis: "Nós decidimos que a Bíblia é a palavra de Deus. Não precisamos fazer uma Assembléia Geral sobre o que acreditamos. Está escrito na Bíblia. Por isso não precisamos debater o que pensamos sobre as relações homossexuais. Está escrito na Bíblia.". Em outro momento, após culto, ao falar com entusiasmos sobre os crescimento vertiginoso de cristãos nos EUA, ele diz ao cinegrafista: "Se os evangélicos votarem, eles determinarão a eleição".
Tendo isso em mente, lembrem-se que Feliciano e Bolsonaro defendem projeto de lei que previa o ensino de Criacionismo nas escolas. Lembrem-se que eles, assim como outros membros da Bancada Evangélica, usam a Bíblia como argumento para barrar leis favoráveis à união homoafetiva e o aborto. Lembrem-se que o projeto de lei Escola sem Partido, além de proibir o debate de temas políticos em sala de aula, também proíbe a abordagem de assuntos como Diversidade Religiosa.
Essa realidade, portanto, aparentemente distante de nós brasileiros, é na verdade uma ameaça cada vez mais presente, se nos lembrarmos dos discursos de pessoas como Marco Feliciano, Silas Malafaia, Jair Bolsonaro (que recentemente passou a integrar a Bancada Evangélica e filiou-se o PSC, o Partido Social Cristão), Magno Malta, Eduardo Cunha, entre outros. O Estado Laico e o direito à diversidade religiosa e sexual estão seriamente ameaçados pelo crescimento desse tipo de vertente religiosa fanática e pela sua intromissão - cada vez mais determinada - na política.
Donnie Darko
4.2 3,8K Assista Agora"- Por que está usando essa fantasia estúpida de coelho?
- Por que você usa essa fantasia estúpida de homem?", é um dos diálogos entre um homem inexpicavelmente fantasiado de coelho e joven Donnie Darko em uma das cenas do filme.
O filme é, ao meu ver, uma releitura das histórias de super-heróis, como nos mais recentes Corpo Fechado (2000) e Drive (2011), questionando como seria se realmente existisseem algumas pessoas dotadas de super-poderes. No caso, Donnie é um adolescente que descobre ter o poder de viajar no tempo e de alterar eventos ocorridos no passados, mas a falta de domínio sobre esse poder faz com que ele às vezes gere consequencias que ela não conseguirá controlar.
Em uma cena do filme, quando ele salva a namorada dos valentões da escola, um deles o interpela: “- Donnie Darko. Que tipo de nome é esse? Parece nome de super-herói." E ele responde: "- Porque acha que eu não sou?”. Importante também é o que a professora em certa cena "a linha vital é dividida em dois pólos extremos: medo e amor.". E em uma conversa com a psicóloga ele afirma que "toda criatura viva na terra morre sozinha" que seu maior medo é estar sozinho.
Ao final, ele decide voltar no tempo e, em vez de sair do seu quarto no momento em que a turbina do avião o atinge, ele prefere ficar e se sacrificar para salvar ou poupar a vida de sua namorada, que morreu (ou morreria, no futuro) se o tivesse conhecido, num acidente envolvendo o homem vestido de coelho. Ele escolhe enfrentar o medo e opta pelo amor: prefere se sacrificar a viver com a culpa da morte da mulher que ama e da dor de viver sem ela, sozinho.
Retratos de Identificação
4.3 13Em tempos como os que agora vivemos, no qual a extrema direita, com todo o seu caráter reacionário, ganha força, e vemos tentativas de reescrever a história e manipular fatos por parte de grupos revisionistas, o trabalho da diretora Anita Leandro nesse filme se faz imprescindível.
Os reacionários dessaa direita (encabeçada por gente como Bolsonaro, Olavo de Carvalho, Leandro Narloch e Marco Antonio Villa) se esforçam em, por exemplo, elevar a Ditadura Militar à condição de "revolução democrática" e por colocar ditadores como Costa e Silva, Geisel, Médice, como heróis, ao passo que tentam vilanizar os grupos verdadeiramente revolucionários, taxa-los como terroristas e manchar a imagem de heróis como Lamarca e Mariguella. Nesse intuito, tentam comparar o torturador Ustra com revolucionários com os revolucionários citados.
Marighella e Lamarca não torturaram ninguém, nem desapareceram com nenhum corpo. Marighella e Lamarca não mataram porque essa era sua profissão, como Ustra. Marighella e Lamarca não eram funcionários do terror, como Ustra, não trabalhavam para a repressão, nem em prol da manutenção de um regime opressor. Marighella e Lamarca era homens comuns, que se tornaram revolucionários, que foram levados a pegar em armas por viver em um regime opressor e por decidir lutar contra essa opressão.
Ustra é lixo da história. Era um lacaio dos interesses do norte. Torturou, matou e sumiu com os corpos de guerriliheiros e militantes que lutavam contra a ditadura no Brasil, além de civis que apenas manifestavam discordancia com o regime repressor. Nunca lutou por nada. Apenas fazia o trabalho sujo em nome da manutenção de um status quo injusto. Praticava as violências mais sórdidas com a naturalidade de quem come um prato de macarrão. É como, no conceito proposto por Hannah Arendt no livro Eichman em Jerusalém", um funcionário do terror, para o qual o mal era uma mera formalidade, uma mera ação burocrática.
Em um regime de exceção, como foi a ditadura, as noções do que são crime e de qual é o papel da justiça são distorcidas em nome da defesa cega do regime e da repressão aos dissidentes. Terroristas foram os deputados que declararam a cadeira presidencial vazia quando Jango estava viajando. Terroristas eram os jornais da época que associavam Jango à uma ameaça comunista, quando ele não era.
