É por causa de leituras (e exposições) rasas sobre George Orwell como esta, contida neste documentário, que muitas pessoas olham com péssimos olhos para as suas obras.
Eu não estava gostando no princípio, mas à medida que vai cadenciando o desenvolvimento de suas personagens, fica difícil não adentrar naquele universo feminino cheio de limitações, patriarcado e sonhos perdidos. O impressionante é que eu nunca, mas NUNCA mesmo, gostando mais ou gostando menos, passo indiferente aos filmes de Aïnouz. Que rombo no peito.
Um ode tarkovskysta aos heróis sem monumentos e de lápides apagadas.
É eloquente as comparações que Terrence Malick tem com Andrei Tarkovsky, o maior cineasta soviético depois da geração de Outubro (e o mais perseguido, também, pela burocracia da URSS). Desde a mulher sentada no banco diante à natureza, como em O Espelho (1975), o conflito entre razão e fé de Andrei Rublev (1966), ao esculpir do tempo como em Nostalgia (1983) e com o divino/imaterial/superestrutural, quase parmenidiano, de Solaris (1972).
Aconchegado em pouquíssimas salas do Brasil, de onde logo deve sair do cinema mainstream, Uma Vida Oculta é uma homenagem "aos pequenos atos de grandeza que salvaram a civilização da barbárie". Tantos feitos sem face, tantos heróis sem nome. Os plurais são sempre injustos, mas necessários para lembrar os indivíduos que moldaram a história ao seu prazer, beleza e fúria. Ao povo francês de 1879, aos operários bolcheviques do bairro de Vyborg em 17, aos pequenos atos de grandeza que aos poucos corroeram a besta nazista.
Cadenciado na narrativa fluída e filosófica que já conhecemos de Terrence Malick, temos a história de Franz J., um camponês "qualquer" que não torceu a sua fé (sobretudo na humanidade), utilizando as armas práticas e teóricas que tinha (ou seja, não fazer nada, o que logo se tornou fazer tudo; e a sua leitura particular da Bíblia), e nem a trair quaisquer dos seus princípios - que são desenvolvidos mediante a situação avança. Este talvez seja o valor mais alto fora do comércio que podemos encontrar em um homem ou numa mulher.
Mais uma vez, como em Além da Linha Vermelha (1998), a guerra atrapalha e escancara a aparente banalidade presente na vida de pessoas "comuns". Se antes, no seu terceiro longa em trinta anos(!), o combate entrava em conflito com um território ermo, agora este território ermo é jogado na guerra sem a presença de tiros e bombas, mas através da consciência coletiva, que se entregou completamente a uma ideologia reacionária e de extrema-direita, como o nazismo, em tempos de recuo e desilusão. "Não se estender diante do mal", como coloca Franz, de forma quase profética.
O sonho eisensteiniano de Franz, com a locomotiva macabra que engole tudo a sua volta, é apenas um dos momentos de brilho técnico deste filme de praticamente (e para alguns intermináveis) três horas. Para Malick, em um mundo onde todos já haviam cedido sem a necessidade de disparar uma bala, manter-se são é aquilo que nos faz combater este monstro de ferro e fumaça que não entendemos, que parecemos não poder vencê-lo, mas que sabemos que a sua própria grandeza e fúria é a fraqueza na qual lhe fará descarrilhar a qualquer momento.
Em oposição a filosofia linguística de Wittgenstein, nos embates teóricos do século XX, Heidegger apareceu como contraposição com a sua filosofia mais existencialista. Para a turma de Witt, a composição da pergunta "o que é a existência?" já seria por si só errada, acreditava-se que a própria existência, se fosse munida de significado, existiria para além dela mesma. Já para Heidegger e a sua tradição filosófica, o significado da existência deveria sim existir, ou a filosofia seria incompleta, só que, fundamentalmente, ela se expressaria para além do raciocínio e da linguística. Isso tudo serve como "uma chave", simplificando um pouco as coisas, para o cinema de Malick. Se o filósofo alemão percebeu, que a pergunta "o que é o ser?", não estava completamente explicada pela filosofia da qual bebia teoricamente, Malick pareceu sempre entender que o cinema ainda não nos deu tudo o que poderia dar, e por isso a sua narrativa é tão diferente, profunda e praticamente única. Por que fazemos o que fazemos? Por que somente um indivíduo, e que nem era o mais cristão de todos, nos alpes austríacos, não capitulou para o nazismo, enquanto o prefeito e todos os outros cidadãos sim?
Aliás, a construção de "Paraíso", sempre presente no cinema de Terrence, nunca foi tão terrena enquanto aqui desde o seu Days of Heaven (aquele filme que quase enlouqueceu os atores pela necessidade de se filmar na luz do sol poente). Esta aldeia numa distante Áustria parece o paraíso humano: não há cercas, não há intrigas, parece nem existir passado. Mas basta que o tecido da normalidade se rompa para que tudo desvaneça. É como o próprio Franz Jägerstätter (o sempre excelente August Diehl) questiona em certo momento: "Caíram as máscaras". A existência do nazifascismo, que cerca aquelas até então pacatas vidas, traz a tona o passado de Franz com a sua mãe (Karin Neuhäuser), que parecia resolvido e precisa fortalecer os laços da relação entre ele e Franziska (Valerie Pachner), para que se continue existindo.
A forma com que se utiliza a água para a passagem do tempo, como nas cachoeiras da montanha (como em Solaris); o ciclo da vida, em oposição aos problemas "humanos" ("a natureza não se importa para o que fazemos aqui"), por vezes colocada na passagem da água pelo cano de madeira que atravessa os fundos de uma casa (como em Nostalgia); e o molhar-se, como sentido de purificação/reflexão, como quando a chuva que cai sobre a menina enquanto o pai morre (o homem deitado sobre o rio em Stalker, 1979). Tudo isso, deve nos fazer lembrar que ao assistir um "cinema de autor", não assistimos assim, tão somente uma obra em separado, mas uma herança cultural de diversos outros grandes cineastas, dos quais eu também lembraria os soviéticos Larisa Shepitko e Dovjenko (aquele planos no trigo..).
Bastante superior, mesmo tecnicamente, em sua fotografia, e em desenvolvimento do material humano do que em 1917, do cada vez mais prepotente Sam Mendes. Uma Vida Oculta não ganhou sequer uma indicação ao Oscar de fotografia, pois bem. A briga com os estúdios começou em si, pela linguagem falada, que teimosamente teria que ter sido em alemão, mas o público (!), este que os grandes estúdios cada vez subestimam mais, não iria se interessar por uma obra falada em "língua estrangeira". Pois bem, não interessa. São temas universais. Assim como a imigração, que em 2020, e já há bastante tempo, começa a assolar a Europa. "E se os invasores forem os vilões e aqueles que defendem suas casas os heróis?", e Líbia, Afeganistão, Síria, Bósnia, Iraque, Sudão? Não há movimentação histórica que não coloque a ontologia contra o muro.
Em determinado momento, perguntaram-me como que num lugar histórico, como na Alemanha Nazista, existia processos "legais" como o de Jägerstätter. E mesmo o do porquê se preocupar com tal. Isto é, na realidade, um dos elementos por trás da confusão teórica em que entrou Hannah Arendt (da qual nunca saiu), que por diversos momentos colocava a individualidade acima da própria razão. Ora, um regime totalitário como o nazista era tão frágil, mas tão frágil, que precisava de suas demonstrações de força para existir. O próprio fato de uma simples negação colocar o regime em cheque e gerar tanta confusão, demonstra a sua fraqueza. Os processos jurídicos à lá Kafka que vemos hoje, em todas as principais repúblicas burguesas do mundo, são geralmente entendidos pela mídia mundial como "demonstrações de força e solidez" de tal aparato, quando na realidade não é bem assim. Basta lembrarmos do cuidado com que, tanto o stalinismo, quanto o nazismo, precisaram ter para consolidar legalmente a sua repressão. E também lembrar das dificuldades em que historiadores, pós-Holocausto, tiveram para provar o óbvio: de que ele havia acontecido. O cuidado técnico e jurídico, além dos marcos simbólicos para todo o lado, precisa existir e existiu no nazismo - e era extremamente burocrático. As cenas de inquéritos dão muito bem conta deste imenso debate, de um problema que nos segue até os dias de hoje: se há julgamento, então há justiça.
Um tema já tão batido como a Segunda Guerra, não se torna mais assustador por bombas caindo do céu e tanques derrubando casas, mas pela ação individual e coletiva que rompem qualquer solidariedade de classe, qualquer empatia humana. A compreensão e as respostas daquele mundo e dos "porquês", chocam a religião da aldeia com a realidade da política, da humanidade, etc. O refúgio católico, que teria todas as respostas sobre o homem, se mostra completamente frágil enquanto instituição ao dar uma saída para tudo o que se chocava ali. "Vou procurar um homem mais sábio que eu", este homem, perdido no altar mais alto da igreja, não é mais um sábio e sequer entende como o sino milenar de sua instituição vai ser derretido para virar balas. A prática é o critério da verdade, enquanto tal, e o que fazer quando a prática diverge completamente da "verdade"? As teorias colocadas em cheque, durante séculos em que aquela região ficou intocada, não resistem à problemas muito maiores do que as suas perguntas. "Não temos fiéis, temos admiradores", como coloca um pintor - a epistemologia dialética de tudo aquilo que demorou centenas de anos para se modificar, começa a ruir em questão de meses, ou menos. A questão é que não basta apenas compreender o mundo, mas como modificá-lo. Nem que para isso precisemos recorrer ao sacrifício individual de se estar isolado em uma cela, apegado ao que este mundo poderia ser, ou a qualquer outro que possa vir a existir, com os poucos momentos felizes em que nos resta nas lembranças, e erigir um severo, um incisivo e resoluto: "Não!". Este não, por si só, parece dizer tudo o que precisávamos saber sobre o que significa o Ser.
"Lutta per loro, Martin. Lutta per il socialismo!"
Rodado em 16mm, o que salta aos olhos neste belo filme italiano é Luca Marinelli, o ator realmente rouba todo o filme para a sua interpretação magnífica de um indivíduo em transe entre o individualismo burguês e o socialismo do proletariado. O filme foi bastante criticado nos festivais que passou por não desenvolver tanto a questão política, e realmente, foi uma crítica merecida. Agora, o resgate de arquivo feito pelo diretor Pietro Marcello é uma das coisas mais surpreendentemente lindas e bem trabalhadas que rodou no cinema em 2019.
Um bom documentário que não pareceu prever uma das maiores crises do PSTU após o racha que acontece por causa do afastamento da Dilma (e portanto, do PT) do poder. Há aqui muito carinho e amor por uma causa, e portanto, por um partido, que nos deve levar a ver adiante deste pequeno documentário e entender os elementos que ele já apresentava aos seus espectadores futuros: Por que deu errado? Porque evidentemente alguma coisa não saiu certa - e na minha opinião, a última fala do Valério é a que mais apresenta esta possibilidade de estudo e análise. Neste sentido, é um documento basilar para se entender e questionar o que é certo e o que é errado para se criar o Partido Mundial da Revolução Socialista.
Fernando Meirelles, o artista atrás da decupagem revolucionária de Cidade de Deus (2002), capitulou na hora de colocar o dedo na ferida. Não bastasse Bergoglio ser torcedor do San Lorenzo (credo!), antimarxista, dedurador de opositores aos militares argentinos e esconder o desaparecimento de crianças capturadas pelo regime argentino (1976-1983); ainda temos que aguentar duas horas de construção de um personagem carismático, ponderado e bondoso. A todo momento somos levados a acreditar que o cardeal não seria capaz de ferir uma borboleta, enquanto que o passado nazista de Bento XVI é citado rapidamente somente para não ficar mais vergonhoso.
Antes tivessem colocado o Terrence Malick para dirigir isto aqui, implodir a fé por dentro, fazer uns takes loucos para vermos uns padres perdidos se questionando de forma heiddegeriana pelo silêncio de deus, o mundo material em conflito com a superestrutura construída por décadas de capitalismo e feudalismo. Entrando no íntimo de seus pensamentos humanos, porque é isso o que estes senhores vestidos como drag's medievais são, afinal de contas, meros humanos em uma situação privilegiada de poder. De qualquer forma, concordo bastante com a análise de Otavio Aranha do PSTU sobre The Two Popes: aguentar tudo isso não é nada, a facada mesmo é ver o governo burguês da Dilma também canonizado no cinema. E colocar a antifascista Bella Ciao em coro católico.. Vossa Santidade!
O insuportável do Stephen King nunca quis admitir que uma das melhores adaptações cinematográficas de seus livros fora justamente O Iluminado, de 1980 (número da casa onde a garota Abra mora, para os mais atentos). Isso tudo porque o cineasta esvaziou ao máximo o seu tom adolescente de eventos de terror e deu um tom intimista e existencialista ao objeto. Nada contra os vícios do cinema e da literatura do horror, dos quais eu gosto bastante, agora, a prova viva de que há Artes e artes é este Doutor Sono.
Afinal, quantas seitas chatas já vimos em séries e filmes dos Estados Unidos como a que aparece aqui? A construção narrativa da seita é bem interessante no seu início, mas o seu desfecho é bastante decepcionante - é sempre ruim quando morrem personagens que nem sabíamos que estavam lá, a sua única função de morrer deve ser triste para os roteiristas. Eu diria que a ótima atuação da sueca Rebecca Fergunson fez parecer com que a seita fosse bem construída narrativamente, mas não, ela é exemplar daqueles produtos mais típicos e degenerados das obras produzidas nos Estados Unidos.
Pois bem, este tipo de excesso, de gordura material certamente não estariam em um filme de Kubrick, que enlouquecia os seus atores no seu perfeccionismo que quase sempre colheu bons frutos. Longe de canonizações (repudio ao stalinismo ~risos), dentre seus erros e acertos, Kubrick se diferenciava de cineastas comuns pelo seu grande respeito a sua obra (desde O Iluminado em 1980, até a sua morte em 1999, produziu apenas mais dois filmes). Um bom cinéfilo percebe no olhar uma cena produzida em seus mínimos detalhes, e uma cena gravada de forma enlatada e com o objetivo claro de agradar momentaneamente.