Terrorista era a parcela branca, burguesa, conservadora, cristã e reacionária da sociedade que foi às ruas pedindo intervenção militar, em 64 e em 2015. Terrorista, por fim, foram os militares que tomaram o poder e instauraram o terror por 21 anos. Comparar Marighella (ou Lamarca, ou Che) com Ustra é prova de ignorância histórica, desonestidade intelectual e falha moral.
Não confudam a luta do oprimido, com a fúria do opressor. Não tentem igualar um revolucionário a um reacionário. O revolucionário luta pela liberdade, enquanto o reacionário se opõe vigorosamente à ela. Um revolucionário está disposto a sacrificar a própria vida em nome dela, enquanto o reacionário está diposto à sacrificar a vida de outros para não concede-la a ninguém.
Esse, portanto, é um importantíssimo documentário sobre a Ditadura Militar, baseado em documentos que ficaram décadas guardados em sigilo, e que foram abertos pella primeira vez após a criação da Comissão da Verdade. Eu tive a honra de comentar na semana passada, quando exibido no Cine Vila Rica, aqui em Ouro Preto, MG, e responder à perguntas da platéia, por ocasião da Mostra "Cinemas em Rede".
Hoje, dia 17 de Maio de 2016, a Embaixada brasileira em Paris cancelou a projeção de "Retratos de identificação", sob a alegação de que o filme trata de um "assunto espinhoso". A projeção, seguida de debate, estava prevista para 31 de maio, na Embaixada, havia sido organizada pela Associação Alter'Brasilis. Segundo os organizadores, o cancelamento da sessão foi feito por telefone, poucos dias após José Serra assumir o Ministério das Relações Exteriores, teve sua exibição suspensa sob a alegação de "tratar de assunto espinhoso". Onde vamos parar? Quando será decretado o próximo AI-5?
A Professora de Piano
4.0 686 Assista AgoraO cinema de Haneke se constrói invariavelmente sobre a exploração de dois temas: a violência e suas diferentes formas (física, verbal, simbólica, psicológica, cultural) e a oposição e o interno e o externo entendido como espaços ou lugares, nos quais essa violência toma forma.
Em A Professora de Piano, a violência aparece na relação destrutiva da protagonista Erika (na monumental atuação de Isabelle Huppert) com sua mãe (uma figura castradora contruída no molde freudiano clássico), dela consigo mesma, dela com seus alunos e, posteriormente, dela com o jovem Walter Klemmer.
O estudo de personagem que Haneke propõe com seu filme é a dissecação implacável de sua protagonista - e aí temos também um tipo de violência que, na exploração que ele faz do voyerismo do espectador que assiste tudo mais ou menos passivamente, é amplificada.
Erika é uma pessoa fria, dura, ríspida e aparentemente incapaz de demonstrar sentimentos como carinho, amor, afeto. O modo como lida com seus alunos, podando seus talentos em vez de fomentá-los, é o mesmo como - somos levados a concluir - sua mãe lidava com sua sexualidade no tempo em que ela entrava na puberdade: o talento alheio é proibido assim como a própria sexualidade.
Logo no início do filme e mãe interpela a filha criticando-a por dedicar seus talento à outras pessoas e adverte-a para que não permita que ninguém a supere ou suplante. Logo, do mesmo modo que a sexualidade da filha, para a mãe, era uma ameaça ao seu desejo de dominação e obsessivo controle; o desabrochar do talento dos alunos também coloca em risco a relação de submissão e o sentimento de inferiodade deles em relação à ela.
E a dureza, a frieza, a indiferença e austeridade demonstrados por Erika, ao longo do filme, vão se revelando como um muro construído por ela para esconder seus desejos mais obscuros. Desejos sexuais que, de tão reprimidos e violentados transmutaram-se em perversões - ao menos, é o como os moralista os definiriam, uma vez que os desejos sexuais fogem ao que o senso comum estabeleceu como "normal".
Com relutância é que Erika, ao poucos, permite que esse seja derrubado ou transposto pelas investidas de Klemmer: ele é o invasor, o elemento externo que adentra o ambiente interno que se quer a todo custo defender e manter incólume, tal qual os jovens sádicos que invadem a paz da família perfeita em Violência Gratuita (Funny Games, 1997 - 2007), ou o tempo, a velhice e o fim, elementos estranhos que invadem a casa (metáfora do amor e da relação construído ao longo de décadas) onde vive um casal de idosos em Amor (Amour, 2012).
A incapacidade de Klemmer em ama-la verdadeiramente, isto é, aceitando-a como ela é, com sua forma estranha de experimentar a sexualidade, em vez daquela figura idealizada que ele construiu, fere Erika mais do que todas a violências que ela tenha infligido a si mesma, ou que ela tenha sofrido de sua mãe. É então que Erika sofre uma violência que ela não pode suportar ou controlar, pois agente da dor é outro, em vez dela mesma.
Nenhuma dor se compara àquela de sermos rejeitados e desprezados por aqueles raros escolhidos aos quais, com temor e resistência, permitimos entrar em nosso cômodos mais secretos onde nossas feras inconfessáveis jazem aprisionadas.
Interestelar
4.3 5,7K Assista AgoraInterestelar tem sim suas qualidades. A cena em que o astronauta Cooper encontra-se dentro da projeção da 5ª dimensão, por exemplo, atrás da estante do quarto da filha, pode parecer absurda e inacreditável para leigos, mas para aqueles que entendem de Álgebra Linear sabem que a projeção de um "hipercubo" no espaço 3D seria muito próxima do retratado no filme, além do modo como o tempo se processa perto de grandes concentrações de massa, com a gravidade interferindo na sucessão cronológica, seja no passado ou no futuro. Para comprovar isso, basta verificar as equações da Relatividade Geral.
Porém, mesmo assim, pra mim, é o filme mais superestimado e pretensioso desse milênio. Apesar de andar com segurança por temas científicos complexos (são as qualidades mais sólidas do filme, seguidas dos efeitos e das atuações), mas derrapa quando o diretor resolve incorrer no tipo de pieguice exposto em frases como essa: "O amor é a única coisa que somos capazes de perceber que transcende dimensões de tempo e espaço. Talvez devêssemos confiar nisso, mesmo se ainda não entendemos".
Nesse ponto, onde roteiro e direção se sobressaem que os defeitos do filme se tornam tangíveis: e ao meu ver, eles são mais sólidos que suas qualidades. Além do mais, me incomoda sobremaneira essa mania (quase infantil) do diretor Christopher Nolan de explicar tudo no final. Aliás, nesse filmes, essa mania se faz sentir durante todo o filme.
Como, por exemplo, na cena em que o astronauta interpretado por Matthew McConaughey está pela primeira vez em sua vida na frente de um buraco negro e - à despeito de toda a admiração, estupefatez e perplexidade que acometeria qualquer ser humano - ele se põe a explicar de modo quase frio e calculista aquele fenômeno.
É como se Nolan se considerasse o grande e sábio cineasta, detentor das verdades, e como seu o expectador fosse incapaz de tirar suas próprias conclusões. Isso esvazia demasiadamente seus filmes, pois esgota suas possibilidades e fecha questões em vez de abri-las. Por isso, ao meu ver, Nolan nunca chegará aos pés de Kubrick ou Tarkovski e seu Interestellar está anos-luz atrás de 2001 ou de Solaris.
Spotlight - Segredos Revelados
4.1 1,7K Assista AgoraCURIOSIDADES:
Spotlight, vencedor do Oscar de Melhor Filme este ano, é tido como o novo Todos os Homens do Presidente, de Alan J. Pakula.
O filme de Pakula, que contava a história dos jornalistas que desvendaram o caso Watergate, que levou à renúncia de Richard Nixon, é do mesmo ano que Rocky, um Lutador, e ambos concorreram ao Oscar em 1977.
Enquanto Rock levou 3 prêmios (Filme, Diretor, Montagem), Todos os Homens do Presidente levou 4 (Melhor Ator Coadjuvante, Roteiro Adaptado, Direção de Arte e Mixagem de Som).
Em 2016 Silvester Stallone, que escreveu e protagonizou Rocky (pelo qual foi indicado ao Oscar de Melhor Ator) voltou a ser indicado pelo filme Creed (como coadjuvante), interpretando o mesmo personagem que o levou ao sucesso.
Nas categorias de atuação, o filme Spotlight recebeu 2 indicações, a Melhor Ator Coadjuvante (Mark Ruffalo) e Melhor Atriz Coadjuvante (Rachael McAdams). O mesmo aconteceu com o filme Todos os Homens do Presidente, que recebeu indicações a Melhor Ator Coadjuvante (Jason Robards) e Melhor Atriz Coadjuvante (Jane Alexander).
Stallone tinha como um dos concorrente um dos atores de Spotlight (Mal Ruffallo), que era o unico ator indicado pelo filme, assim como Todos os Homens do Presidente, que tinha em Jason Robards seu único ator concorrendo ao Oscar (mas ele acabou vencendo, ao contrário de Ruffalo).
Os Oito Odiados
4.1 2,4K Assista Agora"Eu não conheço aquele negro. Mas eu sei que ele é negro. E isso é tudo o que eu preciso saber."
"Porque é quando os negros estão com medo que os brancos estão seguros."
"Senhores, eu sei que os americanos não estão aptos para deixar uma coisa pequena como a rendição incondicional ficar no caminho de uma boa guerra."
"Homens negros contando o meu dinheiro! Eu odeio isso. O único tipo de pessoa que quero contando meu dinheiro são pequenos caras que usam quipás todos os dias."
"Quando o México envia seu povo, eles não enviam seu melhor [...] Eles estão enviando pessoas que têm muitos problemas. Eles estão mandando problemas para nós. Eles estão trazendo drogas, crimes e estupradores, e alguns deles são boas pessoas."
"Eu vou construir um grande muro - e, acredite, ninguém constrói muros melhor do que eu - e vou fazer isso de um jeito muito barato. Eu vou construir uma grande muralha em nossa fronteira sul, e vou fazer o México pagar por isso. Anote essas palavras."
"As pessoas que estão vindo para este país aos milhões, não aos milhares, aos milhões, e destruindo a estrutura do país. [...] Metade é criminosa; eles estão vindo por amor?"
"Olhe para o rosto dela. Será que alguém vai votar nela? Você pode imaginar que esse será o rosto do nosso próximo presidente? Quero dizer, ela é uma mulher, e eu não deveria dizer coisas ruins, mas na verdade, gente, fala sério..."
"Não importa o que a mídia escreva desde que você tenha uma bela e jovem bunda."
Todas as frases acima, certamente, poderiam ter saído da boca de algum personagem de algum filme de Quentin Tarantino. Em geral, eles são os piores tipos: não apenas criminosos violentos, mas indivíduos racistas, machistas, xenófobos e também ufanistas. Porém, exceto as 3 primeiras, todas as demais frases foram pensadas e proferidas por Donald Trump, atual pre-candidato à presidencia dos EUA.
Tendo esse fato em mente, o novo filme de Tarantino e todas as questões que ele levanta tornam-se ainda mais relavantes, e a importancia de assistir de debater o filme se firma como inequívoca.
O filme se passa alguns anos depois da Guerra Civil (ou de Secessão), quando os EUA se dividiu em dois lados rivais: o sul, formado pelos estados escravagitas, contra o norte, pró-abolição. O conflito teve inicio quando o estados do sul se uniram, formando os Estados Confederados da América, de declararam sua separação - ou secessão - em relação ao resto do país.