O que eu achei mais sarcástico, para Stephen King, é que o próprio diretor Flanagan adquire mais reverências ao filme de Kubrick do que a obra de King! E isso fica bastante perceptível ao final do filme. Com cenas que, aliás, ficam muito fora do tom de um filme que estava sabendo caminhar com as suas próprias pernas - precisava repetir tal e qual as cenas mais famosas do Iluminado? Não.
Este contexto todo faz com que Doutor Sono seja um filme mediano, isso se ele for analisado de forma solitária (como deve ser feito), porque se formos comparar com O Iluminado e aquele cenário único que fora criado, Doutor Sono desaparece enquanto filme. Analisado separadamente, é um filme interessante e com passagens marcantes - mas só. E ainda que saiba escapar de muitos vícios do cinema capitalista em essência dos Estados Unidos, cai em outros que dá dó (a caracterização da seita, personagens construídos sem mais nem menos etc).
O pior é que o filme tinha muito material para ser uma obra independente e forte, diversas cenas foram muito bem construídas, por sinal, só que o seu desfecho quis ser engessado demais, enquadrado demais em questões de gênero cinematográfico. Para piorar, dos que leram o livro, o próprio filme deixa para atrás questões importantíssimas que poderiam tanto melhorar a obra quanto piorá-la. Mas, pelo visto, para King, o problema mesmo é quando os cineastas melhoram a sua obra, e não quando a pioram; mas, de qualquer forma, sem ser levado mais a sério, pode ser um bom passatempo, quase como um X-Men em versão terror.
Apesar do seu tom humorístico, Kuryer não aborda questões simples: crescimento, relações pessoais, crises políticas internacionais etc. Filmado no início da restauração da decadente burocracia stalinista, capturou muito bem o espírito de seu tempo - e podemos dizer que em cada detalhe.
Degeneração da esquerda, restauração de um capitalismo que já deveria estar sepultado, a decadência social em cada esquina, crise das direções.. Pareço viver eternamente neste filme.
Magnificente filme sobre as relações humanas, daqueles que o cinema estadunidense só produz de década em década - mas que de certa forma, vem ganhando cada vez mais espaço nos assuntos abordados, de acordo com o que a realidade exige. Kramer vs. Kramer (1979), Paris, Texas (1984), American Beauty (1999), Eternal Sunshine of Spotless Mind (2004), Blue Valentine (2010) e Her (2013) comprovam isto.
Não é por acaso que Marriage Story nos lembra muito Cenas de um Casamento, de 1973, do mestre Bergman. A fotografia com tons de cores quentes suaves, os longos closes em faces que se desmoronam em lágrimas e os longos diálogos que nos transportam para diversos momentos vividos por aquele casal de personagens, constroem uma narrativa que nos leva até o último minuto de forma angustiada. Não sabemos para quem torcer, não se trata de um jogo, porque vidas - infelizmente ou não, não se podem ser jogadas. E um dos momentos mais eloquentes é justamente quando o casal começa a perceber que naquele jogo, os únicos derrotados eram eles mesmos.
Baumbach parece ter chegado no mais realístico e maduro de seu cinema até aqui, e a canção cantada Adam Driver nos últimos minutos de filme desponta nessa direção. A própria dialética estabelecida entre o início (terno), o desenvolvimento (em que tudo se confunde e vai ladeira abaixo) e o final (terno novamente, mas num sentido de síntese de tese e da antítese anteriores), deixam em evidência o quanto este roteiro foi bem elaborado.
Longe de mim fazer uma apologia a filmes que, depois de recentemente lançados, viram febre, são considerados obras-primas e depois rapidamente são esquecidos. Talvez não seja o filme perfeito que estão romantizando, mas passa longe de ser mais do mesmo.
- "Então me diga, senhor, o que a ciência marxista tem para nos ensinar sobre o amor? - "Bem, não vejo que haja nada neste sentido nas obras de Marx." - "Mas, digamos, por exemplo, que eu esteja apaixonado por uma mulher casada, e não consiga esconder isso, algo que me queima por dentro." - "Ora, se vamos começar a roubar a mulher dos outros, o que vão pensar do nosso Partido?" - "Mas que tipo de ciência é essa que não nos responde sobre questões tão relevantes"?
~ E há quem diga que os russos não têm senso de humor.
Quanta profundidade existe neste desenrolar calmo de Light Of My Life [que ainda não estreou no Brasil], aos poucos, Casey Affleck vai demonstrando que seus projetos estão muito além da sombra de seu passado (acusações) e de sua família (Ben).
De início arrastado, quase submerso no particular de um pai e de uma filha, de repente nos vemos atrelados naquela sociedade que Rosseau classificou como natural de selvageria. Sem mulheres, a sociedade parece perder o seu elo de sanidade, que acaba atirado nos ombros de uma criança de 11 anos. Como se torna difícil atingir aquilo que Kollontai definira como "mulher-individualidade" quando o que resta é sobreviver num mundo de homens bárbaros, quase como crianças carentes de amor, um amor possessivo e dantesco.
Mas essa cama de espinhos, que lembra a frase de Beauvoir de que basta a menor dúvida, a menor das crises no tecido social para que toda a "paz" feminina seja colocada em cheque, é apenas uma das camadas de Light Of.. A luta pela sobrevivência e a esperança em um futuro (ainda que estes estejam materialmente impossíveis de se tornarem concretos) são questões inerentes ao ser humano. Assim, os longos diálogos somados aos longos silêncios, que apavoraram tanto o público estado-unidense quanto brasileiro - ambos extremamente parecidos em sua burrice cinematográfica, são cortantes para quem entende o ritmo da película.
O que nos torna civilizados é muito tênue, como dissera Saint Just: "O que gera o bem comum é sempre terrível", ou ainda poderíamos somar Marx sobre Hegel: "O que querem aqueles que não querem Virtude e Horror? Certamente corrupção".
FERVE O SANGUE LATINO (Texto publicado originalmente em Cineplayers) _______________________ _______________________
Euclides da Cunha escrevera: “O sertanejo, é antes de tudo, um forte”. Esquecera de acrescentar: primeiro porque resiste e segundo, porque afronta. Não por acaso, na primeira cena, Mendonça já demonstra ser um herdeiro latino-americano de Kubrick: do espaço sideral pastiche, parte para a Terra, em seu 2001 nordestino, iremos aprender que ao sapiens, lhe parece faltar a “sapiência”.
Bacurau não é um filme comum, se o fosse, não teria despertado a ira deste atual governo. Busca o que há de mais radical no cinema internacional: de Sergio Leone a Tarantino, de Kubrick ao cinema boliviano de Jorge Sanjinés. Também evidencia, pelos lançamentos brasileiros em 2019, um país que parece querer encontrar a sua revolução. Não como ataque, mas por resistência - uma pena, mas que seja. Mais do que isso, Mendonça propõem um ode ao terror revolucionário (jacobino, bolchevique, guerrilhas, Lampião e Maria Bonita..), e por isso, não vê no sangue do inimigo uma barbárie, mas a libertação dos oprimidos. Exatamente por isso, como Leone, não esconde os pedaços humanos expostos ao solo seco do sol. A sua violência não é só física, mas simbólica (e no melhor nível cinematográfico). Reparem nos inúmeros caixões durante a sessão. Na primeira cena, um caminhão de água potável atropela dois caixões violentamente, acordando Teresa (Bárbara Colen), mas também demonstrando ao espectador, que acorda de um longo silêncio, que estamos adentrando às portas do inferno. Abre-se um mundo violento diante da tela, trágico e poeirento. Afinal, nada mais brasileiro do que um cadáver atirado num acidente banal numa autoestrada esburacada.
Do espaço sideral falso, ao estilo dos grandes filmes de invasão alienígena, como A Bolha Assassina (The Blob, 1958) ou A Ameaça Veio Do Espaço (It Came From Outer Space, 1953), começamos com uma negação, uma falsidade. Diferentemente dos filmes antigos, principalmente aos insanos da Guerra Fria, o perigo não vem de fora, não vem de longe, de cima, ele é e está aqui. A compreensão é de Platão e Sócrates: para se chegar ao verdadeiro, é preciso se afirmar o falso. O que é, só pode ser o que não é demonstrado que não é.
Diversos críticos de cinema, alguns pretensamente sérios, inclusive, viram no filme um ode aos votos dados aos petistas em 2018. Ora, nada é mais propositalmente ridículo do que isso, reduzindo a própria obra em si a uma votação forçada ao Estado burguês – que aparece em crise na distante Bacurau. O Museu Histórico da cidade, a partir daí, representa bem o que quero dizer: em primeiro lugar, os visitantes estrangeiros se negam, a pedido de uma habitante, a visitá-lo – obviamente. Irão conhecê-lo da pior forma, quase como uma negação da negação entre usurpação e relativização da história daquela região e da força de união de seus habitantes. Alguns destes estrangeiros, aliás, são nada menos do que brasileiros, que não conseguem entender o porquê de acabarem como alvos de bullyng de estado-unidenses. Como todos os traidores ao império yankee, estes provam o sabor do sangue e se viciam, até terminarem mortos. O monopólio da violência não pode fugir das mãos dos estrangeiros colonizadores, que precisam então, num ato de purificação própria, derramar o sangue de “seus aliados”. A tragédia da arrogância e prepotência sulista seca como água no calor nordestino, afinal de contas, quem nasce em Bacurau também é gente.
No Mad Max brasileiro, as classes estão bem vivas, a anarquia primitiva ainda não chegou ao desespero, o caos que Kleber propõem ao Brasil de “alguns anos”, com “execuções públicas às 14 horas” [todos devem ter visto na tv], parece afetar menos as cidades mais isoladas, logo, elas podem desaparecer. Para Karl Marx, o proletariado só poderia ser nacionalista se isto significasse derrubar a sua burguesia nacional, na ausência desta, são os cidadãos e cidadãs de Bacurau que decidem – inclusive se vão viver ou morrer. Não a burguesia, não os seus assassinos. Aí que o conflito Sul e Norte ganha uma preponderância engraçada, afinal, quem é realmente sulista e quem é realmente nordestino? Para o invasor imperialista, o “irmão do Norte”, somos todos sulistas; logo, insignificantes, logo, não faz diferença se morremos ou não. Isso é demonstrado quando o casal de motoqueiros não sobrevive cerca de 15 minutos na casa dos yankees. Não mais descendentes de alemães e italianos, como eles, mas macacos incivilizados a ser abatidos. A própria violência “branca” é mais gourmet, “que barbárie”, relata um dos assassinos estrangeiros ao provar daquilo que ele mesmo queria impôr às pessoas que ele nem sabe o nome. Neste futuro distópico, brasileiros são mortos por estado-unidenses, não por necessidades políticas, mas por diversão! Como caça. Quem irá elevar tudo isto ao patamar da política seremos nós mesmos, resistentes. Por muito menos na história, por situações de “desordem” e “caos”, já fomos abatidos diversas vezes. Basta se lembrar da Operação Condor, de El Salvador e do Chile de Pinochet.
Da apoteose catártica de uma diversão assassina, até mesmo com herança nazista (!), surge a síntese hegeliana do nordestino forte: o elemento post-Punk do Sertão que considera Che Guevara uma bicha. Lunga (Silvero Pereira – que na sua vida particular é travesti) é o bandido revolucionário brasileiro, o ser histórico que emerge com todas as suas contradições de acordo com a sua sociedade contraditória (como Hobsbawm traz em seu Bandidos). Renegado e distante, não sabemos o que ele e seus capangas faziam naquela fortaleza, e nem por qual motivo Pacote (Thomas Aquino) matava. Só podemos saber que a sociedade da região via com bons olhos os atos “incivilizados” de Pacote e Lunga. O que podemos pescar nas referências dadas, é que Lunga fora um ótimo escritor que abandonou a prosa pela violência direta, porque em todo coração revolucionário pulsa uma paixão ardente pela poesia e pela batalha.
Por isso é Lunga (que estampou durante semanas a revista Teorema, coberto de sangue e ódio) o personagem principal de Bacurau. Célebres atores, renomados internacionalmente como Sonia Braga e o alemão Udo Kier, tem o seu papel de destaque e o cumprem com função magistral, é claro. Mas a síntese da revolta (poética e armada), de quem sempre esteve preparado para aquele momento, está na ferramenta que é Lunga. Vejamos, a gente de Bacurau, que passa a detestar o prefeito Tony Jr. (Thardelly Lima) e todas as suas políticas populistas, como agente do parlamento burguês, e que agora precisa resistir ao elemento invasor, não mais se escondendo, mas atacando, encontra em Lunga e em seus capangas, a ferramenta política e prática dessa luta por sobrevivência – que ganha ares internacionalistas e globalizantes ao final do filme, informando que não parece parar por ali. E de forma muito interessante, descobrimos que essa ferramenta não se encontra só no presente, mas no passado: o Museu. Este, por si só, funciona como três elementos principais: (1) como desprezo pelos invasores de fora, como já citado; (2) como resistência, onde Lunga incarna a herança cangaceira e reduz a sangue os seus inimigos e (3) pelo desprezo a história dos de “baixo” aos de “cima”, quando o sangue do inimigo se torna monumento histórico e quando Tony Jr, ao entrar pela última vez na cidade, é recebido com baldes de água e restos humanos. Ou seja, no elemento (3) temos a negação direta do (1), agora são as classes baixas que rejeitam a rejeição dos opressores e fazem destes seus troféus.
Um personagem como Lunga só poderia sair da cabeça de um crítico de cinema, cinéfilo e cineasta como Kleber Mendonça Filho. Se este via nas grandes metrópoles urbanas, como Recife, componentes de tédio, melancolia e terror contido na luta de classes, como O Som Ao Redor (2012) e Aquarius (2016), é na rural e unida Bacurau onde tudo isso é esmiuçado e ganha contornos de “vamos ver”. Não foram poucos os que repararam que, na ameaça iminente, a população se refugia na sua história (Museu) e na escola (educação), dois elementos vistos como alvo pelo presidente Jair Bolsonaro. Também chama a atenção a ausência de um poder político, que também vem de fora na figura eleitoreira de Tony (vote 15 para melhorar de novo!), e na própria ausência de um local político, já que a igreja está abandonada e não se tem a presença de uma câmara de vereadores.