Os estados do sul possuíam economias baseadas no sistema das "plantations", que tinham como características o latifúndio (grandes propriedades de terra), o uso de mão-de-obra escrava, a monocultura (plantio de uma única cultura agrícola) de algodão ou cana-de-açúcar, e produção voltada para a exportação. Suas elites, as oligarquias rurais, viam no fim da escravidão uma grave ameaça ao seu sistema econômico e, consequentemente, aos seus lucros, uma vez que isso os levaria - obviamente - à necessidade de contratar trabalhadores assalariados.
Filmes como o superestimado E o Vento Levou (Gone with the Wind, 1939), se passam durante a Guerra de Secessão e seu olhar sobre esse evento histórico é inegavelmente saudosista em relação ao sul escravagista, retratando aquela sociedade como a ideal e mascarando o modo como, de fato, os negros eram tratados naquele contexto. Nesse filme, eles parecem felizes com sua condição de seres animalizados e privados de sua liberdade e mesmo essa condição de opressão é mostrado de modo romanceado e, portanto, desonesto. A despeito de suas inegaveis qualidades técnicas e dramaturgicas, é a ideologia e os valores que permeia o filme de Victor Flemming, que foi premiado com 10 Oscars, que depõem contra ele.
Já o filme de Tarantino é implacável e até mesmo intransigente ao expor, por meio de seus personagens, as mais execráveis facetas humanas. Durante as cercade 3 horas de duração, ofensas racistas, misóginas e xenofóbicas serão ditas aos quatro ventos pelos odiados e odiáveis personagens - que não são apenas 8, como o título sugere.
É o ex-general confederado que não faz questão alguma de esconder seu desprezo pelos negros; a placa no balcão do estabelecimento comercial dizendo que ali não é permitida a entrada de cães ou de mexicanos; ou a mulher, que ao ser interpelada por ter usado o termo "nigger" para se referir a um negro, responde que já usou palavras piores para isso.
Ao final das contas, veremos que as chagas e conflitos que o filme expõe, apesar de antigas, ainda permanecem vivas naquele país. E no frigir dos ovos, veremos que apesar do mundo ter mudado muito de lá pra cá, o ser humano - que cada um de nós somos - continua o mesmo.
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Cinco Graças
4.3 329 Assista AgoraSegundo o levantamento feito no Censo 2010, apesar da legislação federal considerar crime a relação sexual com menores de 14 anos (mesmo consentida, a relação é classificada como "estupro consensual"), no Brasil existem cerca de 47 mil meninas com idades de 10 a 14 anos que estão casadas.
Contudo, apesar dessa ser uma prática mais associada às regiões mais atrasadas em termos de acesso à informação e à serviços públicos básicos (como saúde e educação) e distantes dos centros urbanos, ela também tem acontecido nas áreas mais prósperas - e consequentemente mais desiguais - do país.
De acordo com uma estimativa do Unicef baseada em dados colhidos em 2011, o Brasil ocupa o 4º lugar no ranking mundial do total de mulheres casadas antes dos 15 anos. No mundo, seriam cerca de 877 mil mulheres com idades entre 20 e 24 anos que admitiram ter se casado antes dos 15 anos. Todavia, essa projeção não inclui, por ausência de dados, países como Líbia, Omã, Catar, China, Bahrein, Irã, Arábia Saudita, Turquia, Kuait, Tunísia, Emirados Árabes Unidos, Israel, entre outros.
A diferença entre esses matrimônios realizados no Brasil e os mostrados no filme da diretora Deniz Gamze Ergüven, é que no Brasil, não há o peso de tradições religiosas impondo casamento forçado à meninas menores de 16 anos com homens que elas desconhecem.
No Brasil, o grande fator é a existência de famílias ainda vivendo em situação de alta vulnerabilidade econômica e social, geralmente com uma quantidade de filhos que ultrapassa a média das taxas de natalidade e fecundidade registradas. Tudo isso - pobreza, baixa escolaridade, famílias numerosas, habitações precárias e que não oferecem conforto ou espaço - faz com que essas meninas procurem desde cedo uma meio de "escapar" e ter sua independencia e seu espaço. O casamento com homens mais velhos é, geralmente, o único meio que elas conhecem para alcançar esse objetivo.
Na situação retrada no filme, porém, o casamento, em vez de representar uma possibilidade de liberdade ou fuga, representa justamente o oposto, pois, ao serem forçadas a aceitar casamentos arranjados pela família com homens que elas nunca viram, as 5 "graças" terão justamente sua liberdade - ainda que limitada - proporcionada pelo fato não serem mulheres adultas, extinta, afinal, uma vez casadas, terão que assumir o papel de esposas, donas de casas e futuras mães, mesmo que só tenha 13 ou 16 anos.
No entanto, a opressão sofrida pela mulher dentro de uma sociedade machista e patriarcal é evidente e inegável, mesmo que se figure de modos distintos: onde a mulher não possui os mesmo direitos que os homens, a liberdade delas sempre estará nas mãos deles.
Enquanto em um país, existem meninas dispostas a sacrificar sua infancia e adolescencia e se entregar à uma relação com homens em um casamento ilegal, porque vislumbra nele o único meio de melhorar, mesmo que minimamente, sua situação; em outro temos meninas forçadas a sacrificar sua infancia e adolescencia e se entregar à uma relação com homens em um casamento legal, porque essa é a única maneira de lavar a honra - dos homens - da família.
Em suma, não é fácil ser mulher em um mundo - ainda majoritariamente - machista e patriarcal, especialmente se você for pobre e viver em um país subdesenvolvido, ou se você tiver nascido num país onde valores teocráticos ainda vigorem.
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Timbuktu
3.8 134 Assista AgoraA cenas que abrem e fecham o filme estabecelem estreito diálogo uma com a outra: primeiro, um antílope correndo entre os aburtos do deserto do Mali, sendo perseguido por jihadistas do Estado Islâmico em um jipe; depois, uma garota orfã, correndo pelas dunas, completamente sozinha e vulnerável.