O que Juliano Dornelles e Kleber produziram, sinceramente, eu não via no cinema brasileiro desde 1969, em o Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, de Glauber Rocha. A pedagogia da violência, a estética da fome e a estética do sonho ganham aqui o seu mais fiel herdeiro. Ao mesmo tempo, elementos modernos invadem a cena, afinal, como não associar o carro de som de Tony Jr com o Urso para prefeito de Londres em Black Mirror? A estética quente do sertão nordestino, a figura santa e isolada que redime os problemas da população periférica através da violência (Antonio das Mortes em Lunga) e o avanço tecnológico, que em Glauber se dava através da expansão das autoestradas (refletindo um momento de industrialização pesada no país) se modifica em Bacurau, onde as estradas são sempre feias e esburacadas, já decrépitas. O capital volta a se concentrar nos países centrais. E a tecnologia se apresenta de forma invisível e quase divina (em sinais de Wifi e GPS). Temos aí uma mensagem clara e bastante triste: o Brasil de Glauber ainda é o Brasil de hoje (crianças com fome, escolas faltando infraestrutura e distribuição da miséria), com a diferença de que, mais uma vez, os nossos inimigos estão na frente. Nada mudou.
Bacurau certamente se encontra naquele patamar de filmes a que Slajov Žižek denomina de “a verdadeira esquerda cinematográfica”, diferentemente de Titanic (1998) e Reds (1981), onde o elemento romântico do casal e da falsa luta de classes encontra-se, a termos subjetivos lacanianos, perfumada. O romantismo, no sentido de casal homem-mulher, é praticamente nulo no texto, reduzido a um direto “Cê quer trepar?” entre Teresa e Pacote, na qual o espectador, juntamente com a menina na mesa, reagem com um sonoro: eeeita! Essa é a intensidade proposta ao texto do filme, sequer há tempo para o amor que não o revolucionário, ainda que intenso. Fico pensando o que os psicanalistas mais ousados, como Freud, Slavoj e Lacan, diriam da cena do casal sulista de motoqueiros, ao matarem dois cidadãos de Bacurau. Estes dois, aliás, servem como antítese do casal guiado pela violência justa e anti-opressora de Teresa e Pacote, matando por matar. Enfim, certamente diriam que a frieza e a incerteza com que matam evidenciaria os seus problemas sexuais, (lembre-se do momento em que ambos tiram a arma para o assassinato, é com hesitação e até mesmo vergonha, quase culpa), o confronto orgasmático da morte aparece depois com um vulgar arrependimento, “será?”, “deveríamos?”, “de que forma”.. Eu não ficaria surpreso se descobríssemos que alguém ali não era o parceiro de fato do outro e que tudo não passava de uma “escapadinha” do ambiente jurídico do poder legislativo/judiciário, uma “ação”. Aliás, como são curiosas as cenas de sexo aqui, e uma delas certamente evidencia que Kleber e Juliano sabem com o que estão lidando em mãos, através do coito pós-matança dos dois atiradores. Incrível como o assassinato político assusta menos do que o assassinato orgasmático! Essa é a fundamental contradição e crítica que somos levados a ter.
Ivana Bentes, crítica de cinema, levantou uma questão fundamental: “Se o Estado pode ter drones fatais que atiram para matar, não veremos em um futuro imediato um Rio de Janeiro pilotando drones de autodefesa e ataques?”. Lembro-me da leitura de Brown, analisando a política pós-moderna como “um sintoma de uma narrativa histórica rompida com a qual ainda não forjamos alternativas”, apesar das análises erradas deste para com o Estado e a democracia como tais, vejo que é exatamente este o momento em que vivemos. E é também curioso notar as diferenças que os atores e autores do filme trataram a política: Kleber disse que a interpretação de cada um é o que valia; Juliano que a cultura precisa ter um caráter político, refletir sobre a atualidade; Silvero Pereira foi a première do filme com um “Censura Não!” colado na boca e Sonia Braga, comentou que “Bacurau foi feito para que as pessoas voltem a conversar”(!!!). É como se estes não percebessem a amplitude da sua própria produção, ou no caso dos autores, percebem e preferem “não radicalizar”. Mas a pergunta de Ivana continua latente: como manter a tranquilidade em um Estado onde o governador do Rio de Janeiro, Witzel, fala em armar a população, mas diz que quem estiver armado na cabeça vai “levar na cabecinha”, qual a resposta a estes indivíduos poderosos e sanguinários contra a qual se encontramos indefesos e fragmentados?
A cena em que Tony Jr chega na cidade para receber os “vencedores”, depois do que deveria ser a chacina programada, evidencia um pouco isto, ao perceber a ira da população, o poder executivo tenta a todo custo se desvincular do braço miliciano do Estado que ousa o chamar pelo nome. “Não o conheço” é entoado pelo prefeito, “pare de gritar o meu nome”, na inexistência do braço violento do poder central, quem o toma agora são os próprios cidadãos, ainda que com uma certa piedade e finalidade simbólica. O velho alemão Michael, promete aos insurgentes antes de morrer que isso era só o começo [lembrando que nunca nos é apresentado a verdadeira situação do país e do mundo, e talvez os cidadãos ali nem saibam], mas não mais importa, o proletariado já mediu as suas forças e se viu fortalecido, tomaram o céu de assalto e não irão entregá-lo sem um potente e desgastante combate.
Quem já assistiu [ou leu, no contexto albanês] Abril Despedaçado, ou mesmo estudou um pouco a história do Nordeste, sabe que a tradição de colocar a camisa de um morto manchada de sangue no varal, ao vento, é muito significativa. Para além do luto, é um sinal de dívida pendente. Como não lembrar da mãe carioca que expôs, há alguns meses, a camisa suja de sangue com o símbolo do Rio de Janeiro ao mundo, após ter o seu filho de 14 anos assassinado por uma bala vinda da polícia enquanto caminhava à escola? Foi justamente essa a – pobreza – da crítica de Miguel Forlin, do Estadão, ao chamar Bacurau de “baixeza”, um “chamado às armas” sendo o “..exemplo do que há de mais reacionário e retrógrado no cinema brasileiro atual”.
Ora! Parece-me que Forlin não vê os lançamentos bombásticos e inúteis que o grande cinema nacional lança todos os anos com atrizes famosas, gastando em Paris, e atores medíocres passando-se de engraçados com as mesmas piadas de 10 anos atrás, travestidas de “piadas políticas”. O maluco ainda radicaliza fortemente ao colocar Bacurau como “uma linguagem muitas vezes televisiva”, falta-se aqui entender o que os críticos de cinema defensores dos exploradores burgueses entendem como televisão. A crítica, justamente idiossincrática, de Forlin, acusa Kleber e Juliano de produzirem uma película sem atmosfera! Isso mesmo, e ainda vai além ao acusar o filme mais atmosférico de 2019 de vazio, ao dizer que não se poderia falar dos norte-americanos [sic] e utilizar-se do gênero destes, que é o western! É eloquente que alguém receba em dinheiro para escrever isso e sequer vá para a seção de piadas infames.
Então sequer poderíamos fazer cinema, já que este foi inventados pelos franceses! Não poderíamos escrever em português, já que esta língua é a do colonizador! É cintilante que não apenas este, mas diversos outros “críticos de cinema” se utilizem desses argumentos rasos para enfraquecer determinado filme mediante a sua classe, os seus leitores e também para uma indicação ao Oscar estrangeiro. Mas é claro, como ganhar um Oscar falando mau dos imperialistas? A mentalidade é tão louca, que Forlin ainda ousa questionar sem perceber que indiretamente, responde a sua própria pergunta, ele questiona “Quem são os moradores de Bacurau? Pelo filme, não sabemos, pois só temos a imagem de homens e mulheres se reunindo para vencer uma guerra..”, ora, meu caro, homens e mulheres se reunindo para vencer uma guerra não diz nada sobre um povo? Sobre um contexto? Realmente, a união para esmagar uma guerra injusta não deve dizer nada sobre quaisquer homens, quaisquer mulheres. E ainda: “Quem são os estrangeiros? Também não sabemos, pois só vemos homens e mulheres se unindo para participar de um jogo doentio.” Gargalhadas e socos na mesa, o nosso jovem Feuerbach parece não compreender a sua negação da negação, detesta aqueles que decidem transformar o mundo, mesmo que pela arte. Ao responder a primeira pergunta na segunda, e a segunda na primeira, parece não entender que não importa quem são os estrangeiros e ao dizer que se trata de um jogo doentio, parece não entender que se trata de um jogo histórico, ainda que aqui se trate de um desmascaramento completo deste “game”. Ou a invasão do Iraque, da Bósnia, do Vietnã e do Afeganistão possuíam algo para além de um jogo doentio?
A melhor parte, é claro, reserva-se para a acusação de que Kleber e Juliano seriam irresponsáveis por querer que todos saíssem da sessão querendo iniciar uma revolução e combater o inimigo. Parabéns Forlin, porque é justamente essa a mensagem! Você entendeu, que do alto de seu escritório da imprensa burguesa, está do lado, se propõem a usura e defende o inimigo. É a crítica mais pedante que se pode fazer, acusar uma dupla de cineastas de fazer aquilo que eles justamente quiseram fazer. É como atirar na lata do lixo 519 anos de história, de resistência ao elemento estrangeiro (ou talvez devêssemos primeiro entender quem ele é..) e de crenças populares, como a aparição quase orixá de Dona Carmelita, a argumentum ad hominem aos filmes anteriores de Mendonça, que são muito bons por sinal –ao menos, bem melhores que as pseudo-críticas de alguns verborrágicos empolados. Chegou-se, mesmo, a condenar o filme como petista! Ora, estes realmente não entenderam os últimos 20 anos de Brasil, além de não entenderem nada de Bacurau. Não entendem, ou se fazem de tolos desentendidos, que o Partido dos Trabalhadores nos últimos anos serviu como uma engrenagem crucial para o apaziguamento da luta de classes. Este apaziguamento não mostra tranquilidade em momento algum na pequena cidade do interior nordestino, não seria surpresa se Tony Jr fosse um mero prefeito de PT, PSB ou PCdoB.
O ator alemão Udo Kier, que já trabalhou com Rainer Werner Fassbinder e Dario Argento, disse que ficara impressionado com o set do filme. “Tudo que estava em cena era parte daquele lugar”, disse. Também mostrou satisfação em trabalhar com dois cineastas brasileiros e que gostaria de trabalhar novamente, citara que em Cannes, muitos vêm e vão [é famosa entre os cinéfilos a questão da bolha cinematográfica do festival], sem dizer nada, mas que não era o caso deste filme da qual integrara. Chegou a dizer que talvez o seu personagem trabalhasse para o governo brasileiro, talvez apenas para o prefeito.. Teria diferença? São muitas questões não ditas, subjacentes, mas que ao mesmo tempo gritam na nossa cara que estão ali. E aí depende da experiência cinematográfica/política e mesmo da disposição para absorver. Bacurau é um filme de longas e múltiplas camadas – políticas, estéticas, referências cinematográficas e metafísicas, intangíveis, materiais, históricas, impalpáveis, etc.
O caixão de Dona Carmelita, que numa cena metafórica estremece e expectora água, assim como os caixões atropelados na estrada, cumpre a função de nos apresentar um mundo infernal que está por vir, mas também representa uma força contida, que vem de baixo e começa a transbordar. Não é normal que um caixão transborde água, assim como também não é normal, para aqueles que mandam no mundo, que os subordinados se organizem e partam para o enfrentamento. E quando isso acontece, mais e mais, aqueles personagens, assim como quaisquer personagens que na história enfrentaram os seus vilões, expurgaram os seus fantasmas, vão adquirindo uma força própria, num vórtice giratório de ganhos de força e mais força. A cena mais forte da película – se é que posso dizer isso, quando uma criança é assassinada brutalmente, e a sua mãe rasga o silêncio do sertão com um grito de dor, a mensagem fica cristalina: o povo, as massas, podem ser ludibriadas por muito tempo, podem ficar em monorritmia por décadas, mas não ousem derramar o sangue dos filhos da classe trabalhadora, não ousem tirar o futuro daqueles que já não o têm.
Porque Bacurau é justamente isto, uma reinvenção dos termos sinestésicos glauberianos e euclidianos deste Brasil permeado de classes populares que ousam resistir, ousam ganhar voz, e que irão para as armas se assim for preciso! E será. Mais do que arte, é um manifesto. Evoca Canudos de Antônio Conselheiro; Recife de Domingos José Martins; Marinaleda de Gordillo; a Palmares de tantos Zumbis; a Comuna de 1871 e tantas outras cidades-fortalezas do proletariado. Indo para além de uma simples diversão do spaghetti western e seus referenciais contra-plongée em planos abertos, o suor e o sangue do povo latino são levados a potência total. Se na minha sessão vibrávamos com as mortes dos inimigos, é porque o cinema brasileiro também anda fazendo o nosso sangue ferver, e as classes mais abastadas temem qualquer rebelião e atacam com voracidade, ainda que seja num filme. O rosto manchado de sangue e suor de Lunga - que estampou diversas revistas e jornais, das mais importantes de cinema no mundo, evoca o mito do forasteiro que protege os seus, do latino rebelde, que não cansa de reencarnar nas mais diversas figuras, ainda que agora tenha um curioso cabelo comprido e unhas pintadas. É isso, sabemos, acima de tudo, que se alguém precisar morrer, que seja para melhorar. E a quem não me entendeu.. haha, não perde por esperar.
Um dos filmes mais potentes de Gus Van Sant (Gênio Indomável - um dos meus filmes favoritos de sempre, Elefante e Milk: A Voz da Igualdade), o que por si só já não é pouca coisa. Filmado em 1991, a União Soviética implodia por dentro; mas do outro lado do mundo, o capitalismo não dava uma resposta positiva ao futuro: a moralidade cristã, a essência dos indivíduos, a economia e a estabilidade financeira.. Tudo montanha abaixo.
Coitados dos pseudo-marxistas que ainda defendem a legalização da prostituição, essência do capitalismo predatório que transforma o amor e os indivíduos em mercadoria - ainda mais diretamente.
River Phoenix, ator principal, morreria 3 anos depois com apenas 23 anos. Mais ou menos da mesma forma como morre no filme, fechando a tumba de toda uma geração de sonhadores. O que nem todos sabem é que ele era um dos irmãos mais velhos de Joaquin Phoenix (Coringa, Gladiador e Her), sem dúvidas, o maior ator do século XXI.