O filme, assim, explicita um dos seus focos: a situação de extrema vulnerabilidade da mulher numa sociedade tribal de um país africano, que piora quando a região cai no controle de um grupo armado fanático muçulmano. O outro ponto no qual ele se foca é o quanto a vida dessas mulheres sempre está submetida aos interesses e ao controle dos homens - com ou sem a entrada do EI (ou ISIS) na região.
Mas, apesar do filme se focar nessa desigualdade relativa ao sexo, aos papeís de gênero e à opressão das mulheres por homens numa sociedade machista e patriarcalista, ele também toca outros pontos importantes: a intolerancia religiosa, nesse caso, do fundamentalista Islâmico com as outras crenças tradicionais africanas, que é mostrada numa das cenas iniciais, em que imagens de divindades africanas são metralhadas pelos jihadistas; e o conflito entre as diferentes interpretações dos preceitos próprio Islã, mostrada nas cenas em que um líder religioso local tanta argumentar com o líder dos jihadistas.
Num desses diálogos, ele diz: "Não me importo com a jihad dos outros Eu faço a jihad em mim mesmo. Não tenho tempo para a jihad dos outros. Se eu não estivesse tão envolvido com meu aperfeiçoamento moral, seria o primeio a segui-lo. Oro a Deus todo-poderoso na esperança de que ele perdoe a mim e a você. Que nos ajude a afastarmo-nos da vaidade e do orgulho. Pare. Você prejudica o Islã e os muçulmanos. Você coloca crianças em perigo diante de suas próprias mães."
Jihad é um conceito islâmico que significa "guerra santa", mas que tem sido interpretada de diferentes modos, pelos mais radicais e pelos mais moderados/tolerantes dentro do Islamismo. O filme é brilhante ao mostrar esse embate de visões não apenas de mundo, mas de visões opostas sobre Deus, fé e o papel que cada um tem no mundo e em relação aos demais e à sua fé e com seu Deus. Em consequencia, o quanto essas diferentes visões influenciam a vida de uma comunidade (especialmente das mulheres), quando assumidas por aqueles que detém o poder (geralmente os homens).
Além das questões políticas, ideológicas e filosóficas, o filme tem méritos sólidos no que tange à sua estética cinematográfica. Algumas cenas são de uma pungência e beleza incomuns: os garotos jogam futebol sem bola, a mulher que é condenada à 40 chibatadas porque foi flagrada cantando, a mulher que se recusa a vestir o chador e desfila com suas roupas coloridas e laços nos cabelos, rindo e desafiando os jihadistas.
Ambas a situações decorrentes da imposição da lei islâmica, a Sharia, àquela comunidade. Todavia, todas são cenas que expressam a coragem humana de enfrantar obstáculos, proibições e tabus e capturam com maestria a beleza a poesia desses atos heróicos de pessoas comuns e anônimas.
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O Quarto de Jack
4.4 3,3K Assista Agora"Tudo aquilo que o homem ignora, não existe pra ele. Por isso o universo de cada um, se resume no tamanho de seu saber." (Albert Einstein)
Jack é um menino de 5 anos que, desde nasceu, vive em um pequeno quarto com sua mãe. Nunca saiu dele, nem nunca viu nada além dele, exceto as imagens da televisão, que ele vê como irreais e não como compreende que sejam representações do mundo "lá fora". Para ele, o mundo todo é aquele quarto, com tudo o que ele encerra, e além dele há apenas um vácuo.
Jack não sabe que está ali porque sua mãe foi raptada há 7 anos atrás, que aquele quarto que para ele é tudo, para ela é o nada, é uma não-lugar: um cativeiro, uma prisão. Sua mãe, no entanto, ama Jack, mesmo ele sendo fruto de anos de abuso sexual (estupro) por parte de seu sequestrador, o qual Jack aprendeu a chamar apenas por Velho Nick, e do qual consegue ver, nas noites me que ele visita sua mãe, apenas detalhes por entre as frestas do guarda-roupas onde Jack é por ela colocado.
E o amor de mãe faz com que Ma - como ela é chamada por seu filho - faça de tudo para que esse pequeno e restrito quarto seja o melhor dos mundos para Jack, e lhe supra, ao menos o mínimo suficiente, as necessidades naturais de uma criança nessa idade, com toda a carga de curiosidade, agitação, variações de humor, perplexidade ante as novas decobertas, que ela traz consigo.
E a cada descoberta de Jack nesse mundo - e depois fora dele - nos fascinamos com ele e nos encantamos junto com ele: o que são, de verdade, as imagens na TV, pequenino rato morto, a folha seca na clarabóia, o dente de Ma, os fios elétricos, a grama molhada, as luzes, os prédios e carros, o cachorro, as novas pessoas, os brinquedos, os amigos... E a cada novo elemento que Jack inclui em seu mundo, maior eles - Jack e o mundo - se tornam.
É um filme sobre uma criança que, como no mito de Platão, sai da caverna na qual estivera cativa e vislumbra o mundo pela primeira vez e se deslumbra a cada nova descoberta. É uma uma criança que literalmente nasce novamente, saindo de uma espaço uterino dentro do qual a única presença além da sua era a própria mãe e no qual o pai era um intruso, um invasor.
Mas é também um filme sobre uma mulher que, ao conquistar a liberdade que por anos lhe fora negada, precisa enfrentar os olhares e recriminações alheios, sobre ela e sobre seu filho, como se eles não fossem a vítimas, como se de algum modo eles fossem culpados: ela, acusada por ter tido um filho com seu sequestrador e te-lo amado e mantido consigo o tempo todo; ele, por ser - como dito acima - ser o resultado de uma relação de abuso e violencia.