O que poucas pessoas sabem, menos ainda, é que River teve uma amizade muito bonita com Milton Nascimento, cantor brasileiro que ficou espantado com as atuações do menino. Ao conhece-lo através do cinema, Milton decidiu escrever uma carta, que virou poema, e que claro, virou música. Uma de suas mais belas e desconhecidas. Acho que ela tem tudo a ver com My Own Private Idaho, também. A letra é esta aqui:
"Se um dia A gente se encontrar E eu confessar Que vi um filme Tantas vezes Para desvendar Os olhos teus E se a gente Se falar Contar as coisas que viveu O que esperamos do amanhã Será que pode acontecer? Pois paralelo ao personagem Eu quis saber, mesmo É de ti
Queria que fosses feliz Uma água calma inundar A sua margem de carinho
Um peito aberto A quem chegar Com o teu nome Diferente Uma paisagem nos induz Uma paisagem de inocência Mas que se sabe E que conduz
Conduz agora este momento, O pensamento e os olhos meus Brilhando de emoção e grato Alguém que só te conheceu Num filme que viu tantas vezes
A cena da lã (vermelha, cor do amor) que separa o casal no mar, onde a moça diz: "Não tive tempo para terminar", não é sobre a costura, mas sobre o sentimento incompleto.
Um crítico estado-unidense teria dito para o outro, numa exibição na Europa: "Trata-se de uma puta poesia! Uma puta poesia, não é um filme!" Ao que seu colega respondeu: "A pior das poesias, a que lhe arranca o coração do peito."
Desde A Queda de Ruy Guerra, em 1976, eu não via um filme mostrar de forma tão crua o que é a classe operária brasileira e o quanto a extração da mais-valia desumaniza o ser humano enquanto ser social. Marx estaria orgulhoso - do trabalho de Marcelo, e não da situação em que ainda se encontra a sociedade global.
Tive o orgulho de dizer na frente de Marcelo Gomes (o artesão atrás de Cinema, Aspirina e Urubus/Viajo porque preciso, volto por que te amo) o quão relevante será este pseu-documentário na nossa nova época de ataques aos trabalhadores.
O cinema português hoje (ao lado do romeno e do iraniano) é sem dúvidas um dos mais frescos do mundo: empolgante, original, sarcástico, inovador, perspicaz, emocionante e particular.
Quase faz todo mundo chorar com uma pseudo biografia do Cristiano Ronaldo! Não pode ser pouca coisa.
Um dos filmes mais difíceis de dar uma nota dos quais eu já assisti, chega a enjoar, dar uma ânsia de vômito por tanto sangue e pedaços humanos misturados naquela água suja dos porões da CHEKA. E pelo mesmo momento em que exagera em algumas situações, como a da empregada, é cruel e cínico em mostrar fuzilamentos a todo minuto, a te acostumar aquela selvageria, que as gerações futuras ainda se dividem em dizer se foram necessárias ou não.
O seu final, um tanto eugenista, esfacela um pouco aquilo que foi tão bem construído: nos escombros do capitalismo, na periferia árabe, todos os males do século XXI - abandono, solidão, miséria, esquecimento e muita, muita luta por sobrevivência.
Depois desta absurda e coerente análise de Jessica Kiang, da revista de cinema e entretenimento criada em 1905, a Variety, eu tentarei fazer uma escrita, no mínimo, igual a sua brilhante colocação, ela formulou: “...Uma das forças mais sutis de Never Look Away é a evocação de uma população derrotada na Guerra que não experimentou o comunismo como revolução, mas como uma substituição. As insígnias e os catecismos mudaram, mas as atitudes subjacentes permaneceram grotescamente semelhantes em sua priorização insensível do dogma sobre a decência."
Nunca Deixe de Lembrar é uma obra arrasadora de um país que não se encontrou em momento algum no século XX. Errado seria pensar que depois da reunificação, tudo ficou esquecido e todos os problemas desapareceram. Filmes sobre o neonazismo como o recente Kriegerin (2011), passado na Alemanha, mostram como dezenas de jovens ainda se sentem acolhidos e representados pelas ideias de Adolf Hitler, esquecidos – ou não – pela democracia liberal em vigência na atual Alemanha, estes vagam para lá e para cá, atrás de judeus, negros e estrangeiros. Agem de forma violenta, mas também bastante desordenada, sem programa nenhum (que bom).
É muito satisfatório saber que Florian Henckel von Donnersmarck voltou a filmar na Alemanha e sobre um assunto que pouco os alemães decidiram explorar nas artes (se comparado ao nazismo, é quase nada), isto é, a Alemanha Oriental. Os três principais são Goodbye, Lenin! (2003) de Wolfgang Becker; Der Baader Meinhof Komplex (2008) de Uli Edel e o mais aclamado pela crítica, Das Leben des Aderen (2006) do próprio Donnersmarck, inclusive vencedor do Oscar estrangeiro. Mas qual é a diferença fundamental entre estes três primeiros filmes e o mais recente Werk Ohne Autor, isto é, de nome estrangeiro Never Look Away?¹ Todos estes analisam a história da Alemanha, ou uma fração dela, no século XX (pós a Alemanha Nazista, e isto é fundamental). Mas apenas aqui que von Donnersmarck faz uma ligação direta entre o passado nazista e o “presente” comunista, em todos os outros, a burocracia estalinista já estava lá, aprontando das suas. Sim, como Jessica Kiang pontuou lá em cima no texto, da qual citei com louvação, a Alemanha Oriental/Comunista era nada mais do que uma potência vencida, que experimentava o comunismo russo como uma substituição a república racista de Hitler. Isso não tinha como dar certo, parece nos dizer o autor, lá pelos 25 minutos de filme, quando ocorre a transição.
Cena simbólica para isso é quando o ex-médico nazista salva o filho prematuro de um militar do exército vermelho, de um parto que tinha tudo para dar errado. O Professor Doutor Carl Seeband (Sebastian Koch) mostra o seu serviço salvando essa criança russa em solo alemão – vejam bem!, e este militar soviético, ao invés de fazer a retalhação prevista para o médico (que havia matado pessoas “impuras”, “problemáticas” e degeneradas, como os nazistas gostavam de classificar), decide por salvá-lo: “Quem salva uma vida, salva o mundo todo”, ignorando todo o passado sombrio do Professor Doutor. É, é exatamente isso que você leitor pode estar pensando. A nova Alemanha, mesmo ocupada pelos russos, não enterrava de vez o seu passado sombrio, pelo contrário, trazia ele de volta, como uma perfumaria que talvez não fosse tão pesada como pensassem. Eixo do filme, da transição entre nazismo e comunismo, essa forma de representar o nascimento da República Democrática Alemã (DDR/RDA em português) é esplêndido.
Disso, cresce o pequeno Kurt Barnert (Tom Schilling), e de uma hora para outra, este que via sob o olhar desviado de uma inocente criança, o nazismo florescer e se enraizar na sua cidade de Dresden e perturbar a mente de sua amada prima; começa a estudar e trabalhar em uma outra Dresden, daquela que pinta em vermelho e branco em letras expressivas: O Comunismo É Para Todos e não mais “Alemanha acima de todos”. Uma loucura histórica que parece não afetar o jovem pintor, pelo menos não até os seus 30 anos, mas que soa como uma aberração aos espectador mais atento as mudanças de cenário. Apesar de alguns saltos de uma passagem histórica para outra e de um final um tanto apressado (afinal, assim, o filme já completara mais de 180 minutos), que acabam por destoar um pouco de um filme bem construído, as passagens são bem construídas e os eixos temáticos mudam de forma sensível.
Após ingressar numa escola de vanguarda na Alemanha Ocidental, no satírico-pop “realismo capitalista”, Kurt acaba por se desconstruir como pintor (embora isso não fique tão claro enquanto pessoa/personagem), colocando para atrás tudo aquilo que havia pintado – representado nas cenas de seu professor sendo preso por apoiar o nazismo e ser um pedófilo e quando sua pintura na parede é tapada por tinta branca.
Levemente inspirado na vida do pintor alemão Gerhard Richter, que – como no filme – negava qualquer relação pessoal com as obras, o que levava os críticos mais próximos a ele, e mais investigativos também, a quase uma loucura. Daí surge o termo em alemão: Werk Ohne Autor (Uma Obra sem Autor), principalmente pela sua fase de pinturas nos anos 1968 em diante, isto é, praticamente pintando fotografias. Richter chegou a polemizar bastante, fez retratos do grupo alemão terrorista armado pelo comunismo, os Baader-Meinhof e mais adianta, começou a fazer uma arte completamente abstrata, que foi, e é, curiosamente, a sua fase mais famosa internacionalmente nas pinturas, que acaba por não ficar representada no filme.
Sobre a história entre o pintor e a sua tia, que morre enquanto ele era pequeno, da qual não irei revelar mais detalhes para não soar como 'spoiler' aos que ainda não assistiram (provavelmente a maioria que lerá este texto), ela é sim, verdade. O que pode tornar tudo ainda mais dramático para quem assiste, inclusive para o próprio Gerhard.
Sua trilha sonora é magnificante, imponente e te leva a sentir cada desejo, cada traço na pintura, cada pincelada que o autor dá. Não por acaso, Gerhard Richter, o pintor verdadeiro, não quis assistir ao filme, por considerá-lo doloroso demais para ele; aliás, este tinha demasiadas discordâncias com o diretor Donnesmarck de sequer realizar o filme! Suas entrevistas, entre pintor e diretor, apesar de não reveladas² oficialmente, fato do qual Donnesmarck já se envolveu em escandâ-los no anterior A Vida Dos Outros (2006), já citado vencedor do Oscar, revelam o quanto este filme é grandioso. Apesar de sua face artesanal, isto é, um pintor, um romance e algumas tragédias, não é por pouco caso que muitos críticos internacionais³ o chamaram de obra-prima do século XXI. Embora tenha ficado apagado no circuito brasileiro de filmes, para variar e porque claro, temos que comer os enlatados psicóticos tipos Vingadores todo ano, invadindo cada sala de cinema nos cantos das metrópoles, tem muita bala no arsenal para se tornar um grande filme visto pelos brasileiros.
Não por coincidência, muitos críticos o compararam a David Lean (em que muitos filmes aparentemente “pequenos”, pela sua produção e estória, acabavam com uma duração e uma força artística gigantes), por sua magnitude e pelo seu tempo de duração. Além, é claro, da força de personagens como as duas mulheres da vida de Kurt, Ellie (Paula Beer) e Elisabeth May, sua tia (Saskia Rosendahl). Ou melhor, quem sabe, este sendo o homem na vida dessas mulheres. Estas, aliás, estão menos apagadas no filme do que aparenta. Um filme sobre homens pintando e brigando (na arte e na guerra) nunca foi tão feminino. Não bastasse a história da Alemanha ser representado pelo parto sofrido de uma mulher que nem tem o seu nome comentado e das pinturas de Kurt se resumirem às mulheres que na sua vida marcaram presença, é quando a sua arte alcança aquilo que ele define como o EU (Ich, ich, ich..), que seu filho com Ellie, então estéril, realmente nasce. O nascimento e a morte permeiam a vida de Kurt assim como permeia a vida dessa pátria tão sofrida.
Apesar de não ter vivido a Guerra como soldado e não ter perdido nada diretamente (como muitos outros que passam por seu caminho realmente perderam), ele a sua geração sofreram as consequências diretas desse conflito. Não na pele, mas na memória. O intervalo de construção de uma “ex”-sociedade nazista para uma futura sociedade comunista/capitalista foi tão curto que não extirpou a violência e a malevolência implícitas naqueles alemães – e talvez nem tivesse como. Na mensagem deixada no final (e é importante aqui que se entenda o início do filme, onde o Kurt pequeno e a sua tia passeiam por aquilo que os nazistas consideravam como “arte degenerada”), onde o repórter e o câmera decidem não filmar numa tela pintada por Kurt (por conter uma mulher nua) e nem em outra (por conter um soldado que aparenta ser um nazista); além de ser engraçada, demonstra fortemente o quanto qualquer nação, qualquer pessoa, qualquer arte que seja feita, é construído e reconstruído com aqueles fantasmas do passado. Desde já, um de meus filmes favoritos.
¹ No momento em que escrevi essa crítica, não havia tradução oficial no Brasil para o filme, decidi por uma tradução do nome internacional: Nunca Deixe de Lembrar, mas bem poderia ser Trabalho Sem Autor. ² Ou ao menos pensamos que não foram reveladas, já que muitos fatos que o pintor não queria exposto no filme acabaram saindo e de forma mais direta impossível. ³ O famoso cineasta William Friedkin, de Operação França, O Exorcista e Killer Joe, chamou-o de “melhor filme que eu já vi”.
Pequeno e potente, assim eu defino este filme bastante simples com apenas 2 atores. Fotografia bastante delicada, terror trash e história medieval. Não cai em lugares comuns sobre o tema: pelo contrário, mostra como o período foi altamente cruel, misterioso, violento e sombrio.
Há muitos filmes que torram dinheiro por aí com ambientações e celebridades que não são nem a metade do que este é.
Possui algumas bizarrices, como a Lua parecer uma caverna ou um foguete pousar na terra de paraquedas. Mas contando que se trata de 1935, na repressão stalinista e que em 2018 muitos fulanos dizem por aí que a Terra é plana, é uma grande obra de ficção.
Ícaro
4.0 126 Assista AgoraÉ por causa de leituras (e exposições) rasas sobre George Orwell como esta, contida neste documentário, que muitas pessoas olham com péssimos olhos para as suas obras.
A Vida Invisível
4.3 645Eu não estava gostando no princípio, mas à medida que vai cadenciando o desenvolvimento de suas personagens, fica difícil não adentrar naquele universo feminino cheio de limitações, patriarcado e sonhos perdidos. O impressionante é que eu nunca, mas NUNCA mesmo, gostando mais ou gostando menos, passo indiferente aos filmes de Aïnouz. Que rombo no peito.
Uma Vida Oculta
3.9 154Um ode tarkovskysta aos heróis sem monumentos e de lápides apagadas.