Um filme complicado, duro, marcante, mas que na direção humana de Lenny Abrahamson e nas atuações soberbas de Jacob Tremblay e Brie Larson consegue deleitar que assiste sem contudo suprimir o debate que a questões levantadas pelo filme sucitam. Um filme que nos deixa, ao mesmo tempo, com os olhos marejados, o coração enternecido e alma dilacerada.
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Amantes Eternos
3.8 782 Assista AgoraHistórias de vampiros e outros seres inumanos sempre foram usadas para expor e criticar o que nós humanos possuímos de mais essencial e os nosso piores defeitos: nossa indelével mortalidade e inevitável decreptude; nossa tendencia a nos destruirmos e também a destruirmos o que houver à nossa volta; nossa ridícula ilusão de poder e grandeza. Por meio desse casal de vampiros, Jarmusch, digamos, lança mão esses elementos, os recicla e faz um filme fascinante.
Adam é um vampiro entediado com a estupidez humana, que por séculos ele foi testemunha ocular. Está cansado de "viver" e de ver quão tolos são os homens, que ele ironicamente denomina "zumbis", certamente porque são mortos-vivos ambulantes, que seguem suas vidinhas ordinárias sem perceber o quanto são frágeis, o quanto são pasageiros, verdadeiros "cadáveres adiados".
Seus únicos heróis, os únicos homens dignos de sua admiração, foram cientista e pensadores que tentaram pensar além da mediocridade, além do senso-comum e da fé cega, mas que foram condenados, humilhados, negados ou mesmo mortos por esses "zumbis" ignorantes: Galileu, Newton, Darwin, Einstein... etc.
Eve, por sua vez, tem um amor à vida - se é isso pode ser dito sobre um ser que não está exatamente vivo - que a leva a deslumbrar-se constantemente frente à livros que lê ou relê, objetos antigos que toca, casais enamorados que contempla, entre outras efemeridades com as quais se defronta.
Em certo momento do filme ela diz para Adam que não é a primeira vez que ele entra nessas crises depressivas: "Nós já passamos por isso antes. Lembra? E você perdeu toda a verdadeira diversão: a Idade Média, os Tártaros, a Inquisição, as inundações, as pragas...". O que remete-nos ao outro diálogo, no começo do filme, entre ela e outro vampiro, mais velho, Marlowe (John Hurt), no qual ela pergunta se eles nunca irão revelar a verdade sobre serem vampiros, e o quão divertido seria ver o caos que isso causaria.
Logo, podemos depurar a partir dessa oposição entre os dois amantes atemporais que, enquanto ele é um romântico na acepção original da palavra, com toda a sua carga de melancolia, pessimismo e tragédia, ela é uma hedonista, que ama e anseia por o que de bom e prazeroso a vida pode lhe proporcionar. E como duas partícula subatômicas, uma negativa e outra positiva, elas se atraem exatamente proque se opõem e se complementam, e, mesmo separadas, estarão sempre conectadas de um modo que transcende o senso comum.
Ao final, o diretor nos mostra que esses vampiros não são tão inumanos assim, e que nós humanos, apesar de muitas vezes sermos os verdadeiros monstros, também somos capazes de iluminar, encantar e transcender a condição da matéria vil e efêmera: por meio do amor e da arte, tal qual na cantora que hipnotiza Adam num bar no Tanger, ou o casal de namorados que eles observam no final do filme.
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O Regresso
4.0 3,5K Assista AgoraO novo filme de Iñarritu conta a história de um homem que sobreviveu ao ataque de uma ursa, comeu fígado cru de bisão e dormiu na carcaça de uma cavalo... tudo para ganhar um maldito Oscar.
Um Homem Entre Gigantes
3.8 321 Assista AgoraEsse filme, pelo qual Will Smith injustamente não foi indicado ao Oscar de Melhor Ator (sua atuação é muito superior à caricatura vergonhosa feita por Eddie Redmayne em A Garota Dinamarquesa) é uma história fascinante, que, para aqueles que acreditam em ilusões como o "sonho americano", a "terra das oportunidades" ou "maior democracia do mundo", pode ser surpreendente.
O filme, contudo, segue uma fórmula que funciona: a dos filmes sobre o homem (ou a mulher) simples que desafia o sistema, é perseguido, oprimido, mas não desiste e no final acaba vencendo. É o caso de filmes sobre temas tão díspares com Norma Rae (Idem, 1979) sobre a formação de sindicatos nos EUA; ou Silkwood - O Retrato de uma Coragem (Silkwood, 1983), sobre as negligência na segurança em usinas nucleares nos EUA; Erin Brokovich (Idem, 2000), sobre a contaminação de reservas subterrâneas de água por indústrias químicas nos EUA; ou Clube de Compras Dallas (Dallas Buyers Club, 2013), que desvenda a corrupção nas indústria farmacêuticas nos EUA.
Em todos o filmes citados, os protagonista se verão envolvidos em uma luta contra grandes corporações para as quais o lucro está acima de tudo. O diferencial deste aqui é situar-se num universo que o cinema poucas vezes frequentou: do futebol americano. Quando o fez, no entanto, foi para exalta-lo, como em Campo dos Sonhos (Field of Dreams, 1989), e não para explicitar suas falhas e defeitos. E é isso que torna filme interessante e pertinente, mesmo para quem não é estadunidense e não faz a mínina ideia de como funciona esse esporte tão brutal e violento.
Acertadamente, o filme evita incorrer, durante sua narrativa, em pieguice e sentimentalismo barato - como é o caso de Sete Vidas (Seven Pounds, 2008) outro filme com Will Smith - muito embora, ele corra esse risco em quase todas as cenas em que retrata a vida familiar do protagonista (na qual o filme se detém mais do que deveria). Porém, apesar desses problemas, o filme termina de modo relativamente sóbrio, encerrando satisfatoriamente as questões levantadas.