É eloquente as comparações que Terrence Malick tem com Andrei Tarkovsky, o maior cineasta soviético depois da geração de Outubro (e o mais perseguido, também, pela burocracia da URSS). Desde a mulher sentada no banco diante à natureza, como em O Espelho (1975), o conflito entre razão e fé de Andrei Rublev (1966), ao esculpir do tempo como em Nostalgia (1983) e com o divino/imaterial/superestrutural, quase parmenidiano, de Solaris (1972).
Aconchegado em pouquíssimas salas do Brasil, de onde logo deve sair do cinema mainstream, Uma Vida Oculta é uma homenagem "aos pequenos atos de grandeza que salvaram a civilização da barbárie". Tantos feitos sem face, tantos heróis sem nome. Os plurais são sempre injustos, mas necessários para lembrar os indivíduos que moldaram a história ao seu prazer, beleza e fúria. Ao povo francês de 1879, aos operários bolcheviques do bairro de Vyborg em 17, aos pequenos atos de grandeza que aos poucos corroeram a besta nazista.
Cadenciado na narrativa fluída e filosófica que já conhecemos de Terrence Malick, temos a história de Franz J., um camponês "qualquer" que não torceu a sua fé (sobretudo na humanidade), utilizando as armas práticas e teóricas que tinha (ou seja, não fazer nada, o que logo se tornou fazer tudo; e a sua leitura particular da Bíblia), e nem a trair quaisquer dos seus princípios - que são desenvolvidos mediante a situação avança. Este talvez seja o valor mais alto fora do comércio que podemos encontrar em um homem ou numa mulher.
Mais uma vez, como em Além da Linha Vermelha (1998), a guerra atrapalha e escancara a aparente banalidade presente na vida de pessoas "comuns". Se antes, no seu terceiro longa em trinta anos(!), o combate entrava em conflito com um território ermo, agora este território ermo é jogado na guerra sem a presença de tiros e bombas, mas através da consciência coletiva, que se entregou completamente a uma ideologia reacionária e de extrema-direita, como o nazismo, em tempos de recuo e desilusão. "Não se estender diante do mal", como coloca Franz, de forma quase profética.
O sonho eisensteiniano de Franz, com a locomotiva macabra que engole tudo a sua volta, é apenas um dos momentos de brilho técnico deste filme de praticamente (e para alguns intermináveis) três horas. Para Malick, em um mundo onde todos já haviam cedido sem a necessidade de disparar uma bala, manter-se são é aquilo que nos faz combater este monstro de ferro e fumaça que não entendemos, que parecemos não poder vencê-lo, mas que sabemos que a sua própria grandeza e fúria é a fraqueza na qual lhe fará descarrilhar a qualquer momento.
Em oposição a filosofia linguística de Wittgenstein, nos embates teóricos do século XX, Heidegger apareceu como contraposição com a sua filosofia mais existencialista. Para a turma de Witt, a composição da pergunta "o que é a existência?" já seria por si só errada, acreditava-se que a própria existência, se fosse munida de significado, existiria para além dela mesma. Já para Heidegger e a sua tradição filosófica, o significado da existência deveria sim existir, ou a filosofia seria incompleta, só que, fundamentalmente, ela se expressaria para além do raciocínio e da linguística. Isso tudo serve como "uma chave", simplificando um pouco as coisas, para o cinema de Malick. Se o filósofo alemão percebeu, que a pergunta "o que é o ser?", não estava completamente explicada pela filosofia da qual bebia teoricamente, Malick pareceu sempre entender que o cinema ainda não nos deu tudo o que poderia dar, e por isso a sua narrativa é tão diferente, profunda e praticamente única. Por que fazemos o que fazemos? Por que somente um indivíduo, e que nem era o mais cristão de todos, nos alpes austríacos, não capitulou para o nazismo, enquanto o prefeito e todos os outros cidadãos sim?
Aliás, a construção de "Paraíso", sempre presente no cinema de Terrence, nunca foi tão terrena enquanto aqui desde o seu Days of Heaven (aquele filme que quase enlouqueceu os atores pela necessidade de se filmar na luz do sol poente). Esta aldeia numa distante Áustria parece o paraíso humano: não há cercas, não há intrigas, parece nem existir passado. Mas basta que o tecido da normalidade se rompa para que tudo desvaneça. É como o próprio Franz Jägerstätter (o sempre excelente August Diehl) questiona em certo momento: "Caíram as máscaras". A existência do nazifascismo, que cerca aquelas até então pacatas vidas, traz a tona o passado de Franz com a sua mãe (Karin Neuhäuser), que parecia resolvido e precisa fortalecer os laços da relação entre ele e Franziska (Valerie Pachner), para que se continue existindo.
A forma com que se utiliza a água para a passagem do tempo, como nas cachoeiras da montanha (como em Solaris); o ciclo da vida, em oposição aos problemas "humanos" ("a natureza não se importa para o que fazemos aqui"), por vezes colocada na passagem da água pelo cano de madeira que atravessa os fundos de uma casa (como em Nostalgia); e o molhar-se, como sentido de purificação/reflexão, como quando a chuva que cai sobre a menina enquanto o pai morre (o homem deitado sobre o rio em Stalker, 1979). Tudo isso, deve nos fazer lembrar que ao assistir um "cinema de autor", não assistimos assim, tão somente uma obra em separado, mas uma herança cultural de diversos outros grandes cineastas, dos quais eu também lembraria os soviéticos Larisa Shepitko e Dovjenko (aquele planos no trigo..).
Bastante superior, mesmo tecnicamente, em sua fotografia, e em desenvolvimento do material humano do que em 1917, do cada vez mais prepotente Sam Mendes. Uma Vida Oculta não ganhou sequer uma indicação ao Oscar de fotografia, pois bem. A briga com os estúdios começou em si, pela linguagem falada, que teimosamente teria que ter sido em alemão, mas o público (!), este que os grandes estúdios cada vez subestimam mais, não iria se interessar por uma obra falada em "língua estrangeira". Pois bem, não interessa. São temas universais. Assim como a imigração, que em 2020, e já há bastante tempo, começa a assolar a Europa. "E se os invasores forem os vilões e aqueles que defendem suas casas os heróis?", e Líbia, Afeganistão, Síria, Bósnia, Iraque, Sudão? Não há movimentação histórica que não coloque a ontologia contra o muro.
Em determinado momento, perguntaram-me como que num lugar histórico, como na Alemanha Nazista, existia processos "legais" como o de Jägerstätter. E mesmo o do porquê se preocupar com tal. Isto é, na realidade, um dos elementos por trás da confusão teórica em que entrou Hannah Arendt (da qual nunca saiu), que por diversos momentos colocava a individualidade acima da própria razão. Ora, um regime totalitário como o nazista era tão frágil, mas tão frágil, que precisava de suas demonstrações de força para existir. O próprio fato de uma simples negação colocar o regime em cheque e gerar tanta confusão, demonstra a sua fraqueza. Os processos jurídicos à lá Kafka que vemos hoje, em todas as principais repúblicas burguesas do mundo, são geralmente entendidos pela mídia mundial como "demonstrações de força e solidez" de tal aparato, quando na realidade não é bem assim. Basta lembrarmos do cuidado com que, tanto o stalinismo, quanto o nazismo, precisaram ter para consolidar legalmente a sua repressão. E também lembrar das dificuldades em que historiadores, pós-Holocausto, tiveram para provar o óbvio: de que ele havia acontecido. O cuidado técnico e jurídico, além dos marcos simbólicos para todo o lado, precisa existir e existiu no nazismo - e era extremamente burocrático. As cenas de inquéritos dão muito bem conta deste imenso debate, de um problema que nos segue até os dias de hoje: se há julgamento, então há justiça.
Um tema já tão batido como a Segunda Guerra, não se torna mais assustador por bombas caindo do céu e tanques derrubando casas, mas pela ação individual e coletiva que rompem qualquer solidariedade de classe, qualquer empatia humana. A compreensão e as respostas daquele mundo e dos "porquês", chocam a religião da aldeia com a realidade da política, da humanidade, etc. O refúgio católico, que teria todas as respostas sobre o homem, se mostra completamente frágil enquanto instituição ao dar uma saída para tudo o que se chocava ali. "Vou procurar um homem mais sábio que eu", este homem, perdido no altar mais alto da igreja, não é mais um sábio e sequer entende como o sino milenar de sua instituição vai ser derretido para virar balas. A prática é o critério da verdade, enquanto tal, e o que fazer quando a prática diverge completamente da "verdade"? As teorias colocadas em cheque, durante séculos em que aquela região ficou intocada, não resistem à problemas muito maiores do que as suas perguntas. "Não temos fiéis, temos admiradores", como coloca um pintor - a epistemologia dialética de tudo aquilo que demorou centenas de anos para se modificar, começa a ruir em questão de meses, ou menos. A questão é que não basta apenas compreender o mundo, mas como modificá-lo. Nem que para isso precisemos recorrer ao sacrifício individual de se estar isolado em uma cela, apegado ao que este mundo poderia ser, ou a qualquer outro que possa vir a existir, com os poucos momentos felizes em que nos resta nas lembranças, e erigir um severo, um incisivo e resoluto: "Não!". Este não, por si só, parece dizer tudo o que precisávamos saber sobre o que significa o Ser.
Martin Eden
3.7 23"Lutta per loro, Martin. Lutta per il socialismo!"
Rodado em 16mm, o que salta aos olhos neste belo filme italiano é Luca Marinelli, o ator realmente rouba todo o filme para a sua interpretação magnífica de um indivíduo em transe entre o individualismo burguês e o socialismo do proletariado. O filme foi bastante criticado nos festivais que passou por não desenvolver tanto a questão política, e realmente, foi uma crítica merecida. Agora, o resgate de arquivo feito pelo diretor Pietro Marcello é uma das coisas mais surpreendentemente lindas e bem trabalhadas que rodou no cinema em 2019.
Retrato de uma Jovem em Chamas
4.4 900 Assista AgoraLésbico, barroco e classudo. Atmosfera de cinema para gente grande!
Meu Partido é Assim PSTU 15 anos
3.5 1Um bom documentário que não pareceu prever uma das maiores crises do PSTU após o racha que acontece por causa do afastamento da Dilma (e portanto, do PT) do poder. Há aqui muito carinho e amor por uma causa, e portanto, por um partido, que nos deve levar a ver adiante deste pequeno documentário e entender os elementos que ele já apresentava aos seus espectadores futuros: Por que deu errado? Porque evidentemente alguma coisa não saiu certa - e na minha opinião, a última fala do Valério é a que mais apresenta esta possibilidade de estudo e análise. Neste sentido, é um documento basilar para se entender e questionar o que é certo e o que é errado para se criar o Partido Mundial da Revolução Socialista.
Sinônimos
3.4 50 Assista AgoraA mensagem de Lapid é clara:
~ ~ Os trabalhadores não têm pátria!
Dois Papas
4.1 962 Assista AgoraFernando Meirelles, o artista atrás da decupagem revolucionária de Cidade de Deus (2002), capitulou na hora de colocar o dedo na ferida. Não bastasse Bergoglio ser torcedor do San Lorenzo (credo!), antimarxista, dedurador de opositores aos militares argentinos e esconder o desaparecimento de crianças capturadas pelo regime argentino (1976-1983); ainda temos que aguentar duas horas de construção de um personagem carismático, ponderado e bondoso. A todo momento somos levados a acreditar que o cardeal não seria capaz de ferir uma borboleta, enquanto que o passado nazista de Bento XVI é citado rapidamente somente para não ficar mais vergonhoso.
Antes tivessem colocado o Terrence Malick para dirigir isto aqui, implodir a fé por dentro, fazer uns takes loucos para vermos uns padres perdidos se questionando de forma heiddegeriana pelo silêncio de deus, o mundo material em conflito com a superestrutura construída por décadas de capitalismo e feudalismo. Entrando no íntimo de seus pensamentos humanos, porque é isso o que estes senhores vestidos como drag's medievais são, afinal de contas, meros humanos em uma situação privilegiada de poder. De qualquer forma, concordo bastante com a análise de Otavio Aranha do PSTU sobre The Two Popes: aguentar tudo isso não é nada, a facada mesmo é ver o governo burguês da Dilma também canonizado no cinema. E colocar a antifascista Bella Ciao em coro católico.. Vossa Santidade!
Doutor Sono
3.7 1,0K Assista AgoraO insuportável do Stephen King nunca quis admitir que uma das melhores adaptações cinematográficas de seus livros fora justamente O Iluminado, de 1980 (número da casa onde a garota Abra mora, para os mais atentos). Isso tudo porque o cineasta esvaziou ao máximo o seu tom adolescente de eventos de terror e deu um tom intimista e existencialista ao objeto. Nada contra os vícios do cinema e da literatura do horror, dos quais eu gosto bastante, agora, a prova viva de que há Artes e artes é este Doutor Sono.
Afinal, quantas seitas chatas já vimos em séries e filmes dos Estados Unidos como a que aparece aqui? A construção narrativa da seita é bem interessante no seu início, mas o seu desfecho é bastante decepcionante - é sempre ruim quando morrem personagens que nem sabíamos que estavam lá, a sua única função de morrer deve ser triste para os roteiristas. Eu diria que a ótima atuação da sueca Rebecca Fergunson fez parecer com que a seita fosse bem construída narrativamente, mas não, ela é exemplar daqueles produtos mais típicos e degenerados das obras produzidas nos Estados Unidos.
Pois bem, este tipo de excesso, de gordura material certamente não estariam em um filme de Kubrick, que enlouquecia os seus atores no seu perfeccionismo que quase sempre colheu bons frutos. Longe de canonizações (repudio ao stalinismo ~risos), dentre seus erros e acertos, Kubrick se diferenciava de cineastas comuns pelo seu grande respeito a sua obra (desde O Iluminado em 1980, até a sua morte em 1999, produziu apenas mais dois filmes). Um bom cinéfilo percebe no olhar uma cena produzida em seus mínimos detalhes, e uma cena gravada de forma enlatada e com o objetivo claro de agradar momentaneamente.
O que eu achei mais sarcástico, para Stephen King, é que o próprio diretor Flanagan adquire mais reverências ao filme de Kubrick do que a obra de King! E isso fica bastante perceptível ao final do filme. Com cenas que, aliás, ficam muito fora do tom de um filme que estava sabendo caminhar com as suas próprias pernas - precisava repetir tal e qual as cenas mais famosas do Iluminado? Não.
Este contexto todo faz com que Doutor Sono seja um filme mediano, isso se ele for analisado de forma solitária (como deve ser feito), porque se formos comparar com O Iluminado e aquele cenário único que fora criado, Doutor Sono desaparece enquanto filme. Analisado separadamente, é um filme interessante e com passagens marcantes - mas só. E ainda que saiba escapar de muitos vícios do cinema capitalista em essência dos Estados Unidos, cai em outros que dá dó (a caracterização da seita, personagens construídos sem mais nem menos etc).
O pior é que o filme tinha muito material para ser uma obra independente e forte, diversas cenas foram muito bem construídas, por sinal, só que o seu desfecho quis ser engessado demais, enquadrado demais em questões de gênero cinematográfico. Para piorar, dos que leram o livro, o próprio filme deixa para atrás questões importantíssimas que poderiam tanto melhorar a obra quanto piorá-la. Mas, pelo visto, para King, o problema mesmo é quando os cineastas melhoram a sua obra, e não quando a pioram; mas, de qualquer forma, sem ser levado mais a sério, pode ser um bom passatempo, quase como um X-Men em versão terror.
O Mensageiro
3.6 5Apesar do seu tom humorístico, Kuryer não aborda questões simples: crescimento, relações pessoais, crises políticas internacionais etc. Filmado no início da restauração da decadente burocracia stalinista, capturou muito bem o espírito de seu tempo - e podemos dizer que em cada detalhe.
Degeneração da esquerda, restauração de um capitalismo que já deveria estar sepultado, a decadência social em cada esquina, crise das direções.. Pareço viver eternamente neste filme.
História de um Casamento
4.0 1,9K Assista AgoraMagnificente filme sobre as relações humanas, daqueles que o cinema estadunidense só produz de década em década - mas que de certa forma, vem ganhando cada vez mais espaço nos assuntos abordados, de acordo com o que a realidade exige. Kramer vs. Kramer (1979), Paris, Texas (1984), American Beauty (1999), Eternal Sunshine of Spotless Mind (2004), Blue Valentine (2010) e Her (2013) comprovam isto.
Não é por acaso que Marriage Story nos lembra muito Cenas de um Casamento, de 1973, do mestre Bergman. A fotografia com tons de cores quentes suaves, os longos closes em faces que se desmoronam em lágrimas e os longos diálogos que nos transportam para diversos momentos vividos por aquele casal de personagens, constroem uma narrativa que nos leva até o último minuto de forma angustiada. Não sabemos para quem torcer, não se trata de um jogo, porque vidas - infelizmente ou não, não se podem ser jogadas. E um dos momentos mais eloquentes é justamente quando o casal começa a perceber que naquele jogo, os únicos derrotados eram eles mesmos.
Baumbach parece ter chegado no mais realístico e maduro de seu cinema até aqui, e a canção cantada Adam Driver nos últimos minutos de filme desponta nessa direção. A própria dialética estabelecida entre o início (terno), o desenvolvimento (em que tudo se confunde e vai ladeira abaixo) e o final (terno novamente, mas num sentido de síntese de tese e da antítese anteriores), deixam em evidência o quanto este roteiro foi bem elaborado.
Longe de mim fazer uma apologia a filmes que, depois de recentemente lançados, viram febre, são considerados obras-primas e depois rapidamente são esquecidos. Talvez não seja o filme perfeito que estão romantizando, mas passa longe de ser mais do mesmo.
Comunista
3.8 2- "Então me diga, senhor, o que a ciência marxista tem para nos ensinar sobre o amor?
- "Bem, não vejo que haja nada neste sentido nas obras de Marx."
- "Mas, digamos, por exemplo, que eu esteja apaixonado por uma mulher casada, e não consiga esconder isso, algo que me queima por dentro."
- "Ora, se vamos começar a roubar a mulher dos outros, o que vão pensar do nosso Partido?"
- "Mas que tipo de ciência é essa que não nos responde sobre questões tão relevantes"?
~ E há quem diga que os russos não têm senso de humor.
A Luz no Fim do Mundo
3.4 75 Assista AgoraQuanta profundidade existe neste desenrolar calmo de Light Of My Life [que ainda não estreou no Brasil], aos poucos, Casey Affleck vai demonstrando que seus projetos estão muito além da sombra de seu passado (acusações) e de sua família (Ben).
De início arrastado, quase submerso no particular de um pai e de uma filha, de repente nos vemos atrelados naquela sociedade que Rosseau classificou como natural de selvageria. Sem mulheres, a sociedade parece perder o seu elo de sanidade, que acaba atirado nos ombros de uma criança de 11 anos. Como se torna difícil atingir aquilo que Kollontai definira como "mulher-individualidade" quando o que resta é sobreviver num mundo de homens bárbaros, quase como crianças carentes de amor, um amor possessivo e dantesco.
Mas essa cama de espinhos, que lembra a frase de Beauvoir de que basta a menor dúvida, a menor das crises no tecido social para que toda a "paz" feminina seja colocada em cheque, é apenas uma das camadas de Light Of.. A luta pela sobrevivência e a esperança em um futuro (ainda que estes estejam materialmente impossíveis de se tornarem concretos) são questões inerentes ao ser humano. Assim, os longos diálogos somados aos longos silêncios, que apavoraram tanto o público estado-unidense quanto brasileiro - ambos extremamente parecidos em sua burrice cinematográfica, são cortantes para quem entende o ritmo da película.
O que nos torna civilizados é muito tênue, como dissera Saint Just: "O que gera o bem comum é sempre terrível", ou ainda poderíamos somar Marx sobre Hegel: "O que querem aqueles que não querem Virtude e Horror? Certamente corrupção".
Desmedido e enfezado.
Bacurau
4.3 2,8K Assista AgoraFERVE O SANGUE LATINO (Texto publicado originalmente em Cineplayers)
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Euclides da Cunha escrevera: “O sertanejo, é antes de tudo, um forte”. Esquecera de acrescentar: primeiro porque resiste e segundo, porque afronta. Não por acaso, na primeira cena, Mendonça já demonstra ser um herdeiro latino-americano de Kubrick: do espaço sideral pastiche, parte para a Terra, em seu 2001 nordestino, iremos aprender que ao sapiens, lhe parece faltar a “sapiência”.
Bacurau não é um filme comum, se o fosse, não teria despertado a ira deste atual governo. Busca o que há de mais radical no cinema internacional: de Sergio Leone a Tarantino, de Kubrick ao cinema boliviano de Jorge Sanjinés. Também evidencia, pelos lançamentos brasileiros em 2019, um país que parece querer encontrar a sua revolução. Não como ataque, mas por resistência - uma pena, mas que seja. Mais do que isso, Mendonça propõem um ode ao terror revolucionário (jacobino, bolchevique, guerrilhas, Lampião e Maria Bonita..), e por isso, não vê no sangue do inimigo uma barbárie, mas a libertação dos oprimidos. Exatamente por isso, como Leone, não esconde os pedaços humanos expostos ao solo seco do sol.
A sua violência não é só física, mas simbólica (e no melhor nível cinematográfico). Reparem nos inúmeros caixões durante a sessão. Na primeira cena, um caminhão de água potável atropela dois caixões violentamente, acordando Teresa (Bárbara Colen), mas também demonstrando ao espectador, que acorda de um longo silêncio, que estamos adentrando às portas do inferno. Abre-se um mundo violento diante da tela, trágico e poeirento. Afinal, nada mais brasileiro do que um cadáver atirado num acidente banal numa autoestrada esburacada.
Do espaço sideral falso, ao estilo dos grandes filmes de invasão alienígena, como A Bolha Assassina (The Blob, 1958) ou A Ameaça Veio Do Espaço (It Came From Outer Space, 1953), começamos com uma negação, uma falsidade. Diferentemente dos filmes antigos, principalmente aos insanos da Guerra Fria, o perigo não vem de fora, não vem de longe, de cima, ele é e está aqui. A compreensão é de Platão e Sócrates: para se chegar ao verdadeiro, é preciso se afirmar o falso. O que é, só pode ser o que não é demonstrado que não é.
Diversos críticos de cinema, alguns pretensamente sérios, inclusive, viram no filme um ode aos votos dados aos petistas em 2018. Ora, nada é mais propositalmente ridículo do que isso, reduzindo a própria obra em si a uma votação forçada ao Estado burguês – que aparece em crise na distante Bacurau. O Museu Histórico da cidade, a partir daí, representa bem o que quero dizer: em primeiro lugar, os visitantes estrangeiros se negam, a pedido de uma habitante, a visitá-lo – obviamente. Irão conhecê-lo da pior forma, quase como uma negação da negação entre usurpação e relativização da história daquela região e da força de união de seus habitantes. Alguns destes estrangeiros, aliás, são nada menos do que brasileiros, que não conseguem entender o porquê de acabarem como alvos de bullyng de estado-unidenses. Como todos os traidores ao império yankee, estes provam o sabor do sangue e se viciam, até terminarem mortos. O monopólio da violência não pode fugir das mãos dos estrangeiros colonizadores, que precisam então, num ato de purificação própria, derramar o sangue de “seus aliados”. A tragédia da arrogância e prepotência sulista seca como água no calor nordestino, afinal de contas, quem nasce em Bacurau também é gente.
No Mad Max brasileiro, as classes estão bem vivas, a anarquia primitiva ainda não chegou ao desespero, o caos que Kleber propõem ao Brasil de “alguns anos”, com “execuções públicas às 14 horas” [todos devem ter visto na tv], parece afetar menos as cidades mais isoladas, logo, elas podem desaparecer. Para Karl Marx, o proletariado só poderia ser nacionalista se isto significasse derrubar a sua burguesia nacional, na ausência desta, são os cidadãos e cidadãs de Bacurau que decidem – inclusive se vão viver ou morrer. Não a burguesia, não os seus assassinos. Aí que o conflito Sul e Norte ganha uma preponderância engraçada, afinal, quem é realmente sulista e quem é realmente nordestino? Para o invasor imperialista, o “irmão do Norte”, somos todos sulistas; logo, insignificantes, logo, não faz diferença se morremos ou não. Isso é demonstrado quando o casal de motoqueiros não sobrevive cerca de 15 minutos na casa dos yankees. Não mais descendentes de alemães e italianos, como eles, mas macacos incivilizados a ser abatidos. A própria violência “branca” é mais gourmet, “que barbárie”, relata um dos assassinos estrangeiros ao provar daquilo que ele mesmo queria impôr às pessoas que ele nem sabe o nome. Neste futuro distópico, brasileiros são mortos por estado-unidenses, não por necessidades políticas, mas por diversão! Como caça. Quem irá elevar tudo isto ao patamar da política seremos nós mesmos, resistentes. Por muito menos na história, por situações de “desordem” e “caos”, já fomos abatidos diversas vezes. Basta se lembrar da Operação Condor, de El Salvador e do Chile de Pinochet.
Da apoteose catártica de uma diversão assassina, até mesmo com herança nazista (!), surge a síntese hegeliana do nordestino forte: o elemento post-Punk do Sertão que considera Che Guevara uma bicha. Lunga (Silvero Pereira – que na sua vida particular é travesti) é o bandido revolucionário brasileiro, o ser histórico que emerge com todas as suas contradições de acordo com a sua sociedade contraditória (como Hobsbawm traz em seu Bandidos). Renegado e distante, não sabemos o que ele e seus capangas faziam naquela fortaleza, e nem por qual motivo Pacote (Thomas Aquino) matava. Só podemos saber que a sociedade da região via com bons olhos os atos “incivilizados” de Pacote e Lunga. O que podemos pescar nas referências dadas, é que Lunga fora um ótimo escritor que abandonou a prosa pela violência direta, porque em todo coração revolucionário pulsa uma paixão ardente pela poesia e pela batalha.
Por isso é Lunga (que estampou durante semanas a revista Teorema, coberto de sangue e ódio) o personagem principal de Bacurau. Célebres atores, renomados internacionalmente como Sonia Braga e o alemão Udo Kier, tem o seu papel de destaque e o cumprem com função magistral, é claro. Mas a síntese da revolta (poética e armada), de quem sempre esteve preparado para aquele momento, está na ferramenta que é Lunga. Vejamos, a gente de Bacurau, que passa a detestar o prefeito Tony Jr. (Thardelly Lima) e todas as suas políticas populistas, como agente do parlamento burguês, e que agora precisa resistir ao elemento invasor, não mais se escondendo, mas atacando, encontra em Lunga e em seus capangas, a ferramenta política e prática dessa luta por sobrevivência – que ganha ares internacionalistas e globalizantes ao final do filme, informando que não parece parar por ali. E de forma muito interessante, descobrimos que essa ferramenta não se encontra só no presente, mas no passado: o Museu. Este, por si só, funciona como três elementos principais: (1) como desprezo pelos invasores de fora, como já citado; (2) como resistência, onde Lunga incarna a herança cangaceira e reduz a sangue os seus inimigos e (3) pelo desprezo a história dos de “baixo” aos de “cima”, quando o sangue do inimigo se torna monumento histórico e quando Tony Jr, ao entrar pela última vez na cidade, é recebido com baldes de água e restos humanos. Ou seja, no elemento (3) temos a negação direta do (1), agora são as classes baixas que rejeitam a rejeição dos opressores e fazem destes seus troféus.
Um personagem como Lunga só poderia sair da cabeça de um crítico de cinema, cinéfilo e cineasta como Kleber Mendonça Filho. Se este via nas grandes metrópoles urbanas, como Recife, componentes de tédio, melancolia e terror contido na luta de classes, como O Som Ao Redor (2012) e Aquarius (2016), é na rural e unida Bacurau onde tudo isso é esmiuçado e ganha contornos de “vamos ver”. Não foram poucos os que repararam que, na ameaça iminente, a população se refugia na sua história (Museu) e na escola (educação), dois elementos vistos como alvo pelo presidente Jair Bolsonaro. Também chama a atenção a ausência de um poder político, que também vem de fora na figura eleitoreira de Tony (vote 15 para melhorar de novo!), e na própria ausência de um local político, já que a igreja está abandonada e não se tem a presença de uma câmara de vereadores.