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Aliança do Crime
3.4 408 Assista AgoraAs pessoas, em geral, são facilmente enganadas pela aparência. Não julgar o livro pela capa, é um dito popular que todos conhecem e empregam, mas pouco realmente colocam em prática. Quando o assunto é cinema e atuação, esse paradoxo pode ser percebido sem dificuldades: muitas vezes uma atuação baseada em elementos óbvios e explícitos (como maquiagem que transforme radicalmente o ator) são mais valorizados do que atuações intimistas, profundas e baseadas em elementos mais implícitos (como olhares, gestos, pausas, silêncios...).
Isso aconteceu, por exemplo, com o desempenho de Nicole Kidman em As Horas (The Hours, 2002). Neste Aliança do Crime (Black Mass, 2015), o efeito hipónitico causado pela transformação à qual Johny Depp se submeteu, acaba atraindo todas as atenções e ofuscando o personagem mais importante do filme: o ambicioso agente do FBI John Connolly (Joel Edgerton), cuja presença em cena é que dá impulso à trama e faz com que as questões importantes sejam levantadas.
E que questões são essas? Ora, o conflito latente entre lealdade e moralidade, entre interesse e dever, entre profissionalismo e relações afetivas, ou os tênues limites entre ambição e risco, pragmatismo e oportunismo, entre usar e ser usado. Com isso não quero dizer que o desempenho de Depp não seja digno de honras, pois o que ele faz nessse filme vai além da sua superfície bizarramente construída.
Porém, é o agente Connolly quem terá a vida girada 360º ao longo das cerca de 2 horas de filme, que transitando entre céu e inferno, terá sua honestidade colocada à prova e irá da doce ilusão de estar no comando do jogo à amarga verdade de ser apenas um peão no xadrez. Afinal, de Jimmy "Whitey" Bulger (Depp) não esperamos nenhuma transformação ou reviravolta, não duvidamos de sua moralidade pois desde os trailers sabemos que ela é mais que duvidosa. Dele, só esperamos o pior - e o pior é que nos deleitamos com isso.
Contudo tão importantes quando os olhares ameaçadores de Bulger, são os olhares ao mesmo tempo mesquinhos e ingênuos, confusos e temerosos, do agente Connolly. Enquanto Bulger era lobo e sabia disso, Connolly ele era o cordeiro em pele de lobo que se pensava um lobo em pele de cordeiro. E será em torno do processo pelo meio do qual esse cordeiro tolo se reconhecerá como tal, que se concentra o filme.
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Joy: O Nome do Sucesso
3.4 778 Assista AgoraDavid O. Russell, nesse seu 9º filme faz um amálgama de 2 narrativas muito comuns no cinema hollywoodiano: primeiramente a história da mulher simples, de classe média, trabalhadora, que depois de muita luta e - em certa medida - de confrontação de uma certo sistema ou status quo, supera-se e vence na vida; em segundo lugar, a história do "self-made-man" (nesse caso, uma self-made-woman), que sozinho e contrariando todas as expectativas, constrói para si um império.
O primeiro tipo de narrativa pode ser encontrado em filmes como Norma Rae (idem, 1979) e Erin Brokovich (idem, 2001), os quais, junto de Joy, guardam mais uma semelhança: os 3 tem o nome de suas protagonistas como título. Já o segundo exemplo é visível em filmes como o clássico Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941) ou os mais recentes Sangue Negro (There will be Blood, 2007) e A Rede Social (The Social Network, 2010). Com o clássico de Orson Welles o filme tenta estabelecer um diálogo ao apresentar, numa das cenas finais, o que seria a "rosebud" da protagonista: uma caixa com seus recortes de infância.
Mas apesar de Joy ter toda essa pretensão, ele infelizmente não cumpre com o que promete e possui defeitos sólidos: a edição comete um erro crasso quando, na transição entre suas cenas a mão da protagonista aparece enfaixada, sem que haja alguma explicação, para tal; a narração em off por parte da avó resulta mais despropositada que a de Joseph Gordon Levitt em A Travessia (The Walk, 2015); a tensão sexual insinuada entre Joy e Neil Walker, que termina sem ser resolvida; a tentativa de estabelecer uma metáfora entre Joy a cigarra, que soa um tanto forçada.
Apesar das falhas de roteiro e montagem, o filme tem no desempenho notável de seu elenco sua grande qualidade, afinal, a despeito de, no geral, ser um diretor superestimado, David O. Russell é ótimo para extrair o melhor de seus intérpretes - mesmo que, desde de O Lado Bom da Vida (Silver Linnings Playbook, 2012), eles formem uma certa "panelinha".
O Menino e o Mundo
4.3 735 Assista AgoraO filme é mudo, de traços simples - os traços de uma criança - mas sua eloquência é impar, sua mensagem ecoa e suas imagens penetram a alma e se fixam na memória.
E as questões que ele provoca são muitas: a crescente mecanização dos meios de produção; a desigualdade na distribuição (cada vez mais nas mão de poucos) e no uso (cada vez menos voltadas à satisfação das necessidades básicas da humanidade) das terras; o crescimento do latifúndio; o desemprego e a desvalorização da mão-de-obra humana; o êxodo rural (migração campo-cidade) e a consequente expansão das periferias (favelização); as desigualdades sociais; a concentração de renda; a incontrolável exploração dos recursos naturais até a exaustão de ecossistemas; a extinção de espécies; a poluição e degradação de solos, rios, mares, atmosfera; a alienação do trabalho no sistema capitalista; o consumismo; o onipresente marketing nos dizendo para comprar e comprar... enfim....