O que Juliano Dornelles e Kleber produziram, sinceramente, eu não via no cinema brasileiro desde 1969, em o Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, de Glauber Rocha. A pedagogia da violência, a estética da fome e a estética do sonho ganham aqui o seu mais fiel herdeiro. Ao mesmo tempo, elementos modernos invadem a cena, afinal, como não associar o carro de som de Tony Jr com o Urso para prefeito de Londres em Black Mirror? A estética quente do sertão nordestino, a figura santa e isolada que redime os problemas da população periférica através da violência (Antonio das Mortes em Lunga) e o avanço tecnológico, que em Glauber se dava através da expansão das autoestradas (refletindo um momento de industrialização pesada no país) se modifica em Bacurau, onde as estradas são sempre feias e esburacadas, já decrépitas. O capital volta a se concentrar nos países centrais. E a tecnologia se apresenta de forma invisível e quase divina (em sinais de Wifi e GPS). Temos aí uma mensagem clara e bastante triste: o Brasil de Glauber ainda é o Brasil de hoje (crianças com fome, escolas faltando infraestrutura e distribuição da miséria), com a diferença de que, mais uma vez, os nossos inimigos estão na frente. Nada mudou.
Bacurau certamente se encontra naquele patamar de filmes a que Slajov Žižek denomina de “a verdadeira esquerda cinematográfica”, diferentemente de Titanic (1998) e Reds (1981), onde o elemento romântico do casal e da falsa luta de classes encontra-se, a termos subjetivos lacanianos, perfumada. O romantismo, no sentido de casal homem-mulher, é praticamente nulo no texto, reduzido a um direto “Cê quer trepar?” entre Teresa e Pacote, na qual o espectador, juntamente com a menina na mesa, reagem com um sonoro: eeeita! Essa é a intensidade proposta ao texto do filme, sequer há tempo para o amor que não o revolucionário, ainda que intenso. Fico pensando o que os psicanalistas mais ousados, como Freud, Slavoj e Lacan, diriam da cena do casal sulista de motoqueiros, ao matarem dois cidadãos de Bacurau. Estes dois, aliás, servem como antítese do casal guiado pela violência justa e anti-opressora de Teresa e Pacote, matando por matar. Enfim, certamente diriam que a frieza e a incerteza com que matam evidenciaria os seus problemas sexuais, (lembre-se do momento em que ambos tiram a arma para o assassinato, é com hesitação e até mesmo vergonha, quase culpa), o confronto orgasmático da morte aparece depois com um vulgar arrependimento, “será?”, “deveríamos?”, “de que forma”.. Eu não ficaria surpreso se descobríssemos que alguém ali não era o parceiro de fato do outro e que tudo não passava de uma “escapadinha” do ambiente jurídico do poder legislativo/judiciário, uma “ação”. Aliás, como são curiosas as cenas de sexo aqui, e uma delas certamente evidencia que Kleber e Juliano sabem com o que estão lidando em mãos, através do coito pós-matança dos dois atiradores. Incrível como o assassinato político assusta menos do que o assassinato orgasmático! Essa é a fundamental contradição e crítica que somos levados a ter.
Ivana Bentes, crítica de cinema, levantou uma questão fundamental: “Se o Estado pode ter drones fatais que atiram para matar, não veremos em um futuro imediato um Rio de Janeiro pilotando drones de autodefesa e ataques?”. Lembro-me da leitura de Brown, analisando a política pós-moderna como “um sintoma de uma narrativa histórica rompida com a qual ainda não forjamos alternativas”, apesar das análises erradas deste para com o Estado e a democracia como tais, vejo que é exatamente este o momento em que vivemos. E é também curioso notar as diferenças que os atores e autores do filme trataram a política: Kleber disse que a interpretação de cada um é o que valia; Juliano que a cultura precisa ter um caráter político, refletir sobre a atualidade; Silvero Pereira foi a première do filme com um “Censura Não!” colado na boca e Sonia Braga, comentou que “Bacurau foi feito para que as pessoas voltem a conversar”(!!!). É como se estes não percebessem a amplitude da sua própria produção, ou no caso dos autores, percebem e preferem “não radicalizar”. Mas a pergunta de Ivana continua latente: como manter a tranquilidade em um Estado onde o governador do Rio de Janeiro, Witzel, fala em armar a população, mas diz que quem estiver armado na cabeça vai “levar na cabecinha”, qual a resposta a estes indivíduos poderosos e sanguinários contra a qual se encontramos indefesos e fragmentados?
A cena em que Tony Jr chega na cidade para receber os “vencedores”, depois do que deveria ser a chacina programada, evidencia um pouco isto, ao perceber a ira da população, o poder executivo tenta a todo custo se desvincular do braço miliciano do Estado que ousa o chamar pelo nome. “Não o conheço” é entoado pelo prefeito, “pare de gritar o meu nome”, na inexistência do braço violento do poder central, quem o toma agora são os próprios cidadãos, ainda que com uma certa piedade e finalidade simbólica. O velho alemão Michael, promete aos insurgentes antes de morrer que isso era só o começo [lembrando que nunca nos é apresentado a verdadeira situação do país e do mundo, e talvez os cidadãos ali nem saibam], mas não mais importa, o proletariado já mediu as suas forças e se viu fortalecido, tomaram o céu de assalto e não irão entregá-lo sem um potente e desgastante combate.
Quem já assistiu [ou leu, no contexto albanês] Abril Despedaçado, ou mesmo estudou um pouco a história do Nordeste, sabe que a tradição de colocar a camisa de um morto manchada de sangue no varal, ao vento, é muito significativa. Para além do luto, é um sinal de dívida pendente. Como não lembrar da mãe carioca que expôs, há alguns meses, a camisa suja de sangue com o símbolo do Rio de Janeiro ao mundo, após ter o seu filho de 14 anos assassinado por uma bala vinda da polícia enquanto caminhava à escola? Foi justamente essa a – pobreza – da crítica de Miguel Forlin, do Estadão, ao chamar Bacurau de “baixeza”, um “chamado às armas” sendo o “..exemplo do que há de mais reacionário e retrógrado no cinema brasileiro atual”.
Ora! Parece-me que Forlin não vê os lançamentos bombásticos e inúteis que o grande cinema nacional lança todos os anos com atrizes famosas, gastando em Paris, e atores medíocres passando-se de engraçados com as mesmas piadas de 10 anos atrás, travestidas de “piadas políticas”. O maluco ainda radicaliza fortemente ao colocar Bacurau como “uma linguagem muitas vezes televisiva”, falta-se aqui entender o que os críticos de cinema defensores dos exploradores burgueses entendem como televisão. A crítica, justamente idiossincrática, de Forlin, acusa Kleber e Juliano de produzirem uma película sem atmosfera! Isso mesmo, e ainda vai além ao acusar o filme mais atmosférico de 2019 de vazio, ao dizer que não se poderia falar dos norte-americanos [sic] e utilizar-se do gênero destes, que é o western! É eloquente que alguém receba em dinheiro para escrever isso e sequer vá para a seção de piadas infames.
Então sequer poderíamos fazer cinema, já que este foi inventados pelos franceses! Não poderíamos escrever em português, já que esta língua é a do colonizador! É cintilante que não apenas este, mas diversos outros “críticos de cinema” se utilizem desses argumentos rasos para enfraquecer determinado filme mediante a sua classe, os seus leitores e também para uma indicação ao Oscar estrangeiro. Mas é claro, como ganhar um Oscar falando mau dos imperialistas? A mentalidade é tão louca, que Forlin ainda ousa questionar sem perceber que indiretamente, responde a sua própria pergunta, ele questiona “Quem são os moradores de Bacurau? Pelo filme, não sabemos, pois só temos a imagem de homens e mulheres se reunindo para vencer uma guerra..”, ora, meu caro, homens e mulheres se reunindo para vencer uma guerra não diz nada sobre um povo? Sobre um contexto? Realmente, a união para esmagar uma guerra injusta não deve dizer nada sobre quaisquer homens, quaisquer mulheres. E ainda: “Quem são os estrangeiros? Também não sabemos, pois só vemos homens e mulheres se unindo para participar de um jogo doentio.” Gargalhadas e socos na mesa, o nosso jovem Feuerbach parece não compreender a sua negação da negação, detesta aqueles que decidem transformar o mundo, mesmo que pela arte. Ao responder a primeira pergunta na segunda, e a segunda na primeira, parece não entender que não importa quem são os estrangeiros e ao dizer que se trata de um jogo doentio, parece não entender que se trata de um jogo histórico, ainda que aqui se trate de um desmascaramento completo deste “game”. Ou a invasão do Iraque, da Bósnia, do Vietnã e do Afeganistão possuíam algo para além de um jogo doentio?
A melhor parte, é claro, reserva-se para a acusação de que Kleber e Juliano seriam irresponsáveis por querer que todos saíssem da sessão querendo iniciar uma revolução e combater o inimigo. Parabéns Forlin, porque é justamente essa a mensagem! Você entendeu, que do alto de seu escritório da imprensa burguesa, está do lado, se propõem a usura e defende o inimigo. É a crítica mais pedante que se pode fazer, acusar uma dupla de cineastas de fazer aquilo que eles justamente quiseram fazer. É como atirar na lata do lixo 519 anos de história, de resistência ao elemento estrangeiro (ou talvez devêssemos primeiro entender quem ele é..) e de crenças populares, como a aparição quase orixá de Dona Carmelita, a argumentum ad hominem aos filmes anteriores de Mendonça, que são muito bons por sinal –ao menos, bem melhores que as pseudo-críticas de alguns verborrágicos empolados.
Chegou-se, mesmo, a condenar o filme como petista! Ora, estes realmente não entenderam os últimos 20 anos de Brasil, além de não entenderem nada de Bacurau. Não entendem, ou se fazem de tolos desentendidos, que o Partido dos Trabalhadores nos últimos anos serviu como uma engrenagem crucial para o apaziguamento da luta de classes. Este apaziguamento não mostra tranquilidade em momento algum na pequena cidade do interior nordestino, não seria surpresa se Tony Jr fosse um mero prefeito de PT, PSB ou PCdoB.
O ator alemão Udo Kier, que já trabalhou com Rainer Werner Fassbinder e Dario Argento, disse que ficara impressionado com o set do filme. “Tudo que estava em cena era parte daquele lugar”, disse. Também mostrou satisfação em trabalhar com dois cineastas brasileiros e que gostaria de trabalhar novamente, citara que em Cannes, muitos vêm e vão [é famosa entre os cinéfilos a questão da bolha cinematográfica do festival], sem dizer nada, mas que não era o caso deste filme da qual integrara. Chegou a dizer que talvez o seu personagem trabalhasse para o governo brasileiro, talvez apenas para o prefeito.. Teria diferença? São muitas questões não ditas, subjacentes, mas que ao mesmo tempo gritam na nossa cara que estão ali. E aí depende da experiência cinematográfica/política e mesmo da disposição para absorver. Bacurau é um filme de longas e múltiplas camadas – políticas, estéticas, referências cinematográficas e metafísicas, intangíveis, materiais, históricas, impalpáveis, etc.
O caixão de Dona Carmelita, que numa cena metafórica estremece e expectora água, assim como os caixões atropelados na estrada, cumpre a função de nos apresentar um mundo infernal que está por vir, mas também representa uma força contida, que vem de baixo e começa a transbordar. Não é normal que um caixão transborde água, assim como também não é normal, para aqueles que mandam no mundo, que os subordinados se organizem e partam para o enfrentamento. E quando isso acontece, mais e mais, aqueles personagens, assim como quaisquer personagens que na história enfrentaram os seus vilões, expurgaram os seus fantasmas, vão adquirindo uma força própria, num vórtice giratório de ganhos de força e mais força. A cena mais forte da película – se é que posso dizer isso, quando uma criança é assassinada brutalmente, e a sua mãe rasga o silêncio do sertão com um grito de dor, a mensagem fica cristalina: o povo, as massas, podem ser ludibriadas por muito tempo, podem ficar em monorritmia por décadas, mas não ousem derramar o sangue dos filhos da classe trabalhadora, não ousem tirar o futuro daqueles que já não o têm.
Porque Bacurau é justamente isto, uma reinvenção dos termos sinestésicos glauberianos e euclidianos deste Brasil permeado de classes populares que ousam resistir, ousam ganhar voz, e que irão para as armas se assim for preciso! E será. Mais do que arte, é um manifesto. Evoca Canudos de Antônio Conselheiro; Recife de Domingos José Martins; Marinaleda de Gordillo; a Palmares de tantos Zumbis; a Comuna de 1871 e tantas outras cidades-fortalezas do proletariado. Indo para além de uma simples diversão do spaghetti western e seus referenciais contra-plongée em planos abertos, o suor e o sangue do povo latino são levados a potência total. Se na minha sessão vibrávamos com as mortes dos inimigos, é porque o cinema brasileiro também anda fazendo o nosso sangue ferver, e as classes mais abastadas temem qualquer rebelião e atacam com voracidade, ainda que seja num filme. O rosto manchado de sangue e suor de Lunga - que estampou diversas revistas e jornais, das mais importantes de cinema no mundo, evoca o mito do forasteiro que protege os seus, do latino rebelde, que não cansa de reencarnar nas mais diversas figuras, ainda que agora tenha um curioso cabelo comprido e unhas pintadas. É isso, sabemos, acima de tudo, que se alguém precisar morrer, que seja para melhorar. E a quem não me entendeu.. haha, não perde por esperar.
Garotos de Programa
3.6 385 Assista AgoraUm dos filmes mais potentes de Gus Van Sant (Gênio Indomável - um dos meus filmes favoritos de sempre, Elefante e Milk: A Voz da Igualdade), o que por si só já não é pouca coisa. Filmado em 1991, a União Soviética implodia por dentro; mas do outro lado do mundo, o capitalismo não dava uma resposta positiva ao futuro: a moralidade cristã, a essência dos indivíduos, a economia e a estabilidade financeira.. Tudo montanha abaixo.
Coitados dos pseudo-marxistas que ainda defendem a legalização da prostituição, essência do capitalismo predatório que transforma o amor e os indivíduos em mercadoria - ainda mais diretamente.
River Phoenix, ator principal, morreria 3 anos depois com apenas 23 anos. Mais ou menos da mesma forma como morre no filme, fechando a tumba de toda uma geração de sonhadores. O que nem todos sabem é que ele era um dos irmãos mais velhos de Joaquin Phoenix (Coringa, Gladiador e Her), sem dúvidas, o maior ator do século XXI.