E o menino, após ver seu pai sair do campo (cujos solos estão improdutivos) para tentar conseguir emprego na cidade grande, decide ir atrás e, no caminho, se depara com diferentes situações e personagens, onde todos os problemas acima citados se apresentarão. Primeiro, numa propriedade rural, notadamente um latifundio monocultor que opera num sistema de agronegócio com estrutura tipicamente "fordista".
Em seguida, a matéria-prima (algo semelhante ao algodão) é levada para a indústria, onde é transformada em tecido. Novamente, vemos aqui temos a estrutura de produção fordista em uma linha de montagem típica, que pode remeter-nos à Tempos Modernos, de Chaplin, porém, retratada com mais amargura e menos humor - e isso não é um demérito.
Da indústria, os rolos de tecidos são transportados de navio, em numerosos contêineres, até cidades mais modernas e flutuantes, para as quais os navios e suas cargas são literalmente "abduzidos" e ali, num processo ultra-moderno, o tecido é transformado em roupas, embalado, e então retorna para as cidades hiper-populosas, poluídas e barulhentas, onde serão cobiçadas e consumidas à preços exorbitantes por aqueles que, à custa de salários baixos e horas de trabalho, participaram dos primeiros estágios de produção.
E o menino segue procurando seu pai e quando pensa tê-lo encontrado, depara-se com centenas de pais iguais aos dele, que chegam na cidade aos montes, todos, certamente, deixaram o campo pelas mesmas razões, assim como filhos e esposas. E meninos como o menino também são muitos: tanto o velho que puxa a carroça com seu cãozinho, quanto o jovem que trabalha na fábrica de tecidos e nas horas vagas é um artista mambembe, provavelmente já foram meninos cujos pais foram para cidade e nunca mais voltaram e, sem outra opção ou perspectiva, acabaram crescendo e seguindo o mesmo caminho.
Mas o filme aponta para um solução: ir contra o sistema, buscar modos alternativos de vida, de consumo, de relações sociais, trabalhistas e de modos de produção. A arte (a música, o desenho, o cinema) talvez seja o meio mais efetivo de nos re-conectarmos com nós mesmo, com a natureza e nos despir de todo excesso de artificialidade que mais danos que benefício tem proporcionado. Mas, para muitos, isso é mera ilusão, utopia. Já foram engolidos pela lógica brutal da acumulação e da exploração sem fim. Dentro deles, a Fênix da contestação já foi morta pela sombria águia do conformismo.
Trumbo: Lista Negra
3.9 375 Assista AgoraEsse não é só um ótimo filme, mas uma bela aula de história do cinema, que traz como pano de fundo uma mancha na história dos EUA e de Hollywood: o Macarthismo, ou a perseguição descabida e insana, por parte, inicialmente, de políticos conservadores, à diretores, roteiristas, atores e qualquer outra pessoa que tivesse envolvimento com o comunismo.
O filme conta com uma reconstituição de época impecável, que não se percebe apenas em cenários e figurinos, como também na escolha do elenco - afiadíssimo - composto de interpretes fisicamente muito parecidos com as figuras históricas que interpretam.
O desempenho de Cranston no papel do roterista combativo, polêmico e perseguido é irretocável e sem dúvidas o maior mérito do filme e - ao meu ver - a melhor atuação deste ano. Certamente irá perder o Oscar para Leonardo DiCaprio - cujo mérito é inequívoco, mas cuja atuação está um pouquinho abaixo desta aqui.
É comum traçar um paralelo entre a Inquisição, na Idade Média, àquela perseguição ocorrida em Hollywood no século passado. No entanto, é interessante notar o quanto a cegueira ideológica que levou àquela situação pode ser comparada ao que começa a se delinear na política nacional, com os insanos seguidores e apoiadores de gente como Bolsonaro e seu irracional e radical anti-comunismo, anti-petismo, anti-feminismo, anti-LGBT, entre outros grupos aos quais eles se opõem feéricamente.
Bom, deixando a seara política de lado, eis aqui uma lista dos principais personagens reais retratados no filme, seus respectivos intérpretes e uma brevíssima biografia de cada um:
Dalton Trumbo (Bryan Cranston), roteirista de filmes como A Princesa e o Plebeu (Roman Holiday, 1953) e Spartacus (Idem, 1960), duas vezes premiado com o Oscar, e diretor de Johnny vai à Guerra (Johnny got his Gunn, 1939).
Edward G. Robinson (Michael Stuhlbarg), ator que ficou conhecido especialmente por atuar em filmes Noir, como Pacto de Sangue (Double Indemnity, 1944).
Sam Wood (John Getz), diretor de filmes como Adeus Mr. Chips (Goodbye, Mr. Chips, 1939) e Por quem os Sinos Dobram (For Whom the Bell Tolls, 1943).
John Wayne (David James Elliott), ator famoso por atuar em faroestes, especialmente sob a direção do grande Joh Ford, soba direção do qual protagonizou aquele que é tido como o maior dos faroestes: Rastros de Ódio (The Searchers, 1956).
Kirk Douglas (Dean O'Gorman), ator famoso por filmes como A Montanha dos 7 Abutres (Ace in the Hole, 1952), Assim Estava Escrito (The Bad and the Beautiful, 1952) e Spartacus (Idem, 1960), e pai de Michael Douglas.
Louis B. Mayer (Richard Portnow), produtor de cinema conhecido como um dos fundadores do famoso estúdio de Hollywood MGM (Metro-Goldwyn-Mayer).
Hedda Hopper (Helen Mirren) atriz e famosa colunista de Hollywood, conhecida por ter o poder de destruir carreiras. Aparece no filme Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, 1950) interpretando a si mesma.
Otto Preminger (Christian Berkel) diretor de filmes como O Homem do Braço de Ouro (The Man with the Golden Arm, 1955), Anatomia de um Crime (Anatomy of a Murder, 1959) e Exodus (Idem, 1960).
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