O que poucas pessoas sabem, menos ainda, é que River teve uma amizade muito bonita com Milton Nascimento, cantor brasileiro que ficou espantado com as atuações do menino. Ao conhece-lo através do cinema, Milton decidiu escrever uma carta, que virou poema, e que claro, virou música. Uma de suas mais belas e desconhecidas. Acho que ela tem tudo a ver com My Own Private Idaho, também. A letra é esta aqui:
"Se um dia
A gente se encontrar
E eu confessar
Que vi um filme
Tantas vezes
Para desvendar
Os olhos teus
E se a gente
Se falar
Contar as coisas que viveu
O que esperamos do amanhã
Será que pode acontecer?
Pois paralelo ao personagem
Eu quis saber, mesmo
É de ti
Queria que fosses feliz
Uma água calma inundar
A sua margem de carinho
Um peito aberto
A quem chegar
Com o teu nome
Diferente
Uma paisagem nos induz
Uma paisagem de inocência
Mas que se sabe
E que conduz
Conduz agora este momento,
O pensamento e os olhos meus
Brilhando de emoção e grato
Alguém que só te conheceu
Num filme que viu tantas vezes
E este poema, aconteceu."
O Vale dos Lamentos
4.5 10Não tenho dúvidas: trata-se do filme mais triste do mundo!
Reza a lenda que:
A cena da lã (vermelha, cor do amor) que separa o casal no mar, onde a moça diz: "Não tive tempo para terminar", não é sobre a costura, mas sobre o sentimento incompleto.
Um crítico estado-unidense teria dito para o outro, numa exibição na Europa: "Trata-se de uma puta poesia! Uma puta poesia, não é um filme!" Ao que seu colega respondeu: "A pior das poesias, a que lhe arranca o coração do peito."
O cinema de Angelopoulos é uma facada mesmo.
Estou Me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar
4.3 210Desde A Queda de Ruy Guerra, em 1976, eu não via um filme mostrar de forma tão crua o que é a classe operária brasileira e o quanto a extração da mais-valia desumaniza o ser humano enquanto ser social. Marx estaria orgulhoso - do trabalho de Marcelo, e não da situação em que ainda se encontra a sociedade global.
Tive o orgulho de dizer na frente de Marcelo Gomes (o artesão atrás de Cinema, Aspirina e Urubus/Viajo porque preciso, volto por que te amo) o quão relevante será este pseu-documentário na nossa nova época de ataques aos trabalhadores.
Valorizem o cinema brasileiro, ela virá.
Diamantino
3.2 33O cinema português hoje (ao lado do romeno e do iraniano) é sem dúvidas um dos mais frescos do mundo: empolgante, original, sarcástico, inovador, perspicaz, emocionante e particular.
Quase faz todo mundo chorar com uma pseudo biografia do Cristiano Ronaldo! Não pode ser pouca coisa.
Chequista
3.8 12 Assista AgoraUm dos filmes mais difíceis de dar uma nota dos quais eu já assisti, chega a enjoar, dar uma ânsia de vômito por tanto sangue e pedaços humanos misturados naquela água suja dos porões da CHEKA. E pelo mesmo momento em que exagera em algumas situações, como a da empregada, é cruel e cínico em mostrar fuzilamentos a todo minuto, a te acostumar aquela selvageria, que as gerações futuras ainda se dividem em dizer se foram necessárias ou não.
Cafarnaum
4.6 673 Assista AgoraO seu final, um tanto eugenista, esfacela um pouco aquilo que foi tão bem construído: nos escombros do capitalismo, na periferia árabe, todos os males do século XXI - abandono, solidão, miséria, esquecimento e muita, muita luta por sobrevivência.
Os Companheiros
4.3 27Para quem quer saber de onde sai a ideia do "Profesor" de La Casa de Papel, aqui está, em um revolucionário Mastroianni.
Nunca Deixe de Lembrar
3.9 144 Assista AgoraDepois desta absurda e coerente análise de Jessica Kiang, da revista de cinema e entretenimento criada em 1905, a Variety, eu tentarei fazer uma escrita, no mínimo, igual a sua brilhante colocação, ela formulou: “...Uma das forças mais sutis de Never Look Away é a evocação de uma população derrotada na Guerra que não experimentou o comunismo como revolução, mas como uma substituição. As insígnias e os catecismos mudaram, mas as atitudes subjacentes permaneceram grotescamente semelhantes em sua priorização insensível do dogma sobre a decência."
Nunca Deixe de Lembrar é uma obra arrasadora de um país que não se encontrou em momento algum no século XX. Errado seria pensar que depois da reunificação, tudo ficou esquecido e todos os problemas desapareceram. Filmes sobre o neonazismo como o recente Kriegerin (2011), passado na Alemanha, mostram como dezenas de jovens ainda se sentem acolhidos e representados pelas ideias de Adolf Hitler, esquecidos – ou não – pela democracia liberal em vigência na atual Alemanha, estes vagam para lá e para cá, atrás de judeus, negros e estrangeiros. Agem de forma violenta, mas também bastante desordenada, sem programa nenhum (que bom).
É muito satisfatório saber que Florian Henckel von Donnersmarck voltou a filmar na Alemanha e sobre um assunto que pouco os alemães decidiram explorar nas artes (se comparado ao nazismo, é quase nada), isto é, a Alemanha Oriental. Os três principais são Goodbye, Lenin! (2003) de Wolfgang Becker; Der Baader Meinhof Komplex (2008) de Uli Edel e o mais aclamado pela crítica, Das Leben des Aderen (2006) do próprio Donnersmarck, inclusive vencedor do Oscar estrangeiro. Mas qual é a diferença fundamental entre estes três primeiros filmes e o mais recente Werk Ohne Autor, isto é, de nome estrangeiro Never Look Away?¹ Todos estes analisam a história da Alemanha, ou uma fração dela, no século XX (pós a Alemanha Nazista, e isto é fundamental). Mas apenas aqui que von Donnersmarck faz uma ligação direta entre o passado nazista e o “presente” comunista, em todos os outros, a burocracia estalinista já estava lá, aprontando das suas. Sim, como Jessica Kiang pontuou lá em cima no texto, da qual citei com louvação, a Alemanha Oriental/Comunista era nada mais do que uma potência vencida, que experimentava o comunismo russo como uma substituição a república racista de Hitler. Isso não tinha como dar certo, parece nos dizer o autor, lá pelos 25 minutos de filme, quando ocorre a transição.
Cena simbólica para isso é quando o ex-médico nazista salva o filho prematuro de um militar do exército vermelho, de um parto que tinha tudo para dar errado. O Professor Doutor Carl Seeband (Sebastian Koch) mostra o seu serviço salvando essa criança russa em solo alemão – vejam bem!, e este militar soviético, ao invés de fazer a retalhação prevista para o médico (que havia matado pessoas “impuras”, “problemáticas” e degeneradas, como os nazistas gostavam de classificar), decide por salvá-lo: “Quem salva uma vida, salva o mundo todo”, ignorando todo o passado sombrio do Professor Doutor. É, é exatamente isso que você leitor pode estar pensando. A nova Alemanha, mesmo ocupada pelos russos, não enterrava de vez o seu passado sombrio, pelo contrário, trazia ele de volta, como uma perfumaria que talvez não fosse tão pesada como pensassem. Eixo do filme, da transição entre nazismo e comunismo, essa forma de representar o nascimento da República Democrática Alemã (DDR/RDA em português) é esplêndido.
Disso, cresce o pequeno Kurt Barnert (Tom Schilling), e de uma hora para outra, este que via sob o olhar desviado de uma inocente criança, o nazismo florescer e se enraizar na sua cidade de Dresden e perturbar a mente de sua amada prima; começa a estudar e trabalhar em uma outra Dresden, daquela que pinta em vermelho e branco em letras expressivas: O Comunismo É Para Todos e não mais “Alemanha acima de todos”. Uma loucura histórica que parece não afetar o jovem pintor, pelo menos não até os seus 30 anos, mas que soa como uma aberração aos espectador mais atento as mudanças de cenário.
Apesar de alguns saltos de uma passagem histórica para outra e de um final um tanto apressado (afinal, assim, o filme já completara mais de 180 minutos), que acabam por destoar um pouco de um filme bem construído, as passagens são bem construídas e os eixos temáticos mudam de forma sensível.
Após ingressar numa escola de vanguarda na Alemanha Ocidental, no satírico-pop “realismo capitalista”, Kurt acaba por se desconstruir como pintor (embora isso não fique tão claro enquanto pessoa/personagem), colocando para atrás tudo aquilo que havia pintado – representado nas cenas de seu professor sendo preso por apoiar o nazismo e ser um pedófilo e quando sua pintura na parede é tapada por tinta branca.
Levemente inspirado na vida do pintor alemão Gerhard Richter, que – como no filme – negava qualquer relação pessoal com as obras, o que levava os críticos mais próximos a ele, e mais investigativos também, a quase uma loucura. Daí surge o termo em alemão: Werk Ohne Autor (Uma Obra sem Autor), principalmente pela sua fase de pinturas nos anos 1968 em diante, isto é, praticamente pintando fotografias.
Richter chegou a polemizar bastante, fez retratos do grupo alemão terrorista armado pelo comunismo, os Baader-Meinhof e mais adianta, começou a fazer uma arte completamente abstrata, que foi, e é, curiosamente, a sua fase mais famosa internacionalmente nas pinturas, que acaba por não ficar representada no filme.
Sobre a história entre o pintor e a sua tia, que morre enquanto ele era pequeno, da qual não irei revelar mais detalhes para não soar como 'spoiler' aos que ainda não assistiram (provavelmente a maioria que lerá este texto), ela é sim, verdade. O que pode tornar tudo ainda mais dramático para quem assiste, inclusive para o próprio Gerhard.
Sua trilha sonora é magnificante, imponente e te leva a sentir cada desejo, cada traço na pintura, cada pincelada que o autor dá. Não por acaso, Gerhard Richter, o pintor verdadeiro, não quis assistir ao filme, por considerá-lo doloroso demais para ele; aliás, este tinha demasiadas discordâncias com o diretor Donnesmarck de sequer realizar o filme! Suas entrevistas, entre pintor e diretor, apesar de não reveladas² oficialmente, fato do qual Donnesmarck já se envolveu em escandâ-los no anterior A Vida Dos Outros (2006), já citado vencedor do Oscar, revelam o quanto este filme é grandioso. Apesar de sua face artesanal, isto é, um pintor, um romance e algumas tragédias, não é por pouco caso que muitos críticos internacionais³ o chamaram de obra-prima do século XXI. Embora tenha ficado apagado no circuito brasileiro de filmes, para variar e porque claro, temos que comer os enlatados psicóticos tipos Vingadores todo ano, invadindo cada sala de cinema nos cantos das metrópoles, tem muita bala no arsenal para se tornar um grande filme visto pelos brasileiros.
Não por coincidência, muitos críticos o compararam a David Lean (em que muitos filmes aparentemente “pequenos”, pela sua produção e estória, acabavam com uma duração e uma força artística gigantes), por sua magnitude e pelo seu tempo de duração. Além, é claro, da força de personagens como as duas mulheres da vida de Kurt, Ellie (Paula Beer) e Elisabeth May, sua tia (Saskia Rosendahl). Ou melhor, quem sabe, este sendo o homem na vida dessas mulheres. Estas, aliás, estão menos apagadas no filme do que aparenta. Um filme sobre homens pintando e brigando (na arte e na guerra) nunca foi tão feminino. Não bastasse a história da Alemanha ser representado pelo parto sofrido de uma mulher que nem tem o seu nome comentado e das pinturas de Kurt se resumirem às mulheres que na sua vida marcaram presença, é quando a sua arte alcança aquilo que ele define como o EU (Ich, ich, ich..), que seu filho com Ellie, então estéril, realmente nasce. O nascimento e a morte permeiam a vida de Kurt assim como permeia a vida dessa pátria tão sofrida.
Apesar de não ter vivido a Guerra como soldado e não ter perdido nada diretamente (como muitos outros que passam por seu caminho realmente perderam), ele a sua geração sofreram as consequências diretas desse conflito. Não na pele, mas na memória. O intervalo de construção de uma “ex”-sociedade nazista para uma futura sociedade comunista/capitalista foi tão curto que não extirpou a violência e a malevolência implícitas naqueles alemães – e talvez nem tivesse como. Na mensagem deixada no final (e é importante aqui que se entenda o início do filme, onde o Kurt pequeno e a sua tia passeiam por aquilo que os nazistas consideravam como “arte degenerada”), onde o repórter e o câmera decidem não filmar numa tela pintada por Kurt (por conter uma mulher nua) e nem em outra (por conter um soldado que aparenta ser um nazista); além de ser engraçada, demonstra fortemente o quanto qualquer nação, qualquer pessoa, qualquer arte que seja feita, é construído e reconstruído com aqueles fantasmas do passado. Desde já, um de meus filmes favoritos.
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¹ No momento em que escrevi essa crítica, não havia tradução oficial no Brasil para o filme, decidi por uma tradução do nome internacional: Nunca Deixe de Lembrar, mas bem poderia ser Trabalho Sem Autor.
² Ou ao menos pensamos que não foram reveladas, já que muitos fatos que o pintor não queria exposto no filme acabaram saindo e de forma mais direta impossível.
³ O famoso cineasta William Friedkin, de Operação França, O Exorcista e Killer Joe, chamou-o de “melhor filme que eu já vi”.
(Feito originalmente em Cineplayers)
O Caçador de Cabeças
3.0 36Pequeno e potente, assim eu defino este filme bastante simples com apenas 2 atores. Fotografia bastante delicada, terror trash e história medieval. Não cai em lugares comuns sobre o tema: pelo contrário, mostra como o período foi altamente cruel, misterioso, violento e sombrio.
Há muitos filmes que torram dinheiro por aí com ambientações e celebridades que não são nem a metade do que este é.
Um guerreiro solitário em uma época solitária.
Cosmic Journey
3.4 1Possui algumas bizarrices, como a Lua parecer uma caverna ou um foguete pousar na terra de paraquedas. Mas contando que se trata de 1935, na repressão stalinista e que em 2018 muitos fulanos dizem por aí que a Terra é plana, é uma grande obra de ficção.